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IGREJA

CORPO VIVO DE CRISTO


Ray C. Stedman
Digitalizado por: Karmitta
Revisado por : Levita Digital
Sumário
.....................................................................................................................................1
Sumário........................................................................................................................2
PREFÁCIO..................................................................................................................3
SOMOS UM................................................................................................................4
Nota do Editor.........................................................................................................7
Capítulo Um................................................................................................................7
A MAIS PODEROSA FORCA SOBRE A FACE DA TERRA.................................7
Capítulo Dois.............................................................................................................12
PRIORIDADE MÁXIMA.........................................................................................12
Capítulo Três.............................................................................................................22
UNIÃO, NÃO — UNIDADE!..................................................................................22
Capítulo Quatro.........................................................................................................33
NADA DE EXCEÇÕES............................................................................................33
Capítulo Cinco...........................................................................................................44
COMPREENDENDO O SEU DOM.........................................................................44
Capítulo Seis..............................................................................................................50
DE ACORDO COM O PODER................................................................................50
Capítulo Sete..............................................................................................................57
COMO FUNCIONA O CORPO...............................................................................57
Capítulo Oito.............................................................................................................66
PONDO OS SANTOS EM FORMA.........................................................................66
Capítulo Nove............................................................................................................75
A OBRA DO MINISTÉRIO.....................................................................................75
Capítulo Dez..............................................................................................................85
CUIDANDO DA SAÚDE DO CORPO....................................................................85
Capítulo Onze............................................................................................................92
A META É A MATURIDADE.................................................................................92
Capítulo Doze..........................................................................................................104
IMPACTO...............................................................................................................104
ALGUNS PROBLEMAS ENCONTRADOS.........................................................115

PREFÁCIO
Fala-se muito, hoje em dia, sobre a pequena importância dada à
igreja. Grande número de observadores do cenário religioso é de
opinião que a igreja se tornou como que o "bode expiatório" para a
maioria dos males que há no mundo.
Tudo depende, naturalmente, da definição de "Igreja". Em "A
Igreja — Corpo Vivo de Cristo", Ray C. Stedman usa a própria força
propulsora da Palavra de Deus para no trazer de volta ao real sentido
da igreja e de sua missão. Com argumentos fortes e convincentes, ele
revela os pontos' fracos da igreja institucional, chamando claramente a
nossa atenção para a força inerente ao corpo de Cristo — a verdadeira
Igreja.
Este livro não é só teoria e semântica. No décimo - segundo
capítulo, o autor relata como a sua interpretação da Igreja superou a
prova de fogo, que é a experiência prática. Ele nos convence de que a
definição neotestamentária da Igreja é um resultado da atuação de
Cristo Jesus através do seu Corpo coletivo.
A igreja em que ele trabalha, a "Península Bible Church" (Igreja
Bíblica da Península), começou com apenas cinco leigos, que
sentiram a necessidade de um testemunho cristão mais rico de
significado e efeito, além de uma "koinonia" mais completa do que
aquilo a que, antes, estavam acostumados. Essas cinco pessoas,
convencidas de que a igreja se acomodava com demasiada freqüência
entre as suas paredes, levaram essa mesma igreja a trabalhar
efetivamente em favor do povo do seu bairro, com sinceridade,
dedicação e eficiência. Hoje, ela se constitui num dos grupos mais
dinâmicos de evangélicos do litoral oeste dos Estados Unidos.
Ray C. Stedman, ansioso por compartilhar as bênçãos da
"Península Bible Church" com outros grupos, escreveu-nos "A Igreja
— Corpo Vivo de Cristo", um livro que mostra como a igreja pode se
relacionar com a vida de sua cidade, de um modo ricamente
significativo, completo e redentivo.

BILLY GRAHAM

SOMOS UM
Noite de domingo.
Alguns minutos antes das sete.
Uma jovem, trajando calças compridas verdes, blusa branca e
sandálias marrons, pára o seu Volkswagen na área de estacionamento
já quase lotada da "Península Bible Church", em Paio Alto,
Califórnia, nos Estados Unidos. Ela pega a sua Bíblia e se dirige para
o edifício de linhas sóbrias da igreja, onde o culto chamado do "Corpo
Vivo", está prestes a se iniciar.
Um jovem soldado, de farda, entra com o seu jipe no espaço ao
lado do "Volkswagen". No pára-choque está escrito: "Se você ama a
Jesus — buzine!". Ouvem-se várias buzinas. Ele salta do carro e acena
enquanto anda em direção à igreja.
Uma mulher grisalha estaciona cuidadosamente o seu
"Cadillac", tranca-o, e caminha com elegância em direção ao templo.
Alguma coisa atrai para esse culto pessoas de todos os tipos.
Mais de novecentas pessoas de todas as procedências afluem para a
Península Bible Church (PBC), a fim de participar do Culto do Corpo
Vivo.
À entrada, um jovem recepcionista dá à mulher grisalha uma
folha de papel contendo "Necessidades do Corpo Vivo è Pedidos de
Orações" Ela toma lugar ao lado de um estudante de barba e cabelos
longos e volta os olhos para a folha onde lê: "Uma moça precisa de
condução para a cidade de São José. Um rapaz pede orações pelo pai.
Outra pessoa oferece móveis, doando-os a quem precisar, etc..."
Lá na frente, um rapaz começa a tocar violão e cantar: "Jesus
Pastor Amado, juntos eis-nos aqui. Concede que sejamos um Corpo só
em Ti..." As novecentas pessoas do auditório erguem juntas as suas
vozes. Um sentimento de unidade e comunhão permeia o ambiente.
Depois dos cânticos de mais alguns hinos, um dos cinco
pastores da igreja dirige um breve estudo bíblico. O soldado enche de
anotações em vermelho as margens de algumas páginas da sua Bíblia.
Chega, então, a hora de compartilhar. Qualquer pessoa da
família pode levantar-se e mencionar uma necessidade sua ou pedir
orações. É a mesma "koinonia" da igreja primitiva, quando os cristãos
se reuniam com uma família, para compartilhar os fardos uns dos
outros, e animar-se mutuamente na fé.
A mulher grisalha se levanta. Um rapaz lhe traz um microfone.
Ela tosse, limpando a garganta: "Meu filho", ela diz, "Meu filho está
de volta, depois de oito anos longe de casa. Ele voltou viciado em
drogas e homossexual. Nós o levamos aos médicos psiquiatras e já
tentamos de tudo! Agora, queremos entregar esse assunto a Deus."
Ela se assenta, enquanto um murmúrio de interesse pelo seu
caso se faz ouvir por toda a família.
"Alguém quer fazer a oração pelo filho dessa senhora?"
pergunta o dirigente. Um jovem, que antes fora viciado em heroína,
faz uma oração em palavras muito simples em favor do filho daquela
mulher.
Em seguida, o microfone vai para um homem de meia idade,
que conta, como algumas pessoas da PBC o foram encontrar em seu
apartamento no bairro de Los Altos. "Caí numa bebedeira durante
dezesseis dias, e por causa disso, perdi o emprego. Foi quando esses
dois jovens entraram e disseram-me que calçasse os sapatos para
irmos à igreja. A princípio, recusei-me, mas, no fundo, eu sabia que
aquela era a minha última oportunidade. No caminho para a igreja,
aceitei a Jesus como meu salvador pessoal, e desde então, senti-me
liberto do alcoolismo."
Murmúrios de apoio e algumas exclamações discretas de
"Louvado seja Deus!" ouvem-se pela igreja.
Em seguida, uma missionária de Hong Kong, de visita à igreja,
faz um breve relatório do seu trabalho. "Quero agradecer a todos
vocês", diz ela, "por toda a ajuda e pelo dinheiro que nos têm enviado.
Nosso trabalho de educação cristã vai indo bem."
Logo que a missionária se assenta, todos cantam o hino
"Maravilhosa Graça de Jesus". Toda a família sente que o culto está
sendo dirigido por outras mãos que não as humanas.
É, então, anunciada a coleta. "Dê a sua oferta em proporção às
bênçãos recebidas. Ou, se precisar de dinheiro, retire-o da salva
quando ela passar por você. Se precisar de mais de dez dólares, venha
ao escritório da igreja para ser atendido."
Três estagiários se dirigem, então, para a frente. Estão prestes a
deixar a PBC. (Os estagiários são jovens crentes de grau universitário
que vêm para a PBC oriundos de ambientes e lugares os mais
diferentes, a fim de serem treinados para o ministério cristão prático.
Eles aprendem a confiar no poder da Ressurreição, o poder de um
Cristo ressurreto que neles se manifesta, não só para aprender os dons
espirituais que operam no Corpo de Cristo bem como para reconhecer
a relação que deve existir entre a igreja e a sociedade ao seu redor,
cheia de necessidades.
Os três estagiários ajoelham-se. Um deles será pastor no
Canadá. Outro desempenhará o seu ministério numa universidade. O
terceiro, voltará para o seminário.
O culto termina suavemente. O povo sai com calma pelas alas
entre os bancos. Algumas pessoas permanecem no recinto
compartilhando suas experiências.
A jovem de calças compridas verdes, dobra a sua Folha de
Necessidades e Orações e volta para o seu Volkswagen. O soldado, já
sentado no jipe, medita sobre o culto recém-terminado. Sente-se
confortado e encorajado. Não consegue definir, mas ele sente que algo
estranho está se passando no seu íntimo. Janice, sua irmã caçula,
insistiu com ele para que fosse ao culto. E quando a gente constata
com os próprios olhos a transformação da irmã, é bom procurar
conhecer a causa!
Três mocinhas atravessam a rua conversando: "Não foi
maravilhoso?", exclama a primeira, uma ginasiana. "Pois é, diz a
outra, lá estávamos nós naquela cidadezinha, para falar sobre Jesus!"
"Bem, é melhor nos apressarmos", acrescenta a terceira, "pois a
mamãe já deve estar preocupada, esperando."
A PBC mantém um ministério ativo exercido pelos jovens que
vão às áreas rurais do norte da Califórnia. Literalmente, centenas de
estudantes de ginásio e de colégio dessas pequenas comunidades
descobrem o Senhor Jesus, como resultado do ministério pessoal dos
jovens da PBC.
Numa época em que muitas igrejas se preocupam com o número
de membros, que é cada vez menor, a PBC continua crescendo. Este
corpo de crentes está vivo, porque o poder do Senhor ressurreto se
evidencia ali. A experiência feita pela PBC revela que, neste século
XX, qualquer igreja pode se avivar e se encher de entusiasmo.

JOYCE DUEKER Paio Alto, Califórnia

Nota do Editor
Joyce Dueker associou-se há pouco tempo ao corpo de crentes
da PBC. A pedido do editor, escreveu esta visão introdutória de A
Igreja — Corpo Vivo de Cristo, a fim de nos transmitir aquilo que ela
observou e experimentou na comunhão desta igreja de Paio Alto.

Capítulo Um

A MAIS PODEROSA FORCA SOBRE A FACE


DA TERRA
Este livro trata da Igreja. Não da igreja como ela é
freqüentemente conhecida, mas como originalmente foi e pode ser —
sim, tem que ser — novamente. A palavra "igreja" traz à tona imagens
muito diferentes. Para alguns, a igreja não é nada mais que um esnobe
clube de campo religioso, com rituais tradicionais tão sagrados como
os de uma tradicional caça à raposa. Para outros, a igreja é um grupo
de ação política, um bloco de pressão de fazedores do bem,
batalhando contra os males da sociedade. Alguns vêem a igreja como
uma espécie de sala de espera, não-segregada racialmente, destinada a
pessoas que estão esperando o próximo ônibus para o céu. Alguns a
vêem como um tipo de sobremesa especial para regime, para aqueles
que desejam algo de bonitinho, que não prejudique a sua imagem
junto ao público. Outros pensam dela como se fosse uma reunião
comum de fanáticos religiosos, gozando seu transe de fim-de-semana.
Para muitos a igreja é uma espécie de tábua de salvação no jogo da
vida ou uma democracia religiosa, que quer legislar sobre moral para
o resto do mundo.
Sejamos bem honestos em admitir que a igreja tem sido todas
estas coisas, em muitos lugares e ocasiões. Tem justificado
amplamente todas as amargas acusações contra ela levantadas. Apesar
de suas numerosas fraquezas e de seus trágicos pecados, a igreja tem
sido através de todos os séculos, desde c seu início, a mais poderosa
força em prol do bem sobre a face da terra. Tem sido uma luz no meio
da escuridão tão densa, que pode ser sentida. Ela tem sido sal dentro
da sociedade, retardando o alastramento da corrupção moral e dando
tempero e sabor à vida humana.
Como pode ser isto? Como é que a mesma instituição pode ser,
a uma só vez, uma fonte de mágoas, desilusão e desespero para
muitos, e uma fonte de alegria, vida e conforto sem fim para tantos
outros? A resposta que a Bíblia nos dá é que aquilo que chamamos de
igreja, na realidade, são duas igrejas. Ambas são religiosas, mas uma é
egoísta, ávida de poder, cruel e diabólica. A outra é forte e divina, que
ama e perdoa. Uma fomentou o ódio e levou a sociedade a conflitos
sangrentos contínuos, tudo em nome de Deus e da religião. A outra
tem curado males humanos, quebrado barreiras raciais e de classes e
livrado homens e mulheres, em todos os lugares, do medo, da culpa,
da vergonha e da ignorância. A última é a igreja verdadeira, iniciada
por Jesus Cristo; é ela que manifesta um cristianismo autêntico. A
outra é uma igreja falsa, uma organização satânica, um simulacro de
cristianismo.
Foi o próprio Jesus que predisse esse estado de coisas. Em
Mateus 13, numa série impressionante de parábolas em que descreveu
as condições que prevaleceriam no período entre sua primeira e
segunda vindas (a época em que vivemos), ele conta uma, que é
freqüentemente chamada de parábola do trigo e do joio. Ali ele diz
que, sendo o Filho do Homem, semearia trigo (cristãos verdadeiros,
que chamou de filhos do reino) no campo do mundo. Mas enquanto os
homens não se dessem conta, o diabo viria, a semear o joio (falsos
cristãos, chamados de filhos do maligno) no meio do trigo. Ambos
cresceriam juntos, sem que se os pudesse distinguir, de início. Mas
logo os homens notariam a incongruência do joio com o trigo e viriam
a perguntar se não deveriam arrancar o joio. Sua resposta foi clara e
simplesmente: Não! Se se tentasse isso, explicou ele, o trigo seria
destruído junto com o joio. "Deixai-os crescer juntos até a colheita"
(Mateus 13:30).
A colheita, continuou explicando, seria no fim da era, em que
ele enviaria seus anjos (não homens) para o campo, a fim de separar o
joio do trigo. O joio seria queimado no juízo, mas o trigo seria
recolhido no celeiro de seu pai. O trigo, ou os filhos do reino, são
aqueles que experimentaram aquilo que a Bíblia chama de novo
nascimento. Em outra passagem, Jesus diz claramente: Se alguém não
nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (João 3:3).
O apóstolo Pedro mais tarde descreve a esses como sendo
regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível,
mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente (I Pedro
1:23). Os filhos do maligno são os falsos cristãos, jamais nascidos de
novo pelo poder do Espírito Santo através da fé na Palavra de Deus,
mas que pensam ser cristãos porque passaram por um certo ritual,
associaram-se à igreja local ou se fiam em conduta moral exterior ou
numa intensa preocupação social, para sua aceitação diante de Deus.
Para eles mesmos e para muitos de fora da igreja, eles não se
distinguem dos cristãos verdadeiros.
Não é de admirar, pois, que a igreja apresente ao mundo uma
imagem tão confusa. Não deveria causar estranheza se ela se parece,
às vezes, com o médico, e outras vezes, com o monstro da conhecida
história. (*) Quando a ilustração bíblica é esquecida (como tantas
vezes acontece), a igreja confunde até aqueles que a amam e procuram
defendê-la. Hoje em dia a igreja parece ter perdido o seu sentido de
identidade. Como alguém que estivesse sofrendo de amnésia, ela está
se perguntando: "Quem sou eu, e para que é que estou aqui?" A
tentativa de ver duas entidades completamente contraditórias como
uma só igreja, produziu uma espécie de esquizofrenia eclesiástica, que
está deixando muitas pessoas confusas e aturdidas.
Esse caráter duplo da igreja tem sido freqüentemente sentido por
muitos e, através dos séculos, tem-se tentado separar a igreja
verdadeira da igreja falsa. Mas todas as tentativas falharam, porque se
empreendeu a separação com base em fatores externos. Pureza de
doutrina, conduta moral, prática ritual e nacionalidade têm sido alguns
dos critérios pelos quais a verdadeira igreja foi procurada — e
reivindicada! Os católicos romanos insistem em serem a igreja
verdadeira; os batistas têm refutado tal reivindicação, declarando que
eles teriam o padrão correto, ao passo que outros têm dito: "Fora com
aqueles dois! Nós outros é que somos a igreja verdadeira". Assim as
facções vêm se debatendo através dos séculos.
A verdade é, naturalmente, que nenhuma denominação ou
organização religiosa é ou pode ser a igreja verdadeira. A linha
divisória não é bem definida. O cristianismo verdadeiro não pode ser
distinguido tendo como base, grupos ou conjuntos de grupos. A
separação não pode ser feita nem mesmo de indivíduo para indivíduo.
A posição bíblica é que, falsos cristãos só podem manifestar um
cristianismo falsificado, mas, cristãos verdadeiros podem apresentar
tanto o cristianismo verdadeiro como o falso, se bem que não ao
mesmo tempo. Sempre que cristãos verdadeiros, por ignorância ou
desobediência arbitrária, mostram um cristianismo falso e simulado
em suas vidas, eles provocam tantos danos ao mundo ao seu redor
como se fossem pagãos irreligiosos, vivendo num extremo egoísmo e
desinteresse pelos outros.
A triste e trágica verdade, porém, é que é perfeitamente possível
ser um cristão verdadeiro sem manifestar verdadeiro cristianismo. A
ilusão de ser-se um cristão sem viver uma vida cristã, acontece
facilmente. A ironia disso está em que esse tipo de vivência cristã
ainda é, além disso, apagado, estéril e mortal. Mas é igualmente fácil,
no que diz respeito às atividades, levar uma vida verdadeiramente
cristã, que é sempre ativa, empolgante e atuante.
O objetivo deste livro é procurar nas Escrituras a natureza e o
funcionamento do verdadeiro cristianismo, recuperando assim a
qualidade dinâmica do cristianismo primitivo. Ainda que a vida de
hoje em dia pareça terrivelmente complicada, se a compararmos com
a daquela época, não há razão para que a igreja do século vinte não
seja o que era no século primeiro. O verdadeiro cristianismo agora
opera exatamente nas mesmas bases em que então operava. O mesmo
impacto dinâmico, descrito no livro de Atos, é possível ainda hoje.
O principal fator que impede que isso aconteça é a ignorância. A
maioria dos cristãos infelizmente não conhece o padrão bíblico para o
funcionamento da igreja. Até os cristãos verdadeiros ainda tentam em
vão fazer aquilo que seu Mestre lhes proibiu (Mateus 13:24-30):
separar o joio do trigo, no sentido físico. Parece que eles não
compreendem que cristianismo falso e verdadeiro podem estar
mesclados na mesma pessoa. Neste caso, a separação física não é
possível. A destruição de um significaria a destruição do outro, como
Jesus advertiu. No modelo bíblico, o trigo (cristianismo verdadeiro)
deveria tornar-se tão saudável e forte, que ele sobrepujaria e
enfraqueceria o joio, a tal ponto que este virtualmente perderia sua
capacidade de executar sua intenção maligna.
Jesus declarou que ele edificaria a sua igreja sobre uma rocha,
um fundamento inabalável. Esta rocha era o fato de sua messianidade
e divindade, como o confessou, o apóstolo Pedro (Mateus 16:16).
Posteriormente, no dia de Pentecoste, essa igreja surgiu pelo poder do
Espírito de Deus. No começo não havia sinal algum da presença de
um falso cristianismo. A verdadeira vida cristã, como se mostrava,
abalou toda a cidade de Jerusalém, espalhando-se logo para outras
cidades e vilas. Então, como predisse Jesus, as falsas sementes da
semeadura do diabo criaram raízes e começaram a aparecer, não
apenas na forma de membros batizados, porém, não regenerados, mas
também na forma do mal presente nas vidas dos verdadeiros membros
da igreja (Atos 8, Simão o mágico; Atos 5, Ananias e Safira).
Surgiu então a tarefa dos apóstolos de instruir os cristãos em
como reconhecer a falsa vivência, que existia dentro deles ao lado da
verdadeira; como repudiar a primeira, através do poder de um Senhor
crucificado, e como entregar-se inteiramente a Cristo através da fé, de
modo que pudessem apresentar a vida igualada do Senhor ressurreto e
triunfante. Os apóstolos receberam a missão de desenvolver em
detalhes o modelo de operação mencionado pelo Senhor para o seu
corpo, a igreja. Esse modelo, quando fielmente seguido, faria da igreja
a mais poderosa força na terra, em qualquer época.
O admirável fato que as Escrituras afirmam claramente, mas que
milhares de cristãos não observaram, é que Deus destinou sua igreja a
ser uma espécie de governo na terra, que sustentasse os governos
visíveis. Isso possibilitaria um clima de legalidade ordem
benevolentes, ura regime de justiça e paz, e refrearia as forças
indômitas da tirania, da anarquia e do derramamento de sangue. (Veja
Mateus 5:13-14; Filipenses 2:14-15; I Timóteo 2:1-2). Todas as vezes
que a igreja se aproximou desse modelo bíblico, condições justas
começaram a prevalecer. E quando ela se desviou desse padrão
divino, para confiar em forças secundárias, ou se tornou orgulhosa,
rica e tirânica, ou mundana, fraca e desprezada por todos.
O que nós essencialmente precisamos é, então, redescobrir o
modelo bíblico. Como diz um dito moderno: Quando falham todas as
outras coisas, siga as instruções! Quando nos voltamos para as
Escrituras, estamos nos voltando para a realidade. Ali deparamos com
o ponto central de qualquer questão, com a verdade básica subjacente,
a partir "da qual podemos nos desembaraçar, aplicando em qualquer
área da vida os princípios aprendidos.
Se bem que todos os apóstolos que escreveram o Novo
Testamento nos dão a verdade sobre a igreja; foi principalmente o
apóstolo Paulo quem escreveu a esse respeito. Ele dedica toda uma
carta (Efésios) quase que exclusivamente à Igreja, suas origens, sua
natureza, sua função e sua relação essencial com seu Senhor. Vamos
olhar agora para essa carta, tratando especialmente dos primeiros
dezesseis versículos do capítulo quatro. Este trecho será o nosso guia
no caminho para a verdade sobre a igreja.

