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UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO E ARTES


CURSO DE HISTÓRIA

O SERTANEJO DE VIRIATO CORRÊA NA PEÇA DE TEATRO DE


COSTUMES JURITI

GIOVANA ZAMITH VILELA

São José dos Campos, SP


2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E ARTES
CURSO DE HISTÓRIA

O SERTANEJO DE VIRIATO CORRÊA NA PEÇA DE TEATRO DE


COSTUMES JURITI

GIOVANA ZAMITH VILELA

Relatório final apresentado como parte das exigências da disciplina


Trabalho de Conclusão de Curso à Banca Avaliadora do Curso de
História da Faculdade de Educação e Artes da Universidade do Vale
do Paraíba.

Orientadora: Prof.ª MSC Maria José Acedo Del Olmo


Co-orientadora: Prof.ª MSC Zuleika Stefania Sabino Roque

São José dos Campos, SP


2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E ARTES
CURSO DE HISTÓRIA

O SERTANEJO DE VIRIATO CORRÊA NA PEÇA DE TEATRO DE


COSTUMES JURITI

GIOVANA ZAMITH VILELA

Relatório final apresentado como parte das exigências da disciplina


Trabalho de Conclusão de Curso à Banca Avaliadora do Curso de
História da Faculdade de Educação e Artes da Universidade do Vale
do Paraíba.

Orientadora: Prof.ª MSC Maria José Acedo Del Olmo


Co-orientadora: Prof.ª MSC Zuleika Stefania Sabino Roque

Orientadora: Prof.ª MSC Maria José Acedo Del Olmo


Co-orientadora: Prof.ª MSC Zuleika Stefania Sabino Roque

Banca Avaliadora:______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

São José dos Campos, SP


2010
DEDICATÓRIA

À minha família especialmente ao meu marido


irmã e mãe que muito ouviram sobre este tema
e ao meu pai que me apoiou financeiramente.
Às minhas orientadoras que me guiaram
durante o processo de realização deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família pelo apoio concedido durante esses longos anos de estudo,
pela motivação e conselhos. Especialmente quero agradecer à minha mãe pelos livros e
material que me concedeu, à minha irmã pela experiência de vida e estudo que dividiu
comigo, ao meu marido por compartilhar a vida comigo durante esses 11 anos de
relacionamento e, ao meu pai que me ajudou muito financeiramente e que me ensinou a ter
garra e perseverança na vida.
Quero agradecer também à família de meu marido que me acolheu em sua casa e sua
vida, que me compreendeu e apoiou minhas escolhas. Aos amigos do André, e meus também,
pelas horas de alegria e boas discussões que muitas vezes me inspiraram nesta pesquisa.
Às minhas orientadoras Maria José Acedo Del Olmo e Zuleika Stefania Sabino Roque
que me guiaram no percurso deste caminho de grande aprendizado, que me socorreram nas
horas de dúvida e me motivaram nas horas de angústia e cansaço. Aos professores e
professoras Valéria Zanetti, Maria Aparecida Papali, Paulo Romano, Pedro, Adriana e todos
os outros que me acompanharam durante o curso de história e me orientaram neste percurso.
Agradeço aos colegas de faculdade pela paciência, apoio e compreensão nos
momentos difíceis da vida e, por me ensinarem muito sobre a vida, amizade, perseverança e
História.
Por último, agradeço a todas as pessoas que colaboraram direta e indiretamente para
que este trabalho fosse realizado.
O SERTANEJO DE VIRIATO CORRÊA NA PEÇA DE TEATRO DE
COSTUMES JURITI

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da peça de teatro de costumes
sertanejos Juriti escrita por Viriato Corrêa em 1916 e estreada em 1919, no Rio de Janeiro. A
peça, que tem por destaque o conflito entre o rural e urbano, conta a história da confusão
gerada por três moradores da cidade que vão passar alguns dias numa vila de sertanejos onde
mora Juriti, a mais bela sertaneja. Na análise, que teve como um dos referenciais teóricos os
Estudos Culturais, buscou-se discutir a identidade e diferença dos sertanejos e citadinos como
relações de poder através da problematização das oposições binárias que caracterizam estas
identidades. A partir da constatação da hierarquia à qual estas identidades foram submetidas,
buscamos entender qual a intenção do autor em se normatizar a identidade do sertanejo em
detrimento da inferiorização da identidade do citadino e qual a relação que essa hierarquia
tem com o contexto histórico social em que a peça foi escrita e com a posição de sujeito do
autor. Concluí-se que ao estabelecer uma hierarquia na qual o sertanejo é superior ao citadino,
o autor corrobora com a crença de que no campo e nas mãos do sertanejo é que está o futuro
do país.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro de Costumes Sertanejos, Viriato Corrêa, Juriti


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO 1- A PEÇA “JURITI” E O SEU TEMPO 14
1.1 - As Várias Representações do caipira e/ou sertanejo no teatro 22
1.2 - Quem era Viriato Correia 30
1.3 - Características da obra de Viriato Corrêa 36
1.4 - Teatro de Costumes e a decadência do teatro nacional 38
CAPÍTULO 2 – A PEÇA DE TEATRO “JURITÍ” 45
2.1 Coronelismo 46
2.2.- Sertão de Viriato Corrêa 51
2.3 - Conflito Urbano X Rural 53
2.4 – A perspectiva dos Estudos Culturais sobre a identidade e diferença na peça de 57
teatro de costumes “Juriti”
CONSIDERAÇÕES FINAIS 60
FONTES E BIBLIOGRAFIA 62
ANEXOS 64
LISTA DE FIGURAS

Ilustração 1: Foto dos autores da peça Juriti (1933).................................................................41


Ilustração 2: Foto da encenação da peça Juriti (2009)..............................................................44
9

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a peça de teatro de costumes sertanejos
Juriti, escrita por Viriato Corrêa em 1916 e estreada em 16 de julho de 1919 no Teatro São
Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro. Juriti foi musicada por Chiquinha Gonzaga1,
compositora que contava neste momento com 72 anos e com reconhecimento profissional
pela sociedade brasileira.
A escolha deste tema se deu em função do desejo de unir as áreas de história e música
devido à minha2 formação na primeira área. Em função disso, escolhemos pesquisar a obra da
compositora Chiquinha Gonzaga, mais especificamente as peças de teatro musicadas por ela.
Dentre várias destas peças, escolhemos Juriti em função da existência de referência
bibliográfica sobre a mesma. Após esta definição, saímos em busca das partituras que
compunham a parte musical desta obra e, para isso entramos em contato com o Instituto
Moreira Sales do Rio de Janeiro, local que abriga o acervo documental da Chiquinha
Gonzaga. Entretanto, o instituto passava por uma reforma para digitalização deste acervo, fato
que nos impediu de ter acesso aos documentos por um tempo indeterminado. Em função deste
impedimento, restou-nos analisar a parte não musical, ou seja, a parte textual da obra.
A peça, que obteve sucesso de público e é reapresentada até hoje3, retrata a história de três
personagens da cidade, dois doutores e a prostituta deles, que vem do Rio de Janeiro passar
uns dias numa vila de sertanejos4. Um desses personagens da cidade é o doutor Juca, filho do
Major Fulgêncio que após se formar em advocacia no Rio de Janeiro é trazido à vila de
sertanejos pelo pai que deseja ostentar o título de doutor do filho para provocar a irá de seu
inimigo: o coronel Cutrim. O doutor Juca após conhecer e se encantar com Juriti, a mais linda
sertaneja da vila, vai tentar roubar uns beijos da moça, que, no entanto, já tinha um noivo.
Após o doutor tentar, por várias vezes sem sucesso, seduzir a sertaneja, espalha-se um boato
na vila que de que Juriti foi vista por umas bandas meio escuras com o doutor Juca. Isso é o
suficiente para que a honra, e a virgindade de Juriti sejam colocados em dúvida pelos
moradores da vila. Ao saber destes boatos o noivo de Juriti, o vaqueiro Graúna, desacredita

1
Esta compositora também se destacou na história pelo seu pioneirismo e pelo comportamento ousado e
irreverente para os padrões da época.
2
Neste caso optamos por usar a primeira pessoa do singular devido à necessidade de tratar de um tema que se
refere a questões pessoais.
3
Segundo consta no site abaixo, esta foto foi tirada da apresentação da peça “Juriti” encenada nas cidades de
Uberlândia e Uberaba em 2009 – extraído do site <http://blogln.ning.com/profiles/blogs/chiquinha-gonzaga-a-
mae-da>. Acesso em 25 out. 2010.
4
A localização geográfica da vila de sertanejos é indefinida. A vila é representada num local geográfico que tem
por finalidade se contrapor ao cosmopolitismo da Capital Federal.
10

na honra de sua noiva e rompe seu noivado. Juriti fica muito triste, já que sua honra era tudo
que tinha. Por fim, a linda sertaneja consegue provar sua inocência á todos, mas prefere não
reatar seu noivado com Graúna e sim entregar seu amor ao homem que acreditou em todos os
momentos em sua castidade: o sertanejo Corcundinha, o maior violeiro de todas as bandas,
porém feio e deficiente físico, mas que tinha um imenso amor por ela.
Um dos questionamentos que surgiu durante a revisão bibliográfica foi acerca da
utilização dos termos sertanejo e caipira já que Melo (2007) analisa a peça Juriti que trata do
sertanejo em sua pesquisa que tem por título Caipiras no palco: Teatro na São Paulo da
Primeira República. Constatamos que a palavra sertanejo é associada ao vaqueiro morador do
sertão e caipira é associada ao morador do interior de São Paulo. Apesar desta diferença, essas
duas palavras são tomadas como equivalentes por alguns autores, como podemos constatar na
definição da palavra sertão por Alencar (2000) cuja contribuição para este trabalho é bastante
enriquecedora
A categoria “sertão” está profundamente arraigada na cultura brasileira, seja no
senso comum, seja no pensamento social ou ainda no imaginário do povo [...] A
etimologia da palavra ainda não é bem definida. Segundo Amado (1995) o vocábulo
deriva de deserto (deserto, desertão, sertão), apoiando-se essa hipótese nos atributos
comuns aos dois termos: aridez, despovoamento, travessia.
No Brasil, desde o início do período colonial, a palavra sertão tem sido empregada
para fazer referência a áreas as mais diversas, pois seu enunciado depende do locus
de onde fala o enunciante. Assim, sertão se refere a áreas tão distintas e imprecisas
como o interior de São Paulo (também identificada como área “caipira”) e da Bahia,
toda região amazônica, os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, além do
sertão nordestino, onde quase se identifica com a região. Marcado pela baixa
densidade populacional e, em alguns lugares, pela aridez da vegetação e do clima, o
sertão assinala a fronteira entre dois mundos, o atrasado e o civilizado.Mancha
imprecisa que recobre o interior do Brasil, melhor seria a referência a “sertões”, no
plural. Pode-se afirmar que, relativo ao espaço geográfico ou ao imaginário social,
sertão é sempre plural. (ALENCAR, 2000:01, grifo nosso)

Em função da equivalência entre estas palavras, nesta pesquisa as tomamos como


sinônimas, já que não foram encontradas evidências por nós que nos impedissem de partilhar
desta atitude.
Outro questionamento, ou melhor, estranhamento que surgiu após a leitura da peça se deu
pelo fato do sertanejo ser enaltecido e representado como superior ao citadino, representação
esta inteiramente nova para mim5. Este estranhamento se deu porque a representação que eu
tinha do sertanejo não era a de um “modelo a ser seguido”, mas sim a de um modelo a ser
combatido, superado, ridicularizado. Representação esta que se deve à consolidação no
imaginário social brasileiro da figura do Jeca Tatu de Monteiro Lobato (MALTA, 2008). A

5
Neste caso optamos por usar a primeira pessoa do singular devido à necessidade de tratar de um tema que se
refere a questões pessoais. Porém isso não se repete ao longo da pesquisa
11

partir deste estranhamento partimos em busca de explicações para este enaltecimento do


sertanejo por Viriato Corrêa.
Após uma revisão bibliográfica, constatamos que a peça Juriti foi analisada nas pesquisas
de Melo (2007) e Penteado (2001). O primeiro autor6 não se deteve a explicar o porquê de
Viriato Corrêa representar o sertanejo como superior ao citadino. Aliás, Melo (2007) não
classifica o sertanejo como puro e superior ao citadino cujos hábitos são corrompidos. Para
ele, não há uma oposição binária entre ambos, mas, sim uma gradação em que um
personagem é mais sertanejo, ou mais caipira que outro. Além disso, este autor considera que
os sertanejos não são classificados de forma homogênea, mas sim de múltiplas formas. Já
Penteado (2001)7, constatou que Corrêa retrata o sertanejo na peça Juriti 8 como “guardião da
nacionalidade brasileira” porque esta é uma tendência de “uma vertente da reação nacionalista
pela qual o Brasil passava naqueles idos de 1920” que se baseava num conceito idealizado da
vida rural. Nesta tendência, o sertanejo simboliza as virtudes brasileiras em contraste à
desmoralização e depravação dos citadinos (PENTEADO, 2009:57). Além disso, Penteado
(2001) cita Brito Broca que afirma que a partir de 1910 há uma voga do caipirismo
nacionalista no teatro e, Viriato como um autor “seguidor de tendências” vai também seguir
esta moda. Porém, não podemos nos esquecer de que o enaltecimento do sertanejo e a
idealização da vida rural não eram a única tendência de representação do sertanejo neste
momento. Fora do meio teatral temos a representação do personagem Jeca Tatu criado por
Monteiro Lobato em seus artigos Velha Praga e Urupês, ambos escritos em 1914 que vai
contra a representação apregoada por Viriato Corrêa do sertanejo. Apesar de aceitarmos a tese
de que a forma como Viriato representa o sertanejo é uma tendência, ao menos no meio
teatral, acreditamos que as motivações políticas que levaram o autor a corroborar com esta
tendência, e não outra, ainda não foram dadas.
Em função do que foi exposto anteriormente, tomamos a investigação das razões que
levam o autor da peça Juriti a enaltecer o sertanejo e estabelecer uma hierarquia na qual a
identidade do sertanejo é superior à do citadino como objetivo geral desta pesquisa. Como
objetivos específicos, nos propomos fazer uma análise da peça para entender a relação desta

6
A pesquisa de Melo (2007) teve por objetivo traçar a relação da peça Juriti, juntamente com peças de diversos
autores, com o projeto de construção da identidade nacional para a jovem República objetivado por parte da elite
letrada do país.
7
Penteado (2009) teve por objetivo discutir as relações entre o romance Cazuza de Viriato Corrêa e o ideário do
Estado Novo. Em sua pesquisa ela analisou várias obras de Corrêa, entre elas Juriti, com o objetivo de montar
um panorama maior das características de sua obra.
8
A forma como o autor representa o sertanejo na peça Juriti se repete em outras peças do autor anteriores ao
Estado Novo 8 como: A Sertaneja (1915), Manjerona (1916), Morena e Sol do Sertão (1918).
12

com o contexto histórico no qual está inserida, entender a posição de sujeito do autor da peça,
as características de sua obra e, por último, investigar quais especificidades que o gênero
“teatro de costumes” traz à peça.
O referencial teórico utilizado para a resolução deste problema foram os Estudos
Culturais9, mais especificamente a teoria sobre identidade e diferença que parte da premissa
que as identidades são marcadas pela diferença e que ambas são “[...] resultado de um
processo de produção simbólica e discursiva [...]”. cuja definição é disputada por grupos
sociais que as usam para garantir o pode político econômico e social á identidade marcada
como ideal e que está no topo da hierarquia. Ou seja, entre as identidades não há uma relação
de igualdade, mas, sim uma hierarquia que encobre relações de poder. Apesar deste
referencial não permear toda a pesquisa, ele foi de fundamental importância nela.
A metodologia deste trabalho se constitui de uma revisão bibliográfica na qual
utilizaremos como fonte primária a edição de 1962 da peça Juriti de Viriato Corrêa publicada
na Revista de Teatro da SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais - número 329.
Como fontes secundárias, utilizaremos livros, artigos, dissertações e teses que tratem de temas
como teatro de costumes, identidade nacional e sertanejo. Além disso, faremos uso da
biografia de Viriato Corrêa escrita por G. Hércules Pinto e da tese de doutorado de Fernandes
(2009) sobre a obra do autor.
A importância deste trabalho encontra-se em contribuir com a investigação sobre as obras
de Viriato Corrêa, e, mais especificamente sobre a peça de teatro Juriti, pois, há poucas
pesquisas sobre Viriato Corrêa e menos ainda sobre obra teatral deste autor. As pesquisas
sobre o autor se focam principalmente nas suas obras para público infantil, como os livros
“História do Brasil para crianças” e “Cazuza”.
Este trabalho foi organizado em dois capítulos sendo que o primeiro basicamente se
constitui de uma revisão bibliográfica de temas relevantes à análise da peça tais como:
contexto histórico em que esta foi escrita e encenada, biografia do autor e informações sobre
sua obra, definições sobre teatro de costumes, e, uma discussão sobre as várias representações
do sertanejo pela intelectualidade brasileira. Entendemos que a peça tem influências de um

9
O termo Estudos Culturais é dado por Richard Hoggard em 1964 quando este cria o Centro dos Estudos
Culturais Contemporâneos na Inglaterra. Os E.C são um campo de investigação interdisciplinar que nasce na em
Birmingham na Inglaterra tendo como marco inicial as obras The Uses of Literacy, de Richard Hoggard, e
Culture and Society, de Raymond Williams. (MELLO, 1997). Segundo Praxedes (2003), os “Estudos Culturais
são estudos sobre a diversidade dentro de cada cultura e sobre as diferentes culturas, sua multiplicidade e
complexidade. São, também, estudos orientados pela hipótese de que entre as diferentes culturas existem
relações de poder e dominação que devem ser questionadas.” (PRAXEDES, 2003)
13

período histórico que vai desde o nascimento da “geração de 1870” 10 até o período em que a
peça foi encenada. Em função da longa duração deste período, selecionamos dentro dele três
momentos históricos decisivos para a constituição da peça que são: surgimento da geração de
1870, Belle Époque e Primeira Guerra Mundial. Acreditamos que a discussão sobre as várias
representações do sertanejo é relevante para evidenciar os diversos usos políticos, sociais,
econômicos a que esta representação serviu. Por último, as discussões sobre teatro de
costumes englobam: definição das características deste, origem e seu desenvolvimento no
Brasil, discussão sobre a denominação deste gênero como teatro popular, e, discussão sobre as
críticas que se faziam sobre teatro nacional o período entre fim do século XIX e início do
século XX.
Já o segundo capítulo está todo voltado à discussão da peça que é dividida em quatro
temas que são respectivamente: coronelismo – a discussão deste tema traz em seu bojo uma
discussão sobre o partido conservador e liberal - a representação do sertão de Viriato, o
conflito entre sertanejos e citadinos e, a construção e significação da personagem Juriti, sendo
que a discussão deste último é embasada no referencial teórico dos Estudos Culturais.