Capítulo Dois
PRIORIDADE MÁXIMA
Estamos numa era revolucionária. A ventania tempestuosa da
transformação está soprando por todos os cantos O problema racial
provoca inquietação e revolta desordenada. As nações se defrontam
com problemas estonteantes de injustiça social, corrupção moral e
crueldade humana. Que devem fazer os cristãos, numa hora dessas?
Que posição a igreja deve tomar, diante de problemas tão complicados
e profundos? Estas são perguntas que muitos estão fazendo hoje
Quando Paulo escreveu aos cristãos na cidade de Éfeso, na
província romana da Ásia, eles estavam se defrontando com
problemas surpreendentemente idênticos. Metade da população do
Império era composta de escravos, rebaixados a uma servidão tão
completa, que eram negociados e vendidos como se fossem gado.
Com exceção de uma pequena classe de aristocratas e patrícios ricos,
a outra metade da população consistia de comerciantes e trabalhadores
que, a muito custo, levavam uma vida precária, não muito longe da
pobreza. A corrupção moral de Éfeso era legendária. Lá estava o
centro do culto à deusa do sexo, a Diana dos Efésios. E quanto à
crueldade, as legiões romanas estavam prontas para marchar a
qualquer lugar, a fim de suprimir, sem dó nem piedade, qualquer sinal
de revolta contra a autoridade do imperador. E este imperador era
Nero, cuja vida sórdida e selvagem já constituía assunto de conversa
em todo o império.
Ao escrever, Paulo se encontrava em Roma, como prisioneiro de
César, esperando a hora de ser apresentado a
Nero. Tinha permissão de viver em sua própria casa alugada,
mas não podia andar livremente pela cidade. Dia e noite, ele estava
acorrentado a um soldado. Vendo ao seu redor a vida decadente da
cidade, e sabendo das condições que prevaleciam na distante Éfeso,
que é que o apóstolo, ao lhes escrever, haveria de aconselhar aos
cristãos? A resposta é surpreendente e oportuna:
Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de
modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda humildade
e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em
amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do
Espírito no vínculo da paz (Efésios 4:1-3).
O que diz o apóstolo à igreja em Éfeso, em face das
desesperadas exigências criadas pela necessidade humana? Qual é a
sua resposta aos cidadãos oprimidos, que clamam por justiça e
conforto, a quem ele escreve? Simplesmente isso: .Cumpri a vossa
vocação! Não vos desvieis da estratégia divina. Obedecei às ordens
que tendes recebido. Segui o vosso Cabeça!
Nesta admoestação, o apóstolo reconhece claramente a
verdadeira natureza e função da igreja. Ela não é uma instituição-
humana. Não deve projetar a sua própria estratégia e estabelecer suas
próprias metas. Não é uma organização independente, que existe pela
força de seus números. Ela é, isto sim, um corpo chamado para um
relacionamento todo especial com Deus. Nesta carta aos Efésios, o
apóstola usa uma série de figuras, que descrevem este relacionamento.
A igreja, diz ele, é um corpo sob a direção de sua cabeça. Que
tragédia não seria, se esse corpo se negasse a seguir as instruções de
sua cabeça! A igreja também é um templo destinado à habitação e uso
exclusivo de uma Pessoa que mora dentro dele e tem o direito de fazer
o que quiser com esse templo. A igreja é um exército sob o comando
de um rei. Um exército que não obedece a seu chefe, não serve como
força de combate. Por isso, diz Paulo à igreja, obedecei às ordens e
segui vosso Cabeça.
O próprio Paulo é um exemplo para eles. Depois de ficar
definhando por dois anos como prisioneiro na Palestina (Cesaréia), ele
foi mandado para Roma numa viagem marítima muito perigosa, que
acabou em naufrágio na ilha de Malta. Mas, afinal, ele chegou a
Roma. Foi prisioneiro pessoal de Nero, mas nenhuma vez em sua
carta ele faz referência a si mesmo como sendo "o prisioneiro de
César". Ele sempre diz, como aqui, "um prisioneiro no Senhor", ou "o
prisioneiro do Senhor". Ele não se lamenta por estar na prisão,
acorrentado e confinado. Leia sua carta aos Filipenses, escrita também
nesta prisão, e achá-la-á cheia de alegria, triunfo e de confiança em
que tudo está bem. Para Paulo, atrás de César está Cristo. Ele não se
considera um prisioneiro de César, porque, além das correntes, do
guarda e dos processos imperiais de justiça, vê a mão de Jesus,
dirigindo.
Em sua carta aos Coríntios, Paulo diz: "não atentando nós nas
cousas que se vêem, mas nas que se não vêem" (II Coríntios 4:18). Por
quê? É que lá se acham as respostas últimas. Lá se acha a verdade
última e o poder último. O próprio Jesus refletiu esta atitude, ao ser
colocado perante Pôncio Pilatos. Este lhe disse: "Não sabes que tenho
autoridade... para te crucificar?" Jesus replicou de imediato:
"Nenhuma autoridade teria sobre mim, se de cima não te fosse dada"
(João 19:10-11).
Boa parte da explicação para a confusão tão difundida na igreja
de hoje, é o fato de que os cristãos têm olhado para as coisas visíveis,
em vez de olharem para as que não podem ser vistas. Vemos um
mundo que sofre, com necessidades humanas óbvias em toda parte.
Ódio e fanatismo abundam; a injustiça predomina, e a miséria está
presente para onde quer que nos voltemos. A solução óbvia parece se
coordenar todos os recursos humanos a fim de enfrentar estas
necessidades, Vamos trabalhar e fazer alguma coisa — e logo! Parece
tão lógico, tão conseqüente e prático. Mas isto é porque nosso
pensamento humano é limitado e superficial. Somente vemos as
coisas visíveis. Nossa preocupação superficial com aspectos externos
nos leva a tratar sintomas, e não causas. Aplicamos remédios via
externa, que só funcionam no momento, se é que funcionam, e depois
a situação é pior que antes.
Precisamos hoje, desesperadamente, dessa admoestação prática
do apóstolo: "Andai de modo digno da vocação a que fostes
chamados" (Efésios 4:1). Aquele que nos chamou, vê a vida de modo
muito mais claro do que nós Preparou uma estratégia, que de fato
removerá a causa das trevas e miséria humanas. Não perde seu tempo,
tratando câncer com esparadrapo. Vai direto à raiz. Quando a igreja se
mantém fiel à sua vocação, ela se torna um fator terapêutico na
sociedade, capaz de levantar toda uma nação ou império a um nível
superior da vida sadia. Em sua monumental história do mundo, A
História da Civilização, Will Durant compara as influências de César
e de Cristo. Diz ele, de Jesus:
"A revolução que Ele procurou foi uma muito mais profunda,
sem a qual as reformas só poderiam ser superficiais e transitórias. Se
Ele pudesse limpar o coração humano do desejo egoísta, da crueldade
e da luxúria, a utopia viria por si mesma, e todas aquelas instituições
que provém da ambição e violência humanas além de conseqüente
necessidade de leis, desapareceriam. Já que isto seria a mais profunda
de todas as revoluções ao lado da qual todas as outras seriam meros
golpes de estado, de uma classe desalojando a outra e explorando-a
por seu turno, Cristo foi, neste sentido espiritual, o maior
revolucionário da história." l
A verdadeira igreja está aqui, para levar a efeito aquela
revolução; a falsa igreja está aqui, para se lhe opor. Mas, cristãos
verdadeiros estão de fato promovendo a causa do cristianismo falso,
quando por ignorância ou zelo equivocado, se desviam da estratégia
de Deus e não obedecem à sua vocação divina. Nós, simples seres
humanos, não podemos aperfeiçoar o programa divino. E nós também
não fomos entregues à dúvida quanto à natureza dessa vocação. Os
primeiros três capítulos de Efésios são dedicados à sua descrição; e
ela se encontra em muitas outras passagens do Novo Testamento. Se
os cristãos querem obedecer com inteligência ao seu Senhor, devem
colocar a prioridade máxima em compreender o que é que Ele quer
que sejam e façam. Esta vocação divina está baseada sobre realidades
fundamentais e últimas.
Esta é a glória do cristianismo: mostrar as coisas como
realmente são. A característica das epístolas neotestamentárias é que
elas começam com a verdade, que é o que nós chamamos de doutrina.
Então, baseando-se no fundamento subjacente da verdade, o escritor
prossegue, sugerindo certas aplicações práticas. Quão tolo é começar
com outra coisa, a não ser com a verdade! Há uma certa gente hoje em
dia nos dizendo que deveríamos começar com algum tipo de sonho ou
esperança idealizada. Construindo sobre essa ilusão, elaboraríamos
soluções práticas para nossos problemas. Mas os apóstolos nunca
fazem isso. Cada um começa seu escrito com a verdade, a verdade
como realmente é, com as coisas como de fato se apresentam. Estes
escritores nos chamam de volta à realidade.
Nos capítulos iniciais de Efésios, Paulo faz uma série de
afirmações sobre o propósito da igreja: não apenas o seu propósito
para a eternidade algum dia, mas o seu propósito para o tempo
presente. Já que os cristãos têm em Cristo muito mais do que tinham
em sua condição anterior, sob as trevas e as frustrações do reino de
Satanás, é de bom augúrio saber para que finalidade e sentido tudo
isso está designado. Observemos algumas dessas afirmações acerca da
natureza e sentido da igreja:
Ele nos escolheu nele [Cristo] antes da fundação do mundo [a
igreja não é fruto de nenhuma reflexão posterior de Deus. Ela foi
planejada muito antes de o mundo ser criado], para sermos santos e
irrepreensíveis perante Ele (Efésios 1:4).
A primeira preocupação de Deus não é o que a igreja faz, mas
sim o que ela é. O ser sempre precede o fazer, pois o que fazemos
sempre será determinado por aquilo que somos. Compreender o
caráter moral do povo de Deus é um ponto essencial, a fim de
entendermos a natureza da igreja. Como cristãos, devemos ser um
exemplo moral para o mundo, refletindo o caráter de Jesus Cristo.
Recentemente, estive lendo sobre dois americanos que estavam
andando de trem, na Inglaterra. (Os trens ingleses têm
compartimentos em que se podem sentar até seis pessoas.) No mesmo
compartimento destes dois homens, estava sentado um senhor de
aspecto muito distinto. Em voz baixa, os dois americanos estavam
discutindo acerca deste senhor. Um deles disse bem baixinho:
"Quanto quer apostar que ele é o Arcebispo de Cantuária?"
Replicou o outro: "Pois eu acho que não. Eu topo a parada."
O primeiro se dirigiu ao cavalheiro e disse: "Com licença, o
senhor se importaria em nos dizer se é o Arcebispo de Cantuária?"
O homem respondeu imediatamente: "Vá cuidar de sua própria
vida. Que é que vocês têm a ver com isso?"
Então um dos americanos se voltou para o outro e disse:
"Acabou-se a aposta! Não há jeito de descobrir!"
Essa estória apenas quer sugerir que os cristãos deveriam ser
facilmente identificáveis pelo seu modo de falar e de viver, de agir e
reagir. Nós, cristãos, somos chamados a ser "santos e irrepreensíveis
perante ele". Este é um dos propósitos da igreja.
Paulo nos dá uma outra finalidade da igreja, no primeiro
capítulo de Efésios:
Em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por
meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para
louvor da glória de sua graça (V. 4-6a).
Nós, os que de antemão esperamos em Cristo, somos para
louvor da sua glória (V. 12).
Pense nisso, um pouco! "Nós, que de antemão esperamos em
Cristo", significa: nós, que somos cristãos, como sendo destinados e
designados (aqui está novamente a nossa vocação) a viver para o
louvor de sua glória. A primeira tarefa da igreja não é o bem-estar dos
homens, por mais importante que isto seja, e mesmo considerando que
este ponto decididamente entre no quadro. Mas não é a primeira tarefa
da igreja. O primeiro objetivo é viver para o louvor e a glória de Deus.
Como o declara uma outra tradução: "Nós deveríamos fazer com que
sua glória fosse louvada".
Que é a glória de Deus? É o próprio Deus, a revelação do que
Deus é e faz. O problema deste mundo é que ele não conhece Deus.
Não tem compreensão alguma d'Ele. Em todas as suas procuras e suas
divagações, em seus esforços por descobrir a verdade, ele não sabe
nada de Deus. Mas a glória de Deus é revelar-se a si mesmo, mostrar-
se como é. Encontramos outro auxílio para compreender isso em II
Coríntios:
Porque Deus que disse: De trevas resplandecerá luz —, ele
mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (II Coríntios 4:6).
Os homens podem ver a glória de Deus na face de Cristo, em
seu caráter, em seu ser. E essa glória se acha, como diz Paulo, em
"nossos corações". A vocação da igreja é revelar ao mundo a glória do
caráter de Deus, como se acha na face de Jesus Cristo. Isto se encontra
novamente no primeiro capítulo de Efésios:
E pôs toda as cousas debaixo dos seus pés e, para ser o cabeça
sobre todas as cousas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a
plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas (Efésios 1:22-
23).
Esta é uma tremenda afirmação. Declara que tudo que Jesus
Cristo é (sua plenitude) pode ser visto em seu corpo, que é a igreja. O
segredo da igreja é que Cristo vive nela, e a mensagem da igreja para
o mundo é declará-lo, é falar de Jesus Cristo. Paulo descreve este
segredo da igreja verdadeira, novamente, no segundo capítulo.
Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos
dos santos, e sois da família de Deus; edificados sobre o fundamento
dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular; no qual todo edifício, bem ajustado, cresce para santuário
dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo
edificados para habitação de Deus no Espírito (Efésios 2:19-22).
Aí está o mistério sagrado da igreja: ela é a morada de Deus. Ele
vive em seu povo. Esta é a grande vocação da igreja: tornar visível o
Cristo invisível. Paulo, como um cristão-modelo, descreve seu próprio
ministério nos seguintes termos:
Manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os
séculos oculto em Deus, que criou todas as cousas, para que, pela
igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos
principados e potestades nos lugares celestiais (Efésios 3:9-10).
Aí está, de modo bem claro: a tarefa da igreja é "tornar
conhecida a multiforme sabedoria de Deus", torná-la conhecida não
somente aos homens, mas também aos anjos, que estão observando a
igreja. Estes são "os principados e potestades nos lugares celestiais".
Há outros, além dos homens, que estão observando a igreja e com ela
aprendendo.
Sem dúvida os versos acima são suficientes para deixar uma
coisa perfeitamente clara: a vocação da igreja está em declarar pela
palavra e demonstrar em atitude e ação o caráter de Jesus Cristo, que
vive dentro de seu povo. Devemos declarar a realidade de um
encontro que muda a vida de um cristão e demonstrar esta mudança
através de uma vida altruísta e cheia de amor. Até que o tenhamos
feito, não há nada que possamos fazer, que possa ser benéfico. Esta é
a vocação da igreja, à qual Paulo se refere ao dizer: Rogo-vos que
andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados.
Observe como o próprio Senhor Jesus confirma isso, no capítulo
de abertura do livro de Atos. Logo antes de ascender para o seu Pai,
Ele disse a seus discípulos:
"Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e
sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a
Judéia e Somaria, e até aos confins da terra" (Atos 1:8).
A vocação por excelência da igreja é ser testemunha de Cristo.
Uma testemunha é alguém que declara e demonstra. O apóstolo Pedro
diz uma palavra magnífica sobre isso, em sua primeira carta:
"Vós sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (I
Pedro 2:9).
Observe o esquema "Vós sois... a fim de". Essa é a tarefa
primordial do cristão. Jesus mora nele, a fim de que possa demonstrar
a vida e o caráter do que vive dentro dele. Todo cristão verdadeiro tem
a responsabilidade de realizar esta vocação da igreja. Todos são
chamados; em todos habita o Espírito Santo, e se espera de todos que
realizem sua vocação diante do mundo. Esta é a nota clara que o
apóstolo faz soar através de toda a carta aos Efésios. A expressão do
testemunho da igreja, às vezes, pode ter um caráter global, mas a
responsabilidade de o fazer é sempre individual.
Mas, aqui, surge novamente o problema de uma possível
falsificação. É fácil para a igreja (ou para o cristão, individualmente)
falar sobre a demonstração do caráter de Cristo e ter grandes
pretensões de fazê-lo. No entanto — como o sabe todo pagão
inteligente, que tem observado cristãos de perto — a imagem que
realmente transparece não é sempre a mesma do Jesus dos
Evangelhos. Este é o motivo pelo qual o apóstolo Paulo é muito
meticuloso ao descrever esse caráter em termos mais específicos.
...Com toda humildade e mansidão, com longanimidade,
suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos
diligentemente por preservar o unidade do Espírito no vinculo da paz
(Efésios 4:2-3).
Humildade, paciência, amor, unidade e paz — estas são as
características reais de Jesus. Cristãos não devem testemunhar com
arrogância e rudeza, nem com presunção de "sou-mais-santo-que-
você", nem com a soberba de um santarrão, e com certeza, também
não sobre o fundo de torpes brigas de igreja nem de asperezas entre si.
A igreja não deve falar sobre si mesma. Ela deve ter uma mentalidade
modesta, não se gabando orgulhosamente de seu poder ou procurando
aumentar o seu prestígio. A igreja não pode salvar o mundo; mas o
Senhor da igreja, pode. Não é pela igreja que os cristãos devem
trabalhar e empenhar suas vidas, mas pelo Senhor desta igreja. A
igreja não pode exaltar seu Senhor,, procurando exaltar-se a si mesma.
A verdadeira igreja não procura ganhar poder aos olhos do mundo.
Ela já tem todo o poder de que precisa, do Senhor que nela mora.
Ainda mais, a igreja deve ser paciente e indulgente, sabendo que
as sementes da verdade levam tempo para germinar, crescer e
amadurecer. A igreja não deve fazer exigências estridentes à
sociedade, de mudanças repentinas e violentas de estruturas sociais,
que se estabeleceram há muito tempo. Antes, a igreja deve evitar
decididamente a prática de males sociais em- seu próprio meio,
implantando assim na sociedade sementes de verdade que, em última
instância, hão de germinar.
Um dos livros mais famosos de todos os tempos é O Declínio e
Queda do Império Romano, de Edward Gibbon. Ele mostra o que
aconteceu àquele poderoso império e como ele se desintegrou,
primeiro, internamente. No livro há uma passagem que Sir Winston
Churchill decorou, porque a considerou admiravelmente característica
e acurada. Ela fala da igreja dentro do império:
"Enquanto o enorme Império romano foi invadido pela violência
aberta e minado por uma lenta decadência, uma religião pura e
modesta se insinuou gentilmente nas mentes dos homens, cresceu
obscura e silenciosamente, extraiu da oposição sofrida um novo vigor,
erigindo finalmente a bandeira triunfante da Cruz sobre as ruínas do
Capitólio." 1
O maior sinal da vida de Jesus Cristo, dentro do cristão, é
naturalmente, o amor. Amor, que aceita os outros como eles são; que
é compassivo, que perdoa, e procura evitar que mal-entendidos e
diferenças de opinião dividam os cristãos entre si. Jesus disse: Nisto
conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos
outros. (João 13:35). O amor nunca se manifesta pela rivalidade,
ambição, ostentação, indiferença ou preconceitos. Ele é exatamente o
oposto de insultos, calúnias e divisões, devido a pontos de vista
inflexíveis. O amor se preocupa em manter a unidade, não em criá-la.
A igreja nunca pode criar unidade, mas pode mantê-la. Examinaremos
esse assunto mais de perto, no próximo capítulo.
Mas tudo isso não nos ajuda a responder à grande questão: Com
que finalidade a igreja está aqui no mundo? Onde é que vamos
começar com a tarefa de influenciar e mudar o mundo? Onde
devemos colocar nossa principal ênfase? O Novo Testamento fala
muito pouco sobre a participação do crente na política; sobre
problemas de habitação; sobre direitos civis, ou sobre disputas entre
empregados e empregadores. Isto não significa que os cristãos devam
ignorar essas questões. É óbvio que não podemos ter um coração
cheio de amor por seres humanos, nossos irmãos, sem nos
preocuparmos com essas coisas. Mas o Novo Testamento diz
relativamente pouco sobre elas, porque Deus sabe que o único modo
de enfrentar esses problemas é a introdução de uma nova dinâmica na
vida humana, a dinâmica da vida de Jesus Cristo. É disso que os

1
Edward Gibbon, O Declínio e Queda do Império Romano, vol. I.
homens precisam. A correção do mal se seguirá inevitavelmente à
introdução dessa vida. Certamente precisamos começar lá, porque esta
é a vocação a que a igreja é chamada.
A "nova esquerda", e os assim chamados cristãos radicais,
evidentemente não compreendem o radicalismo espiritual do Novo
Testamento. O evangelho germinou num ambiente social, sob vários
aspectos, muito semelhante ao nosso. Os primeiros cristãos se
defrontaram com uma instituição que estava lutando por sua
sobrevivência. Injustiça, opressão e discriminação eram amplamente
difundidas.
Mas aqueles que procuram textos básicos, que justifiquem
passeatas,, greves ou boicotes, têm problemas. Estes tentam
solucionar os males da sociedade, lavando o copo pelo lado de fora,
como disse Jesus. Uma verdadeira revolução cristã transforma as
pessoas internamente. É aí que tantas igrejas se perdem. Cristo disse
que, somente quando as pessoas são transformadas, recebem um novo
coração, um novo espírito e uma nova orientação, haverá uma nova
sociedade. É necessário que morram o ego e o egoísmo; que haja uma
radical mudança de direção, e um novo nascimento ou uma
ressurreição. A palavra que o Senhor dirige a essas pessoas é:
Abençoai aos que vos perseguem. ... Tende o mesmo sentimento uns
para com os outros. ... Não torneis a ninguém mal por mal. ... Não te
deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (Romanos 12:14-
21).
A igreja deverá, nesta hora turbulenta da história, abandonar a
mais notável mensagem revolucionária de que o mundo já ouviu falar,
uma mensagem que lhe foi especificamente confiada? Ela deverá, em
vez disso, contentar-se em fazer algo que qualquer organização
mundana pode fazer? Ela deverá tornar-se nada mais do que outro
grupo de ação política? Ela deverá sucumbir diante do sofisma de que
a mudança, qualquer tipo de mudança, signifique progresso? O que o
apóstolo Paulo deseja é que atendamos ao nosso chamado de nos
tornar responsáveis em contar à A sociedade, essa boa nova sobre
Jesus Cristo, que é radical, \J revolucionária e capaz de transformar
vidas. A igreja precisa invadir novamente a vida comercial e
industrial, a educação e o aprendizado, as artes e a vida da família, a
moral e o governo com essa mensagem tremenda e inigualável. Um
Senhor Jesus Cristo ressurreto está à disposição dos homens em todas
as partes, para plantar dentro deles sua própria vida, transformando-os
assim em pessoas que amam, se interessam pelos outros e nelas
confiam, pessoas capazes de enfrentar quaisquer problemas que a vida
lhes possa apresentar. Esta é a vocação da igreja.