10
A “geração de 1870 inicia-se na Escola de Recife sob liderança de Tobias Barreto e tem entre seus
representantes nomes como Joaquim Nabuco, Silvio Romero, entre outros (VELLOSO, 2003)10. Esses
intelectuais tinham com objetivo modernizar o país, sendo que, para eles ““ser moderno” significava, sobretudo,
buscar uma compreensão do significado de ser brasileiro, compreensão esta que deveria ser mediada pelo
instrumental cientificista”. (VELLOSO, 2003:357).
14

CAPÍTULO I
A PEÇA DE TEATRO DE COSTUMES “JURITI” E O SEU TEMPO

Nesta seção vamos nos deter a entender o porquê do interesse pela figura do sertanejo pela
intelectualidade brasileira no fim do século XIX e início do século XX, bem como entender o
contexto histórico em que a peça Juriti foi escrita e estreada.
Segundo Melo (2007), desde o fim do século XIX a representação da figura do caipira e
do sertanejo11 já acontecia em várias modalidades artísticas como no teatro, na pintura e na
literatura. No teatro a representação de “tipos rurais" se inicia no fim do século XIX nas peças
de Martins Pena (1815-1848), França Junior (1838-1890) e Arthur Azevedo sendo que em
1910 ocorre um surto da temática rural nos palcos paulistas (MELO, 2007:13). Essa
frequência da representação da figura do sertanejo em diversas manifestações artísticas
evidencia o interesse de uma elite letrada por esta figura. Contudo, temos que ter em mente
que este interesse estava inserido num interesse maior pela cultura nacional. Os intelectuais
brasileiros, a partir do fim do século XIX, objetivavam conhecer os costumes, religião, língua
e tradições de diversas composições étnico-culturais do país para construir “uma identidade
cultural para a nação brasileira” 12.
A necessidade de se construir “uma identidade cultural brasileira” se dá a partir de
1830, momento em que o Estado vai buscar critérios de explicação que definam o que é a
nação brasileira e que justifiquem seu poder sobre a nação (CHAUI 2000). Além disso, a
construção de “uma identidade nacional brasileira” é influenciada pela mudança que o
conceito de “nação” passa a sofrer na Europa13.
Na Europa, onde se inicia a formação do conceito de Estado-Nação, o “princípio da
nacionalidade”- princípio onde a nação é definida pelo seu território - deixa de funcionar, num

11
Segundo Alencar (2000) nesta pesquisa tomamos os termos sertanejo - que tem seu sentido geralmente
atribuído ao morador do sertão - e caipira - cujo sentido geralmente é atribuído ao morador do interior do Estado
de São Paulo como sinônimos .(ALENCAR, 2000)
12
Os teóricos dos Estudos Culturais (HALL, (2009); SILVA, (2009)) afirmam que a identidade não é única,
mas múltipla. Em função disto, estamos optando por usar o termo “uma identidade nacional” entre aspas pois
sabe-se que se pretendeu construir uma identidade nacional para o país, porém esta na prática não funcionou já
que nem todos os brasileiros se sentiram representadas por ela.
13
Chauí (2000) se pauta no “estudo sobre a invenção histórica do Estado-Nação” de Hobsbawm que afirma que
este conceito passa por três etapas de mudanças. De 1830 a 1880 tem-se o período caracterizado pelo “Princípio
da nacionalidade” onde uma nação é definida pelo seu território. Este princípio é retirado da economia política
liberal. De 1880 a 1918 tem-se o período caracterizado pelo conceito de “idéia-nacional” cuja definição de nação
se dá não mas pelo território, mas, pela língua, religião e raça da população. Esse conceito é defendido pelos
“intelectuais pequeno burgueses, particularmente alemães e italianos” (CHAUÍ, 2000:16). E por último de 1918
a 1950/60 tem-se o Período caracterizado pelo conceito de “questão nacional” cuja definição de nação se dá pelo
desenvolvimento de uma “Consciência nacional, definida por um conjunto de lealdades políticas (...) emanado
principalmente dos partidos políticos e do Estado.”
15

momento “em que a divisão social e econômica das classes apareceu com toda a clareza e
ameaçou o capitalismo” (CHAUÍ, 2000:18). Neste momento, o Estado começa a perder a
lealdade popular para os socialistas e comunistas e, perante esta ameaça, passa a justificar a
nacionalidade a partir de elementos culturais como a língua, os costumes, as tradições e as
crenças. A definição destes elementos será assumida por “intelectuais pequeno burgueses”
que tomam para si o projeto de desenvolvê-los a fim de que todas as pessoas da nação possam
se identificar com eles.
No Brasil, o aparecimento do conceito de nacionalidade é justificado não só pelo
território, mas, também pela cultura, língua, costumes religião, entre outros. O sentido deste
conceito vai passar por duas etapas de mudança sendo que a primeira vai de 1830 a 191814 e,
é denominada por Chauí (2000) como período do “caráter nacional”.
É exatamente esta fase do “caráter nacional” que vai nos servir de base para contextualizar
a peça Juriti que, apesar de ter sido escrita 1916 e estreada em 1919, contém influências deste
período todo. Nesta fase há três momentos históricos que consideramos importantes de serem
elucidados para o entendimento da peça Juriti. O primeiro é marcado pela atuação e influência
da “geração de 1870” que, embasada em teorias européias, tinha por objetivo construir uma
ciência sobre o Brasil a fim de conhecer melhor a realidade e problemas do país para melhorá-
los. O segundo momento é marcado pela desilusão desses intelectuais com os rumos que a
república seguia e pela alienação dos assuntos nacionais que se dá em função do
cosmopolitismo da Belle Époque. No terceiro momento, a eclosão da primeira guerra
permitirá a retomada do ideal da geração de 1870 de construção de uma ciência sobre o Brasil
pelos intelectuais nacionalistas que vão lutar contra a alienação dos assuntos nacionais e
defender a retomada de conhecimento a respeito do país. Em vista da importância destas fases
para o entendimento do contexto em que a peça Juriti foi escrita vamos nos deter a entender
um pouco mais sobre este período.

14
Segundo a autora o desenvolvimento do conceito de nacionalidade no Brasil passa por duas etapas de
mudanças. Para explicar como a mudança do conceito de nação se deu no Brasil, Chauí conceitua como período
do “caráter nacional” a fase que engloba as duas primeiras etapas do estudo de Hobsbawm, com isso a autora nos
aponta que, no Brasil quando se desenvolve o conceito de nação sua definição já engloba as características da
primeira e segunda fase do estudo de Hobsbawm. Portanto, no Brasil este processo se deu em duas etapas e não
em três como na Europa. A primeira fase que vai de 1830 a 1918 compreende o período definido como “caráter
nacional”, que corresponde a soma das duas primeiras fases do estudos de Hobsbawm, onde o conceito de nação
é definido não só pelo território, mas também pela religião, raça, usos e costumes, tradição, língua da população.
A segunda etapa, que vai de de 1918 a 1960, corresponde ao período definido como “identidade nacional” onde
o conceito de nação se dá pela comparação do Brasil com os países mais desenvolvidos. Nas palavras da autora:
“É pela imagem do desenvolvimento completo do outro que a nossa “identidade”, definida como
subdesenvolvida, surge lacunar e feita de faltas e privações.” (CHAUÍ, 2000:27)
16

Para entendermos como a geração de 1870 influenciou a concepção da peça Juriti vamos
defini-la e entender o impacto de suas idéias. A “geração de 1870 inicia-se na Escola de
Recife sob liderança de Tobias Barreto e tem entre seus representantes nomes como Joaquim
Nabuco, Silvio Romero, entre outros (VELLOSO, 2003)15. Esses intelectuais tinham com
objetivo modernizar o país, sendo que, para eles ““ser moderno” significava, sobretudo,
buscar uma compreensão do significado de ser brasileiro, compreensão esta que deveria ser
mediada pelo instrumental cientificista” (VELLOSO, 2003:357). A busca por esta
compreensão levou estes intelectuais a fazer um estudo profundo sobre os mais variados
aspectos como religião, costumes, crenças, língua, entre outros. Sevcenko (1985) afirma que
um dos aspectos analisados pela geração de 1870 foi a História do Brasil estudada de duas
formas sendo que uma delas deu origem à tendência de se determinar um tipo étnico
específico que pudessem representar a identidade nacional brasileira. Esta forma de estudar a
história:

implicaria num mergulho profundo na realidade do país a fim de conhecer-lhe as


características, os processos, as tendências e poder encontrar um veredito seguro,
capaz de descobrir uma ordem no caos do presente, ou pelo menos diretrizes mais
ou menos evidentes, que permitiriam um juízo concreto sobre o futuro. Nesse
contexto é que se inserem os esforços renitentes despendidos na tentativa de
determinar um tipo étnico específico representativo da nacionalidade ou pelo menos
simbólico dela, que se prestasse a operar como um eixo sólido que centrasse,
dirigisse e organizasse as reflexões desnorteadas sobre a realidade nacional
(SEVCENKO, 1985: 85, grifo nosso).

Deste modo, entendemos que esta geração de 1870 ao se propor criar uma ciência sobre o
Brasil forneceu a abertura para o estudo dos tipos étnicos e com isso colaborou com a
construção de “uma identidade nacional”. Além disso, estes intelectuais lutaram por
mudanças políticas como a abolição, e a república.
Para esta pesquisa é importante entender o impacto da obra cultural desta geração, já
que a necessidade de se estudar os tipos étnicos vislumbrada por ela perdurou como objetivo
para uma posteridade de intelectuais como é o caso de Viriato Corrêa que tem o sertanejo, um
tipo étnico brasileiro, como objeto de representação em sua peça Juriti. Porém, apesar de nos
interessarmos pelo legado cultural das idéias desta geração, não podemos deixar de mencionar

15
O objetivo do estudo desta autora é desmistificar a Semana de Arte Moderna como o marco do modernismo
brasileiro. Velloso afirma que a busca brasileira pelo moderno é “um “processo e movimento contínuo” que se
inicia com a geração de 1870 e “que vai desencadear vários outros movimentos no tempo e no espaço” como a
Semana de arte Moderna de 1922 (VELLOSO, 2003: 353). Sendo assim, cabe à geração de 1870 o título de
primeiros modernistas brasileiros.
17

o objetivo de intervenção política16 para transformação da sociedade desta geração. Sevcenko


(1985), que chama esta geração de “mosqueteiros intelectuais”, afirma que estes intelectuais,
apoiados num conjunto de teorias européias17 (positivismo18 e darwinismo19 e
cientificismo20), tomam para si a tarefa de transformar o país e de apontar os caminhos que
deveriam ser adotados para o progresso e a modernização da sociedade. Nas palavras do autor

No Brasil, esses intelectuais postavam-se como os lumes, “os representantes dos


novos ideais de acordo com o espírito da época”, a indicar o único caminho seguro
para a sobrevivência e o futuro do país. Seu orgulho, o do papel que se arrogavam,
beirava à soberbia quando advertiam a nação vacilante em seguir-lhes os passos [...]
(SEVCENKO, 1983: 82).

Porém o desejo de transformação da realidade nacional destes intelectuais não vai se


realizar tão rápido. Com a proclamação da república a intelectualidade acreditava que o Brasil
iria viver uma fase de mudanças, ocasionada pela democracia, progresso e a modernidade.
Contudo, com o decorrer dos anos os intelectuais começam a se decepcionar com a corrupção
que se instalava neste regime e a falta de capacidade técnica dos governantes (SEVCENKO,
1983; RESENDE, 2006). Os intelectuais, que antes eram ferrenhos defensores da
proclamação do regime republicano, passam a criticar e a fazer intensa oposição à República.
Esta desilusão dos intelectuais com a República é bastante compreensível, na medida que, o
advento deste novo regime não significou rupturas e transformações, como nos afirma Costa
(1984)

16
É importante dizer que os historiadores divergem a respeito dos objetivos a geração de 1870. Alguns dão um
peso maior para contribuição cultural que estes intelectuais trouxeram outros defendem que o principal objetivo
desta geração foi o de intervenção política. Apesar de alguns estudiosos, como Alonso (2000), afirmarem que o
objetivo principal desta geração foi de intervenção política e de contestação contra o regime imperial, não
podemos negar, que ao se proporem construir uma ciência sobre o Brasil estes intelectuais abriram caminho para
criação de obras dedicadas ao estudo dos mais variados aspectos da realidade brasileira como a história, a língua,
os costumes, as crenças, a religião, entre outros elementos culturais do país.
17
Essas teorias desacreditavam nas explicações de mundo de cunho sobrenatural e metafísico e propunham a
razão, observação e a experimentação como instrumentos capazes de construir o verdadeiro conhecimento. Para
saber mais sobre estas teorias européias ver SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e
criação cultural na Primeira Republica. p. 81-82, 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
18
O positivismo é uma corrente filosófica segundo a qual o conhecimento científico deve se basear na
observação e exatidão e, cujos resultados devem ser claros e objetivos. Além disto, esta corrente parte do
pressuposto de que o conhecimento científico deve ser neutro, ou seja, um conhecimento sem interferência de
opiniões pessoais, políticas ou religiosas do pesquisador.
19
O darwinismo foi uma teoria desenvolvida por Charles Darwin (1809-1892) para explicar o processo evolutivo
dos seres vivos através da seleção natural. Segundo Darwin, as espécies de seres vivos que existem hoje no
planeta são aquelas que possuíam características que proporcionaram sua sobrevivência no meio natural e que
permitiram à continuidade da sua espécie.
20
O cientificismo é uma doutrina que defende que somente o conhecimento científico é verdadeiro e que só se
pode alcançá-lo através do uso da razão, observação e experimentação. Além disso, esta doutrina prevê que a
ciência é a única capaz de resolver os problemas da humanidade.
18

O ano de 1889 não significou uma ruptura do processo histórico brasileiro. As


condições de vida dos trabalhadores rurais continuaram as mesmas; permanecera o
sistema de produção e o caráter colonial da economia, a dependência em relação aos
mercados e capitais estrangeiros (COSTA, 1984: 361).

Além da desilusão com os rumos que o regime republicano seguia, esses intelectuais,
herdeiros dos ideais da geração de 1870, vão sofrer mais um golpe com a chegada da Belle
Époque, período em que predomina um sentimento de florescimento da modernidade e do
progresso que dominou o país aproximadamente de 1889 até a primeira guerra e que é
marcado pela alienação dos assuntos nacionais e pelo desejo de ser estrangeiro (SEVCENKO,
1985). Neste período ocorrem no Rio de Janeiro, as reformas urbanas empreendidas no
governo de Rodrigues Alves que, inspirada na reforma de Paris, põe fim á imagem da cidade
com um lugar insalubre e inseguro e inaugura um novo centro para a cidade com avenidas
largas, iluminadas, limpas, ajardinadas, embelezadas e europeizadas. Nesta reforma o espaço
central da cidade é amplamente reestruturado e nele são construídos:

[...] o Teatro Municipal (1909), a Academia de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o


Palácio Monroe entre outros. Eram edifícios suntuosos representativos da Belle
Époque, visando comemorar a chegada da civilização, tendo como metáfora a
Avenida Central, símbolo da cultura das elites. [...]
Inúmeros cortiços foram demolidos e em seus lugares construídos muitos teatros
como, por exemplo, o Teatro Chantecler (1889-1930), o Teatro Apolo (1889-1930),
o Teatro Recreio Dramático (1889-1930), o Teatro Recreio (1930- 1950), o Teatro
João Caetano (1930), entre outros. Todos se localizavam no entorno da Praça
Tiradentes (PRIMERANO ET all, 2003: 106).

Este espaço ficou reservado à população elegante que desfilava usando a última moda de
Paris e serviu como uma força de coerção para “modelar por esse padrão todos ou tudo que aí
passasse ou se instalasse” (SEVCENKO, 1983:34). A partir da reforma a polícia passou a
vigiar e a prender a população que passava pelo centro descalça e sem paletó.
Aliada a essa reforma esse período é marcado pelo surgimento de novas descobertas
tecnológicas como o automóvel, a luz elétrica, o cinema e o fonógrafo que imprimiam um
novo ritmo à vida da população da cidade e despertavam nela um sentimento de otimismo e
confiança. Sobre este momento Sevcenko nos afirma que:

O advento da república proclama sonoramente a vitória do cosmopolitismo no Rio


de janeiro.[...]
Essa atitude cosmopolita desvairada adentra por quase todo esse período exercendo
placidamente a sua soberania sobre as imaginações. Pelo menos até o fim da
primeira guerra Mundial, não há quem conteste a lei natural que fez de Paris “o
coração do coração do mundo”[...]. O auge desse comportamento mental
19

cosmopolita coincidiria com o início da Grande Guerra, - quando as pessoas na


Avenida, ao se cruzarem, em lugar do convencional “boa-tarde” ou “boa noite”,
trocavam um “ Viva a França” (SEVCENKO, 1983:36-37).

Neste momento em que paira um desejo de ser moderno, “chic” e de ser europeu, o
Brasil é invadido por alguns gêneros de teatro musical importados de Paris e Portugal como
o “teatro de costumes”21, o “teatro de revista”22, entre outros. Neste momento, para a
infelicidade dos intelectuais brasileiros nacionalistas, consumir estes e outros estilos de teatro
“importados de Paris eram símbolos de uma identidade almejada” (MENCAELLI,1996: 38).
Interessante notar que Viriato, que é um autor que defende a arte nacional e combate os
estrangeirismos, vai usar um gênero teatral “estrangeiro” para criar a peça, Juriti, que retrata
as coisas e gente brasileira. Importante salientar também que alguns autores criticam esta
oposição estrangeiro versus nacional já que para eles não há uma oposição e sim uma
hibridação23 entre estas categorias (CANCLINI, 2009).
Mas, voltando à Belle Époque, é importante dizer que as transformações
modernizantes deste período só estavam disponíveis para a camada rica da população, a
camada pobre ficava à margem desta modernidade. Expulsas de suas casas foram forçadas a
habitar as regiões dos morros e da periferia passando a viver em condições sanitárias
precárias, sem trabalho e, portanto, economicamente marginalizados. A população pobre da
zona rural passa ser um símbolo rejeitado e combatido pela sociedade. Sevcenko nos afirma
que esta população também passou a sofrer perseguições em relação à sua cultura e religião,
tidas como sinônimo de incivilidade, degradância e atraso.