Capítulo Três
UNIÃO, NÃO — UNIDADE!
Em nossos dias há um grupo de vozes que dizem: "Você está
bem certo acerca da necessidade da igreja, de cumprir a sua vocação.
Mas, fundamental para essa vocação, é a união de todos os cristãos.
Dificilmente podemos esperar que consigamos atingir o mundo,
enquanto os cristãos estiverem tão fragmentados, tão divididos. Em
nossa desunião, real-mente nada temos a dizer ao mundo; e, por essa
razão, a igreja vive sem poder, e é desprezada pela sociedade. Por
isso, precisamos, antes de tudo, unir-nos. Nos números há poder, e, se
conseguirmos reunir um número suficiente de cristãos, poderemos
influenciar a sociedade conforme a igreja estava destinada a fazê-lo."
Esta filosofia fez surgir o movimento ecumênico da última parte
do século vinte. Ecumênico quer dizer "universal", e é a esperança e o
sonho de muitos, hoje em dia, apagar as diferenças entre os cristãos,
representados nas variadas denominações, a fim de se conseguir uma
igreja realmente ecumênica ou universal. Certos homens se devotaram
tanto a esse ideal, que têm sido chamados de "ecumaníacos",
enquanto que outros desdenhosamente sugerem que o problema da
igreja é que ela está passando por sua "idade crítica"
As palavras do apóstolo Paulo, que estamos examinando, de fato
parecem enfatizar a necessidade de unidade entre os cristãos. Ele
exorta os cristãos de Éfeso a esforçar-se diligentemente por preservar
a unidade do Espírito no vínculo da paz (Efésios 3:4). Há outras
escrituras que sublinham a necessidade de um acordo cristão. Os
ecumenistas dizem que quando as igrejas se unirem em uma única
organização, cumprir-se-á a oração de Jesus: A fim de que todos sejam
um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em
nós; para que o mundo creia que tu me enviaste (João 17:21). Eles
dizem: "Por que não apoiar estes recentes esforços em prol dessa
unidade? Com certeza, a união de todos os cristãos só poderá
fortalecer e ajudar a causa de Cristo!"
Que faremos, dessa exortação de Paulo à unidade? Uma coisa
nela está bem evidente: ela reconhece a existência de atritos entre os
cristãos. Ele não instaria junto aos cristãos, que mantivessem a
unidade do Espírito, se não existissem dissensões entre eles. Aqui na
igreja primitiva, obviamente, havia forças agindo no sentido de dividir
o corpo cristão; entre eles havia pressões, que ameaçavam cindi-lo em
grupos menores. Em reação a essas pressões, o apóstolo insiste em
que eles procurem manter a unidade. A palavra "procurar" é um pouco
fraca, aqui. Procurar implica apenas numa disposição, mas a palavra
original no grego significa disposição da vontade e atividade —
portanto, fazer alguma coisa.
Não há dúvida de que é irreal fazer de conta que não há
divergências entre eles. Não há no mundo outro grupo tão
gloriosamente heterogêneo como a igreja. É notável o fato que ela se
compõe de diferentes tipos de pessoas. Na verdadeira igreja de Cristo,
ricos e pobres se reúnem em pé de igualdade, sem distinção e
certamente sem favoritismo algum. Judeus ou gentios, homens ou
mulheres, negros, vermelhos, brancos ou amarelos — não faz
diferença. É verdade que esta não tem sido sempre a característica da
igreja, mas esta era a intenção original e ela pode ser assim. A igreja
atravessa todas as linhas divisórias erigidas pelos homens, bem como
todas as distinções naturais, reunindo todos os povos, sem exceção,
em um só corpo. Não há outro corpo no mundo que tente unir pessoas
de origens e procedências tão amplamente variadas.
Mas não é fácil ignorar essas linhas divisórias. Atritos surgem
freqüentemente, por causa delas. A existência de atritos nas
comunidades cristãs do primeiro século, se evidencia em diversas
passagens da Escritura. Havia grande divergência em torno da relação
dos gentios com os judeus — uma questão que levou ao grande
concilio descrito em Atos 15. Na carta de Paulo aos Filipenses, são
mencionadas duas senhoras que tinham dificuldade em se entender.
Seus nomes eram Evódia e Síntique. Pontos de vista divergentes e
personalidades diferentes são algumas das mesmas causas de atrito
existentes igualmente na igreja do século vinte.
Lá em cima vivamos, com santos que amamos,
Isto sim é que é glória.
Mas embaixo vivemos, com santos que vemos;
Bem, é outra estória!
Além das diferenças de pontos de vista e de personalidades, há
as diferenças de talento dentro do corpo de Cristo. Todo cristão tem a
tendência de depreciar os talentos dos outros e de exaltar os próprios.
Todos achamos que a nossa contribuição é muito mais importante e
valiosa do que aquilo que outros estão fazendo. (I Coríntios 3 revela a
divisão da igreja de Corinto devido à tendência humana de se
identificar com um mestre, opondo-se a um outro.) Deste modo se vê
que o chão é fértil, para atritos que surgem a partir de divergências e
distinções dentro da igreja.
Mas um segundo fato também é visível na exortação do
apóstolo. Sob todas as diferenças entre os primeiros cristãos, está
também o fato de uma unidade básica. O apóstolo não manda esses
cristãos se esforçarem em produzir unidade, mas em conservar aquilo
que já existe. Nunca se manda à igreja que criou unidade. Uma
unidade já existe, por força da pura e simples existência da igreja. Não
há necessidade de criá-la; para dizer a verdade, os homens são
incapazes de produzir a unidade, que é essencial para a vida da igreja.
Ela só pode ser produzida pelo Espírito de Deus; mas uma vez
produzida, é responsabilidade dos cristãos preservá-la.
Este é o problema do moderno movimento ecumênico. Aqueles
que procuram alcançar a união dos cristãos, estão ignorando a unidade
que já existe, tentando criar uma outra. Para que ninguém entenda mal
a natureza da unidade a que o apóstolo se refere, ele prossegue,
descrevendo-a claramente:
Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes
chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor,
uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre
todos, age por meio de todos e está em todos (Efésios 4:4-6).
Aqui está a verdadeira unidade do corpo de Cristo. Observe que
ela gira em torno das três Pessoas da Trindade: Espírito, Filho e Pai.
Ela é um corpo habitado pelo Deus Triúno. Isto é claramente a
resposta à oração de Jesus: A fim de que todos sejam um; e como és
tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós (João 17:21).
A igreja não deve ser um conglomerado de indivíduos que por acaso
concordam em certas idéias. Ela está ligada como um organismo
numa unidade corporal. É verdade que um corpo é uma organização,
mas é muito mais que uma organização. A essência de um corpo está
em que ele consiste de milhares de células, que compartilham
mutuamente de uma vida...
Ao contrário do que diz o conto popular, não se produz um
corpo ajuntando-se componentes anatômicos, o osso do dedão ao osso
do tornozelo, este ao do pé, e o osso do pé ao osso do joelho etc. Um
corpo é formado pela extensão de uma célula original que cresce até
se tornar um corpo maduro, em que cada célula faz parte da vida
original. Este é o segredo de um corpo: todas as suas partes
compartilham da mesma vida.
É o compartilhar da vida que diferencia um corpo de uma
organização. Uma organização deriva seu poder da associação de
indivíduos, mas um corpo deriva seu poder compartilhando a vida.
Diz o Dr. Bernard Ramm:
"Quando os modernistas negam... uma conexão sobrenatural de
todos os crentes através da união mística do Espírito Santo, destróem
a compreensão cristã histórica e ortodoxa da Igreja... A Igreja se torna
uma sociedade, uma comunidade religiosa natural, humana e não
sobrenatural. Ela está ligada por laços puramente naturais, tais como
uma herança em comum na Bíblia, uma crença em comum numa
espécie de exclusividade de Jesus, uma crença em comum na
continuidade histórica dos cristãos e uma ética de amor em comum.
Agora a igreja é uma sociedade. •Mas isso é secundário, diante do fato
de ela ser o corpo sobrenatural de Cristo."2
Qualquer um que teve o privilégio de entrar em contato com
2
Bernard Ramm, "The Continental Divide in Contemporary Theology", ("Christianity
Today", 8 de outubro de 1965).
cristãos, em algum lugar distante ao redor da terra, logo reconhece
essa unidade fundamental, que já existe. Apesar das diferenças
denominacionais e das posições teológicas amplamente variáveis em
muitos pontos, sempre que houver uma vida em comum em Cristo
isso logo se torna evidente. Há um sentimento de se pertencer um ao
outro. Essa unidade é reconhecível, até quando ela é oficialmente
negada.
Faz alguns anos eu me encontrei com um bispo católico-romano
no México, e passei uma ou duas horas conversando com ele sobre
Cristo. Eu era protestante; ele, católico, e se nós tivéssemos entrado
em questões doutrinárias, teríamos nos deparado com muitas
diferenças de perspectiva. Mas, particularmente com esse bispo, eu
senti logo uma unidade da qual tomávamos parte em Cristo. Como eu,
ele conhecia a realidade de um Senhor vivo. Conversamos sobre Ele.
Nossas organizações não eram uma, mas nós éramos um, porque
experimentáramos a unidade do Espírito.
Isso nos leva ao próximo elemento, na descrição que Paulo faz
da igreja: um Espírito. Este é a grande, eterna e invisível Pessoa, que é
o verdadeiro poder da igreja. A força da igreja nunca provém de seus
números. Os ecumenistas procuram criar uma unidade da carne, uma
unidade organizacional, que deduz seu poder do número de corpos
que podem ser ajuntados, bem à parte de convicções e concordância
espiritual. Alguém descreveu tal união, como uma tentativa de
enterrar todos os cadáveres em um só cemitério, preparando-os assim
para a ressurreição. Mas isso não vai funcionar. O propósito da igreja
é ser um instrumento para a vida, e ajuntar corpos mortos não produz
vida. O poder da igreja em influenciar a sociedade não está em se
ajuntar um numero suficiente de cristãos, a fim de se conquistar votos
suficientes para controlar uma legislatura.
O profeta Zacarias se viu uma vez confrontado com uma
enorme montanha, da qual Deus disse que se tornaria uma campina.
Quando Zacarias começou a olhar em volta para ver como isso se
daria, de onde viria o poder para aplainar aquela montanha e fazer
dela uma campina, a palavra do Senhor veio a ele, dizendo: Não por
força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos
Exércitos. (Zacarias 4:6). Tarefas sobre-humanas requerem poder
sobre-humano. Já que o cumprimento do papel da igreja está muito
além dos poderes do homem, torna-se essencial que ela confie no
único poder adequado que lhe é acessível. O Espírito é o verdadeiro
poder da igreja. Só há um Espírito. Ele é o mesmo em toda parte,
tanto faz onde a igreja esteja: em todos os lugares e em todas as
épocas. O Espírito não muda, e é por isso que a verdade permanece
imutável — o passar dos tempos não a afeta. Este também é o motivo
pelo qual a igreja não depende de muitos ou de poucos, ou da
sabedoria de seus membros. Ela deve depender apenas de uma coisa:
do Espírito de Deus. À medida em que nos aprofundamos nas palavras
do apóstolo, aprendemos mais sobre o funcionamento desse poder
surpreendente.
Paulo associa com o Espírito aquela uma só esperança da vossa
vocação (Efésios 4:4). Estes três primeiros fatores estão associados
(um corpo, um Espírito, uma esperança), porque é o Espírito que
forma o corpo para sua meta final e última. Que esperança é essa? Ela
é expressa dezenas de vezes através das Escrituras. Trata-se da
esperança da volta de Jesus Cristo à terra e suas conseqüências sobre a
igreja e o mundo. Sua expressão mais curta talvez se ache em
Colossenses: Cristo em vós, a esperança da glória (Colossenses
1:27). Glória é a esperança da igreja. Como o formula João, sabemos
que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque
havemos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele
tem esta esperança, assim como ele é puro (I João 3:2-3).
Por onde quer que eu tenha viajado no mundo, sempre observei
que esta era a esperança dos cristãos. Seja qual for sua denominação,
sua origem, sua raça ou sua cor, a esperança é sempre esta: que algum
dia eles serão como Cristo. Há muitas diferenças na compreensão de
como isso se dará. Alguns são pré-milenistas (que crêem que Jesus
virá antes do milênio, que é o reinado de mil anos de Cristo na terra);
outros são pós-milenistas (que dizem que Cristo voltará após o
milênio), ao passo que outros não acreditam em milênio algum. Mas
há somente uma expectativa final dos cristãos, em toda parte: a de que
eles terão parte na, glória de Cristo.
Em seguida, o apóstolo Paulo reúne outros três elementos de
unidade, em torno da segunda Pessoa da Trindade: o Senhor único.
Ele não diz um Salvador, mas, em toda a Escritura, somente quando
as pessoas reconhecem Jesus como Senhor, é que Ele se torna seu
Salvador. O tema fundamental em que Paulo se concentra é que Jesus
Cristo é. Senhor. Ao escrever aos coríntios, ele diz que ninguém pode
dizer "Jesus é Senhor", a não ser pelo Espírito Santo.
"Senhor" significa autoridade máxima. Chamar Jesus de Senhor
quer dizer reconhecer que Ele é a pessoa suprema em todo o universo.
Não há e nunca haverá outro Senhor. Pedro declara-o, sem rodeios,
em Atos 4:12: ...abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado
entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. É por isso que
os primeiros cristãos não podiam dizer "César é Senhor", como seus
perseguidores queriam forçá-los a dizer. É por isso que cristãos
modernos não podem dizer "Buda é Senhor" ou que qualquer outra
pessoa seja Senhor, senão Jesus. O mistério e a maravilha de sua
pessoa é que o homem Jesus Cristo, que viveu, andou, amou,
trabalhou e morreu entre os homens, cuja vida nos é relatada nos
Evangelhos, é também Senhor do universo, o Ente Supremo, Senhor
de todas as coisas, o Deus-homem. O apóstolo João, em sua primeira
carta, diz que todo aquele que nega isso não é um cristão, mas tem o
espírito do anticristo (I João 2:22). E Paulo declara: Pelo que também
Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de
todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus,
na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é
Senhor, para glória de Deus Pai (Filipenses 2:9-11).
Associado a este está o próximo elemento, uma fé Isto é um
pouco mais difícil, mas parece claro que Paulo não se refere à fé de
um modo geral, isto é, a capacidade de crer, pois todos os homens a
têm. Às vezes, as pessoas dizem: "Não posso acreditar." Mas isso
claramente não é verdade, pois os homens estão acreditando o tempo
todo. Toda ação vem de uma crença. Um ateu age a partir de uma
crença, da mesma maneira que um cristão. Ambos acreditam em
alguma coisa e agem de acordo com ela.
Paulo também não quer dizer o ato de conversão, quando uma
pessoa se declara de fora a fora para Cristo, que é o passo inicial de
acreditar e confiar nele, conhecido nos livros como "fé salvadora".
Mas, aqui, Paulo não está falando desses tipos de fé. Ele tem em vista
aquilo que é crido, isto é, o corpo da verdade de que foi revelado. Só
há uma fé. A ela, Judas se refere em sua carta ao exortai1 os cristãos a
batalharem diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue
aos santos (Judas 1:3).
Esta uma fé está associada com Jesus, o Senhor. Ela é a verdade
sobre Ele. Novamente pode haver divergências quanto aos detalhes e
ao significado entre os cristãos, mas em toda parte há concordância
plena entre os verdadeiros cristãos, em torno da afirmação de que só
há um corpo da verdade sobre Jesus Cristo. Somente há um conjunto
de fatos, uma fé. Este corpo da verdade é a Escritura. Não há uma fé
para os judeus e um outro conjunto de fatos para os gentios; há apenas
uma fé para todos os homens, em toda parte. Deus falou através dos
videntes, dos profetas e dos apóstolos, mas tudo forma um quadro
total, que se articula e explica a si mesmo. Não há, por isso, um Deus
do Velho Testamento contra um Deus do Novo Testamento, como às
vezes ouvimos. Não podemos dizer, também, como alguns o fazem:
"Bem, eu tenho o meu Cristo e você tem o seu." Não; há somente um
Cristo. Há apenas um Jesus histórico. Só há uma fé.
O elemento seguinte de unidade é um batismo. Unidade em
torno do batismo? Nada poderia parecer "mais distante da realidade.
Os diversos grupos de batistas dizem: "Esse um batismo certamente se
refere ao batismo pela água, que é só por imersão." Os presbiterianos
dizem: "Não, os batistas são todos uns ensopados; a aspersão é a única
maneira certa." Outros grupos insistem em que o batismo é apenas
para crianças, enquanto que outros dizem que ele deve ser ministrado
apenas a adultos responsáveis. Parece haver tudo, menos unidade em
torno da questão do batismo.
Mas, apesar dessa divergência óbvia sobre o símbolo, há um
batismo reconhecido em toda parte e aceito pela igreja. Trata-se do
batismo do Espírito, o batismo real, do qual o batismo com água é um
símbolo. Através dele, todo verdadeiro crente em Jesus Cristo é
incluído em seu corpo vivo, a igreja (I Coríntios 12:13). Esse batismo
aqui está ligado a Jesus" Cristo, o Senhor, porque é um batismo de
inclusão em seu corpo. Romanos 6:3, coloca-o da seguinte maneira:
todos... fomos batizados na sua morte. A idéia central é de que cada
crente, individualmente, é feito um com Jesus Cristo, unido a ele em
todo o valor de sua morte e ressurreição.
O apóstolo nos dá agora o último dos sete elementos da unidade:
Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de
todos e está em todos (Efésios 4:6). Aqui está o alvo de todos os
outros. Todo o restante existe, na formulação de Pedro, para
conduzir-vos a Deus (I Pedro 3:18). Ele é a meta e o objetivo.
O sinal de que o achamos é que o reconhecemos como Pai, e
sentimos seu coração de Pai. Conhecemos a declaração de Paulo em
Romanos 8: Recebestes o espírito de adoção, baseados no qual
clamamos: Aba, Pai (Romanos 8:15). Em sua primeira carta, João
escreve que a característica infalível do recém-nascido na família de
Deus é que ele imediatamente conhece seu pai e o chama de Pai (I
João 2:13).
Isto é bem diferente dos conceitos de Deus que andam hoje por
aí. Ele é chamado de Fundamento do Ser, a Última Causa, A Mente
Infinita etc. É verdade que Deus é todas essas coisas. Elas não estão
erradas, mas são muito inadequadas. Paulo também concorda em que
Deus é tudo em todos (Colossenses 3:11). Ele é o fim e o começo; ele
é o começo e o fim. Todas as coisas existem por sua causa, e todas as
coisas tendem para Ele. Linguagem maravilhosa essa, e tudo é
verdade. Mas quando de fato se O conhece, só se pode chamá-lo
adequadamente de Pai. Nenhum outro nome poderá expressar a união
íntima que um verdadeiro cristão sente em relação a Deus. É por isso
que Jesus ensinou a seus discípulos a dizer: "Pai nosso, que está no
céu."
Nestes sete elementos se acha a natureza da unidade cristã. Não
uma união a ser alcançada, mas urna unidade que já existe. Eles não
são, por isso, artigos de concordância teológica. Eles nunca deveriam
ser incluídos num credo, como se a sua aceitação por parte de uma
pessoa, fizesse dela um cristão. Não, o tornar-se cristão é que leva a
pessoa à aceitação desses pontos. Eles são áreas de experiência em
comum. Eles são verdade experimentada, que se apropria de nós, e
não verdades das quais devemos nos apropriar. Eles não podem ser
debatidos. Se alguém os põe em dúvida ou deles discorda, está
simplesmente manifestando o fato de que ainda não é um cristão.
Quando se tornar um cristão, sentirá e por isso compreenderá essas
coisas. Ele talvez não seja capaz de formulá-las claramente, mas as
reconhecerá quando forem descritas, pois elas são uma experiência
imediata de todos os que estão em Cristo. Por isso, a maneira de criar
unidade é simplesmente essa: levar homens e mulheres a Cristo, e a
unidade do Espirito neles se produzirá através do próprio Espírito. É
impossível conseguir-se qualquer união significativa e que faça
sentido, à parte dessa unidade produzida pelo Espírito.
Em outras palavras, existem dois tipos de unidade:juma unidade
externa, sem concordância interior, e uma unidade interna que
ocasionalmente manifesta um desacordo externo. Ao primeiro,
estamos chamando de união. Por sua própria natureza, controle e
direção, na cúpula desse tipo de grupo repousa um pequeno número
de pessoas. Seu poder se mede pelo sucesso com que estão
conseguindo fazer-se acompanhar pelo conglomerado.
Lembro-me perfeitamente da primeira vez que eu me defrontei
com o segundo tipo de unidade, a interior. Quando menino, eu tinha
dois amigos que eram irmãos, havendo entre eles, apenas um ano de
diferença. Um dia, estávamos brincando ao ar livre, quando os dois
começaram a brigar. Achei que um deles foi um pouco sarcástico e
desleal, de modo que intervim em favor do prejudicado. Para minha
surpresa, este não gostou de minha ajuda e voltou-se contra mim; seu
irmão se associou a ele, e ambos pularam para cima de mim. Descobri
que tinha feito um julgamento muito superficial. Eu achava que as
divergências que estavam manifestando, representavam um desacordo
fundamental entre eles, mas me enganei! Sob a superfície, havia uma
unidade fundamental; e, no momento em que eu ataquei um deles, ela
se manifestou, e os dois se voltaram contra mim. Isso ilustra a unidade
da igreja: uma unidade interna, acompanhada de um eventual
desacordo exterior.
Agora, há certas conclusões práticas, que derivam de uma
passagem como Efésios 4:4-6. Ao aplicarmos essa grande verdade
central da unidade cristã às áreas externas de nossas vidas,
especialmente no confronto dos problemas da existência moderna, há
certas coisas que logo se tornam evidentes. Em primeiro lugar, está
claro que os cristãos devem dirigir seus esforços não no sentido de
alcançar uma união exterior, mas de manter a paz dentro do corpo. É
isso que Paulo diz claramente: esforçando-vos diligentemente por
preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz (Efésios 4:3). É
extremamente importante que os cristãos parem com as contendas,
brigas, concorrência mútua, além do forte ressentimento e do ódio.
Uma igreja em que existem tais atitudes é um corpo totalmente
ineficaz dentro de sua comunidade. Uma igreja em que existe esse
tipo de agitação, não pode dizer coisa alguma que desperte a atenção
do mundo.
É importante que, quando os cristãos se reúnem, reconheçam
que são chamados a se entenderem mutuamente. Devem tolerar-se
reciprocamente, orar uns pelos outros, perdoar-se mutuamente, ser
benevolentes e de bom coração, sem guardar rancor, amargura,
ressentimento ou ódio entre si. Este é o alvo do Espírito, quando ele
entra em nosso meio. Ele age no sentido de sanar antigos rancores,
profundos ressentimentos e ásperas hostilidades.
Os cristãos precisam fazer aquilo que o apóstolo diz: manter a
unidade do Espírito. A unidade já existe, ela só precisa fazer-se
evidente. Precisamos entrar sob a superfície, atrás das diferenças por
demais visíveis, e então a unidade fundamental se tornará evidente. Se
é que houve atuação da graça, a maravilhosa unidade fundamental
subjacente despontará, deixando de lado todas as divergências,
expressando-se pelo Espírito de Jesus Cristo, no amor concedido até
aos que não são amáveis.
Uma segunda conclusão a que nos leva essa passagem é a de
que não podemos classificar os cristãos segundo organizações. Não
podemos dizer que todos os católicos são cristãos ou que todos os
batistas o sejam. Não podemos sustentar que todos os que pertencem
às Igrejas Fundamentalistas Independentes são cristãos, enquanto que
aqueles que fazem parte do Conselho Mundial de Igrejas não o são. O
Espírito de Deus sempre ultrapassará divisões humanas. A unidade do
Espírito será encontrada em pessoas de muitos grupos diferentes, e
nós temos que aceitar esse fato. Encontraremos verdadeiros cristãos
por toda parte, e é nossa responsabilidade manter a unidade do
Espírito com eles no vínculo da paz, onde quer que estejam. Como o
diz Paulo, em Romanos 14: Acolhei ao que é débil na fé, não, porém,
para discutir opiniões (Romanos 14:1). Não devemos expulsá-lo, mas
recebê-lo. Recebê-lo, mesmo que ele não enxergue tão bem como nós,
e talvez não tenha se formado na escola correta. Apesar disso, vamos
recebê-lo. Vamos reconhecê-lo como irmão, se ele manifesta amor
por Jesus Cristo, seja qual for o seu rótulo.
Uma terceira conclusão prática desse estudo é a de que os
cristãos verdadeiros podem usar o fato da unidade interna básica, para
determinar a área e o tipo de cooperação em que podem entrar com
outros, sejam cristãos ou não-cristãos. Afinal de contas, mesmo se não
formos um com todos os outros, como membros do corpo de Cristo,
somos um, compartilhando da vida humana. Podemos nos associar a
qualquer um, na assistência ao sofrimento humano; no
estabelecimento de um governo forte e justo; no trabalho da educação,
e em muitos outros empreendimentos da vida. Não devemos nos
fechar a outros seres humanos, só porque eles não têm parte na mesma
vida em Cristo.
Mas há uma arearem que podemos cooperar com alguns cristãos
que compartilham da vida de Jesus Cristo, mas em que não nos
podemos juntar a outros. Esta área é a proclamação da grande e
transformadora mensagem da igreja, ao evangelizar o mundo. A razão
disso é que muitos que se consideram cristãos compreendem o
evangelho de maneira bem diferente da nossa. Aquilo que eles estão
tentando fazer entre os homens é completamente diferente daquilo que
procuramos realizar. Seguimos direções opostas. É impossível, claro,
montar em dois cavalos que vão em direções opostas — seria
sobrecarregar nossa anatomia. Essa mesma verdade foi ensinada aos
antigos israelitas, com a determinação de não juntar boi e jumento sob
o mesmo jugo (Deuteronômio 22:10). Por que não? Porque eles
andam em velocidades diferentes e tem altura diferente. Eles apenas
se esfolariam mutuamente o tempo todo. Juntá-los seria uma
crueldade. Esta é a maneira simbólica pela qual Deus ensina que há
diferenças fundamentais de passo e de direção entre as pessoas, e que
dois não podem andar juntos, se não estiverem de acordo (Amos 3:3).
Mas, alguém poderia perguntar: "Podemos nós cultuar junto
com outros, que não têm parte na vida em Jesus Cristo?" A resposta
da Bíblia é clara: Sim. Deus manda que todos os homens em toda
parte lhe prestem culto (Salmo 65:2; Filipenses 2:10-11). Onde quer
que haja alguém prestando culto a Deus como supremo, e não com
algum conceito inferior d'Ele (como um ídolo), os cristãos podem
associar-se a esse culto. O caminho mais elementar para a
aproximação de alguém a Deus é apontado em Hebreus 11:6: ...é
necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e
que se torna galardoador dos que o buscam. Cornélio, o centurião
romano de Atos 10, é um exemplo.
Após dizer estas coisas, não nos esqueçamos do apelo que o
apóstolo faz à igreja, de permanecer fiel a sua vocação. A igreja não
tem o direito de delinear seu próprio curso. Seu propósito e seu
objetivo já foram traçados, e até sua função já foi determinada por seu
Senhor. No próximo trecho de Efésios 4, o apóstolo se volta para uma
descrição detalhada do equipamento providenciado pelo Senhor, para
que seu corpo funcione no mundo conforme a sua intenção.

Capítulo Quatro
NADA DE EXCEÇÕES
O programa que Deus fez para alcançar e transformar um
mundo despedaçado, sempre envolveu a encarnação. Quando Deus
resolveu visitar esta terra para mostrar à humanidade o novo tipo de
vida que Ele estava oferecendo, fê-lo através de sua encarnação. Deus
se fez carne e habitou entre nós. Jesus Cristo foi a encarnação de
Deus: Deus em carne humana, aparecendo aos homens. Mas, este foi
apenas o início do processo de encarnação. Cometeríamos um grande
engano, se pensássemos que a encarnação terminou com a vida
terrena de Jesus. A encarnação ainda continua. A vida de Jesus
continua manifesta entre os homens', mas agora não mais através de
um corpo físico individual limitado a um lugar na terra, mas através
de um corpo complexo e orgânico, chamado a igreja.
Abra-se o livro de Atos no Novo Testamento e se verá que o Dr.
Lucas, seu autor, diz a um certo moço, chamado Teófilo, que ele tinha
anotado em seu primeiro relato (o Evangelho segundo Lucas) "todas
as cousas que Jesus começou a fazer e a ensinar". Em seu segundo
relato (o livro de Atos), o Dr. Lucas continua a descrever a atuação de
Jesus entre a humanidade, mas desta vez através de seu novo corpo, a
igreja. Por isso, quando a igreja vive em e através do Espírito, ela não
deve ser nada mais nada menos do que a extensão da vida de Jesus a
todo o mundo, em qualquer época.
Esta é uma concepção de enorme importância. Aquilo que
aconteceu em pequena escala na Judéia e na Galiléia, mil e
novecentos anos atrás, está designado a acontecer hoje, em larga
escala, em todo o mundo, permeando todos os níveis da sociedade e
todos os aspectos da vida humana. Na medida em que os cristãos
descobrem que isso é uma possibilidade real, hoje, suas vidas se
tornam interessantes e poderosamente eficazes. É provocante e
estimulante a redescoberta do esquema delineado por Deus, pelo qual
sua igreja deveria influenciar o mundo. Por outro lado, não há nada
mais patético e ilusório do que uma igreja que não compreende este
fascinante programa, em que opera o corpo de Cristo, substituindo-o
por métodos de trabalho, processos organizacionais e pressão política
como meios de influenciar a sociedade.
Vejamos então este interessante esquema de operação, descrito
pelo apóstolo Paulo, como a maneira pela qual o corpo de Jesus Cristo
toca e transforma o mundo. Paulo agora deixa a descrição da natureza
da igreja, para se voltar à providência tomada pelo Espírito Santo para
a sua operação. Ele diz: E a graça foi concedida a cada um de nós
segundo a proporção do dom de Cristo (Efésios 4:7).
Esta frase tão curta faz referência a duas coisas tremendas: o
dom do Espírito Santo para o ministério, concedido a todo cristão
verdadeiro, sem exceção e o novo e notável poder através do qual esse
dom pode ser posto em prática. Precisamos observar cuidadosamente
ambas as coisas' na devida ordem, mas comecemos com o dom do
Espírito, que Paulo aqui chama uma "graça".
A palavra em sua língua original é charis, da qual é derivado o
adjetivo "carismático", no português. Esta "graça" é uma capacidade
de servir dada a todo verdadeiro cristão sem exceção e que ninguém
possui antes de se tornar cristão. O próprio Paulo, no capítulo 3,
versículo 8 desta mesma carta, faz referência a um dos dons que ele
possuía: A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça.
Que graça era esta? A de pregar aos gentios o evangelho das
insondáveis riquezas de Cristo. Um dos seus dons era claramente o de
pregação, ou como é chamado em outras passagens, o dom da
profecia. Quando Paulo escreve a seu jovem filho na fé, Timóteo, ele
usa uma palavra muito semelhante, ao dizer-lhe: Por esta razão, pois,
te admoesto que reavives o dom (charisma) de Deus que há em ti (II
Timóteo 1:6).
Parece que há pouca dúvida que era aqui onde a igreja primitiva
começava com novos convertidos. Sempre que alguém, através da fé
em Jesus Cristo, passava do reino e do poder de Satanás para o reino
do amor de Deus, ele era ensinado imediatamente que o Espírito Santo
de Deus não só lhe tinha comunicado a vida de Jesus Cristo, mas
também o dotara com um dom ou dons espirituais, os quais ele tinha a
responsabilidade de descobrir e pôr em prática. O apóstolo Pedro
escreve da seguinte maneira a certos cristãos (I Pedro 4:10): Servi uns
aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons
despenseiros da multiforme graça de Deus. Em I Coríntios 12:7 Paulo
também escreve: A manifestação do Espírito é concedida a cada um,
visando um fim proveitoso. É muito significativo que em todas as
passagens que descrevem os dons do Espírito, a ênfase é colocada
sobre o fato de que cada cristão tem pelo menos um dom. Este pode
estar adormecido, incipiente ou fora de uso. Ele talvez seja
desconhecido, mas está aí; pois o Espírito Santo não faz exceções
quanto a esse equipamento básico de todo crente. É essencial que se
descubra o dom ou os dons que se possui, pois o valor da vida de um
cristão é determinado pelo uso que ele faz daquilo que Deus lhe deu.
A passagem que fala mais detalhadamente dos dons do Espírito
é I Coríntios 12. Há uma outra lista mais resumida em Romanos 12 e
outra ainda mais breve em I Pedro 4. Nestas passagens alguns dons
têm mais de um nome. Comparando-as, parece evidente que há
dezesseis ou dezessete dons básicos e que estes podem ser
encontrados em variadas combinações dentro do mesmo indivíduo,
sendo que todo conjunto de dons abre uma porta para um ministério
amplo e variado.
Talvez a melhor maneira de se ficar conhecendo esses dons seja
deixarmos o apóstolo Paulo nos ensiná-los, a partir da grande
explicação que ele dá à igreja em Corinto:
Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também
há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há
diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo
em todos (I Coríntios 12:4-6).
Observe as três divisões do tema dos dons espirituais. Há os
dons, os ministérios (chamados aqui de "serviços") e as realizações
(ou atuações). Os dons estão ligados ao Espírito, os ministérios ao
Senhor Jesus, e as realizações estão ligadas a Deus, o Pai. Assim, em
Efésios 4, Deus é visto morando dentro de seu corpo, a igreja, com o
fim específico de ministrar a um mundo despedaçado (Efésios 4:3-6).
O dom, como nós já observamos, é uma capacidade ou função
específica. O ministério é a esfera em que um dom é exercido, dentro
de um certo grupo de pessoas ou numa certa área geográfica. É uma
prerrogativa do Senhor Jesus designar uma esfera de serviço para cada
membro de seu corpo. Pode-se vê-lo exercendo esse direito no
capítulo 21 do Evangelho de João. Após sua ressurreição, ele aparece
a Pedro e lhe ordena três vezes: "Apascente as minhas ovelhas." Este
devia ser o ministério de Pedro. Ele devia ser um pastor (ou ancião)
que alimentasse o rebanho de Deus. (Pedro faz referência a si mesmo
nessa capacidade, no quinto capítulo de sua primeira carta.) Quando
Pedro expressa curiosidade sobre o que o Senhor mandaria João fazer,
o Senhor lhe respondeu: Que te importa? Quanto a ti, segue-me!
(João 21:15-23). O Senhor ainda está exercendo esse direito hoje. A
alguns ele dá a tarefa de ensinar aos cristãos, outros ele envia para
ministrar aos pagãos. A alguns ele dá a tarefa de treinar jovens, a
outros o ministério junto aos velhos. Alguns trabalham com mulheres,
outros com homens; uns se dirigem aos judeus, outros aos gentios.
Pedro foi enviado aos circuncisos (os judeus), ao passo que Paulo foi
enviado aos incircuncisos (os gentios).
Ambos tinham o mesmo dom, mas seu ministério era diferente.
Há então as realizações, ou atuações. Estas são da
responsabilidade do Pai. O termo se refere ao grau de poder em que
um dom se manifesta ou é ministrado numa ocasião específica. Há
diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo
em todos (I Coríntios 12:6). Toda prática de um dom espiritual não
produz o mesmo resultado de cada vez. A mesma mensagem dada em
circunstâncias diferentes não produzirá o mesmo efeito. Qual é a
diferença? A escolha é de Deus. Ele não tenciona produzir os mesmos
resultados de cada vez. Ele poderia, mas ele nem sempre deseja fazê-
lo. Ele é quem determina o quanto se consegue em cada ministério de
um dom. As Escrituras observam que João Batista não fez milagre
algum em todo o curso de seu ministério. Mesmo assim, foi um
grande profeta de Deus, e Jesus dele afirmou que dentre os nascidos
de mulher não apareceu homem algum maior que ele (Mateus 11:11).
Existem hoje aqueles que sugerem que se não conseguimos fazer
milagres, isso é um sinal de fraqueza de fé e de baixo poder espiritual.
Mas João não fez milagres. Por que não? Porque existe diversidade de
realizações e não aprouve ao Pai agir desta maneira por intermédio de
João.
Em I Coríntios 12, chegamos à lista de dons espirituais
específicos:
A um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a
outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento... (V.
8).
Aqui temos um par de dons: os dons da sabedoria e do
conhecimento. Eles freqüentemente aparecem juntos no mesmo
indivíduo, pois eles estão relacionados com a mesma função, ou seja a
manifestação, ou como está no original, a palavra. A dádiva da
sabedoria é a capacidade de perceber e sistematizar os grandes fatos
que Deus encerra em sua palavra. Uma pessoa que pratica esse dom é
capaz de reconhecer, como um resultado de investigação, a chave e os
fatos importantes da Escritura. O dom da sabedoria, por sua vez é a
capacidade de aplicar essas conclusões a uma situação específica. É a
sabedoria que é capaz de põr o conhecimento a funcionar. Repare no
que acontece numa reunião em que é discutido um problema, que não
parece ter solução – ninguém parece saber o que fazer ou qual seja a
resposta. . Então esta é a dádiva da sabedoria sendo aplicada.
Este dons gêmeos de sabedoria e conhecimento também estão
relacionados ao dom de ensinar, mencionado no fim do capítulo 12. O
ensino lida com a comunicação. É a habilidade de transmitir fatos e
conclusões descobertos pelos dons da sabedoria e do conhecimento,
de passá-los adiante para outros numa forma assimilável. O homem
ou mulher que possuir todos esses três dons é uma pessoa realmente
de grande valor para uma comunidade.
Paulo então menciona o dom da Fé . Essa fé é novamente
diferente daquilo que discutimos no terceiro capítulo. O que Paulo
quer dizer aqui é em essência o que chamamos de visão. É a
capacidade de ver algo que precisa ser feito e crer que Deus , o fará ,
mesmo se parecer impossível. Confiando nesse tipo de fé, uma pessoa
que tem esse dom se põe em ação e realiza o que é necessário em
nome de Deus. Todo grande empreendimento cristão foi iniciado por
um homem ou uma mulher que possuía o dom da fé. Faz alguns anos
na ilha de Taiwan, conheci uma mulher notável chamada Lilian
Dickson. Ela tem clara e indiscultivelmente o dom da fé. Ao ver uma
necessidade, ela vê ou não um suprimento adequado de fundos ou
recursos. Interessou-se por certos meninos pobres nas ruas de Taipé,
que não tinham casas. Eles são órfãos ou largados ao léu por suas
famílias. Seu coração se condoeu deles, por causa das circunstancias
que os forçam a uma vida criminosa. Porque ela tinha o dom da fé ,
fez algo por eles. Começou uma organização de socorro a esses
meninos, e pessoas de todo o mundo lhe enviam dinheiro para esse e
outros projetos que ela supervisiona. Este é o dom da fé em ação.
O apóstolo menciona então "dons de curar", concedidos pelo
mesmo Espírito. No original grego a palavra se acha no plural:
"curas". Eu entendo isso como cura em todos os níveis da necessidade
humana: corpo, emoções e espírito. Na igreja primitiva havia alguns
que a praticavam no nível corporal. No registro da história da igreja
surgem ocasionalmente alguns que tinham o dom de curar
fisicamente; mas hoje este é um dom raro, dificilmente concedido. Eu
pessoalmente nunca encontrei alguém que tivesse hoje. É improvável
que alguma das assim chamadas "curas pela fé" de hoje provenham de
tal dom. Minhas investigações neste campo mostram isto claramente.
Eles não têm a capacidade de impor as mãos sobre as pessoas e curá-
las.'(Eles registram os casos em que aparentemente houve uma ajuda,
mas não anotam os milhares que são despedidos sem qualquer
melhora, desiludidos.
Se alguém pergunta: "Por que é que esse dom é tão raramente
concedido hoje em dia?", a resposta é dada no versículo 11 de I
Coríntios 12: Um só e o mesmo Espírito realiza todas estas cousas,
distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente. O dom
espiritual da cura física não é visto com tanta freqüência hoje, porque
não é da vontade do Espírito concedê-lo agora tão amplamente como
acontecia na igreja primitiva.
O dom de curar, entretanto, é freqüentemente concedido hoje
nos planos emocional e espiritual. Muitos cristãos, tanto leigos como
ministros profissionais, são equipados pelo Espírito para ajudar
pessoas com problemas emocionais ou espirituais, que estão doentes
ou perturbadas nessas áreas. Eles são excelentes conselheiros, porque
são capazes de praticar a paciência e a compaixão necessárias para
ajudar essas almas feridas.
Nessa mesma linha se encontra o dom de milagres. Este consta
da habilidade de se atalhar os processos da natureza através de uma
atividade sobrenatural, como o fez o Senhor ao transformar água em
vinho ou ao multiplicar pães e peixes. Alguns talvez ainda tenham
esse dom hoje. Não duvido que ele possa ser dado; mas, mais uma
vez, nunca encontrei ninguém que tivesse o dom de milagres, se bem
que talvez alguns o tenham praticado às vezes na história da igreja.
Os dons da cura física, de milagres e línguas são dados para a
edificação inicial da fé, como uma ponte que conduza os cristãos da
dependência de coisas que eles podem ver,-para uma fé em um Deus
que pode agir e realizar muitas coisas quando nada parece estar
acontecendo. A história das missões pode evidenciar isso. Deus quer
que andemos por fé, não por vista.
O apóstolo continua mencionando o dom da profecia. Este é o
maior de todos os dons, como o demonstra Paulo ao dedicar todo um
capítulo (I Coríntios 14) para a exaltação desse dom. Nós
examinaremos o dom da profecia mais detalhadamente quando
voltarmos a Efésios 4 e ao ministério do profeta. Mas aqui no
versículo 3 de I Coríntios 14 o apóstolo diz desta dádiva: Mas o que
profetiza, fala aos homens, edificando, exortando e consolando. Este
é o efeito da dádiva da profecia. Quando um homem ou uma mulher
tem este dom, ele edifica, estimula e encoraja aos outros. Este não é
um dom dos pregadores apenas. Todos os dons são concedidos sem
que importe a formação da pessoa. Muitos leigos têm o dom da
profecia e o deviam estar praticando.
Há então o dom do discernimento de espíritos. Esta é a
capacidade de distinguir entre o espírito do erro e o espírito da
verdade, antes que a diferença seja manifesta a todos através dos
resultados. Trata-se da habilidade de reconhecer um mentiroso antes
que a sua mentira se torne evidente. Quando Ananias e Safira vieram
a Pedro, trazendo aquilo que eles diziam ser o preço integral de uma
terra que tinham vendido, mas realmente reservaram uma parte para si
mesmos, Pedro exerceu o dom do discernimento ao dizer: Por que
entrastes em acordo para tentar o Espírito do Senhor? Não mentiste
aos homens, mas a Deus. (Atos 5:9 e 4). Aqueles que têm esse dom
podem ler um livro e perceber nele a sutileza de um erro ou ouvir uma
mensagem e apontar para aquilo que nela pode estar errado. É de
grande valor exercer este dom dentro da igreja.
Outro par de dons está relacionado em seguida: línguas e sua
interpretação. Hoje há muitos que anunciam que este dom está sendo
amplamente concedido, mas a pergunta que sempre precisa ser
levantada ao investigarmos tais pretensões é se o fenômeno observado
é o mesmo que o dom de falar em línguas do Novo Testamento. Até
hoje alguns garantem que se trata do mesmo dom, sem procurar
comparar esse fenômeno atual com o dom bíblico.
O dom bíblico tinha quatro sinais característicos, claramente
descritos no Novo Testamento. Em primeiro lugar tratava-se de uma
língua conhecida, falada em algum lugar na terra. A formulação
"língua desconhecida" apresentada pela versão inglesa "King James"
não tem apoio no texto original. As línguas do Novo Testamento não
são uma torrente de sílabas ao acaso, mas têm estrutura e sintaxe,
como qualquer língua terrena.
Em segundo lugar o dom bíblico constava de louvor e
agradecimento dirigidos a Deus. Paulo diz: Quem fala em outra
língua, não fala a homens, senão a Deus (I Coríntios 14:2). O dom
das línguas geralmente não é um meio de pregar o evangelho ou de
transmitir mensagens a grupos ou a indivíduos; como no dia de
Pentecoste, ele é, isto sim, um meio de louvar a Deus por seus feitos
magníficos.
A terceira característica é de que este dom era exercido
publicamente e não se destinava para o uso particular. É-nos dito que
todos os dons do Espírito são para o bem comum, e não para o
benefício pessoal. Todas as ocasiões com que as línguas estavam
relacionadas no Novo Testamento eram reuniões públicas. Isto é
essencial em vista do fim especial para o qual era concedido o dom de
línguas, o qual constitui a quarta característica desse dom.
Esta era de que o dom das línguas servia como sinal para os
descrentes e não se destinava de maneira alguma aos crentes. Paulo é
muito preciso nesse ponto. Ele cita o profeta Isaías como tendo
predito a finalidade das línguas: Na lei está escrito: "Falarei a este
povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e
nem assim me ouvirão, diz o Senhor." De sorte que as línguas
constituem um sinal, não para os crentes, mas para os incrédulos;
mas a profecia não é para os incrédulos, e, sim, para os que crêem (I
Coríntios 14:21-22). O surgimento dessa dádiva marcava o fato de
que Deus estava julgando a nação de Israel e deixando-a para se voltar
aos gentios. Este é o motivo pelo qual Pedro disse aos judeus no dia
de Pentecoste: Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos
(judeus), e para todos os que ainda estão longe (gentios), isto é, para
quantos o Senhor nosso Deus chamar (Atos 2:39).
Uma vez que o dom de línguas era tencionado como um sinal
para os descrentes, ele não era concedido para ser praticado dentro da
igreja. Paulo não proíbe o seu uso aqui, pois, numa reunião de igreja,
descrentes podem muito bem estar presentes, mas ele o regula
rigorosamente e insiste em que ele não tem valor na igreja enquanto
não for interpretado. Já que o dom das línguas é o mais fácil de se
imitar, ele também o foi, por muitas vezes através dos séculos. A
autenticidade dessas manifestações só pode ser verificada se as
conferirmos com as características bíblicas.
No final de I Coríntios 12 há outra lista de dons espirituais,
alguns dos quais são repetições dos já discutidos:
A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em
segundo lugar profetas, em terceiro lugar mestres, depois operadores
de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de
línguas (v. 28).
Nós consideraremos os apóstolos, profetas e mestres num
capítulo posterior, pois estes têm um tipo especial de dom. Os dons de
milagres e de curas, já examinamos; mas um dom é mencionado aqui
pela primeira vez. Trata-se do dom de socorros. De um certo modo
este é um dos maiores dons, e certamente o mais difundido. É a
capacidade de se ajudar sempre que há necessidade, mas de tal
maneira que fortaleça e encoraje os outros espiritualmente. Na igreja
ele freqüentemente se manifesta naqueles que servem como
atendentes à porta da igreja, como tesoureiros, naqueles que preparam
a mesa para a Santa Ceia, fazem o arranjo das flores ou servem o
jantar. A maior parte das pessoas talvez não note isso, mas o exercício
desse dom é que possibilita o ministério de outros dons, mais
evidentes. Toda igreja tem uma grande dívida para com aqueles que
exercem o dom da ajuda.
O capítulo 12 de Romanos contém outro tratamento parcial dos
dons espirituais, nos versículos 6-8:
Tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi
dada; se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério,3
dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina, esmere-se no fazê-lo;
ou o que exorta, faça-o com dedicação; o que contribui, com