Não era de se esperar, igualmente, que essa sociedade tivesse tolerância para com as
formas de cultura e religiosidade populares. Afinal, a luta contra a “caturrice”, a
doença, o “atraso” e a “preguiça” era também uma luta contra as trevas e a
ignorância; tratava-se da definitiva implantação do progresso e da civilização.
Aparece, pois, como natural, a proibição das festas de Judas e do Bumba-meu-boi,
os cerceamentos contra a festa da Glória e o combate policial a todas as formas de
religiosidade popular: líderes messiânicos, curandeiros, feiticeiros etc. ..As

21
Segundo Prado (2003), o teatro de costumes é um tipo de comédia brasileira que nasceu do entremez
português, ou comédia em um ato. Para saber ai a respeito ver página 38 deste mesmo trabalho.
22
O teatro de revista surgiu em Paris no século XVIII, e logo foi adotado por outros países vizinhos. Suas
características eram “a princípio, uma mistura de comédia e opereta, com intuitos de sátira social e política”
(RUIZ, 1988:16). O Teatro de Revista, que pode ser definido por “passar em revista os acontecimentos do ano”,
consistia em peças de teatro musicadas que tratavam dos acontecimentos importantes do cotidiano da sociedade
fossem eles, moda, crimes, revoltas políticas, arte, epidemias. Através da sátira os autores faziam críticas e
ironizavam a sociedade de seu tempo. (RUIZ, 1988)
23
O conceito de hibridação é definido por Canclini como um processo sociocultural no qual estruturas que são
separadas se combinam para gerar uma nova. Este autor ressalta que estas estruturas que antes eram separadas
não podem ser consideradas puras uma vez que também surgiram de um processo de hibridação. Portanto não
existem estruturas puras. (CANCLINI, 2006).
20

exprobações contra as barraquinhas de São João no Rio vão de par em par, nas
crônicas diárias, com os elogios aos cerceamentos à festa da Penha em São Paulo.
As autoridades zelam na perseguição aos candomblés [...] (SEVCENKO, 1983:33).

Vemos, portanto, que a Belle Époque é marcada por contradições e conflitos como
nacional versus estrangeiros,cidade versus rural, popular versus culto e, entre o desejo de ser
moderno versus o atraso e pobreza em que vivia a maior parte da população brasileira.
Conflitos esses que estão presentes na peça Juriti.
É importante afirmar que apesar de predominar durante a Belle Époque a valorização do
cosmopolitismo, durante este período a produção nacional não foi inexistente. Pelo contrário,
foi marcada por obras de vários intelectuais como Machado de Assis, Euclides da Cunha,
Lima Barreto, Viriato Corrêa, entre outros, que vão se posicionar contra o cosmopolitismo e a
favor de uma arte e literatura nacional.24
O espírito cosmopolita, que já vinha sendo criticado por parte dos intelectuais
nacionalistas, entre eles Viriato Corrêa, vai sofrer um grande golpe com o deflagrar da
primeira guerra. O aumento do imperialismo no mundo faz com que os literatos comecem a se
preocupar com a possibilidade de invasão estrangeira no Brasil, que tinha grandes vazios
territoriais. Preocupação esta que pode ser vislumbrada na peça Juriti, na medida que, seu fim
é marcado pela permanência da personagem Juriti no sertão. Além do medo de uma invasão, a
primeira guerra faz reviver com grande força o nacionalismo que vai implicar na retomada
dos ideais da “geração de 1870” pelos literatos que, na sua maioria absorvidos pelo jornal,
passam a criticar aqueles que não dedicam sua literatura e obras à causas nacionais
(SEVCENKO, 1985).
É importante frisar a atuação da imprensa e dos jornalistas na mudança da valorização do
cosmopolitismo para o nacionalismo já que Viriato era jornalista e sua obra traz esta
preocupação de retratar a gente e costumes brasileiros. Sevcenko (1983) afirma que a
imprensa era responsável por praticamente toda a campanha nacionalista no país e que
motivados pelas dificuldades econômicas por causa da guerra, os jornalistas passam a
defender o nacionalismo e a criticar aqueles que se alienavam dos assuntos nacionais
(SEVCENKO, 1985). Deste modo, a guerra favoreceu a corrente de literatos e intelectuais
nacionalistas, contribuiu para o desenvolvimento da arte e da literatura brasileira e
possibilitou a retomada dos ideais nacionalistas da geração de 1870, como nos afirma
Sevcenko:

24
A obra destes intelectuais vai ser responsável pela continuidade, durante o período da Belle Époque das
idéias da “geração de 1870”. Este é um dos fatores que demonstra que a Belle Époque não foi um período de
“vazio cultural” como pretendem afirmar alguns autores.
21

A situação de guerra viria contudo ampliar inesperadamente o seu espaço de ação


(dos escritores nacionais)25. Apesar de todas as dificuldades, e talvez mesmo por
causa delas, os intelectuais mais conseqüentes e independentes procuraram revalidar
a literatura, livrando-a do seu rumo de degradação, inflamando-a com seu credo
nacionalista exacerbado pela conjuntura. Tratava-se antes de mais nada de retomar a
principal corrente dos albores da República, encabeçada por Silvio Romero,
Nabuco, Jaceguai, Afonso Arinos, Mello Morais e principalmente Euclides da
Cunha, que fora praticamente abandonada com a vitória do cosmopolitismo da
Regeneração. A cena estava mais clara e definida agora com a nova situação
internacional. Obrigados a voltar-se para si mesmos, para o seu território e sua
própria gente, na necessidade crua de garantir a sua sobrevivência, todos os grupo
intelectuais patenteavam a urgência e a conveniência de prover um saber eficaz
sobre a realidade da nação. E mesmo a desconfiança e o desprezo para com a elite
política, que renascem intensificados após um período de latência, convergiam nesse
sentido (SEVCENKO, 1983: 107-108).

Em resumo temos que os ideais desta geração de 1870 vão influenciar por um longo
período vários intelectuais brasileiros, inclusive Viriato Corrêa, na medida que, sua obra é
pautada pela preocupação em retratar a gente e os costumes brasileiros. A explicação para a
representação do sertanejo na peça Juriti e para a voga da temática do sertanejo no teatro estão
baseadas não somente no momento histórico de forte nacionalismo que surge com a primeira
guerra mas, são anteriores a ela e estão relacionas com os ideais da geração de 1870 que
pretendia buscar um significado para o que era ser brasileiro.
Além disso, podemos concluir que a busca por “uma identidade nacional brasileira”
esteve presente entre o período de 1830 até 1918 e que esta busca é influenciada pelo
processo histórico europeu de “invenção do conceito de Estado-Nação”. O que foi exposto
sobre as idéias dos autores está de acordo com a afirmação de Melo (2007) de que a
representação do sertanejo foi obra de uma elite intelectual brasileira que, pautada nas idéias
científicas européias em torno da construção das nações modernas, procurava uma identidade
nacional para a jovem República. O teatro de costumes de alguma forma recolhe essas
influências, as incorpora e traduz ao seu estilo e ao gosto popular.

25
Grifo nosso.
22

1.1 - As Várias representações do sertanejo e seus usos

Sobre a representação da figura do sertanejo nas peças de teatro Melo (2007) nos afirma
que esta é múltipla e muitas vezes contraditória, característica que pode ser entendida como
indício dos “impasses e dilemas de parte da elite letrada brasileira num período de construção
da identidade nacional da jovem República” (MELO, 2007:9). Melo (2007) entende haver,
em algumas peças analisadas por ele a exemplo de Juriti, uma gradação de “caipirice” entre os
personagens sertanejos, de modo que uns são mais sertanejos que outros. Isso pode ser
constatado na fala do autor:

Nas comédias aqui analisadas, tanto em Vianna, Leal, Sousa e Corrêa, a designação
de caipira e suas várias formas correlatas como caboclo ou roceiro, assume
gradações. Para o habitante da grande metrópole todos aqueles que vivem fora dela
são roceiros, caipiras. Contudo, dentro do ambiente rural, seja nas fazendas do
interior paulista ou no sertão, os próprios habitantes destes locais estabelecem
aqueles que são considerados como caipiras ou caboclos. Geralmente tal designação
é dada aos empregados subalternos do ambiente rural, são os camaradas, agregados
ou peões da fazenda. A exemplo das comédias de Viriato Corrêa, tais personagens
são referenciadas apenas como caboclo, sem um nome próprio (MELO, 2007:83-
84).

Como podemos constatar nesta fala, a gradação de caipirice entendida por Melo (2007) é
estruturada numa hierarquia social e que traz implícita relações de poder. Porém mais que
isso, entendemos que as relações sociais representadas na peça Juriti não estão baseadas numa
gradação em que um personagem se mostra mais caipira que outro, mas sim, em uma
oposição binária em que sertanejos e citadinos se opõem. Portanto, estamos partindo do
pressuposto que na peça Juriti mais do que haver uma gradação de caipirice há em primeiro
plano uma oposição binária entre as identidades dos sertanejos e citadinos que estão numa
hierarquia na qual o primeiro é superior ao segundo.
Ainda é Melo (2007) que afirma haver uma diferença entre o teatro carioca e paulista na
representação do sertanejo. Nas peças de teatro carioca o sertanejo não tem um lugar
geográfico definido podendo ele ser um mineiro, um nordestino ou até um paulista. O habitat
do sertanejo simplesmente representa a oposição cidade versus rural, moderno versus atraso e
23

cosmopolita versus provinciano. Já no teatro paulista o sertanejo é representado como o


habitante do interior de São Paulo, ou seja, seu habitat tem uma definição geográfica26.
Esta diferenciação da representação do sertanejo nas peças paulistas e cariocas pode ser
constatada na peça Juriti, na medida que, a peça conta uma história que se passa numa vila de
sertanejos que não tem lugar geográfico definido, cuja função representativa é contrastar com
a Capital Federal, o Rio de Janeiro. Devido ao fato desta vila não ter um local geográfico
definido, nos vimos impedidos de realizar uma análise de dados que estivesse relacionada
historicamente á um local, além disso, não pudemos nos deter em analisar os hábitos culturais
do sertanejo, já que não sabemos se este sertanejo representado é um mineiro, um baiano ou
um cearense. Apesar destas impossibilidades, acreditamos que é possível fazer uma análise
global da peça (MELO, 2007:125-126).
Outro autor que faz referências ao modo como o sertanejo foi retratado é Moraes (1998).
Este autor afirma que a figura do sertanejo é utilizada pela intelectualidade brasileira para
simbolizar o passado que o país quer deixar para trás para se assumir como nação que se
moderniza. O sertanejo simboliza o homem que não conhece automóvel, que mora fora da
cidade e que não acompanha a modernidade, ou seja, o homem que o país não quer mais para
si como símbolo de identidade nacional. O sertanejo é o retrato do conflito pelo qual o país, e
sua elite intelectual, passavam num período de construção da identidade nacional. Ao mesmo
tempo os intelectuais querem forjar um símbolo de identidade que seja nacional e moderno se
deparam com um país cujos habitantes são sertanejos que estão à margem da modernização e
a desconhecem.

Assim, se a multiplicação dos modos de vida regrados e baseados nos aspectos


modernos e urbanos era inelutável, durante alguns anos esses modos de vida ainda
tiveram que conviver com elementos da tradição das comunidades rurais, sobretudo
porque a estrutura do país ainda mantinha essas características rurais. Mas as
mudanças realizadas pela nova realidade social eram irresistíveis e se impunham na
sociedade de forma determinante, atingindo a todos, em maior ou menor grau,
brancos, negros ou mestiços, ricos ou pobres, brasileiros ou estrangeiros. Apesar das
permanências, a tendência do “passado rural e tradicional” iria se tornar cada vez
mais um passado remoto”. Inclusive, como já vimos, as elites carioca e paulistana,
que posavam de “modernas” e “civilizadas”, procuravam enquadrá-las, reprimi-las e
destruí-las, por tratar-se, segundo essas elites, de manifestações arcaicas e
ultrapassadas (MORAES,1998:73,74, grifo nosso).

Em concordância com o que nos aponta Moraes (1998), temos a representação do Jeca
Tatu de Monteiro Lobato que descreve o caipira como “funesto, parasita da terra, o caboclo

26
Outra especificidade do teatro paulista é que o sertanejo funciona como uma figura auto-representativa do
povo paulista. Com isso a intelectualidade paulista pretende criar um novo projeto nacionalizador e se firmar
como um pólo cultural em oposição ao cosmopolitismo carioca
24

espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização...” e com isso o representa


como uma figura que deve ser combatida e reprimida (LOBATO, apud RIBEIRO, 2006:02).
Com esta representação, Lobato pretendia se opor à maneira romantizada e idealizada pela
qual o homem rural era representado por uma vertente de intelectuais, entre eles Viriato
Corrêa, que segue a moda que se instaura no teatro conhecida como “caipirismo nacionalista”
que surge desde o fim do século XIX e início do XX. Sobre esta representação de Lobato
TOLEDO (apud RIBEIRO, 2006) afirma que:

Lobato pretendia denunciar a mistificação dos que na literatura, como na política,


apresentavam o caboclo como um tipo heróico, engenhoso e sábio de uma rudeza
primitiva como antes, José de Alencar romantizara os índios, transmutando-os em
tipos nobre e belos com Peri de ‘O Guarani’, ‘Pobre Jeca Tatu!, escreveu Lobato,
como és bonito no romance e feio na realidade’ (TOLEDO apud RIBEIRO,
2006:03-04).

A maneira romantizada e idealizada de se representar o sertanejo contra a qual Lobato se


opõe ocorre em algumas obras, do fim do século XIX e começo do século XX, nas quais a
vida rural é enaltecida e o homem do campo é representado como o responsável pelo futuro
do país. Esta representação é proveniente de uma tendência de uma “vertente da reação
nacionalista”, que afirmava que “o progresso e a felicidade estavam na vida rural e o homem
27
do interior do país era o “guardião da nacionalidade”” (PENTEADO, 2001: 57-58). Um
exemplo deste tipo de representação desta vertente ocorre na peça A capital federal, de 1897,
escrita por Arthur de Azevedo na qual o personagem “Seu Eusébio”, que viveu bastante
tempo na cidade, finaliza a peça afirmando que a vida na capital não é para os roceiros, mas
que isso não tem o mínimo problema já que “é no sertão, é na lavoura que está a vida e o
progresso da nossa querida pátria.” (BROCA,1991:321).
Outro momento em que encontramos o enaltecimento ao campo e seus habitantes foi no
pós-primeira guerra no Brasil. Segundo Filho (2006), este momento é um período de resgate
da valorização do rural e dos “ideais da vida no campo” e de descrença no progresso e na
modernidade, já que os frutos tecnológicos da modernidade do progresso são usados para
promover uma guerra mundial (GREGORIN FILHO,2006: 188). Após o mundo sair de uma
guerra a paz é amplamente almejada e a vida no campo, a pureza e simplicidade do homem
rural se tornam símbolos positivos e enaltecidos (GREGORIN FILHO, 2006).

27
A autora se baseia no trabalho de Ângela Castro Gomes citada por CAPELATO, Maria Helena. Multidões em
cena Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas, Papirus/FAPESP, 1998. P 228 e nos trabalho
de BROCA, Brito. intitulados Naturalistas, parnasianos e decadistas. Vida literária do realismo ao Pré-
Modernismo. Campinas, editora da Unicamp, 1991 e Teatro das Letras. Campinas, Editora da Unicamp, 1991.
25

Esta valorização do campo e de seus moradores está presente em várias obras de Viriato
Corrêa como no livro de contos Era uma vez de 1908 e nas peças de teatro A Sertaneja
(1915), Manjerona (1916), Morena(1917), Sol do sertão (1918) e Juriti (1919)
(FERNANDES, 2009). Segundo Penteado (2001), este enaltecimento da vida rural é adotado
por Viriato Corrêa porque ele é um seguidor de tendências, portanto, ele vai enaltecer a vida
no campo enquanto esta tendência estiver em voga, ou seja, durante as primeiras décadas do
século XX. Porém após o advento do Estado Novo esta tendência vai se inverter:

[...] quando o Estado Novo, buscando a unidade nacional, passa a encarar o


regionalismo como “desagregador” da harmonia nacional, e a industrialização
incipiente necessita de braços na zona urbana, [...] (PENTEADO, 2001: 58).

Portanto, a partir do advento do Estado Novo, a tendência em voga é o enaltecimento da


vida na cidade, é para lá que os sertanejos devem se dirigir, pois, lá se encontra a felicidade e
o progresso. Em consonância com esta tendência Viriato inverte o discurso em suas obras sem
o mínimo constrangimento – o livro Cazuza28 (1938) é um exemplo disso (PENTEADO,
2001). Esta característica de seguir tendências era bastante confortável para os intelectuais
que não queriam se indispor com a ordem vigente. Estes intelectuais são criticados por
Sevcenko que os denomina de “intelectuais de casaca”. Sobre eles este autor fala:

Ambos (Coelho Netto e Olegário Mariano)29 constituem elementos representativos


de uma longa série, a dos autores que introduziram a fissura mais profunda e
irremediável dentre o grupo intelectual. Com eles surge a camada dos “vencedores”,
o filão letrado que se solda aos grupos arrivistas da sociedade e da política,
desfrutando a partir de então de enorme sucesso e prestígio pessoal, elevados a
posições de proeminência no regime e de guias incondicionais do público urbano.
Essa nova camada seria a dos plenamente assimilados à nova sociedade, os
favorecidos com as pequenas e grandes sinecuras, os habitués das conferências
elegantes e dos salões burgueses, de produção copiosa e bem remunerada. Autores
da moda porque assumem o estilo impessoal e anódino da Belle Époque. São os
triunfadores do momento, [...] (SEVCENKO, 1985: 103-104).

28
O livro Cazuza é uma obra auto biográfica de Viriato Corrêa na qual narra suas experiências escolares de
menino marcada pela presença de um professor autoritário. O livro, que foi publicado em 1938 em pleno Estado
Novo, traz um panorama da precariedade de uma educação extremamente repressiva cujas práticas, como bater
nas mãos dos alunos, são vistas hoje como abomináveis.
Ao escrever Cazuza Viriato pretendia ir além de um simples romance, pretendia escrever um livro de formação
para ser adotado nas escolas brasileiras e em função disso Corrêa discute nele questões como patriotismo, boa
conduta, moral a fim de construir um cidadão em conformidade aos ideais do Estado Novo. (FAVA, 2002)
29
Grifo nosso. É importante dizer que ambos os escritores foram amigos de Viriato Corrêa, sendo que o primeiro
escreveu em parceria com Viriato Corrêa e Afrânio Peixoto o livro O Mystério (1928) e o segundo escritor foi
homenageado por Viriato que dedicou o livro Cazuza a ele em agradecimento pela ajuda que Mariano deu á
Viriato em sua candidatura à ABL. Para saber mais sobre isso consultar a obra de FERNANDES, José Ricardo
Oriá. A História do Brasil contada às nossas crianças. Pág. 160
26

Aliada a característica de Viriato de seguir tendências o escritor pode ser definido como
alguém que buscava se posicionar ao lado da “ordem”, do governo o que mostra o caráter
arrivistas e conservador deste escritor. Segundo Penteado (2001), Viriato se assumia como
conservador em suas crônicas ou mesmo entrevistas nas quais dizia temer revoluções e por
isso ser conservador. Veremos mais adiante que Viriato foi preso durante a revolução de
1930, momento em que ocupava o cargo de Deputado Federal do Estado do Maranhão, por ter
ficado ao lado do presidente Washington Luis. É importante lembrar que o governo deste
presidente foi o último representante dos interesses da oligarquia agrária brasileira.
Em função do conservadorismo assumido do autor, do fato dele ter trabalhado como
Deputado Federal e Estadual durante o domínio das oligarquias agrárias e do fato dele
enaltecer o sertanejo e partilhar da crença na “vocação agrícola do país”, podemos afirmar que
Viriato em suas obras do período da primeira república corroborava com os interesses da
oligarquia agrária, a quem “servia” como deputado.
Sobre a crença na vocação agrícola do país podemos afirmar que ela tem ecos do
pensamento fisiocrático, doutrina que pressupunha que:

[...] tanto a indústria como a cidade eram vistas como artificiais improdutivas. A
única atividade econômica que “valeria a pena” seria a agricultura, única “natural”,
que resgataria o valor do homem brasileiro e do próprio país (FERNANDES,
2007:296).

Essa crença na vocação agrícola do país é definida por Martins (1975) como uma resposta
contrária aos novos valores que a urbanização gerava na sociedade. Segundo Martins (1975),
a urbanização vai modificar valores e comportamentos da sociedade e gerar uma ideologia
urbana que por sua vez, vai ser vista por algumas pessoas como uma degeneração de valores e
costumes que deve ser combatida. Essas pessoas que vão se posicionar contra a urbanização
por sua vez vão produzir uma contra- ideologia urbana. Nas palavras do autor:

O crescimento industrial do Brasil e o concomitante crescimento da população


urbana, nas últimas décadas, redefiniram as relações de predomínio entre o mundo
rural e o mundo urbano.
Ocorreu não apenas um rápido crescimento de cidades e populações urbanas –
observou-se, também, a rápida elaboração de uma ideologia urbana, em função dos
problemas que o processo suscitava, sublinhadora dos valores concebidos, então,
como típicos das cidades e a elas inerentes. O aumento da densidade demográfica
nos meios urbanos ou em urbanização, estimulado pela imigração nacional e
estrangeira de pessoas com ou sem tradição urbana promoveu ou incentivou a
quebra da solidariedade mecânica, a dissolução ou enfraquecimento dos caracteres
comunitário do sistema social. Esse processo, associado á redefinição das funções
manifestas das cidades, apoiou-se nos próprios fundamentos novos, econômicos da
existência citadina. Referiu-se tanto a um funcionamento de um mercado livre de
27

trabalho, como à “liberdade de enriquecimento”, de alcançar o “êxito”, que marcou


a ideologia das populações adventícias especialmente em São Paulo.
Essa ameaça de dissolução de concepções tradicionalmente aceitas, denotando uma
situação anônima sobre o qual o sistema se reintegraria nas décadas seguintes,
produziu, por seu turno, uma contra ideologia. A contra-ideologia pode ser
apreendida em obras como a do Visconde de Taunay e a de Alberto Torres [...]
(MARTINS, 1975: 2, grifo nosso).

Como afirmou o autor acima, Alberto Torres (1865-1917) é um representante dessa


vertente de escritores que defendem a vocação agrícola do país e que acreditam que a
urbanização é a causa da degeneração de valores. Entre Torres e Corrêa há algumas
semelhanças como: o fato de ambos serem jornalistas, advogados, conservadores,
compartilharem a crença na “vocação agrícola do país” e de terem vivido e, portanto, sido
influenciados, no ambiente econômico, político e cultural do Rio de Janeiro em épocas
próximas30. Para Fernandes (2007), estudiosa de Alberto Torres, a crença na vocação agrícola
era uma característica não só de Viriato Corrêa e Alberto Torres, mas, do estado do Rio de
Janeiro. Segundo ela:

A idéia de que o Brasil deveria ter como vocação inequívoca a agricultura é


uma idéia particularmente forte entre os membros da elite econômica, intelectual e
política do Rio de Janeiro, e acreditamos que a defesa da agricultura em detrimento
da indústria é marca desse estado, por conta de sua posição no cenário nacional
(FERNANDES, 2007:284-285).

Segundo Fernandes (2007), a opção pela vocação agrícola de Torres encontra “eco na
elite fluminense, tanto no setor “reformista” quanto no setor “tradicional””. (FERNANDES,
2007: 297). Esta afirmação nos permite inferir que este eco também atinge Viriato. O
resultado disso pode ser constatado no enaltecimento do sertão e do sertanejo pelo autor. A
explicação para a adesão da elite fluminense à crença da vocação agrícola pode ser constatada
na fala de Fernandes (2007):

Fustigado pela crise do café, tendo seus recursos drenados para o setor urbano,
notadamente carioca, ao estado do Rio de Janeiro, pelo menos segundo sua elite
dirigente, só caberia uma alternativa, qual seja, a agricultura. Era uma questão de
sobrevivência a recuperação da produção agrícola do estado. Só com isso o Rio de
Janeiro voltaria aos seus dias de glória do Império (FERNANDES, 2007: 297).

Esta autora defende que o Estado do Rio, que tinha sua atividade econômica principal
baseada no cultivo do café, após o fim da Monarquia passa por uma série de crises dentre as
quais vamos citar quatro. A primeira é a crise agrícola que ocorreu devido ao esgotamento do

30
Alberto Torres viveu durante os período de 1865 a 1917, e, Viriato Corrêa entre 1884 a 1967, ou seja, a
diferença de idade entre ambos é de 19 anos.
28

solo da região do Vale do Paraíba e da migração das plantações de café para o Estado de São
Paulo. A segunda é a crise de abastecimento de mão de obra que ocorreu devido ao fim do
trabalho escravo e do início da migração de trabalhos rurais para a cidade e, principalmente
para a cidade do Rio que era pólo de atração para as pessoas. A terceira é a crise política que
ocorreu devido a fim do Partido Conservador que era o principal partido político do Rio. A
quarta e crise de deve ao fato dos recursos financeiros antes destinados á agricultura agora
serem “desviados” à industrialização.
A visão que Alberto Torres tem da urbanização e da industrialização é bastante próxima
da visão defendida por Viriato na peça Juriti. Para Alberto Torres, um dos motivos da crise
pela qual o Rio passava era a industrialização e a urbanização. A industrialização não traria o
desenvolvimento para o Brasil, somente traria a urbanização, cujos resultados eram a
desagregação social e a degeneração de valores e costumes. Para Torres, a cidade promove o
individualismo e os valores burgueses, destruindo os laços comunitários.
Esta visão da cidade como responsável pela degeneração de costumes também está
presente na peça Juriti, na medida que, os moradores da cidade são representados como
pessoas corrompidas, e por isso rejeitadas pelos sertanejos, cujos valores, modos e até padrão
de beleza são criticados pelo autor. Esta idéia da desagregação social, e podemos também
dizer da degeneração de costumes rurais, acarretada pela entrada de valores da cidade no
campo está presente não só nas obras de escritores do fim do século XIX e início do XX,
como também em obras de escritores de meados do século XX como é o caso de Candido
(1971). Este autor, entretanto, produz uma obra menos tendenciosa politicamente que Torres e
Corrêa e mais científica sobre o assunto. Porém, apesar das diferenças entre os autores,
Candido também constata a diminuição das formas coletivas de trabalho e da sociabilidade
necessária as condições de vida do caipira. Isso ocorre com o conseqüente aumento da
individualização e com um aumento da jornada de trabalho que leva o caipira abdicar da vida
social. Diferentemente de Torres e Corrêa, Candido compreende que estas mudanças são
geradas não pela urbanização ou industrialização, mas sim como consequência da penetração
do capitalismo no campo. Acerca deste processo o autor afirma:

Hoje a dimensão econômica avultou até desequilibrar a situação antiga. A expansão


do mercado capitalista não apenas força o caipira a multiplicar o esforço físico, mas
tende a atrofiar as formas coletivas de organização do trabalho (mormente ajuda
mútua), cortando as possibilidades de uma sociabilidade mais viva e de uma cultura
harmônica. Entregue cada vez mais a si mesmo, o trabalhador é projetado do âmbito
comunitário para a esfera de influência da economia regional, individualizando-se.
Condição de eficácia e, portanto, sobrevivência, é a renúncia aos padrões anteriores
e a aceitação plena do trabalho integral, isto é, trabalho com exclusão das atividades
29

outrora florescentes e necessárias à integração adequada. Quem não faz assim deve
abandonar o campo pela cidade, ou mergulhar nas etapas mais acentuadas de
desorganização, que conduzem à anomia (CANDIDO, 1971: 169).

Além disso, Candido (1971) afirma que a entrada do capitalismo no campo fez com que a
população caipira perdesse os conhecimentos e técnicas de produção de determinados
produtos quando passaram a desejar comprá-los prontos na cidade. O conhecimento e cultura
caipira, que vinham até então sendo transmitidos de geração em geração de forma oral, vão
paulatinamente se perdendo quando deixam de ser transmitidos às futuras gerações. Acerca
deste processo, o autor afirma:

Note-se, finalmente a importância do prestígio associado às práticas e usos de


caráter urbano; a tal ponto que a pessoa se sente diminuída quando é obrigada a
manter os que se vão tornando, comparativamente, desprezados. [...] E podemos
realmente concluir: todas as vezes que surge, por difusão da cultura urbana, a
possibilidade de adotar os seus traços, o caipira tende a aceitá-los, como elemento de
prestígio. Este, agora, não é mais definido em função da estrutura fechada do grupo
de vizinhança; mas da estrutura geral da sociedade, que leva á superação da via
comunitária inicial.
Estas considerações parecem válidas sobretudo para a cultural material, pois no
terreno das crenças e os sentimentos o processo é mais complexo e não se deixa
esquematizar (CANDIDO, 1971:181).

Devemos perceber que Torres (apud Fernandes 2007), Viriato (1962), Candido (1971) e
Martins (1975) falam da urbanização e industrialização em locais e momentos diferentes.
Torres fala deste acontecimento no Rio de Janeiro na passagem do final do século XIX para o
início do século XX, Viriato fala deste acontecimento nas primeiras décadas do século XX,
Candido fala deste acontecimento na cidade de Bofete, interior de São Paulo, durante o
período de 1948 a 1954, e, Martins fala deste acontecimento a partir da década de 1960.
Torres critica a urbanização porque esta trouxe uma crise para o estado do Rio, e Candido e
Martins criticam a urbanização e a entrada do capitalismo no campo porque este gerou
alterações como a maior exploração econômica do homem do campo, a perda das formas
coletivas de organização do trabalho e as formas comunitárias de vida em detrimento da
individualização e da necessidade de consumo de bens industrializados. Porém podemos
afirmar que todos estes autores partilham da opinião de que a urbanização gerou a submissão
do campo à cidade, uma maior exploração do homem do campo, e, uma certa degeneração de
costumes da população rural.
Por último, vamos expor a justificativa de Yatsuda (2003) para o enaltecimento dos tipos
rurais. De modo diferente de todos os autores mencionados acima, Yatsuda (2003) desvincula
o enaltecimento dos tipos rurais da vocação agrícola do país ao afirmar que o enaltecimento
30

ao sertanejo e ao campo é uma forma de orgulho nativista que, devido às condições sociais,
políticas e econômicas, ocorreram em determinados momentos da história. Segundo este
autor, o enaltecimento do sertanejo e a defesa da vocação agrícola do país nas primeiras
décadas do século XX, são defendidos pelos paulistas que desejam se representar através da
figura do caipira e/ou sertanejo que representaria o autêntico brasileiro, portador de todos os
atributos da terra em detrimento dos industriais italianos que ameaçam seu poder econômico.
Nas palavras de Yatusda (2003):

Acontece que, em determinados momentos de nossa história, a situação social e


política criou condições para que o orgulho nativista se manifestasse. Assim, na
época da independência, promovida, como se sabe, pela classe dos descendentes
europeus que se enriquecera com a atividade agrícola e a mineração – classe
acertadamente chamada de “dominada por fora e dominante por dentro -, elege-se o
índio como símbolo de brasilidade, de antilusitanismo. Da mesma forma, quando os
cafeicultores do Oeste paulista que tinham fomentado a industrialização se vêem
ameaçados pela mesma –agora predominantemente nas mãos de imigrantes:
Matarazzo, Gamba, Crespi, Dieerichsen, Lundgren, Klain, etc. -, dizem-se caboclos,
caipira e alçam o matuto à condição de símbolo de resistência. Resistência do
campo, dos cafeicultores à cidade, à industrialização. Desse modo, o caipira é visto,
à sua revelia, como portador de todos os valores referentes à terra.
Por isso mesmo, isto é, por ser o caipira considerado apenas um receptáculo
a ser preenchido segundo os interesses dos que dele fizeram uso, sua linguagem é
muitas vezes “esquecida” (YATSUDA, 2003:105-106).

Posto isto, podemos concluir que a exposição da opinião de diferentes autores sobre o
enaltecimento do homem rural nos possibilita perceber que diversas são as razões encontradas
para este enaltecimento. Cada autor estuda de forma crítica a influência da urbanização e a
industrialização sobre o campo levando em conta um determinado momento histórico e local
geográfico de estudo, seja ele São Paulo ou Rio. De qualquer forma, sendo a vocação agrícola
e o enaltecimento aos tipos rurais promovida por São Paulo ou pelo Rio de Janeiro, conclui-se
que as diversas representações dos tipos rurais trazem oculta a defesa de interesses políticos,
econômicos e sociais de uma classe e de um momento histórico.
Podemos afirmar perante a isso que, no momento em que Viriato escreve a peça Juriti o
país têm dois projetos políticos sendo disputados entre os que defendem a ideologia da
urbanização/industrialização e os que são contra esta ideologia e a favor da vocação “agrícola
do país”, da manutenção e proteção dos valores tradicionais do homem rural e da permanência
deste no campo. Viriato segue a tendência dos que são contra urbanização, industrialização, e,
portanto a favor do projeto agrário.
Para entender mais sobre a obra deste autor e mais especificamente sobre a peça Juriti,
vamos nos deter a entender um pouco sobre este autor.
31

1.2 - Quem era Viriato Corrêa

Viriato Corrêa nasce no Maranhão no povoado de Pirapemas, em 1884 e faleceu no


Rio de Janeiro em 1967. O autor recebe sua formação inicial no povoado em que nasceu e aos
nove anos deixa este local para fazer o curso primário e secundário na capital do Maranhão,
São Luis. Concluída esta parte dos estudos muda-se para Recife em 1900 para cursar
faculdade de direito com a ajuda financeira do avô que em troca pede que Viriato prometa que
realmente se dedicaria ao direito e não á literatura (FERNANDES, 2009). Porém isso não
ocorrerá. Segundo Fernandes31, o gosto e a identificação com a literatura já era visível quando
Viriato aos dezesseis anos escreve os primeiros “contos e poesias para o jornal do Liceu, O
Estudante”. Este gosto pela literatura se tornará uma paixão.
No Recife Viriato se hospeda na casa de um livreiro que tinha uma grande biblioteca,
O contato com os livros desencadeará uma grande mudança na vida de Viriato. À medida que
Viriato devorava os livros de literatura o curso de direito ia ficando em segundo plano e o
desejo de viver como escritor se tornava maior que a promessa que Viriato fizera ao avô. A
leitura de grande parte da obra da biblioteca do livreiro fortificou o sonho de Viriato de viver
como escritor. Depois disto, Viriato decide assumir uma carreira como homem de letras e não
voltar mais para o Maranhão, já que este não era um local que ofereceria condições para que
ele crescesse na nova carreira. Com a desculpa de terminar a faculdade na capital federal o
autor pede transferência para o curso de direito no Rio de Janeiro para unir o último ano de
curso com a o início de sua carreira na literatura.
O Rio era um pólo literário desde meados do século XIX e o local no país de
referência a todos os que queriam construir sua carreira de escritor enquanto que o Maranhão,
que era conhecido como Atenas brasileira, vive sua decadência econômica e cultural. A vida
na capital federal realmente ajudou Viriato a entrar em contato com o meio literário e a
conhecer nomes expressivos do mundo das letras como Machado de Assis. Além disso, o
contato com outros escritores como Alcino Guanabara e João o Rio ajudaram Viriato
desenvolver seus talentos literários ( PENTEADO, 2001:50).
Instalado no Rio Viriato começa a trabalhar como jornalista. Ele tem a sorte de
começar sua carreira num momento de expansão do jornal devido ao desenvolvimento técnico

31
FERNANDES, José Ricardo Oriá. Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar para o
ensino de história. 2009, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.
32

da imprensa. Penteado (2001) afirma que “o surgimento das primeiras folhas diárias
verdadeiramente populares -Gazeta de notícias (1875); Gazeta da tarde (1880); Diário de
notícias (1885); Cidade do Rio, (1888); O Paiz (1884)” gera uma mudança no mundo
literário, pois, começa a ser possível viver como escritor (PENTEADO, 2001:47). Até então,
as pessoas que escreviam tinham que trabalhar como funcionários públicos e ter um segundo
emprego que os possibilitasse ter renda fixa, pois, viver só com ganho de publicação de livros
era impossível. Apesar da atividade jornalística possibilitar a um escritor viver de sua
profissão, as dificuldades como baixa remuneração e a pequena oferta de empregos,
enfrentadas principalmente pelos escritores iniciantes, ainda eram grandes.
Em 1908 Viriato, desejoso de rever a família, decide escrever um livro de literatura
infantil para vender. O livro, intitulado Era uma Vez, foi escrito em parceria com Paulo
Barreto, conhecido também como João do Rio,32. Ambos os autores venderam seus direitos
autorais para a livraria Francisco Alves. Para Viriato, o público infantil não era algo
desconhecido, pois, ele já tinha escrito para este público no jornal A Gazeta de Notícias na
seção infantil intitulada Fafazinho. Além disso, ele foi colaborador da revista de quadrinhos
infantil Tico-Tico - “considerada a primeira revista de quadrinhos brasileira e a de maior
sucesso e longevidade, dedicada ao público infantil” (Vergueiro & Santos Apud
FERNANDES, 2009:115). Sobre o livro Era uma Vez Fernandes (2009) afirma que:

Por esse lançamento, no contexto da incipiente literatura infantil brasileira, Viriato


Corrêa tem sido considerado por muitos estudiosos como um dos precursores desse
gênero literário no País (FERNANDES, 2009:115).