3
Para "ministério", que é o termo empregado na Edição Revista e Atualizada no Brasil; a
versão inglesa utilizada pelo autor apresenta a palavra "service", ou seja, "serviço"; daí se
explica a interpretação que se segue, a qual parece mais levar em consideração a
diferenciação específica que o autor efetuou anteriormente entre dons, ministérios e
realizações. Cf. p. . . . (Nota do Tradutor).
liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce
misericórdia, com alegria.
Já nos referimos brevemente ao dom da profecia e
continuaremos a estudá-lo quando voltarmos a Efésios 4. O dom do
ministério parece ser idêntico com o de socorros, que acabamos de
examinar. A palavra grega para "ministério" é aquela donde deriva o
termo "diácono". Um diácono então seria qualquer um que usa seu
dom de ajuda para executar um serviço em prol ou em nome da igreja.
O dom dos mestres, de ensinar, já consideramos como
relacionado com a comunicação da verdade. O próximo dom nesta
lista é o da exortação. Esta é uma palavra que quer dizer encorajar ou
dar conforto aos outros. Sua raiz grega significa "chamar para o lado"
e nos dá a imagem de alguém chamando o outro para vir para o lado, a
fim de fortalecê-lo e restabelecer sua confiança. É a mesma raiz da
qual se deriva um nome do Espírito Santo: o Consolador, ou conforme
a "Revised Standard Version" inglesa, o Conselheiro. Aqueles que
possuem esse dom são capazes de inspirar outros à ação, despertar
novo interesse espiritual ou reafirmar os que estão em dúvida ou
desgraça.
Outro dom mencionado aqui pela primeira vez é o de contribuir
ou doar. Fundamentalmente o que é visado aqui é o dinheiro, e por
isso a exortação vai no sentido de que se dê com generosidade. Pode
ser surpreendente saber que o Espírito Santo concede um dom como
este, mas muitos cristãos o possuem, tanto ricos como pobres. Trata-
se da habilidade de ganhar dinheiro e dá-lo para a promoção do
trabalho de Deus, e isso com tal sabedoria e alegria, que os
recebedores se vejam imensamente fortalecidos e abençoados pela
transação. Tenho encontrado homens agraciados com esse dom, que
vieram ao meu encontro e se ofereceram para financiar um ministério
que lhes custou bastante. Os resultados obtidos obviamente lhes dão
alegria e satisfação.
O dom mencionado em seguida tem sido freqüentemente mal-
entendido, por ser mal traduzido.4 A "Revised Standard Version" diz
que aquele que "dá ajuda"5 deve fazê-lo com zelo. A Versão Phillips
está mais próxima do original: "o homem que exerce autoridade pense
em sua responsabilidade"6, e a "New English Version" está na mesma
4
O Autor se refere, naturalmente, às traduções inglesas. As luso-brasileiras não
apresentam essa distorção. (Nota do Tradutor).
5
"gives aid".
6
"let the man who wields authority think of his responsibility".
linha: "Se és um líder, empenha-te em liderar." 7 Este poderia ser
melhor identificado como o dom de liderança. A palavra grega
significa literalmente "alguém que está em pé na frente". Ele se
evidencia no dirigir reuniões, conduzir painéis, presidir organizações
etc, mas isto especialmente quando é feito de tal maneira que ajude os
outros espiritualmente.
O último dom mencionado em Romanos 12 é o de fazer atos de
misericórdia. Sua distinção é indicada pela palavra "misericórdia".
Misericórdia é auxílio não merecido, ajuda dada àqueles que
freqüentemente provocam repulsa — os deformados, os mal-
cheirosos, os desagradáveis. À diferença do dom dos socorros, ela se
dirige aos indignos, sejam quais forem suas condições. Conheço uma
jovem mulher que tem esse dom e desenvolveu um notável ministério
de auxílio e conforto a crianças retardadas. É maravilhoso ver-se o
amor e a paciência que ela lhes dedica.
Aqui estão, então, as "graças" que são distribuídas pelo Espírito
Santo a cada membro do corpo de Cristo, conforme a vontade do
Espírito. Não há exceções, ninguém é deixado de lado. Esta é a
provisão fundamental do Senhor para a operação de sua igreja. Assim
como o corpo humano físico consiste de numerosas células que
exercem funções variadas, também o corpo de Cristo é constituído de
muitos membros, cada um dotado de uma função específica que é
absolutamente essencial para o funcionamento adequado deste corpo.
É óbvio que não pode haver esperança de a igreja jamais
funcionar conforme a intenção original, enquanto cada membro
individualmente não reconhece e comece a exercer o dom ou dons
espirituais recebidos. Isto é de importância tão fundamental, que nós
ainda usaremos todo um capítulo especialmente para examinar os
dons de um ponto de vista mais amplo, e dar alguns conselhos
práticos quanto ao modo de reconhecê-lo em si mesmo e pô-los em
prática.