Após terminar o curso de direito Viriato volta mais uma vez para o Maranhão, em 1909,
para assumir o cargo de Deputado Estadual para o qual tinha sido eleito. Porém, após 2 anos e
meio Viriato renuncia ao cargo devido a desentendimentos políticos. Após deixar o
Maranhão, ele volta ao Rio de Janeiro, e recomeça a escrever em jornais.
Viriato ainda seria mais uma vez eleito ao cargo de Deputado pelo Maranhão em 1927, só
que desta vez como Deputado Federal durante o governo de Washington Luis. Foi
trabalhando neste cargo que ele foi preso durante a revolução de 1930 por ter lutado contra ela
e ficado ao lado do presidente Washington Luis, de quem era amigo pessoal. Sobre este fato,

32
Fernandes afirma que João do Rio ou Joao Paulo Alberto Coelho Barreto foi um dos melhores escritores da
Belle Époque.Para saber mais sobre este autor consultar FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil contado às
crianças:Viriato Corrêa e a literatura escolar para o ensino de história ( 1934-1961). 2009. Tese (Doutorado em
Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível
em:<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23092009-143054/>. Acesso em 15 abril 2010. Pg.
33

Fernandes (2009) afirma que “[...] Por ser amigo pessoal de Washington Luis e se posicionar
contra a revolução de 301”, Viriato foi preso por um mês, vindo a sofrer perseguições
políticas que o fizeram se afastar definitivamente da política (FERNANDES, 2009:122).
Viriato Corrêa atuou profissionalmente em muitas áreas: foi advogado jornalista, escritor
de contos; romances; crônicas históricas; literatura infantil; peças de teatro; além de ser
professor de história, geografia, história do teatro, crítico de teatro e político brasileiro
(PENTEADO, 2001: 52). Em busca de se tornar um escritor reconhecido, tentou por três
vezes entrar na Academia Nacional de Letras sendo somente aceito em 1938 - na quarta
tentativa.
Como jornalista inicia sua carreira, através da influência de seu amigo Medeiros de
Albuquerque, na Gazeta de Notícias. Neste jornal o autor assume uma seção intitulada
Fafazinho destinada ao público infantil, para o qual dedicaria vários livros ao longo de sua
carreira. Além deste jornal, também escreveu em outros jornais da capital como: Correio da
Manhã, Jornal do Brasil e Folha do Dia. Além disso, Viriato ainda fundou o jornal a Rua e
“Colaborou também em revistas de época, a exemplo de Careta, Ilustração Brasileira,
Cosmos, A Noite Ilustrada, Para Todos, O Malho.” ( FERNANDES, 2009:112).
Foi, porém, na vertente da narrativa histórica que Viriato mais se encontrou como escritor
e obteve notoriedade. Pinto (1966) afirma que quando Viriato começou a escrever narrativa
histórica sentiu que havia descoberto uma fonte inesgotável de assuntos. O escritor acreditava
que os assuntos históricos deveriam ser difundidos porque o povo brasileiro desconhecia sua
história por causa da maneira maçante e difícil como esta era escrita. Em função disto, ele
assume a tarefa de levar ao público, de um modo acessível e prazeroso, a história do Brasil.
Viriato afirmava que suas obras ajudaram a vulgarizar a história do país (FERNANDES,
2009). Sobre a atuação de Viriato neste gênero Fernandes (2009) nos afirma que:

[...] Viriato consagrou-se no campo da narrativa histórica, ao lado de outro grande


escritor do período – o paulista Paulo Setúbal (1893-1937). E, enquanto Paulo
Setúbal dedicou-se ao romance histórico, Viriato escreveu contos e crônicas
históricas, ajudando, assim, como ele mesmo dizia, a “vulgarizar” a história pátria
(FERNANDES, 2009:119).

Segundo Fernandes (2009), no gênero da narrativa história Viriato escreveu mais de


uma dezena de crônicas, romance, peças de teatro e livros infanto-juvenis. Dentre as crônicas
podemos citar Histórias da Nossa História (Monteiro Lobato & Cia, 1921), Brasil dos meus
avós e Alcovas da História. Como romance histórico podemos citar Balaida: romance do
tempo da regência(1927) entre as peças de teatro de gênero histórico temos: Marquesa de
34

Santos(1938), Tiradentes(1941), e O caçador de esmeraldas(1940). Ainda nesta vertente


literária, temos nove livros infanto-juvenis publicados por Viriato que são : “Contos da
História do Brasil (para uso das escolas) (1921); A Descoberta do Brasil(1930),História do
Brasil para crianças (1934) - que vai ser adotado como livro de leitura complementar nas
escolas - , Meu Torrão (contos da história pátria) (1935), História de Caramuru (1939), A
Bandeira das Esmeraldas (1945), As belas histórias da História do Brasil (1948), Curiosidades
da História do Brasil (para crianças) (1952) e História da Liberdade no Brasil (1962).”
(FERNANDES, 2009:119). Por fim, há até uma novela radiofônica sobre Tiradentes
(FERNANDES, 2009). Sobre esta novela temos que:

No contexto desta tarefa de divulgação da história nacional, foi um dos


escritores que usou o rádio, principal veículo de comunicação da época. No âmbito
das comemorações do Estado Novo dos certo e cinqüenta anos da morte de
Tiradentes e como forma de reforçar o culto ao herói nacional, Viriato Corrêa
escreveu uma novela radiofônica sobre Tiradentes. Essa novela foi irradiada pela
primeira vez, por iniciativa do Departamento Nacional de Propaganda (DNP), na
hora do Brasil do dia 21 de abril de 1939, e pôde ser transmitida por todas as
emissoras do país, independentemente do pagamento de direitos autorais
(FERNANDES, 2009:121).

É importante dizer que foi Monteiro Lobato, com sua empresa “Monteiro Lobato &
Cia”, o responsável pelo lançamento de Viriato Corrêa, entre outros autores novos, no
pequeno mercado editorial brasileiro. Além de Viriato, Monteiro Lobato também lançou “[...]
Ribeiro Couto, Paulo Setúbal, Oliveira Viana entre outros.” O primeiro livro de Viriato
lançado pela empresa Monteiro Lobato & Cia foi Histórias da Nossa História , livro de
crônicas históricas publicado em 1921(FERNANDES, 2009: 127).
Sobre o início de sua carreira como teatrólogo e suas primeiras peças Pinto (1966) nos
afirma que:
Foi na “ A Rua” que Viriato começou a fazer teatro.Mas, ele queria fazer um teatro
novo,diferente do que se fazia até então. E idealizou uma burleta calcada em
motivos regionais coisa absolutamente brasileira. E surgia A SERTANEJA, peça
que foi a acena em 1915, no teatro São José de Segreto Paschoal, o grande
incentivador do teatro ligeiro, no Rio. Estrelavam-na Alfredo Silva e Pêpa Delgado,
consagrados ases do palco naquela ocasião.” (PINTO, 1966: 84).

Foi um grande sucesso para o nôvo teatrólogo que surgia, festejado pela crítica e
aplaudido pelo povo, sucesso que levou sua burleta a fazer centenário de
representações consecutivas.
Animado com a primeira retumbante vitória ainda, [..], começou a trabalhar na
opereta , também sertaneja, que chamaria Juriti. Terminada esta levou-a na gaveta
por ser impossível, no momento levá-la à cena.” (PINTO, 1966:89).
35

Depois disso Viriato escreveu em 1916 a opereta “A Manjerona”, e em 1917 a opereta


“Morena” que não obtiveram o mesmo sucesso da Sertaneja, mas mesmo assim
permaneceram vários dias em cartaz.
Analisando de uma maneira geral a obra teatral de Viriato, Fernandes (2009) afirma que o
autor escreveu cerca de trinta peças teatrais que tinham influência do teatro de costumes e que
se passavam tanto em ambientes rurais como urbanos. Sobre isso este autor nos afirma:

[...] Suas peças lançaram grandes nomes da dramaturgia nacional, como Dulcina de
Moraes e Procópio Ferreira, e, com importantes nomes do teatro, como Chiquinha
Gonzaga, Raul Pederneiras, Bastos Tigre, fundou, em 1917, uma das primeiras
associações de defesa dos direitos autorais: a Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais (SBAT), ainda hoje em pleno funcionamento (FERNANDES, 2009:122).

A respeito do posicionamento político e artístico de Viriato podemos afirmar que ele se


auto-define um conservador por não gostar de revoluções, e, realmente sua obra denota esta
posição política, na medida que, ele se posiciona nela a favor da ordem e dos discursos
vigentes. Em função desta característica, Penteado afirma que Viriato é um “exímio tradutor
de tendências” já que o enaltecimento ao rural, presente em várias de suas obras anteriores à
193033, era um discurso bastante interessante à oligarquia agrária do país que detinha o poder
político no momento, e, que, após década de 30 seu discurso se inverte e passa a corroborar
com o ideário do Estado Novo, na medida que, Viriato enaltece a cidade afirmando que é lá
que se encontra a felicidade e o progresso do país.
Esteticamente podemos afirmar que o autor é naturalista e contrário ao movimento
modernista. Penteado afirma que Viriato, apesar de ser um admirador da obra de Vila Lobos,
afirmava não entender a estética modernista, pois, considerava-a meio atordoante. Segundo
Penteado (2001) o que fazia de Viriato um admirador da obra de Vila Lobos34 era o fato de
que esta “exaltava a pátria brasileira. E isto bastava a Viriato.” (PENTEADO, 2001:54).
Sobre os julgamentos de valor a respeito da obra de Viriato constatamos que sobre este
assunto há divergências que se dão principalmente pelo fato dele ter entrado para Academia.
Viriato é aclamado por seus contemporâneos e criticado pelos modernistas (FERNANDES,
2009). Um autor que critica Viriato é Jorge (1999). Ele afirma que:

Escritor medíocre? Sim, Viriato Correia foi um escritor inexpressivo, de estilo


vulgar, embora tenha sido chamado de “mestre” pelo dulçoroso Josué Montello, este

33
– Era uma vez (1908), Contos do Sertão (1912), A sertaneja (1915), Morena (1917), Sol do sertão (1918),
Juriti (1919).
34
É importante mencionar que Viriato e Vila Lobos trabalharam juntos, pois, o compositor musicou duas peças
de Viriato que são Marquesa de Santos(1938), Tiradentes(1941).
36

acadêmico que só gosta de incensar, de agradar, e que tenta, há mais de cinqüenta


anos, imitar o estilo de Humberto de Campos.
Pura verdade, João Ribeiro elogiou algumas obras de Viriato, os livros Baú Velho,
A Balaiada, Mata Galego e Gaveta de Sapateiro, porém a rigor, quando fez isto, o
João já não mais exercia a crítica literária. Ele agia como o Josué Montello: só
gostava de louvar, de agradar. Talvez por ceticismo ou comodismo... (JORGE,
1999: 210).

Já Fernandes (2009) afirma que os autores contemporâneos à Viriato como João Ribeiro
elogiam sua obra afirmando que:

João Ribeiro elencava o nome de Viriato ao lado de historiadores renomados


pertencentes aos quadros do IHGB, a exemplo de Capistrano de Abreu, Max Fleiuss,
Rocha Pombo, Rodolfo Garcia, Osório Duque Estrada, Gustavo Barroso e Luiz
Edmundo e tecia elogios acerca de sua obra nos principais jornais da época [...]
(FERNANDES, 2009:165).

Sobre o caráter da obra de Viriato, Penteado (2001) nos afirma que,

[...] O conjunto de sua obra explicita sua obstinação, seja na temática, seja na
linguagem, com a alma nacional: seu cenário, seus tipos, seus falares, sua sintaxe
eram sempre privilegiados por Viriato, revelando a grande preocupação com as
coisas e gentes brasileiras (PENTEADO: 2001: 52).

A conclusão que Fernandes (2009) tira do valor histórico da obra de Viriato é que esta
ajudou na divulgação da nossa história.
O que importa é que Viriato Corrêa já tem seu nome inscrito nos Anais da ABL, por
ter sido o primeiro autor de livros infanto-juvenis a ingressar no quadro dos imortais.
Se não escreveu grandes obras, ao se dedicar à crônica histórica e à produção teatral,
prestou um serviço relevante de divulgação de nossa história (FERNANDES, 2009:
165).

Sobre o caráter da obra de Viriato concluímos que não é função do historiador emitir
julgamentos de valor sobre seu objeto de pesquisa, como nos afirma Carr (1980):

[...] Aqueles que, sob a alegação de narrarem história, agitam-se como juízes,
condenando aqui e absolvendo lá, porque pensam que esta é a função da história...
são geralmente reconhecidos como desprovidos de sentido histórico (CARR,
1980:111).

Portanto, o que podemos afirmar é que a obra de Viriato, sendo julgada de forma positiva
ou negativa pela crítica literária ou teatral, tem seu valor como um documento histórico que
nos permite construir sentidos para o passado.
37

1.3 - Características da obra de Viriato Corrêa

Viriato foi um escritor cujo fulcro do trabalho era o de retratar um Brasil brasileiro,
isto é, as cores, os tons, os cheiro, os falares e, principalmente, a história de um país
que, quando este autor rabiscava suas primeiras páginas, ainda vinha tentando forjar
sua identidade com nação. Em toda sua produção intelectual, portanto, é possível
encontrar essas “notas de brasilidade”, fosse como cronista jornalístico, como
conferencista, como dramaturgo, contista para adulto e crianças ou historiador
(PENTEADO, 2001: 203).

Podemos afirmar que a obra de Viriato é ufanista, na medida em que, ela enaltece o
país e sua história, sem fazer críticas sejam elas sociais, econômicas, ou políticas à ordem
vigente. Porém, não podemos nos esquecer que esta característica não é exclusiva das obas de
Viriato, mas de uma vertente de escritores contemporâneos a ele como Coelho Neto Olavo
Bilac, entre outros, denominados por Sevcenko de “intelectuais de casaca.” Segundo
Sevcenko (1985) esses intelectuais eram os autores da moda, os vencedores do momento
porque devido ao seu estilo acrítico desfrutavam de prestígio político perante aqueles que
detinham o poder no momento.
Segundo Carvalho (1998) a explicação deste tipo de ufanismo pode ser encontrada em
tempos remotos, do momento em que os primeiros europeus aqui puseram o pé. Uma prova
disto é a carta de Caminha que descreve todas as riquezas que esta terra possui, como boas
águas, bons frutos, animais, vegetação rica e povo bastante amável. Carvalho (1998) afirma
que esta tradição ufanista se manteve viva no imaginário da população até os dias de hoje.
Além disso, Carvalho (1998) afirma que o ufanismo destes escritores está em consonância
com o momento histórico da primeira República. Segundo ele, durante o Império a educação,
que era somente destinada ás elites, era totalmente desnacionalizada. Com a proclamação da
República se introduz nas escolas a educação cívica através de livros que tinham por objetivo
educar o aluno para o conhecimento de seu país, sua história e “heróis” e ao amor a pátria.
Tanto Viriato como Coelho Neto e Olavo Bilac vão elaborar estes livros escolares dentro dos
novos padrões educacionais da República que serão usados para promover a educação cívica
nas escolas. Portanto a escrita ufanista de Viriato, presente em toda sua obra, está em
consonância com os propósitos da educação da Primeira República que têm por objetivos
introjetar nos alunos, em seus leitores e em seu público o amor a pátria e “nacionalizá-los”.
De acordo com esses preceitos expomos a afirmação de Fernandes:

E, fundamentalmente, Viriato retomou uma tradição da literatura escolar brasileira,


consubstanciada nos chamados livros de leitura, que, numa visão ufanista de nosso
38

país, veiculavam valores cívicos patrióticos, indispensáveis ao fortalecimento de


uma identidade nacional (FERNANDES, 2009: 315).

Penteado (2001) 35 ao analisar o livro Cazuza (1938) teve por objetivo entender porquê
Viriato depois de ter se posicionado ao lado de Washington Luis e combatido a Revolução de
1930, adota as ideologias do Estado Novo e as divulga em suas obras - o livro Cazuza é um
exemplo disso. A autora adota a hipótese de que Viriato, que antes do Estado Novo já era um
nacionalista, encontrou “no projeto de construção da nacionalidade no novo regime, um
campo fértil para se expressar.” (PENTEADO, 2001:205). A autora ainda afirma que, embora
o Estado Novo tenha sido um regime autoritário, responsável por mortes censuras violências,
entre outras coisas, paira sobre ele e seu legado uma visão positiva. Em função disso, a autora
não estranha que Viriato tenha

[...] “aderido” ao seu projeto (do Estado Novo) 36, pois o que estava em jogo era o
ideal de construção da identidade de uma nação una, harmônica e coesa – ideal, aliás
que sempre teve um forte poder de sedução junto à grande parte da intelectualidade
brasileira, e que vinha sendo disseminado desde o advento da república
(PENTEDADO, 2001: 205-206).

Portanto podemos concluir que Viriato durante a primeira República vai aderir ao
discurso deste regime e após o advento do Estado Novo Viriato vai mudar seu discurso para
se adequar à nova tendência política.
Posto isso, vamos nos deter a entender um pouco das características do teatro de
costumes e a influência destas características na peça Juriti.