7
"If you are a leader, exert yourself to lead."
Capítulo Cinco

COMPREENDENDO O SEU DOM


A igreja é principal e fundamentalmente um corpo destinado a
expressar através de cada membro, individualmente, a vida de um
Senhor que nele habite; e este corpo foi equipado pelo Espírito Santo
com dons que expressem esta vida. A conseqüência é que nada
poderia ser mais improdutivo ou patético do que uma igreja que não
entende isso e em vez disso, se utiliza de métodos de negócio,
processos organizacionais e pressão política mundana para realizar
seu trabalho. Esta é uma receita certa para a frustração e a morte final.
Mas redescobrir o programa divino para a operação da igreja é um
desafio estimulante.
A consciência de que o próprio Deus equipou você — sim,
VOCÊ — com um esquema de dons espirituais bem característico, e
de que ele o colocou exatamente onde ele quer que você exerça esses
dons, é uma dimensão completamente nova e de vibrantes
possibilidades. Não há no mundo experiência que cause maior
satisfação e realização do que tornar-se consciente de que você tem
sido instrumento de atuação divina na vida de outras pessoas. Esta
experiência está à espera de todo cristão verdadeiro que esteja
disposto a dedicar tempo e reflexão para descobrir e compreender o
seu esquema de dons e que se submeta à autoridade do Cabeça do
corpo, o qual guarda para si o direito de coordenar e dirigir as suas
atividades.
Um fato importante a se manter claramente em mente, ao se
tentar compreender os dons espirituais, é que estes não são a mesma
coisa que os talentos naturais. É verdade que tais talentos, como
habilidade musical e artística, coordenação atlética etc. também são
dons de Deus. Mas eles são dons apenas num plano físico ou social,
concedidos para o bem da humanidade em sua vida "natural". Dons
espirituais, por sua vez, são concedidos para o benefício no âmbito do
espírito, o âmbito do relacionamento individual com Deus. O efeito da
atuação de um dom espiritual é aperfeiçoar o gozo da vida e do amor
de Deus — em outras palavras: abençoá-lo. Além disso, já que o
espírito é a parte da existência humana, da qual derivam todos os seus
outros aspectos, está claro que a prática dos bens espirituais se
desenrola no nível mais profundo da vida humana, atingindo a raiz de
todos os problemas do homem. Talentos, no entanto, têm mais a ver
com a superfície da vida, e por mais úteis e divertidos que sejam, eles
não transformam permanentemente as pessoas como os dons
espirituais.
Talentos, é óbvio, são distribuídos a homens e mulheres, bem à
parte de qualquer referência à sua condição espiritual. Cristãos bem
como não-cristãos têm talentos, e ambos podem encontrar muitas
oportunidades para a expressão benfazeja de seus talentos, tanto no
campo religioso quanto no secular. Mas somente os cristãos têm dons
espirituais, pois estes são dados apenas àqueles em quem o Espírito de
Cristo veio habitar (I Coríntios 12:7).
Por isso, é bem possível que um cristão tenha talento para
ensinar, por exemplo, mas não possua o dom espiritual do ensino.
Neste caso, se ele aprendesse a ensinar numa classe de escola
dominical, seria bem capaz de transmitir consideráveis informações e
conhecimentos em torno das lições à sua classe, mas ao seu ensino
faltaria o poder de abençoar, de ajudar os seus alunos espiritualmente.
Este fato ajuda a explicar o grande número de professores seculares
capacitados que não se saem bem como professores de escola
dominical. Por outro lado, muitos professores também possuem o dom
espiritual de ensinar e são muito utilizados por Deus em classes de
estudo bíblico e de escola dominical.
É bem possível, também, exercer-se um dom espiritual,
canalizando-se um talento natural. Isto se vê freqüentemente no
ministério de cantores cristãos. Nós todos já ouvimos solistas cristãos
dotados de voz admirável, cujos talentos musicais evidentes teriam
agradado platéias seculares em qualquer lugar. Mas, além disso, eles
possuíam grande poder de transmitir enriquecimento espiritual através
do seu canto, deixando seus ouvintes espiritualmente reanimados e
fortalecidos. Geralmente o cantor está exercendo o dom da exortação,
mas este está sendo carregado pelo seu talento musical, como um
homem é carregado pelo cavalo. Naturalmente nós todos já tivemos a
dolorosa experiência de ouvir um cristão cantando sem exercer
qualquer dom espiritual, deixando nossos corações frios e indiferentes
diante de uma apresentação de perfeição técnica, mas despida de
poder espiritual. A lição é clara: não tente usar seus talentos naturais
para realizar a obra de Deus, pois talentos não podem atuar nesta
esfera. Use-os, isto sim, como canais ou veículos para dons
espirituais, e você descobrirá que eles se encaixam maravilhosamente,
como é de se esperar, já que ambos provêm do mesmo Deus.
Talvez a questão que mais esteja preocupando a você no
momento seja: como é que eu posso descobrir meus dons espirituais?
Se eles são a porta de entrada para um novo mundo de realização e
desafio, eu realmente quero saber quais são os meus, mas como vou
sabê-lo? A resposta é de fato bem simples. Você descobre um dom
espiritual exatamente como você descobriu seus talentos naturais!
Como é que você chegou à conclusão de que tem talento
musical? Ou que é prendado artisticamente? Ou que é capaz de
liderar, organizar, dirigir ou pintar? Provavelmente começou com
alguma espécie de desejo. Você simplesmente gostava daquilo para
que você tem talento e se sentiu atraído por aqueles que já o faziam.
Você gostava de observar aqueles que tinham essa habilidade e veio a
apreciar esse ou aquele aspecto de atividade. É dessa maneira que
também os dons espirituais se fazem conhecidos inicialmente.
De algum modo se entrincheirou profundamente nos círculos
cristãos a idéia de que fazer aquilo que Deus quer que se faça sempre
é desagradável; de que os cristãos sempre têm que escolher entre
aquilo que eles desejam fazer e ser felizes, e fazer o que Deus quer e
ser completamente miseráveis.
Nada poderia estar mais longe da verdade. O exercício de um
dom espiritual sempre é uma experiência que causa satisfação e
alegria, se bem que às vezes a ocasião em que ele é praticado possa
ser infeliz. Jesus disse que era seu prazer constante fazer a vontade
daquele que o enviou. O dom do Pai despertou seu próprio desejo, e
Ele andava fazendo aquilo que gostava imensamente de fazer. Assim,
como um cristão, comece com os dons que mais o atraiam. Estude as
listas bíblicas de dons è experimente aqueles que lhe despertem um
interesse especial.
O próximo passo, então, é verificar se há progresso e
aperfeiçoamento. Sua habilidade está melhorando, à medida que você
põe o dom em prática? Seus temores iniciais, perfeitamente
compreensíveis, estão desaparecendo ao passo que se desenvolve uma
crescente competência? Lembre-se, este também foi o caminho para a
descoberta de seus talentos. Dons precisam ser exercidos, assim como
os talentos, e a prática leva à perfeição, tanto num quanto no outro
caso. Paulo escreveu ao jovem Timóteo, dizendo-lhe: "reavive o dom
de Deus, que há em ti" (II Timóteo 1:6). À medida que se desenvolve
a habilidade no exercício de um dom, a bênção espiritual que ele traz
se tornará sempre mais evidente. Você se achará procurando mais e
mais ocasiões em que possa manifestar seu dom, mas nunca, é claro,
para a sua própria promoção pessoal, e sim para o enriquecimento e
proveito dos outros. Como Paulo nos lembra: A manifestação do
Espírito é concedida a cada um, visando um fim proveitoso 8 (I
Coríntios 12:7).
Você tem certo dom espiritual, ou não? Um teste final é este: Os
outros reconhecem esse dom em você? Se alguém, por livre iniciativa
lhe diz: "Nós gostaríamos que você assumisse esse ministério; nós
achamos que você tem um dom para isso", então você pode ter
bastante certeza de que tem esse dom espiritual. Pode muito bem
acontecer que outros o vejam muito antes que você. De fato, uma das
maneiras mais eficientes dos membros do corpo de Cristo
ministrarem-se uns aos outros é ajudarem-se mutuamente a descobrir
dons espirituais. É muito melhor que outros lhe digam que dons eles
vêem em você, do que você mesmo achar pretensiosamente que
possui dons, que bem poderia não ter na realidade. Um grande
professor da Bíblia costumava dizer que era muita pena ver alguém
que julgava ter o dom de pregar, mas a quem, ninguém possuía o dom
de prestar atenção!
É bom saber também que dificilmente alguém descobre todos os
seus dons no início de sua experiência cristã. Dons, assim como
talentos, podem ficar encobertos durante anos, até que uma certa
combinação de circunstâncias os traga à tona. Por isso é bom estar
sempre aberto para tentar algo' de novo. Quem é que sabe quando o
Espírito de Deus colocou você no limiar de um novo esforço, com o
expresso propósito de ajudá-lo a descobrir dons com os quais nem
sequer sonhava.
É acertado orar para que um certo dom específico lhe seja dado?
Os conhecedores da Bíblia divergem quanto à resposta. Alguns acham
que o esquema de dons que você pode ter já está todo determinado
pelo Espírito, no momento em que ele passa. Você pode levar anos
para descobrir seus dons, mas todos eles já estavam desde o começo,
8
Para "fim proveitoso" a versão utilizada pelo autor diz "common good", ou seja,
"bem comum", donde se compreende melhor esta citação dentro do contexto. (Nota
do Tradutor)
sendo que nenhum é jamais acrescentado. Outros chamam a atenção
para o versículo: Entretanto, procurarei, com zelo, os melhores dons.
(I Coríntios 12:31), e acham que isto encoraja a oração por dons
específicos. Deve-se notar aqui, porém, que esta exortação está no
plural e não se dirige a um "tu" individual. Isto significaria então que
o apóstolo queria que esses crentes coríntios orassem para que Deus
manifestasse os melhores dons em seu meio, enviando-lhes indivíduos
providos desses dons, mas não que indivíduos procurassem dons
específicos. No entanto, em I Coríntios 14:13, Paulo chega a dizer: O
que fala em outra língua, ore para que a possa interpretar. Seja o que
for que esses versículos queiram dizer, está claro que certos dons são
mais úteis e proveitosos do que outros, e toda igreja deve preocupar-se
com que os melhores se evidenciem em seu meio. Certamente a
escolha final permanece com o Espírito, pois Paulo diz que ele as
distribui, como lhe apraz, a cada um, individualmente (I Coríntios
12:11). Hebreus 2:4 também fala de distribuições do Espírito Santo
segundo a sua vontade.
No capítulo precedente nós mencionamos o fato de que os dons,
se bem que apenas 17 ou 18 em número, são dados em conjuntos ou
combinações, que tornam possível um número quase infinito de
ministérios variados. Julgando-se a partir da analogia do mundo
natural, é muito provável que não haja dois cristãos que tenham o
mesmo esquema de dons. Por isso não há dois que tenham exatamente
o mesmo ministério. Não há duas faces no mundo que sejam
exatamente iguais, mas mesmo assim todas elas têm as mesmas
características: dois olhos, duas orelhas, um nariz, uma boca, duas
bochechas, um queixo e uma testa. Deus deu a você a sua face porque
ela é exatamente a certa para a expressão da vida dele onde você está.
De modo idêntico Ele lhe dá o conjunto exato de dons que você
possui porque ele é exatamente aquele que é necessário para o
ministério que o Senhor Jesus lhe indicará.
Vê você o que isso significa? Fica completamente eliminada
toda a competição dentro do corpo de Cristo! Nenhum cristão precisa
ser rival do outro; há um lugar para todos no corpo, e ninguém pode
tomar o lugar do outro.
Paulo continua dizendo outro tanto na segunda metade de I
Coríntios 12. Existem duas atitudes, diz ele, as quais são
completamente eliminadas pelos dons espirituais. Uma é a auto-
depreciação.
Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por
isso deixa de ser do corpo. Se o ouvido disser: Porque não sou olho,
não sou do corpo; nem por isso deixa de o ser. (15-16).
Isso destrói completamente o argumento do cristão que diz:
"Não há nada que eu possa fazer; os outros têm dons e habilidades,
mas como eu não sei fazer o que eles fazem, não tenho muita utilidade
na igreja." A conclusão de Paulo quanto a essa linha de argumento é:
Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo,
como lhe aprouve (V. 18).
Por outro lado, não há espaço para auto-suficiência:
Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem
ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os
membros do corpo que parecem ser mais fracos, são necessários; e
os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito
maior honra; também os que em nós não são decorosos, revestimos
de especial honra. Mas os nossos membros nobres não têm
necessidade disso. (Vv. 21-24).
Nenhum membro do corpo tem o direito de assumir ares de
superioridade ou menosprezar o ministério do outro. Nós precisamos
um do outro, e desesperadamente. Nenhum cristão ou grupo pode
executar a tarefa sozinho. Nenhuma denominação constitui o corpo
inteiro, e nenhuma organização cristã possui todos os dons na
variedade de combinações necessária para a obra que Deus quer que
seja feita hoje. Nós somos membros um do outro e está na hora de
levarmos estas palavras a sério e de começarmos a agir novamente
como um corpo harmonioso.
Os dons do Espírito não se destinam apenas ao uso dentro da igreja.
Eles existem para o mundo também. Alguns, que têm o dom do
ensino, deveriam praticá-lo em seus lares. Outros, que têm o dom de
socorros, deveriam usá-lo no escritório, na loja, ou seja, onde
estiverem. Alguns, que têm o dom da sabedoria, deveriam pô-lo a
funcionar em todos os seus contatos com pessoas. Esses dons são
proporcionados
Capítulo Seis
DE ACORDO COM O PODER
Neste capítulo, nós enfrentaremos uma pergunta de extrema
importância. Como se espera que a igreja realize sua tarefa de
influenciar a sociedade? Através de que poder deve ela atuar? Em que
recursos ela deve confiar? Em uma apresentação dramática e
prodigiosa de milagres? Ou deve ela usar o poder dos números:
reunindo tantas e tantas pessoas que votem do mesmo modo, assim
exercendo pressão sobre as legislaturas a fim de modificar a sociedade
através de leis novas e mais justas? É este o poder real da igreja? Ou
devemos provocar agitações em favor de transformações juntando-nos
a demonstrações, protestos, greves e revoltas? Por acaso o poder da
igreja provém de convenções dedicadas à discussão de diversos
assuntos e que então emitem pronunciamentos e resoluções?
Você notará que, ao escrever aos Efésios, o apóstolo Paulo não
sugere quaisquer dessas atividades. Antes, o apóstolo nos lembra que
o segredo fundamental do funcionamento da igreja é que todo
verdadeiro cristão tem um dom e deve trabalhar com esse dom ou
conjunto de dons no poder provido por Jesus Cristo. Ele o formula
assim:
E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção
do dom de Cristo. Por isso diz: Quando ele subiu às alturas, levou
cativo o cativeiro, e concedeu dons aos homens. Ora, que quer dizer
subiu, senão que também havia descido até às regiões inferiores da
terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de
todos os céus, para encher todas as cousas. (Efésios 4:7-10).
Precisamos observar imediatamente que há dois tipos de dons
mencionados no versículo 7. Um, Paulo chama de medida do outro. E
a graça (este é o primeiro dom) foi concedida a cada um de nós
segundo a proporção do dom de Cristo (o segundo dom). O "dom de
Cristo" é o dom básico e se refere ao próprio Cristo. Isto é, Paulo aqui
não está falando de algo que Cristo nos dá, mas de algo que Deus nos
deu, que é Cristo. O dom é o próprio Cristo. Como diz Paulo em II
Coríntios 9:15: Graças a Deus pelo seu dom inefável. Já que Cristo
nos é dado a conhecer pela presença do Espírito Santo em nossas
vidas, pode-se chamá-lo igualmente de dom do Espírito Santo, como o
faz o apóstolo Pedro em Atos 2:38:
Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados,
e recebereis o dom do Espírito Santo.
Assim o dom básico é a residência do Espírito de Cristo dentro
de cada crente. Isto é que faz de qualquer pessoa um cristão. Paulo diz
aos romanos: E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é
dele. (Romanos 8:9). Ele pode ser religioso e um membro de igreja,
atendendo fielmente a todas as reuniões e cumprindo todas as suas
obrigações, mas se o Espírito não vive dentro dele, ele não é de Cristo.
Isto é o essencial.
Há também a "graça" especial aqui mencionada, que é o dom
que o Espírito concede a cada cristão como uma habilidade ou
capacidade especial para o serviço. Nós já os examinamos
detalhadamente. Trata-se do dom (ou conjunto de dons) que deve ser
praticado segundo a proporção do dom de Cristo.
Neste ponto (Efésios 4:7-8), precisamos perguntar: Por que é
que o apóstolo o liga imediatamente com a ascensão de Cristo e com
sua prévia descida à terra? Por que é que ele cita aqui o versículo 18
do Salmo 68: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro 9 e
concedeu dons aos homens? Ele parece colocar grande ênfase na
marcha triunfal de Cristo, levando uma hoste de cativos em seu
séquito. Qual é a razão para isso?
É óbvio que esses versículos do Salmo servem para ampliar e
explicar a expressão segundo a proporção do dom de Cristo. Um dom
é uma coisa, o poder de usá-lo é bem outra. Paulo agora está
ajuntando as duas. Graças, diz ele, nos são dadas a usar de acordo com
a proporção de poder que nos está à disposição. E este poder é a vida
de um Senhor ressurreto e entronizado, que vive entre nós através de
seu Espírito.
É bom perguntar que espécie de poder é necessária para fazer
atuar o dom que Deus lhe deu. Você precisa do poder de uma
personalidade forte? Evidentemente há muitos que pensam assim.
Muitos cristãos não estão usando o dom que Deus lhes deu porque
eles acham que, para isso, precisam de uma forte personalidade. Se
eles têm uma personalidade aberta, extrovertida, então podem ser
9
Em vez de "cativo o cativeiro", a versão do autor diz "hoste de cativos". Daí se explica a
frase que se segue. (Nota do Tradutor).
usados por Deus, mas de outro jeito, não. Se é este, então, o poder
necessário, é óbvio que há muitos que nunca terão uma chance, pelo
simples fato de não serem extrovertidos. E até aqueles que o são,
freqüentemente não se acharão lá muito dispostos a saírem de si
mesmos.
Bem, então, é o poder do pensamento positivo que se faz
necessário? Lemos muito sobre isso hoje em dia. Será que precisamos
ler certos livros e desenvolver nossas atitudes interiores, de tal modo
que sempre estejamos pensando de modo positivo e nunca negativo,
tornando-nos assim úteis a Jesus Cristo? Se é esse o tipo de poder
necessário, é óbvio que ele nunca estará à disposição, quando por
acaso estivermos deprimidos ou numa disposição negativa.
Pensamento positivo não é nada mais do que um pensamento que está
de acordo com nossos desejos, quando uma situação não é do nosso
agrado. Enquanto, em geral, é bom ser otimista, este otimismo tem
que estar 'Baseado em fatos para que seja de alguma utilidade.
Será que, então, precisamos do poder de um agudo intelecto?
Precisamos procurar ter uma mente bem treinada e educada, afiada no
mais alto grau pelos recursos do conhecimento humano? Mas há
alguns que nasceram com um baixo quociente de inteligência, e
nenhuma quantidade de conhecimentos o elevará. Outros não têm e
nunca terão a vantagem do treinamento e da educação. Estão eles
excluídos de serem úteis ao Espírito de Deus, por causa dessas
desvantagens? É evidente que precisamos de um poder diferente de
todos os que mencionamos e que seja superior a todas as
circunstâncias. Precisamos de um poder que não seja afetado por
educação, por sua presença ou ausência. Precisamos de um poder
independente de estados de humor ou de sentimentos.
É este precisamente o tipo de poder a que o apóstolo está se
referindo, quando fala da ascensão e do aparecimento triunfal de
Cristo diante do trono de Deus, a fim de que ele pudesse conceder
dons aos homens. Trata-se do poder de um Senhor ressurreto, o poder
da ressurreição! Paulo o desejava ansiosamente para si mesmo, pois
ele exclama em Filipenses: para o conhecer e o poder da sua
ressurreição (Filipenses 3:10). Devido à descida de Cristo à terra (sua
encarnação) e à sua reascensão ao trono de poder após sua
ressurreição, este notável poder está agora à disposição dos cristãos.
Custou sua descida da glória a essa terra, toda a dor, aflição e
pesar da cruz, e finalmente a ressurreição dos mortos e uma ascensão
em triunfo aos céus, para que lhe fosse possível conceder-lhe esses
dons. Um dom espiritual não é nada comum. Como nós vimos, ele
não é um mero talento natural, como o possuem muitas outras pessoas
no mundo. Trata-se de uma capacidade divinamente concedida e que
requer o poder da ressurreição para que seja exercida. Por isso, os
dons que Cristo lhe concedeu são os mais preciosos que você jamais
poderia possuir.
Estes dons espirituais são como certos aparelhos elétricos. Que
variedade de aparelhos temos à nossa disposição: torradeiras elétricas,
escovas de dente, liqüidificadores, ferros elétricos, barbeadores, lava-
pratos e um sem-número de outros. Certa vez, vi até um anúncio de
um amarrador de sapatos elétrico! Pode ser que daqui a alguns anos eu
esteja disposto a comprá-lo! Mas se você examinar esses utensílios
elétricos, verá que, se bem que todos eles tenham funções bem
diferentes, há uma coisa que todos possuem em comum: cada um tem
um fio com uma tomada na ponta. Todos estão desenhados a usar o
mesmo poder! Por mais diferente que seja a utilidade do aparelho, o
poder necessitado é o mesmo para todos.
Mas ele não é utilizado no mesmo grau. Cada aparelho usa o seu
volume específico de força. Alguns estão marcados com 50 watts,
outros usam 100 watts, outros apenas 20 ou menos, ao passo que
outros precisam de 1.500 ou mais. O grau de força necessária para
operar o aparelho geralmente está estampado nele. Por ocasião de seu
casamento, um jovem casal pode receber uma série de aparelhos
elétricos. Ao repassarem seus presentes, notando as suas diferenças,
eles bem poderiam dizer: "Os aparelhos nos foram dados para serem
usados na proporção da força disponível".
Os primeiros cristãos conheciam o segredo de viver pelo poder
da ressurreição e nenhuma outra coisa foi responsável pela poderosa
influência que eles exerceram sobre o mundo de sua época. Eles não
tentaram pedir poder emprestado do mundo, pois eles viam que
tinham tudo o que possivelmente poderiam precisar, continuamente à
disposição por parte de um Senhor ressurreto e triunfante. Assim
escreve Paulo em Efésios 3:20-21: Ora, àquele que é poderoso para
fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos, ...
a ele seja a glória, na igreja.
Paulo também o diz de si mesmo: [Deste evangelho] fui
constituído ministro conforme o dom da graça de Deus [a graça ou
dom espiritual a ele concedido], a mim concedida, segundo a força
operante do seu poder (Efésios 3:7). O único limite que o apóstolo
encontrou neste poder da ressurreição foi o limite que sua fé tinha em
recebê-lo. À medida que crescia a sua fé, crescia a sua eficiência. Ele
próprio nem sempre via os resultados, mas sabia que sempre existiam,
pois o poder da ressurreição nunca pode falhar.
Precisamos compreender que o poder da ressurreição é diferente
de qualquer outro poder na terra. Ele é único e não tem um possível
rival. Isso porque ele é a espécie de poder que opera em meio à morte.
Funciona quando tudo em redor está escuro, morto e estéril. Atua
melhor no meio de um cemitério, pois é lá que ele se revelou pela
primeira vez. Quando Jesus Cristo foi ressuscitado, ele veio de entre
os mortos. Por isso, se você aprender a viver pelo poder da
ressurreição, pode estar cheio de vida e ânimo quando tudo e todos ao
seu redor estiverem mortos e sem vida.
Além disso o poder de ressurreição não faz barulho. Outros
tipos de poder que conhecemos geralmente fazem algum ruído: eles
batem, pulsam, palpitam, zunem, sussurram, explodem ou rugem. Mas
o poder da ressurreição é bem silencioso. Sem qualquer exibição ou
ostentação, ele tranqüilamente realiza seu propósito, sem que haja
nada audível para caracterizá-lo. Quando um cristão está vivendo pelo
poder da ressurreição, não o apregoa nem procura exibi-lo para
deslumbrar os outros. Seu efeito sobre outras pessoas é imperceptível
e não notado de início, mas logo se dão transformações evidentes, que
marcam o efeito inevitável do poder de ressurreição em ação: a volta
da vida, estímulo, ânimo e alegria a um indivíduo ou a uma situação.
Há um modo maravilhoso pelo qual Deus ilustra esta verdade
espiritual na natureza: nós vemos esse poder em ação em toda
primavera que volta. À mortificação fria e estéril do inverno, Deus
traz nova vida, cor, calor e glória através de uma força silenciosa e
invisível que gradualmente vai transformando toda a paisagem num
quadro de conto de fadas.
O poder da ressurreição é também irresistível. Ele não pode ser
impedido nem posto de lado. Ele não leva em consideração quaisquer
obstáculos que lhe sejam colocados no caminho, exceto para usá-los
para outras oportunidades de adiantar a sua causa. Quando Jesus
irrompeu de sua sepultura, não prestou a menor atenção aos
empecilhos que os homens lhe tinham posto no caminho. Havia uma
enorme pedra tampando a sua tumba; ele passou por ela. Ele mesmo
estava enfaixado com metros e metros de pano de linho;
tranqüilamente deixou suas roupas mortuárias atrás de si. Havia uma
guarda romana diante de seu túmulo; ele a ignorou. Não tomou o
menor conhecimento dos decretos de César, das ordens de Pilatos ou
das fulminações dos sacerdotes judeus.
Quando Paulo escreveu aos filipenses de sua prisão, disse:
Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as cousas que me
aconteceram têm antes contribuído para o progresso do evangelho;
de maneira que as minhas cadeias, em Cristo, se tornaram
conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos os demais
(Filipenses 1:12-13).
Todo esforço empreendido para obstruir o evangelho estava
realmente promovendo-o. Paulo tinha aprendido a confiar no poder da
ressurreição de Cristo, e por isso não se deixava perturbar nem um
pouco com os aparentes reveses. Ele não dependia nem da sua própria
inteligência, nem da influência ou intervenção de outros. Paulo
confiava unicamente na capacidade de um Senhor ressurreto poder
levar a cabo a sua vontade, a. despeito das tentativas deliberadas do
homem de evitar que ela fosse cumprida.
O poder da ressurreição não precisa de elementos de apoio ou
suporte. Ele não toma emprestado de qualquer outra fonte, se bem que
use outras formas de poder como instrumento. Ele não precisa nem de
um café para se pôr em atividade de manhã! Como ele, não há
absolutamente nada em todo o universo.
Está à disposição de todo cristão verdadeiro, através da fé. Fé é
uma resposta humana a uma promessa divina. Fé é uma certa
expectativa, uma calma confiança em que um outro fará exatamente
como ele disse que o faria. Abraão, pela fé, se fortaleceu, dando
glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso
para cumprir o que prometera (Romanos 4:20-21). Fé não tem nada a
ver com sentimento, não leva em consideração estados de espírito ou
condição física, porque ela não espera ajuda de qualquer ser humano,
mas de Deus somente.
Por isso um cristão que crê que um Jesus Cristo ressurreto vive
agora dentro dele, espera confiante que Cristo aja em tudo o que ele
fizer, de modo a acrescentar aquele "mais" que marca a presença do
poder da ressurreição. Cristo não será necessariamente sentido, mas
ele estará presente. Ele fará com que palavras ordinárias tenham um
efeito extraordinário. Ele tomará relacionamentos comuns e os
transformará em realizações incomuns. Ele fará exatamente como
prometeu: "infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou
pensamos", não dentro do prazo humano, mas dê Deus.
Esta é, com certeza, a nota que falta hoje na atividade da igreja.
A igreja ainda é a igreja, ainda é corpo de Cristo, mas ela tem sido
bitolada a tal ponto pelo mundo que se esqueceu da provisão divina
para se atingirão mundo. Ela nunca mais contaminará o mundo como
o fez no primeiro século, até que os cristãos, individualmente,
comecem a usar os dons que Deus lhes deu no poder_de um Senhor
ressurreto. Esta deveria ser a coisa mais importante do mundo para
cada cristão — mais importante do que o seu nível de vida, seu
sucesso nos negócios, seu desejo de viajar ou encontrar um romance,
ou seja o que for.
Paulo coloca a questão claramente em Romanos 13:
Vai alta a noite e vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras
das trevas, e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente,
como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e
dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor
Jesus1. Cristo, e nada deponhais para a carne, no tocante às suas
concupiscências (Romanos 13:12-14).
No próximo capítulo, tomaremos conhecimento de onde os
pastores e outros líderes da igreja cabem nessa divina provisão para a
operação do corpo de Cristo, a igreja. Prepare-se para algumas
surpresas.
Capítulo Sete