1.4 – Teatro de costumes e a decadência do teatro nacional

Segundo Prado (2003), o teatro de costumes é um tipo de comédia brasileira que nasceu
do entremez português, ou comédia em um ato. O entremez- um gênero pouco estudado por
ser considerado pelos literatos como um gênero menor- é uma pequena peça cômica de
duração de vinte a trinta minutos que era apresentada nos intervalos de uma peça principal de
duração de aproximadamente duas horas. Este gênero, que foi trazido de Portugal para o Rio
de Janeiro em 1829 pela companhia portuguesa de Ludovina Soares da Costa, é constituído

35
Nesta pesquisa estamos nos baseando em dois trabalhos que se debruçaram sobre parte da obra de Viriato
Corrêa, mais especificamente sobre dois livros escritos pelo autor após a revolução de 1930 intitulados Cazuza
(1938) e História do Brasil para crianças (1934).
36
Grifo Nosso
39

por números de canto e dança em que predominam as improvisações e gracejos do ator em


detrimento do texto dos atores37 (PRADO, 2003).
Martins Pena foi quem primeiro e melhor adotou esta prática no Brasil e com ela
construiu sua carreira como comediógrafo. Pena entrou em contato com as fórmulas e
técnicas do entremez e começou a abrasileirá-las. Segundo Prado, o teatro de Martins Pena se
filiava ao teatro de Moliére e se caracterizava por conter traços jornalísticos, retratando o que
sucedia no cotidiano e principalmente no cotidiano do Rio de Janeiro. Além de Pena, os
autores como Joaquim da França Junior (1838-1890) e Joaquim Manoel de Macedo (1820-
1882) são citados como representantes deste gênero de teatro (PRADO, 2003).
O teatro de costumes é considerado juntamente com outros gêneros teatrais - como a
revista, a mágica e a opereta - como teatro ligeiro ou teatro musicado. Estes gêneros foram
considerados por alguns críticos teatrais, entre eles Machado de Assis, por serem os
responsáveis pela “morte” da Tragédia e do drama teatral. Por causa do surgimento destes
gêneros ligeiros que o teatro naturalista, sucessor em ordem cronológica do realismo, nunca
chegou a existir no Brasil. Após o teatro realista ser sufocado pela opereta pelos gêneros
ligeiros, restava aos autores brasileiros somente a comédia como estilo comercialmente
viável. Esta poderia ter 3 inclinações: o estudo psicológico, a descrição de costumes ou as
complicações de enredo. No Brasil prevaleceu a comédia de costumes e mesmo esta não teve
uma freqüência continua nos palcos (PRADO, 2003:117).
Segundo Prado, a comédia brasileira não se desenvolveu, não rompeu barreiras. Não foi
capaz de desenvolver, “dentro da estética clássica”, “tipos psicológicos universais” nem
desenvolveu originalidades de enredo (PRADO, 2003:138). A comédia brasileira se limitou a
duas oposições: estrangeiros versus nacional e homem da roça versus homem da corte, sem
nada a mais criar. Essa limitação de desenvolvimento se deu porque após Martins Pena nem
França Junior nem Macedo foram além das inovações propostas pelo primeiro (PRADO,
2003).
Paralelamente ao teatro de costumes surgem, durante o século XIX, outros gêneros de
teatro como o “music-hall, o cabaré, a opereta, o vaudeville [...] a pantomima e o circo” que
contém semelhanças ao teatro de costumes (MELO, 2007: 41)38. Esses gêneros de teatro,

37
Esta predominância da improvisação do ator prevalecer sobre o texto dos autores vai permanecer por muitos
anos no teatro nacional. Ela será motivo de uma briga entre o autor de Juriti e um ator chamado Leopoldo Fróes
e será apontada pelos modernistas e por outros críticos teatrais como um dos motivos de “atraso” do teatro
nacional.
38
Segundo Mello, estes gêneros se constituem de diversos quadros que são alternados por números de danças,
malabarismos, declamações, paródias ou uma pantomima. Seus desenvolvimentos se deram em e paralelo ao
desenvolvimento de cidades como Paris e Londres (MELO, 2007).
40

juntamente com o teatro de costumes, são considerados pela crítica teatral como “teatro
popular”39, ou seja, gêneros inferiores em relação ao teatro nacionalista romântico e realista,
Entre os críticos teatrais que apontavam o “teatro popular” como responsável pela
decadência do teatro dramático nacional de boa qualidade temos Machado de Assis, José
Veríssimo e posteriormente alguns modernistas. Para entendermos o julgamento que estes
críticos faziam ao teatro de costumes e ao “teatro popular” é importante definir o que era
considerado como “um bom teatro.”
Para os críticos de teatro do fim do século XIX, o ideal de qualidade ou o conceito de
bom teatro era a dramaturgia da tragédia e da alta comédia. O teatro filiado a esse modelo
literário ainda estava por se fazer no Brasil e, era defendido por uma geração de artistas que,
embasados nas idéias da necessidade de se criar uma identidade para a jovem República
brasileira, viam a arte como o instrumento de regeneração do país, o instrumento de
“civilização”, “nacionalização” e educação do povo. No teatro este instrumento
corresponderia á uma “literatura dramática nacional de qualidade.” (MENCARELLI, 1996:
35). Porém o teatro que fez sucesso, a partir da segunda metade do século XIX no Rio de
Janeiro, estava ligado ao modelo de “tradição do teatro popular, de “feira”, no qual o
espetáculo, a diversão é a prioridade, e a dramaturgia é apenas mais um de seus recursos.”
(MENCARELLI, 1996:47). Em função disso, os gêneros ligeiros de teatro, que invadem o
país e roubam o espaço do teatro dramático, ao invés de educarem o público acabam por
destruir o ideal de regenerar do país dessa geração de intelectuais e artistas40.
Só a critério de exemplificação vamos expor a opinião de Machado de Assis, um
importante autor literário brasileiro e crítico de teatro, que considerava, entre outros fatores,
como motivo de decadência do teatro nacional o “teatro popular”.
Machado de Assis em seu livro Crítica Teatral argumenta que os motivos para a
decadência artística e teatral no Brasil são a falta de instrução das platéias, diga-se do povo.
Machado afirma que as causas do pouco desenvolvimento do teatro brasileiro vão além do
círculo do teatro, vão até a platéia, o povo. Segundo ele, a arte brasileira se encontra na

39
A escolha por este termo também se deu com base no artigo intitulado O teatro Popular: Rio de Janeiro a
cidade polifônica (1930-1940) das autoras Primerano ET all.
40
Esta geração de intelectuais e artistas é citada por Mencarelli como a geração de 1870. que tinha como
representantes Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiúva, entre outros. Mencarelli afirma que misturados ás rodas de
conversas dessa geração haviam personagens que podem ser considerados de uma outra geração que é
conhecida como grupo de literatos da Belle Époque e que tem por representantes Machado de Assis e José
Veríssimo e Arthur Azevedo como um de seus componentes. A respeito disso ver MENCARELLI, Fernando
Antônio. A cena aberta: A interpretação de “O Bilontra” no tetro de Revista de Arthur Azevedo. Dissertação de
mestrado apresentada no departamento de História da Unicamp. Pág. 28.
41

infância e que isto é um fato, basta alguém com boa vontade fazer uma análise superficial de
nossa arte que chegar a esta conclusão.
Além disso, Machado de Assis afirma que a grande presença de produção artística
estrangeira não abre espaço para a produção nacional. Segundo ele, no teatro brasileiro não se
pode encontrar características nacionais, mas sim uma gama de características de várias
nações. Para ele não existe o teatro brasileiro, o que existe é uma cópia de teatros estrangeiros.
Por último, Machado considera que o teatro foi transformado somente em passatempo e
diversão. O público não quer teatro sério, critico ou dramático. Ele não cita aqui, mas fica
claro para nós que ele considera que a culpa da decadência é dos gêneros ligeiros, como o
teatro de costume, que fazem a alegria do público, mas que não proporcionam a este a
verdade, a crítica social. Nas palavras do autor:

A arte dramática tornou-se definitivamente uma carreira pública.


Dirigiram mal as tendências e o povo. Diante das vocações colocaram os horizontes
de um futuro inglório, e fizeram crer às turbas que o teatro foi feito para passatempo.
Aquelas e este tomaram caminho errado; e divorciaram-se na estrada da civilização
(ASSIS, 1859: 222).

De acordo com a mentalidade de sua época, Machado de Assis pensava que o teatro
deveria levar ao público um conteúdo mais crítico em relação á realidade do país, que deveria
ser um instrumento de educação, que deveria conter traços estéticos e artísticos mais
refinados. A população só poderia se civilizar com a arte. Para poder desempenhar seu papel
de instrumento educador o teatro teria que se constituir de textos dramático nacional. O teatro
como instrumento de civilização só realmente cumpriria seu papel caso utilizasse “literatura
dramática nacional de qualidade”.
Segundo Melo as considerações de Machado de Assis e de outros críticos teatrais vão
adentrar no século XX e influenciar os modernistas. Tanto é verdade que o teatro não
participa junto com outras manifestações artísticas da Semana de Arte Moderna de 1922,
porque para os modernistas o teatro não tinha se modernizado. Aliás, podemos notar que
mesmo Décio de Almeida, citado anteriormente, faz uma crítica á comédia brasileira ao
afirmar que esta não se desenvolveu.
A crítica ao “teatro popular” exposta acima mostra que este autores concebem o termo
“popular” como algo que contrasta com a cultura erudita. Essa dicotomia entre cultura erudita
e cultura popular já foi questionada por vários autores como Ginsburg (1987)41, Canclini

41
Carlo Ginsburg em sua obra O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
Inquisição descarta a dicotomia entre popular X erudito ou cultura hegemônica X cultura sublerna ao conceito de
circularidade cultural que defende que há uma circularidade de influências entre cultura subalterna e a
42

(2006) , Hall (2003), entre outros. Segundo estes autores, há uma circularidade de influências
entre cultura subalterna e a hegemônica na medida em que uma alimenta a outra, por isso elas
estão interligadas e não separadas em pólos opostos.
Hall (2003) coloca em dúvida essa concepção de “popular” como algo que “[...] as
massas [...] escutam, compram, lêem, consomem e parecem apreciá-lo intensamente.”
(HALL, 2003:253). Essa concepção de “popular” questionada pelo autor é entendida como
algo que é “associado à manipulação e ao aviltamento da cultura do povo.” Após descartar
esta definição Hall afirma que:

o essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a


“cultura popular” em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e
antagonismo) com a cultura dominante [...] O que importa [..] é a luta de classes na
cultura ou em torno dela (HALL, 2003:257-258).

Em vista disso, o entendimento que podemos ter sobre a desvalorização do “teatro


popular” pela crítica não se dá porque este seja de má qualidade ou pouco nacional, mas,
porque este gênero de teatro tomou o espaço de autores ditos “cultos” já que, apesar da crítica
ao “teatro popular”, este obteve um grande sucesso de público não só no Brasil, mas no
ocidente durante o período da Belle Époque (MENCARELLI, 1996)42.
Outra crítica que está presente no discurso de Machado de Assis e que também está
presente no contexto da peça Juriti é á presença de companhias, atores ou influências culturais
estrangeiras no teatro43. Indo na contramão dos que criticam a presença estrangeira, Décio de
Almeida Prado afirma que sem a presença e contribuição de estrangeiros, a opereta mal teria
existido no Brasil já que para seu desenvolvimento foi necessário atores que soubessem

hegemônica na medida em que uma alimenta a outra, por isso elas estão interligadas e não separadas em pólos
opostos como queriam alguns autores.(MELLO; SILVA JUNIOR, 2006)
42
Por causa do sucesso que esses gêneros de “teatro popular”, incluindo o teatro de costumes, fizeram junto ao
público eles são tidos por alguns autores como o aparecimento da primeira cultura urbana de massas42.
(MENCARELLI, 1996:24). Porém cultura de massas, como cultura popular, é outra categoria de análise bastante
discutida pelos autores como Hall, Canclini. Em vista desta discussão fugir aos objetivos do trabalho não
adentraremos nela.
43
Roberto Ruiz (1988) afirma que a história do teatro brasileiro foi muito influenciada pelo teatro português, em
função da proximidade das línguas de ambos os países. Segundo ele, a vinda de tantas companhias lusas de
teatro ao Brasil em grande volume vai se dar até a eclosão da primeira guerra. Porém é o mesmo autor que
afirma que esta influência não foi de mão única já que há evidências de influências brasileiras no teatro luso
como por exemplo o maxixe que passa a ser dançado nos palcos não só portugueses, mas europeus.
(RUIZ, 1988). A presença do maxixe nos palcos europeus nos proporciona pensar até que ponto há uma
separação entre o que é brasileiro e o que é estrangeiro já temos evidências de que o teatro de costumes brasileiro
se constitui do entremez português, mas ao mesmo tempo o teatro português se constitui de influências de
elementos culturais brasileiros.
43

cantar, que tivessem uma voz educada pela escola de canto erudito. Segundo este autor, a
opereta tinha um nível musical que exigia que o ator tivesse estudo da “chama música
erudita” cujo aprendizado se dava num prazo de tempo bastante longo (PRADO, 2003:100).
Em função disso, muitos atores estrangeiros vieram trabalhar nos teatros brasileiros. Este
exemplo é bastante rico para entendermos a importância da crítica ás oposições como
nacional versus estrangeiro, popular versus erudito. Podemos perceber que o teatro popular
nasce de uma fusão ou como afirma Canclini (2006) de uma hibridação, conceito definido
como:

Processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de


forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e prática. Cabe
esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridações,
razão pela qual não podem ser consideradas fontes puras (CANCLINI, 2006: XIX).

Portanto, o fato de um gênero de teatro que era considerado “popular” exigir habilidades
artísticas de cantores que tinham estudado música “erudita” evidencia que não se pode querer
criar fronteiras entre o erudito e o popular já há uma circularidade entre elas. A prova disto é
que o “teatro popular” tinha características da “cultura erudita”. O mesmo se dá quando se
fala em uma cultura brasileira versus uma cultura estrangeira. As fronteiras entre estas
categorias é algo tão tênue quando a fronteira entre erudito versus popular já que há uma troca
de influências entre o que vêm do estrangeiro e o que para lá vai.
Porém, apesar de estarmos defendendo a hibridação entre nacional versus estrangeiro e
erudito versus popular, Canclini nos adverte que nos processos de hibridação não há somente
“fusão, a coesão, a osmose e, sim, a confrontação e o diálogo” (LAPLANTINE & NOUSS:14
apud CANCLINI, 2006: XXVI).
Esta confrontação de que fala este autor se avoluma a partir de 1914 quando se inicia um
momento marcado mais pela confrontação entre o nacional e o estrangeiro. Com o deflagrar
da Primeira Guerra uma febre nacionalista toma conta do país e de seus intelectuais que
começam a lutar contra aqueles que se alienavam dos temas e problemas de seu próprio país.
Sevcenko (1985) nos dá um panorama da “febre nacionalista” que vai afetar os literatos, que
em sua maior parte foram absorvidos pela imprensa, com o deflagrar da primeira guerra.

Com a vinda da guerra, o tom mundano, cosmopolita e despreocupado dessa


imprensa seria, porém, estigmatizado por toda parte. Sobreviveram as maiores
invectivas contra toda forma de idealismo ou smartismo literário residual. E a
campanha contra o “bovarismo” dos intelectuais que se alienavam da sua própria
terra e realidade, trocando-a pela fantasia ou pela Europa. A intelectualidade passa
por uma tentativa de depurar o grupo intelectual nas suas crenças, gostos e
44

características, selecionando os elementos e destilando as idéias a fim de que ele


pudesse assumir o destino a que os novos tempos o arrastavam. A nova febre
nacionalista os conduziria à condição de “escola da pátria”. Era preciso, pois,
separar o joio do trigo.
[...] Feridos pela febre nacionalista, substituem o mundanismo pelo novo credo. A
campanha nacionalista praticamente se concentra toda na imprensa. [...]
(SEVCENKO,1983: 100-101).

Temos que ter em mente que mesmo com a febre nacionalista que o impacto da primeira
guerra vai gerar no país, não ficamos totalmente sem receber influências do estrangeiro como
afirma Ruiz. Só não podemos cometer o erro de pensar que porque haviam companhias
estrangeiras inexistia a produção nacional. Como afirma Moraes, a produção local e a
nacional se confrontavam para obter espaço:

Nas primeiras décadas deste século, inúmeras e novas formas culturais das classes
subalternas se organizavam nos grandes centros urbanos. De alguma maneira, a
produção e, principalmente, a reprodução dessas culturas já se vinculavam aos
meios de difusão de multiplicavam e se misturavam pelos centros urbanos,
movimentando dia e noite as grandes cidades. Nesses espaços de entretenimento, as
manifestações produzidas localmente também se defrontavam com as estrangeiras
[...] (MORAES, 1998: 68-69).

Roberto Ruiz afirma que depois da primeira guerra o teatro brasileiro tende a se
desvincular dos modelos português e francês, e se inicia uma fase marcada por um
“abrasileiramento” do “teatro popular”. É neste contexto que a peça Juriti se encaixa. Viriato
é um intelectual cuja obra vai ser dedicada às retratar a população brasileira, seu costumes,
culturas, hábitos e crenças, religiosidade,história, entre outras coisas.
Posto isso, vamos partir para a análise da peça.
45

Segundo consta no site http://blogln.ning.com/profiles/blogs/chiquinha-gonzaga-a-mae-da, esta foto foi


tirada no palco do Teatro Recrei (RJ) em 23/11/1933. Da direita para esquerda temos Viriato Corrêa,
Gilda de Abreu, Chiquinha Gonzaga e Vicente Celestino.
46

CAPÍTULO 2

A PEÇA DE TEATRO “JURITI”

Imagem 1: Segundo consta no site abaixo, esta foto foi tirada da apresentação da peça “Juriti”
apresentada nas cidades de Uberlândia e Uberaba em 2009 – extraído do site
<http://blogln.ning.com/profiles/blogs/chiquinha-gonzaga-a-mae-da>. Acesso em 25 out. 2010.

A peça Juriti foi escrita por Viriato Corrêa e musicada por Chiquinha Gonzaga,
compositora que já tinha conquistado fama e respeito no Rio de Janeiro. Juriti estreou dia 16
de julho de 1919, no Teatro São Pedro de Alcântara; no Rio de Janeiro e obteve grande
sucesso de público trazendo a figura do sertanejo como tema central. A peça é encenada em
1919 e reapresentada, durante no mínimo 16 anos, até 1936 (DINIZ, 1984). Além disso,
temos notícia da reapresentação desta peça em 2009 pelo coral da Universidade Federal e
Uberlândia no dia 04 de setembro, no Teatro do Sesi44. Portanto, esta é uma peça que teve
grande reapresentação. Isso nos confirma que ela agradou ao público, e teve conteúdo
45
significativo para as pessoas durante o momento histórico em que foi apresentada . Na

44
Informação retirada do site do “Jornal de Uberaba”. Disponível
em<http://www.jornaldeuberaba.com.br/?MENU=CadernoB&SUBMENU=Social&CODIGO=6493>. Acesso
em 25 out. 2010.
45
Pinto afirma que após escrever a peça Viriato tem dificuldade em encontrar uma companhia de teatro que
queira encenar a peça já que os atores e os donos da companhia achavam que a temática de sertanejos já estava
desgastada, que o público já estava cheio de peças de caipiras e não iria agüentar duas horas de sotaque caipira e
trapalhadas sertanejas. Porém não foi o que aconteceu, já que a peça foi reapresentada por várias vezes.
47

atualidade a peça pode ser vista como uma fonte histórica que nos permite a partir de sua
análise construir sentidos sobre o passado.
A peça retrata a história de três personagens da cidade, dois doutores e a prostituta deles,
que vem do Rio de Janeiro passar uns dias numa vila de sertanejos46. Um desses personagens
da cidade é o doutor Juca, filho do Major Fulgêncio que após se formar em advocacia no Rio
de Janeiro é trazido à vila de sertanejos pelo pai que deseja ostentar o título de doutor do filho
para provocar a irá de seu inimigo: o coronel Cutrim. O doutor Juca após conhecer e se
encantar por Juriti, a mais linda sertaneja da vila, vai tentar roubar uns beijos da moça, que,
no entanto, já tinha um noivo. Após o doutor tentar, por várias vezes sem sucesso, seduzir a
sertaneja, espalha-se um boato na vila que de que Juriti foi vista por umas bandas meio
escuras com o doutor Juca. Isso é o suficiente para que a honra, e a virgindade de Juriti sejam
colocados em dúvida pelos moradores da vila. Ao saber destes boatos o noivo de Juriti, o
vaqueiro Graúna, desacredita na honra de sua noiva e rompe seu noivado. Juriti fica muito
triste, já que sua honra era tudo que tinha. Por fim, Juriti consegue provar sua inocência á
todos, mas prefere não reatar seu noivado com Graúna e sim entregar seu amor ao homem
que acreditou em todos os momentos em sua castidade: o sertanejo Corcundinha, o maior
violeiro de todas as bandas, porém feio e deficiente físico, mas que tinha um imenso amor por
Juriti.
A peça tem como característica um tom moralizante e a preocupação com o nacional, sua
gente e seus costumes. Juriti é uma obra ufanista, na medida em que, o autor representa o
sertão e o sertanejo de maneira romanceada, sem mostrar os problemas e contradições sociais
do sertão. Apesar de fazer uma crítica ao coronelismo o autor não conecta esta prática política
à vida do sertanejo. Ou seja, o coronelismo é criticado em si, sem ter maiores implicações
sociais na vida dos sertanejos.
Para facilitarmos a análise da peça dividimos os comentários sobre ela em três temas que
são respectivamente: Coronelismo, Sertão de Viriato Corrêa e Conflito Urbano X Rural.

2.1 Coronelismo
O tema do coronelismo é bastante presente na peça, na medida que, a disputa de poder
entre os coronéis Cutrim e o Major Fulgêncio penetra no cotidiano de todos os moradores da
vila de sertanejos. O coronelismo surge na história do Brasil com o federalismo, adotado pela
Constituição de 1891, que permite aos estados ter autonomia própria para eleger seus

46
A localização geográfica da vila de sertanejos é indefinida. A vila é representada num local geográfico que
tem por finalidade se contrapor ao cosmopolitismo da Capital Federal.
48

governadores e deputados. Devemos lembrar que isso não era assim durante o Império, como
podemos perceber na fala de Resende (2006): “O Federalismo rompe com o sistema de
relação direta entre os detentores do poder local e o centro de poder nacional prevalecente no
Brasil Império.” (Resende, 2006:91). A frase desta autora sinaliza como o federalismo
proporcionou uma reorganização política na nova República, pois, durante o Império era o
Imperador que determinava quem seriam os presidentes das províncias, e, com o federalismo,
47
as províncias passam a eleger seus próprios presidentes48 e sua Assembléia Legislativa.
Podem, além disso, ter uma constituição própria49, organizar sua administração, sistema
judiciário, serviços públicos, sistema escolar, forças policiais, cobrar impostos e ainda
contrair empréstimos no exterior. Estas mudanças geram uma transformação no cenário
político do país como a introdução de um poder local redefinido. Com o federalismo o poder
político descentraliza-se e surge nos municípios um novo tipo de poder que é o dos coronéis.
Segundo Resende (2006):

No âmbito municipal verifica-se o surgimento de um poder privado local redefinido


em função do federalismo [...] trata-se do coronelismo. Fenômeno novo na política
brasileira, o coronelismo não se confunde com as práticas históricas- lutas de família
e o mandonismo local- de exercício do poder privado no Brasil. Essas são práticas
tradicionais, melhor dizendo, atemporais, que atravessam a história do Brasil
colonial e imperial (RESENDE, 2006: 91).

Sabemos que a figura do coronel já existia no Império. Ele participava da guarda


municipal - que era uma força paramilitar da elite - ocupando o posto mais alto dessa força,
dado aos homens de grande fortuna. Com a República, este coronel além de ter poder militar
passa a deter o poder de controlar os votos da população do município através da prática do
voto de cabresto, e, a partir disso, passa a controlar a eleição dos governadores do estado. O
federalismo faz surgir o poder das oligarquias rurais e dos coronéis que lutam pelos seus
interesses individuais deixando de lado interesses do povo como trabalho, saúde, melhores
condições de vida, educação. Instalado na República o poder das oligarquias e dos coronéis
vai sobreviver até 1930 quando Getúlio Vargas volta a centralizar o poder e a nomear pessoas
de sua confiança para os cargos políticos.

Na peça, o conflito entre os dois coronéis se dá pelo fato deles serem de partidos políticos
opostos que se alternam no poder: o partido Conservador e o partido Liberal. O conflito entre
os dois pode ser evidenciado pela fala do personagem Major Fulgêncio:

47
A partir da Proclamação da República as províncias começam a ser chamadas de Estados.
48
Que após o advento da República são chamados de governadores.
49
Desde que esta não esteja em contradição com a constituição do país.
49

MAJOR FULGENCIO - Qual é o maior? O maior sou eu. O meu partido, o Liberal,
está de baixo não nego, mas eu sou o intendente até acabar o meu tempo. Quem
cobra os impostos? Eu. Logo eu sou o maior. E agora o Cutrim vai ficar arrenegado
da vida. O Juca está aí formado. Quando o Cutrim quiser pintar o sete comigo, eu
boto o Juca em riba dele, c’os livros! (Ato I, cena I:4).

As semelhanças políticas entre os partidos conservador e o liberal fizeram com que a


seguinte frase entrasse para história: “Nada mais conservador que um liberal no poder”. Na
peça, o autor ironiza esta indistinção entre os dois partidos através do personagem Major
Fulgêncio que, se dizendo um profundo conhecedor em política, tenta sempre agir de forma
oposta à do seu adversário como forma de cumprir com a ideologia política de seu partido.
Segundo a fala o personagem Major Fulgêncio, se o partido liberal pensa X o conservador
têm obrigatoriamente que pensar o contrário. Política é assim:

MAJOR - (...) Lá vem besteira! E então?! Tu bem mostras que não entende de
política. É assim mesmo. O Cutrim é de um partido, eu sou de outro. Logo que ele
pensa em fazer uma coisa, a minha obrigação é pensar o contrário. Política é assim,
mulher! (Primeiro Ato,cena XI: 9).

Apesar das semelhanças políticas entre os dois partidos, não podemos deixar de mostrar as
diferenças entre eles:

Em suma, os partidos imperiais tinham muitas semelhanças, notadamente na


ocupação social de seus membros e nas práticas políticas e, portanto, a impressão de
serem indistintos possui fundamento. Mas, acreditar em indistinção total seria
exagero, as diferenças entre liberais e conservadores não podem ser desprezadas. A
principal divergência era quanto à limitação do poder estatal e, embora o partido
liberal nem sempre tenha sido eficaz na prática, ao menos cumpriu o papel de
elaborar propostas e pressionar por mudanças (MOTTA, 1999:36).

Com o advento da República ocorre a dissolução destes dois partidos, que eram nacionais,
e a formação de outros partidos estaduais (FERNANDES, 2007; MOTTA, 1999). Em vista
disso, podemos concluir que a peça é contextualizada num momento anterior à República,
momento no qual ainda existiam os partidos Conservador e Liberal. Sobre esses partidos
Fernandes (2007) nos afirma que:

Ao longo do Império, a província do Rio de Janeiro ocupou um papel


central, não apenas por seu desenvolvimento econômico, mas também pela
proximidade em relação à Corte. A íntima ligação entre a elite da província e a
“máquina política” do Império levara o Partido Conservador, particularmente, a se
50

tornar o grande partido da província. A própria denominação “saquarema” aponta


para a importância do partido em solo fluminense, bem como para a importância dos
fluminenses no partido. Devemos ainda lembrar que foram os “saquaremas” os
grandes responsáveis pela formação e pela consolidação do Império brasileiro após
os anos tumultuados da Regência.1
A República trouxe consigo a desagregação dos partidos nacionais -
Conservador e Liberal - e a organização de partidos estaduais, que, originalmente,
deveriam ser seções de um partido nacional, o Partido Republicano Federal. Porém,
a vida partidária na República foi marcada pela excessiva estadualização, sendo os
partidos estaduais representantes únicos das elites estaduais (FERNANDES,
2007:281).

A vida econômica da vila é controlada pelos dois coronéis que dão empregos para toda a
população da vila. Esta população se divide entre os que são submissos ao coronel Cutrim e
ao Partido Conservador e os que são submissos ao Major Fulgêncio e ao Partido Liberal. O
papel dos sertanejos ao redor dos coronéis representa bem o poder patriarcal desta sociedade.
Os coronéis são os patriarcas e os sertanejos se dividem sob a proteção de um ou de outro.
Além disso, podemos afirmar que esta vila de sertanejos tem sua existência e funcionamento
marcado por alianças de poder, pelo autoritarismo e pelas brigas mortais entre os coronéis.
Isso pode ser constatado pelo fato da peça ser marcada por várias brigas entre eles.
A relação entre os coronéis e os sertanejos é marcada pela prestação e favores. Isso fica
bastante evidente quando os sertanejos vão para a porta da casa do Major Fulgêncio saudar a
chegada do doutor Juca, filho do coronel e pedem em recompensa que o major lhes dê de
beber e comer (Primeiro Ato, cena IV: 5). Aliás, é importante apontar que não só a relação
entre os sertanejos e o coronel é marcada pela submissão e pela prestação de favores como a
relação do Major Fulgêncio com seu filho Juca também é. A letra da música abaixo, cantada
pelo Major Fulgêncio, evidencia como este planejava usar o novo diploma do filho para se
promover politicamente.

Doutor formado,
Advogado,
Cá pra meu lado
O Juca torce a lei para mim
(Primeiro Ato, Cena I :4).

Outro fato interessante de se mencionar é a importância que um diploma ou um título de


doutor tinha para a situação política do Major Fulgêncio. Na estrofe da música cantada pelos
sertanejos, “aliados” ao partido do Major Fulgêncio, há a afirmação de que o diploma do
doutor Juca fará com que os liberais vençam as eleições.

(Mulheres)
Seu Dr. Juca Fulgêncio
51

É fulô deste sertão

(Homens)
Há de fazê
Nós vencê nas inleição (Primeiro Ato, cena IV: 5).

Uma das características do coronelismo, o abuso de poder, fica bastante evidente na letra
de música cantada pelo Major Fulgêncio na cena I do Primeiro Ato, na qual este afirma que
cobrava impostos mais caros dos seus oponentes políticos.

Como Intendente
Enterro o dente,
Só cobro a gente
Do partido Conservador
(Primeiro Ato, Cena I: 04).

O único personagem da história que não está vinculado a um só coronel é o vigário que
busca a amizade, proteção e também a reconciliação de ambos o coronéis. Reconciliação que
é quase impossível como afirma o Major Fulgêncio: “- Eu? Nunca! Com gente do partido
conservador não quero “mistura”. Sou liberal até no fundo d’água (Cena IX, Primeiro ato:
08)”. A fala abaixo do Vigário evidencia a tentativa dele ser amigo dos dois coronéis para
conseguir se beneficiar dos favores de ambos. “[...] Agora ajustemos as contas. Vocês me
atiram sempre em rosto o nome do coronel Cutrim. Sou tão amigo dele como de vocês.”
(Primeiro ato, Cena IX: 08).
A dificuldades de haver fim na briga entre os coronéis evidencia a falta de cultura política
democrática no sertão. Este local é representação, de forma cômica, como um lugar marcado
pelo abuso de poder, despotismo, autoritarismo e pelas lutas infindáveis entre os coronéis.
Porém, por fim, o vigário consegue com que os dois coronéis inimigos façam as pazes e
parem de brigar. Entretanto, esta é uma paz pessoal, porque a disputa partidária continua
como afirma o Major Fulgêncio:

MAJOR - Isto é apenas paz de indivíduo para indivíduo. Paz de partido, não. (Para
Cutrim) Você continua a fazer as eleições na sua casa e eu continuo a fazer as
eleições na mina casa (Segundo ato, cena XVI: 20).

Apesar do sertão ser marcado pelas brigas entre os coronéis, o exercício da política deste
local ainda é melhor que da cidade que tem sua instituição política, a Câmara de Deputados,
descrita pelo Major Fulgêncio como casa de loucos:
52

“Uma vez e filho doutor me levou numa casa. Da porta a gente só ouvia o zum-
zum, o barulho. Entramos. Tinha uma porção de bancos, uma porção de cadeias, um
bandão de gente, tudo engravatado, de fraque. E que gente dandada! Que confusão,
minha gente! Um corria p’ra cá, outro p’ra ali, outr p’ra acolá. Um dava um murro
em cima da mesa, outro atirava com os livros, outro com o tinteiro. Um cidadão
berrava na cara do outro: - “Você é um canalha!” – Aquêle cidadão berrava no
focinho do outro: - “Você é um bandido! Patife! Patoleiro, gatuno, ladrão!””
(Segundo Ato, cena III: 13).

2.2. Sertão de Viriato Corrêa

O sertão de Viriato é um lugar idílico, de natureza luxuriante, com árvores floridas, um pasto
verde e com uma grande boiada. A riqueza deste local fica bastante evidente na descrição do
cenário no segundo ato, cena I em que o autor coloca a seguinte indicação: Festa do povo
“Cenário (...) de grande esplendor. (...) Morros riscados de caminhos tortos, (...) vegetação
luxuriante”. Em função disso, não há descrição na peça de fome, pobreza, doença, de
exploração econômica e social - características que estão presentes no sertão, neste momento
histórico. O sertanejo, “normatizado” na figura de Juriti, não se sente atraído por procurar na
cidade uma melhor condição de vida. Pelo contrário, rejeitando a idéia de adotar os hábitos
citadinos, ele se declara fiel aos seus costumes, à terra e a sua maneira de viver.
Além do sertão de Viriato ser idílico, é um lugar marcado pela alegria festiva do povo.
No meio da peça, ocorre a festa de São João para a qual chegam pessoas de longe, de outras
vilas e na qual há o bumba- meu boi. No dia deste santo até a natureza se torna mais bela para
homenageá-lo, como se pode constatar nesta letra de música:

Por longe vimos


Por devoção
Trazer louvores
A São João

Mais luz existe


Pela amplidão
Por este tempo
De São João.

Serras, campinas
Dêste sertão
Tudo revive
Pelo São João
(Segundo ato, cena I: 12).
53

Interessante notar que diferentemente das opiniões expostas anteriormente dos autores
Sevcenko (1983) e Moraes (1998) - que afirmam que a partir do contexto da Belle Époque a
cultura e religião popular passam a ser combatida e perseguida até se tornarem um passado -
Viriato enaltece na peça as festas populares como a de São João e do Bumba-meu boi e
também as crendices sertanejas. Isso evidencia a pluralidade de representações em torno da
figura do sertanejo, ora sendo revestido de um valor negativo e simbolizado como um
atrasado que deveria ser erradicado, e, ora sendo revestido de valor positivo simbolizando
uma parte do Brasil que deveria ser valorizada, estudada e divulgada.
Outra coisa importante de salientar é o conflito entre o culto X o popular contido na
fala, do doutor Juca ao explicar ao doutor Raposo as crendices das sertanejas:

1a MATUTA- Vamos fazer a sorte do ôvo.


RAPOSO- (Para Juca) Que sorte é essa?
JUCA ( Para Raposo) É muito simples. Quebra-se a clara do ovo dentro da
água de um copo. Coloca-se tudo ao sereno e, ao amanhecer, vai-se ver a sorte. Se a
clara tomou a forma de uma coisa que se pareça com igreja, dizem os sertanejos que
é casamento, se a forma de um navio-viagem, de uma cruz – morte. (Raposo ri
incredulamente)
2a MATUTA – (Para Raposo) Não ria. É certo. Vamos botar os copos ao
sereno (vão sair quando entra a 6a Matuta trazendo uma bacia d’água) Vamos à sorte
da bacia d’água.
JUCA – (A Raposo) É outra sorte de São João. A luz das fogueiras as
moças miram-se numa bacia. E se vêm retratadas na água, serão felizes durante o
ano.
RAPOSO – E se não se vêm?
2a MATUTA – A gente ou morre ou sofre uma grande desgraça [...]
JUCA – (para Juriti) Não te queres mirar? ( As moças trazem a bacia para
Juriti Ela, ao mirar-se, fica aflita e remira-se aflitíssima. Solta um grito.)
TODOS – Que foi? Que foi?
JURITI – Não vi meu rosto. Que desgraça está para me acontecer, eu
Deus?! (Chora)
RAPOSO – Não chores. Não acredites nisso ( Terceiro Ato, cena IX: 24).

Este diálogo no permite perceber que a cultura popular é vista pelos homens cultos, da
ciência, como tolice. Mas para o autor da peça, a profecia da bacia d’água é válida já que a
desgraça prevista por ela realmente se concretiza quando momentos após esta cena, a
castidade e honra de Juriti é posta em dúvida pelo seu noivo Graúna, que, acreditando ter sido
traído rompe seu noivado com Juriti.
54

2.3 - Conflito Urbano X Rural

Outro tema presente na peça é a relação urbano versus rural50 já que a história é
perpassada pelos conflitos entre os personagens que da cidade e do sertão. A análise da peça
nos leva a concluir que o autor enaltece os sertanejos e diminui os moradores da cidade, já
que, os moradores que vem da cidade para a vila são representados pelo autor como pessoas
de hábitos corrompidos. O doutor Juca é corrompido, já que, busca se aproveitar da suposta
inocência de Juriti para roubar desta uns beijos. Os homens da cidade são criticados por Juriti
que os considera uns fracos que adoecem por qualquer coisa e não agüentam nada. Além
disso, eles são desprovidos dos atrativos que uma mulher quer. Para ela, os vaqueiros e os
homens do sertão é que são homens admiráveis pela sua coragem, saúde e força. Para piorar a
situação do homem da cidade, o autor termina a peça fazendo com que o doutor Juca perca no
jogo de sedução com Juriti, pois, apesar de ser moço charmoso da cidade, de ser doutor e de
se achar muito esperto, não foi capaz de ganhar a caipira da roça. Na fala do doutor Raposo
destinada ao doutor Juca: “E tu que afirmavas que ela era facílima. Não fosse ela Juriti. É
mais esperta que o caçador. Nunca se colocará ao alcance da sua espingarda.” (Segundo Ato,
cena VII:15).
Já a mulher que vem da cidade, Sofia, é representada como uma mulher arrumada
demais e que vem atrás de homem. Sofia é descrita por uma sertaneja da seguinte forma:

COTA- É uma mulher dama, sim senhor. É uma tal Sofia. Veste toda trinque, toda
de pô na cara, cheirosa como um vidro de água de cheiro. Chegou trás-ante-ontem.
“Disque” que veio atrás do homem dela, aquêle doutor da estrada do telégrafo
(Primeiro Ato, cena XI: 09).

A chegada de Sofia é vista pelo major Fulgêncio como um perigo aos moradores da vila,
pois, pode servir de mau exemplo a eles. Segundo o major, uma mulher perdida, viajando
sozinha sem a tutela de um homem não pode ser aceita na vila. Esse é o argumento que o
coronel Fulgêncio vai usar para expulsá-la da vila:

50
Temos que encarar essa fronteira entre o rural e o urbano como categorias de análise sendo que uma depende
da outra para existir. O rural e urbano são construções culturais históricas que vão ter seu valor e significado de
acordo com a intenção de quem as constrói e do contexto em que são construídas. Portanto temos que relativizar
o que é rural e o que é urbano. Na peça, por exemplo, poderíamos relativizar a identidade de homem da cidade
dada ao doutor Juca já que ele nasceu e foi criado em grande parte da sua vida no campo. O doutor Juca em
relação á um individuo que nasceu e foi criado na cidade poderia ser tomado como um sertanejo.
55

Major – Não é possível. Aqui na vila não pode morar mulher perdida. É preciso um
homem pra se responsabilizar por ela. É preciso botar essa mulher daqui pra fora
(Primeiro Ato, cena XI: 9).

Mais adiante, percebemos que Sofia mantém um caso tanto com doutor Juca quanto com
Raposo, fato que nos permite considerá-la como uma mulher promíscua para os padrões da
época. O trecho abaixo nos confirma o triangulo amoroso entre os personagens:

SOFIA – [...] Vocês sabem que eu não me meto com pessoa alguma. Vivo em casa,
não saio, não passeio, a não ser uma manhã ou outra na feira. A não ser vocês dois,
ninguém mais me entra em casa. Vivo doida para que meu amante chegue e eu me
vá embora.
SOFIA – E porque não foste ontem a noite lá em casa?
JUCA – Mêdo.
RAPOSO – Mêdo da língua do povo. Espiavam-nos.
SOFIA – Perdeste muito...
RAPOSO – Que tinhas para mim?
SOFIA (canta)
Eu tinha para o teu gôzo
O meio seio capitoso,
O meu beijo, o meu amor...
RAPOSO-
E eu sem dormir
No desejo flajelante
De dormir ao teu calor
SOFIA
A minha carne trigueira desejou-te a noite inteira,
A noite inteira te quis,
JUCA
Se eu fosse assim desejado
Eu punha o mundo arrazado
Mas te fazia feliz
RAPOSO
Se eu soubesse o teu anseio
Ia acalmar o teu seio,
Sufocar o teu vulcão... [...] (Segundo ato, cena VIII: 16).

Além de manter um caso com os dois doutores, Juca e Raposo, Sofia ainda vai tentar
seduzir o pai de Juca, para conseguir convencê-lo a deixá-la entrar na feira:

SOFIA – Está bem. Vamos conversar. Deixe-me consertar a sua farda [...]
MAJOR – Calma, moça, calma.! Não cutuque a gente.
SOFIA – (Mirando-o) O senhor tem até um corpo bem bonito.
MAJOR – Corpo bonito, o meu? Veja só que malvadeza. [...] Não bula comigo,
moça. Já estou velho, não presto mais p’ra nada. (Segundo ato, cena XIII: 19)

Em contraposição às pessoas de hábitos corrompidos da cidade, o autor toma como padrão


de identidade feminina a personagem Juriti que é representada como uma mulher que ainda
56

não foi corrompida pelos hábitos da cidade, que não se deixa levar pela imagem, pela
frivolidade da moda feminina. Quando Juca, pergunta á Raposo sobre o sucesso que Juriti
faria no Rio “vestida à parisiense, com uns lindos sapatinhos de salto alto, chapéus de plumas,
espartilho...” (Primeiro ato, cena XIV: 10) é logo interrompido por Juriti que afirma que
jamais se sujeitaria a usar espartilhos já que isso não é coisa de mulher que vive no sertão, que
ela não precisa de espartilhos pois já tem um corpo bonito, além do que, a única coisa que
aperta sua cintura são os braços do seu noivo. Além disso, Juriti é representada como uma
mulher séria, pura, e fiel. Podemos inferir isso, na cena em que doutor Juca pergunta ao Zé
Fogueteiro se Juriti era namoradeira. Em resposta a isso, Zé Fogueteiro afirma por três vezes
ao doutor Juca que Juriti é mulher séria, não é dessas mulheres fáceis:

JUCA- Mas ela é?


FOGUETEIRO – Não, seu doutor, menina séria. Vive do trabalho dela. É fazendeira
de renda. E luxa! Trabalha só para se vestir e se veste no trinque como qualquer
menina rica aqui do lugar. É noiva. Vai se casar com o Graúna, o vaqueiro do pai
de vossa senhoria.
RAPOSO- Mas nem uns namoricos? Uns beijos para gente?
FOGUETEIRO (Com energia) Qual o que seu doutor! A Juriti é séria mesmo.
JUCA- Conversas! Há lá matuta que resista à sedução de ocos da cidade, como nós?
FOGUETEIRO – A Juriti não é disso, seu doutor [...] (Primeiro Ato, cena V: 05).

Além de ser defendida como mulher séria pelo sertanejo Zé Fogueteiro, Juriti também é
defendida pelo doutor Raposo, amigo do doutor Juca que afirma Juriti não vai ser seduzida
facilmente já que esta sertaneja tem alma.
Ao retratar os habitantes da cidade como pessoas de hábitos corrompidos, Viriato
corrobora com a visão de Alberto Torres de que a urbanização e a industrialização do país
eram responsáveis pela degeneração dos costumes. Torres alerta para o perigo da degeneração
de costumes que ocorre principalmente nos locais de fronteira entre o rural e o urbano ou do
contato entre as duas civilizações:

Onde o nosso caso mostra as causas específicas da futura dissolução, é nos contatos
da vida urbana com a do campo na interpenetração da civilização, que íamos
fazendo, com a economia que possuíamos: na fusão dos costumes das cidades com
os costumes da roça (TORRES apud MARTINS, 1975: 3).

Podemos afirmar que Viriato explora na peça Juriti exatamente este contato entre a vida
urbana e a rural, entendida por Torres como um perigo aos costumes tradicionais da roça e,
como Torres, Viriato vai defender a não fusão desses valores. Nesta peça, o autor, através da
personagem Juriti, cria um modelo ideal de sertanejo que rejeita trocar seus valores, seu
noivo, sua vida pelos citadinos. Como Torres, Viriato defende nas entrelinhas a manutenção
57

dos valores tradicionais rurais se opondo à fusão da vida urbana com a rural. A peça se
conclui com a permanência da personagem Juriti a terra e a manutenção dos valores
sertanejos através do casamento de Juriti com o sertanejo violeiro Corcundinha.
Outra questão que podemos abordar na analise da peça é a questão de gênero. A peça traz
alguns estereótipos ou padrões de comportamento que devem ser tomados pelo público como
norma. A personagem Juriti, representada por Viriato como norma; como um modelo no qual
todas as mulheres devem se espelhar, é caracterizada pela sua beleza, fidelidade, honra,
pureza, castidade e por não se importar em seguir a moda européia, e a etiqueta da cidade. O
padrão feminino de mulher que se preocupa mais com a aparência externa que com a interna
(valores morais) vai ser combatido pelo autor que o julga como artificial a ponto de
representar a mulher que anda na moda, usa saltos, maquiagem e perfume, como uma mulher
de vida fácil, que usa sua beleza como moeda de troca. É contra este estereótipo de mulher
que a figura se Juriti vai se contrapor. O valor desta sertaneja está na sua beleza natural, no
seu caráter, honra, castidade, fidelidade ás suas tradições sertanejas e não se deve à
maquiagem, roupa, perfume, entre outros. Ela não é uma dama da cidade que segue ás
tendências da moda de Paris, é mais que isso, é uma dama da natureza, possui a delicadeza de
um passarinho, e, tem os atributos mais desejáveis para uma mulher, na visão de Corrêa,
como a castidade, a pureza, a beleza, a fidelidade, entre outros.
Outro fator que nos chama a atenção é a forma como a masculinidade é defendida através
das palavras do major Fulgêncio quando este afirma que o filho é afoito por sexo e que isso é
normal para o homem. Segundo este personagem, quem tem filha virgem que a defenda
porque seu filho vai mesmo é “namorar” todas. A atitude deste personagem, evidencia como
na sociedade desta época a mulher de família tem que ser presa, e ter sua virgindade vigiada e
cuidada enquanto o homem tem que ser experiente na arte do “amor”.

MAJOR – Ah! Já estão com mexerico com meu filho doutor?! Eu não quero isso.
Juriti é menina séria, tu bem sabes, tu a criaste. Se fôsse com outra, eu não duvidava.
Não duvidava, porque o Juca não é brinquedo, Cota! Dize a essa gente que se
precavenha. O rapazinho é danado. Eu não me responsabilizo por filha de ninguém.
Quem tiver sua filha virgem que cuide dela (Segundo Ato, cena V: 14).
58

2.4 – A identidade e diferença na peça de teatro de costumes “Juriti”

Em suma, temos que a peça lida com várias oposições binárias como rural versus urbano,
sertanejos versus citadinos, puros versus corrompidos, e, feminino versus masculino. É em
torno dessas relações de oposição binária que vamos ter a construção da identidade do
sertanejo e do citadino.
Segundo Silva (2009), ao entendermos essas identidades construídas em oposições
binárias como relações de poder, percebemos o quanto elas são problemáticas e como não
convivem lado a lado. Entre elas não há uma relação harmoniosa, mas sim uma relação de
poder que as hierarquiza. A hierarquização tem a função de legitimar os privilégios materiais
ou sociais de uma identidade sobre a outra como afirma Woodward (2009):

A identidade está vinculada também a condições sociais e materiais. Se um grupo é


simbolicamente marcado como inimigo ou como tabu, isso terá efeitos reais porque
o grupo será socialmente excluído e terá desvantagens materiais (WOODWARD,
2009:14).

No caso da peça, o grupo que o autor deseja que seja excluído e que tenha desvantagens
materiais são os citadinos e a cidade. Neste momento há uma disputa por investimentos
financeiros entre campo e cidade. Segundo Fernandes (2007), há dois grupos sociais com
interesses divergentes, sendo que um defende a vocação agrícola do país e outro defende a
urbanização e a industrialização. Os que são a favor da vocação agrícola do país vêm com
maus olhos o desvio de recursos financeiros e humanos (migração da mão de obra) do campo
para a cidade. Podemos constatar a presença desta mentalidade entre os “republicanos
desencantados” e “monarquistas saudosos” como afirma Fernandes (2007):

A agricultura deveria ser vista como a atividade básica do país. Era a “vocação
agrícola brasileira” que deveria ser estimulada, em detrimento da industrialização
que trazia a desorganização social. O crescimento das cidades se dava por conta do
processo de industrialização, artificial e dilapidador dos recursos anteriormente
destinados à lavoura, como foi o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro. A
experiência do encilhamento parece haver contribuído para esta postura, já que
muitos dos capitais aplicados na industrialização (e na especulação) nesse período
eram oriundos do crédito concedido pelo regime imperial aos fazendeiros
fluminenses arruinados no pós Abolição: este dinheiro havia sido repassado
diretamente aos comissários e, principalmente, aos banqueiros da capital, que
haviam financiado, em parte, o surto industrializante do Rio de Janeiro. Ora, a
ligação é direta: o dinheiro salvador da lavoura acabou, no Rio de Janeiro, na
indústria e na atividade especulativa das cidades, contribuindo para o agravamento
da crise agrícola vivida pelo estado.
59

Não só o dinheiro e os braços da lavoura iam do campo para a cidade.


Também a ação governamental se dava preferencialmente nesse espaço. Projetos de
saneamento e embelezamento das cidades esqueciam da população do campo,
abandonada à própria sorte. Esta era a crítica recorrente de republicanos
desencantados com o novo regime, bem como de monarquistas saudosos
(FERNANDES, 2007: 295-296, grifo nosso).

Apesar do trecho acima fazer referências a evento ocorridos no final do século XIX e
início do século XX, podemos afirmar que o fluxo de dinheiro destinado à industrialização e á
urbanização não diminui, no mínimo permanece a tendência. Portanto, ao estabelecer uma
hierarquia onde o campo é superior à cidade Corrêa tenta fazer com que o campo volte a ter
privilégios materiais em detrimento da cidade e da industrialização.
O estabelecimento de hierarquias entre as identidades pode se dar de várias formas sendo
que uma delas é a normatização, ou seja, a seleção de uma identidade como norma, como
modelo a ser seguido (SILVA, 2009). Sobre isso o autor nos fala que:

[...] A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta
no campo da identidade e da diferença. Normalizar significa eleger – arbitrariamente
- uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras
identidades são avaliadas e hierarquizadas. (...) A identidade “normal” é natural,
desejável, única. A força da identidade normal é tal que ela nem se quer é vista
como uma identidade, mas simplesmente como a identidade (SLVA, 2009: 83).

De acordo com que foi citado pelo autor, podemos constatar que na peça a identidade de
Juriti é representada por Viriato como norma que se superpõe a todas as outras identidades do
sertão. Com isso, os sertanejos passam a ser representados de uma forma geral como puros,
fiéis e belos dentro de uma hierarquia onde o sertão é superior à cidade. Esta hierarquia está
em consonância com a crença de que no campo e nas mãos do sertanejo é que está o futuro do
país.
Esse tipo de representação se dá em vários momentos51, sendo que um deles mais
especificamente ocorre no pós-primeira guerra no Brasil, contexto histórico em que a peça é
encenada. Este é um momento de resgate da valorização do rural, dos “ideais da vida no
campo” e de descrença no progresso e na modernidade, já que os frutos tecnológicos da
modernidade e do progresso são usados para promover uma guerra mundial (GREGORIN
FILHO, 2006: 188). Após o mundo sair de uma guerra, a paz é amplamente almejada e a
tranqüilidade da vida no campo e a pureza e simplicidade do homem rural se tornam símbolos
positivos e enaltecidos. Além disso, segundo Fernandes (2007), o Rio era uma cidade muito

51
Um exemplo deste tipo de representação da identidade do sertanejo/caipira é a burleta Capital Federal de
Arthur de Azevedo de 1897. A peça termina com o sertanejo Seu Eusébio afirmando que a vida na capital
Federal não foi feita para os sertanejos, mas que isso não tinha nenhum problema já que é no sertão e na lavoura
que está o futuro e o progresso do país. (MELO, 2007)
60

influenciada pelo conservadorismo agrícola, e, portanto, Viriato como um bom seguidor de


tendências vai fazer coro, em sua peça, com o segmento prevalecente no Rio.
A coroação da personagem sertaneja Juriti como norma é um processo sutil para se construir
uma identidade idealizada do sertanejo. Uma identidade que prega a virgindade, a retidão de
caráter, o orgulho de ser sertanejo, a fidelidade á terra e aos seus costumes em detrimento da
perda de valores morais e culturais dos citadinos. Esta identidade construída em preceitos morais
está embasada numa representação de um sertão idílico onde as contradições sociais não são
mostradas.
61

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi investigar as razões que levam o autor da peça Juriti
enaltecer o sertanejo e estabelecer uma hierarquia na qual a identidade do sertanejo é superior
à do citadino como objetivo geral desta pesquisa. Como objetivos específicos, nos propomos
fazer uma análise da peça para entender a relação desta com o contexto histórico na qual está
inserida, entender a posição de sujeito do autor da peça, as características de sua obra e, por
último, investigar quais especificidades que o gênero “teatro de costumes” traz à peça.
A metodologia desta pesquisa se constituiu de uma revisão bibliográfica na qual
utilizamos como fonte primária a edição de 1962 da peça Juriti de Viriato Corrêa publicada
na Revista de Teatro da SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais - número 329.
Como fontes secundárias, utilizamos livros, artigos, dissertações e teses que tratam de temas
como teatro de costumes, identidade nacional e sertanejo. Além disso, fizemos uso da
biografia de Viriato Corrêa escrita por G. Hércules Pinto e da tese de doutorado de Fernandes
(2009) sobre a obra do autor.
Posto isso, podemos afirmar que com esta pesquisa chegamos à conclusão de que a obra de
Viriato, em consonância com o forte sentimento nacionalista do período da primeira guerra,
não é alheia aos assuntos nacionais. Pelo contrário, a representação do sertanejo na peça Juriti
está em conformidade com a preocupação da elite intelectual brasileira de conhecer a
realidade do país e seus habitantes para construir “uma identidade nacional” para a nação –
preocupação que é vista como uma retomada dos ideais da geração de 1870.
Além disso, o conflito entre o rural e o urbano, presente na peça Juriti, retrata um dilema
vivido pelo país durante um momento de descrença na modernidade e mais particularmente
pela Capital Federal num momento de crise do seu principal setor econômico, o agrícola, que
era justificada por algumas pessoas pela transferência dos recursos financeiros do campo para
a cidade.
Este conflito entre o urbano e rural vai ser resolvido na peça através da permanência do
sertanejo á terra e da manutenção das fronteiras entre o mundo rural e urbano que tem como
resultado a não fusão de valores dos dois. Isso se dá através do estabelecimento de uma
hierarquia onde a identidade do sertanejo é superior à do citadino, pois, em função da sua
superioridade o sertanejo rejeita os valores da cidade e se mantém fiel à terra e aos seus
valores. Esta hierarquia é imposta pelo autor quando este toma a identidade da personagem
Juriti como norma, como modelo a ser seguido que se superpõem as outras identidades dos
62

sertanejos. Esta imposição que não se dá de forma trivial já que traz implícita uma relação de
poder que visa garantir à identidade normatizada privilégios sejam eles políticos, econômicos,
morais, sociais, entre outros.
A explicação para o fato do autor representar o sertanejo como superior ao citadino se dá
em função de alguns fatores como a posição política do autor e o contexto sócio-histórico em
que a peça é escrita. O que mais esclarece a posição política do autor, no período de produção
da peça Juriti, é o fato de Viriato Corrêa ter lutado contra a Revolução de 1930 e se mantido
ao lado de Washington Luis, cujo governo representava a oligarquia rural do país. Este fato
nos dá subsídios para afirmar que Viriato se posicionava politicamente a favor desta
oligarquia, e, consequentemente, corroborava com a crença na vocação agrícola do país. O
fato do autor, após o advento do Estado Novo, abandonar esta crença para defender a cidade
como símbolo do progresso, mostra que ele era um “seguidor de tendências” ou um “escritor
de casaca” já que ele objetiva não se indispor politicamente com a ordem vigente para ser
bem sucedido (PENTEADO, 2009; SEVCENKO1983). Já o contexto sócio-político em que a
peça foi escrita pode ser definido como um período de domínio político por parte das
oligarquias rurais, a quem Viriato “serviu” como deputado Estadual e Federal, além de ser
marcado pela primeira guerra mundial, e mais particularmente pela crise do setor agrícola da
Capital Federal.
Portanto, o posicionamento político do autor e o contexto histórico em que a peça foi
escrita justificam o fato de Corrêa ir de encontro aos interesses da oligarquia rural ao enaltecer
o sertão em detrimento da cidade, e, corroborar com a crença de que no campo e nas mãos do
homem rural é que está o futuro do país.
63

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