COMO FUNCIONA O CORPO


Em sua carta aos Efésios, o apóstolo Paulo usa duas magníficas
ilustrações para a igreja. Como vimos, ele a compara com um corpo
humano de carne e osso, formado de muitos membros articulados e
coordenados. Ele também a compara com um edifício, que descreve
como estando em pleno crescimento através dos séculos para ser a
residência de Deus através do Espírito. Aqui ele parece misturar as
duas metáforas, pois fala de um edifício que cresce. Edifícios não
crescem, e sim corpos, mas talvez o apóstolo deliberadamente o esteja
formulando assim, a fim de que possamos captar a idéia da igreja
como uma coisa viva. Às vezes nós inconscientemente confundimos
metáforas da mesma maneira, como: "Não fique semeando vento, que
você vai se queimar!"
Quando Paulo fala da igreja como um corpo, deixa claro que
ninguém se reúne a esse corpo a não ser por um novo nascimento,
através da fé em Jesus Cristo. Não há outro caminho que leve a seu
corpo. Uma vez que alguém se tornou membro desse corpo, tem uma
contribuição a fazer. Na medida em que cada membro trabalha
naquilo que Deus lhe deu para fazer, todo o corpo funciona como foi
planejado. Quando Paulo descreve a igreja como um edifício, deixa
claro que ela é um edifício vivo e que cresce. Todo cristão é um tijolo
acrescentado a esse edifício, uma "pedra que vive", como diz Pedro
em sua primeira carta. Cada uma é uma parte vital do grande templo
que o Espírito Santo está construindo como residência de Deus.
Nunca podemos entender a igreja, enquanto não aceitamos essa
figura. Muitas pessoas que hoje procuram descobrir Deus, dizem que
ele está morto. O problema é que elas não conhecem seu endereço
atual. Elas não sabem onde é que Ele mora. Mas Ele está muito bem
em casa, em seu corpo, o edifício construído para Ele pelo Espírito
Santo.
Se imaginamos a igreja como um corpo, em Efésios 4
enxergamos a fisiologia desse corpo, como funcionam os seus órgãos,
como os diversos membros estão coordenados para uma ação. Se
imaginamos a igreja como um edifício, consideramos o plano
arquitetônico da construção. Mas seja a igreja vista como um corpo ou
como um edifício, há quatro ministérios ou funções dentro dela, que
são tão universalmente necessitadas e mutuamente compartilhadas,
que nós precisamos tratá-las independentemente dos outros dois que
Cristo concede a sua igreja. Esses quatro nos são agora apresentados
pelo apóstolo, nos versículos 11 e 12 de Efésios 4:
"E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres,
com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho de seu
serviço, para a edificação do corpo de Cristo."
Estes quatro — apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-
mestres — são os dons que nós reservamos para discussão posterior
(capítulo 4) e são uma parte dos dois que um Senhor ressurreto
transmitiu aos homens. Eles constituem o que nós chamaremos de
"dons de apoio", em contraste com os dons de "serviço" e de "sinal"
anteriormente tratados, de I Coríntios 12 e Romanos 12. Esses quatro
se relacionam com o todo do corpo de Cristo, como os principais
sistemas se relacionam com o corpo físico. Dentro deste há quatro
sistemas mais importantes, de que todo o corpo depende para o seu
funcionamento adequado: a estrutura de esqueleto e músculos, os
sistemas nervoso, digestivo e circulatório. Há outros sistemas no
corpo humano que não são essenciais para a vida como tal (por
exemplo, o sistema reprodutivo), mas estes quatro o são. É
surpreendente a maneira com que eles correspondem aos quatro
ministérios de apoio dentro do corpo de Cristo.
Em primeiro lugar, temos o sistema estrutural básico de ossos e
músculos. Isso dá ao corpo sua sustentação básica e possibilita
mobilidade e atividade. Todos nós seríamos massas rolantes de
gelatina, se não houvesse em nosso corpo os ossos e os músculos. Isto
corresponde claramente aos apóstolos e sua função no corpo de
Cristo. Sua obra foi de fundamentação, que proveu o esqueleto. Eles
formaram a estrutura básica, que fez com que o corpo de Cristo
assumisse a sua forma particular.
Voltando por um momento à metáfora da igreja como um
edifício, existe uma palavra clara do apóstolo concernente à função
dos apóstolos e dos profetas. Em Efésios 2:19-20 ele diz:
Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos
dos santos, e sois da família de Deus; edificadas sobre o fundamento
dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular...
O fundamento da igreja é Jesus Cristo, como o declara Paulo
aos coríntios, porque ninguém pode lançar outro fundamento, além
do que foi posto, o qual é Jesus Cristo (I Coríntios 3:11), e o trabalho
primordial de um apóstolo era declarar todo o corpo da verdade
concernente a Jesus Cristo. Este é o fundamento. Aquilo que os
apóstolos dizem acerca de Jesus Cristo é o fundamento da igreja, e o
que eles disseram sobre Jesus Cristo está anotado para nós no Novo
Testamento. Este livro foi escrito pelos apóstolos e profetas, e a igreja
se apóia solidamente nesse fundamento.
Como é que se pode entrar na igreja? Crendo na verdade acerca
de Jesus Cristo (e crer significa mais do que concordância intelectual;
trata-se de um comprometimento da vontade também). Somente na
medida em que a igreja se baseia nesse fundamento da fé, como ele é
ensinado pelos apóstolos, é que pode haver certeza ou força. Muitos
hoje estão se desviando do fundamento, e isso resultou em que eles
perderam qualquer sinal de autoridade ou firmeza. Pontos de vista ou
opiniões meramente humanos não modificam o fundamento.
Conhecimentos modernos ou as descobertas da ciência não o
alterarão. Nossa preocupação última está em torno daquilo que os
apóstolos ensinaram. Esta é a maior revelação de realidade que
possuímos, a verdade [como ela] é em Jesus (Efésios 4:21).
As pessoas que trabalham no ramo de construções sabem que
um fundamento é de extrema importância. Faça-o bem firme, sólido e
seguro, pois o edifício inteiro descansará sobre este fundamento, e do
caráter deste fundamento é que dependerá a sua resistência. A mesma
coisa vale para a igreja. O Senhor Jesus Cristo deixou bem claro que
se uma pessoa constrói sobre um fundamento errado, ela terá
problemas. Um homem pode construir sua casa sobre a areia, e essa
casa poderá ter uma aparência maravilhosa e impressionante, mas ela
ruirá com a primeira tempestade. Outro homem constrói sua casa
sobre a rocha e ela resistirá ao temporal. É o fundamento que faz toda
a diferença.
Foi o próprio Jesus quem escolheu os apóstolos. Nos evangelhos
está documentado que o Senhor chamou doze homens para estarem
"com ele". Esta era sua característica primária como apóstolos:
homens que tinham estado com Jesus. Ele os enviou com um
ministério especial. (A palavra "apóstolo" significa alguém que foi
enviado ou expedido). Os doze tinham uma incumbência especial e
uma autoridade especial. Se observarmos seu ministério, veremos que
eles possuíam uma palavra de autoridade. Onde quer que eles fossem,
falavam com autoridade. Eles mesmos estavam impressionados com
isso. Voltavam para Jesus contando-lhe como estavam alegres em
descobrir que os demônios lhes eram sujeitos. Quando eles falavam a
palavra, tinham autoridade, e essa palavra de autoridade é a
característica especial de um apóstolo.
Paulo naturalmente era um apóstolo especial, escolhido por
Jesus após a sua ressurreição. Ele não obteve dos doze o seu
ministério, mas diretamente do próprio Senhor, se bem que aquilo que
ele ensinava e pregava de modo algum era diferente daquilo que os
doze proclamavam.
O dom apostólico ainda é dado hoje em dia, apesar de que num
sentido secundário. Não há verdade nova a ser acrescentada às
Escrituras, mas o corpo da verdade que possuímos deve ser assimilado
por aqueles que têm um dom apostólico e transmitido a novas igrejas,
onde quer que elas se iniciem. Faz parte do dom apostólico começar
novas igrejas. Àqueles que fazem isso nós hoje chamamos de
"missionários pioneiros". No decurso da história da igreja houve
muitos desses apóstolos secundários, com Adoniram Judson na
Birmânia, William Carey na índia, Hudson Taylor na China etc. Estes
eram homens que tinham o dom apostólico e que receberam a
responsabilidade transmitir o todo fé. a novas igrejas.
Para voltar a essa imagem do corpo, este sistema apostólico da
verdade é o esqueleto e os músculos da igreja. Não há outra linha de
verdade sobre Jesus Cristo. Não há outra informação que nos possa
advir acerca de Jesus, a não ser aquela que nos deram os apóstolos.
Não há nenhuma outra coisa. Se parece haver, então é como Paulo diz
aos Gálatas: "é outro evangelho". Trata-se de algo diferente (Atos
4:12; Gálatas 1:7). Aqui está o esqueleto do corpo, e sobre ele está
construída a igreja e daí é que ela recebe sua força.
Ligado com o sistema ósseo do corpo humano está o sistema
nervoso. Através dele os ossos e músculos são estimulados à ação,
dele eles recebem os impulsos para a atividade. O sistema nervoso é o
sistema diretivo. Está ligado diretamente com a cabeça, e de lá conduz
mensagens para todas as partes do corpo. Este sistema corresponde à
obra dos profetas no corpo de Cristo.
Um profeta é essencialmente um homem que fala em nome de
Deus, que desdobra a mente divina. Na igreja primitiva, antes que
fosse escrito o Novo Testamento, os profetas falavam diretamente por
inspiração do Espírito Santo, manifestando as verdades que agora
estão anotadas no Novo Testamento. Eles expunham o que Deus
pensava, e assim o corpo era motivado, impelido à atividade. Homens
como Marcos, Lucas, Tiago e Judas não eram apóstolos eles mesmos,
mas se associaram aos apóstolos no escrever do Novo Testamento.
O dom de um profeta é diferente daquele de um apóstolo: o
apóstolo faz uma declaração autorizada acerca de todo o corpo da
verdade concernente a Jesus Cristo, ao passo que o profeta interpreta
essa palavra autorizada e explica a verdade de tal maneira que ela se
torne bem clara, cheia de vida. A própria palavra "profeta" o sugere.
Ela provém de uma raiz grega que significa "fazer brilhar" e que está
ligada com o prefixo "pro", que quer dizer "à frente" Portanto, um
profeta é alguém que está de pé na frente e faz brilhar a palavra do
apóstolo. Isso se reflete muito bem na segunda carta de Pedro, quando
ele diz: Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e
fazeis bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar
tenebroso (II Pedro 1:19). Paulo também diz em I Coríntios 14:3: O
que profetiza, fala aos homens, edificando, exortando e consolando.
A igreja deve muito ao ministério dos profetas. Não só porque
algumas partes das Escrituras nos foram dadas por eles, mas porque os
grandes teólogos e pregadores da igreja foram homens de dons
proféticos. Homens como Martinho Lutero, João Calvino, John
Wesley e os fundadores de outras denominações foram profetas, e
muitos pastores e professores da Bíblia hoje em dia têm dons
proféticos. Geralmente os homens que falam em conferências, o
fazem como profetas, explanando a verdade, brilhando e fascinando.
Eles diferem do mestre da seguinte maneira: o profeta tende a falar
dos grandes princípios da Escritura e da realidade de um modo geral,
deixando o esclarecimento de áreas mais específicas ao mestre.
O terceiro ministério de apoio dentro do corpo de Cristo é o do
evangelista. Ele está ligado à atuação do pastor-professor.
Evangelistas e pastores que ensinam, trabalham em conjunto,
exatamente como o fazem os apóstolos e profetas.
Evangelistas são homens e mulheres que têm um dom especial
de comunicar o evangelho em termos que realmente tocam aqueles
que ainda não são cristãos. Já que o evangelista é o principal
responsável pelo crescimento numérico do corpo de Cristo, seu
ministério corresponde ao sistema digestivo do corpo humano, que
ingere alimento bem diferente da carne e o transforma em músculos e
ossos,fazendo dele uma parte viva do corpo.
Espera-se de todos os cristãos que eles evangelizem, mas nem
todos têm o dom de um evangelista. Cristãos devem evangelizar como
testemunhas, mas um testemunha é diferente de um evangelista.
Qualquer cristão, individualmente, deveria ser capaz de relatar o que
lhe aconteceu ao se tornar cristão, de dar um testemunho simples
daquilo que Cristo lhe fez. Isso é tão fácil como falar de qualquer
outra experiência significativa. Se você sabe contar quão espetacular é
o seu marido ou sua mulher, seus filhos ou netos, também pode dar
um testemunho de Cristo. Conversar de modo simples e natural sobre
a sua experiência cristã, é dar testemunho de Cristo. Mas um
evangelista vai mais longe. Ele sabe explicar o porquê e o como da
grande história redentora de Cristo. Ele é capaz de proclamar a
verdade que resulta de um novo nascimento. Ele está constantemente
tratando da verdade de que Deus não deixou o homem numa condição
desesperadora, mas traçou a um preço enorme e incrível, um caminho
através do qual homens e mulheres envolvidos numa luta interminável
contra as forças deterioradoras da vida podem ser libertos, podem
receber uma nova base e recomeçar a luta. Este é o trabalho de um
evangelista.
A tarefa de um evangelista não é andar por aí, denunciando o
pecado. Pode chamar a atenção das pessoas para aquilo que está
criando tanta miséria e dor em suas vidas, mas seu trabalho não é
denunciá-los por causa de seus pecados. Não deve ficar vociferando
por cima das pessoas, dizendo-lhes que miseráveis criaturas que são e
como Deus está esperando por eles para lhes lançar raios de juízo.
Não deve ficar os horrores do fogo do inferno, torrando-os até que
eles gemam e se contorçam. Esta não é a vocação do evangelista. Se é
que isso precisa ser feito, o profeta é quem deve fazê-lo. A tarefa do
evangelista é falar da sobrepujante graça de Deus e do amor
irresistível de um Pai celeste, que está chamando de volta para si
homens e mulheres, oferecendo-lhes a recuperação de suas vidas
desfiguradas, através da obra redentora de Jesus Cristo.
Muitos cristãos hoje possuem o dom de um evangelista, tanto
homens como mulheres; evangelismo pode ser feito em qualquer
lugar. Não está restrito a reuniões em massa, como nas grandes
cruzadas de Billy Graham, se bem que o ministério de Graham
também seja evangelismo verdadeiro. O dom de evangelização pode
ser praticado para com uma pessoa de cada vez, como fica claro no
livro de Atos, quando Filipe, o evangelista, falou ao eunuco etíope em
seu carro e lhe contou da graça salvadora de Jesus Cristo.
O quarto grande sistema no corpo físico e do qual sua vida
depende totalmente, é o sistema circulatório, com suas veias e artérias
ligadas ao coração e aos pulmões, que distribui alimento e oxigênio a
todas as partes do corpo e recolhe todos os resíduos acumulados. Isso
obviamente corresponde ao trabalho dos pastores, que ensinam dentro
do corpo de Cristo e que estão aí para manter a vida do corpo,
alimentando e ligando-o, preservando assim seu vigor e vitalidade.
A palavra "pastor" quer dizer ovelheiro. 'Nas Escrituras ele
também é chamado de presbítero (mais velho), bem como de
supervisor ou bispo. Estes dois últimos termos são traduções da
mesma palavra grega. "Bispo" é a versão portuguesa (e diretamente
derivada) de episcopos, que significa literalmente "supervisor".
Presbíteros ou bispos sempre estavam limitados a uma localidade,
uma igreja, nos dias do Novo Testamento. Um homem que era
presbítero ou pastor em uma igreja não o era também em outro lugar.
Esses homens nem sempre dedicavam todo o seu tempo ao
ministério. Alguns dos presbíteros eram chamados de presidentes e
eram freqüentemente sustentados pela igreja
77
para que dedicassem seu tempo integral ao trabalho, se bem que
esse não fosse sempre o caso. Havia também outros que eram
presbíteros, mas não eram chamados de presbíteros presidentes. Entre
estes se incluía qualquer um que fizesse trabalho pastoral dentro da
igreja. Hoje, seriam aqueles envolvidos na Escola Dominical, estudo
bíblico nas casas e no trabalho com os jovens. Muitos cristãos têm o
dom do pastor-mestre, não importa se eles estejam dedicando ou não
todo o seu tempo a este trabalho.
Os presbíteros dirigentes são aqueles que mais se aproximam do
nosso conceito de pastor, mas na igreja primitiva nunca houve um
pastor ou presbítero somente, mas sempre vários. Eles deviam ser
professores e administradores, e não, nas palavras de Pedro,
dominadores dos que vos foram confiados... (I Pedro 5:3). Ou seja,
eles não devem ser chefes da igreja. Não devem agir como a
autoridade final dentro da igreja, de modo que sempre tenham a
última palavra. O próprio Jesus ensinou isso. Marcos escreve que
Jesus chamou seus discípulos para si e lhes disse: "Sabeis que os que
são considerados governadores dos povos, tem-nos sob seu domínio,
e sobre eles os seus maior ais exercem autoridade. Mas entre vós não
è assim." (Marcos 10:42-43).
Os pastores das igrejas por isso não devem exercer sua
autoridade como chefes, mas sim como exemplos. Quando eles
mesmos obedecem à palavra, outros serão motivados a segui-los; mas
se os pastores que ensinam não praticam o que pregam, não tem
nenhuma outra autoridade. Sua autoridade provém de sua
espiritualidade, e se eles perdem a espiritualidade, também perdem
sua autoridade. Não é o seu cargo que dá a um pastor o direito de
dirigir, e sim o homem e seu dom diante de Deus.
Não deixe de notar que cada um desses quatro ministérios de
apoio têm a ver com a palavra de Deus. Os dois primeiros —
apóstolos e profetas — dão origem e expõem a palavra, ao passo que
os dois últimos — evangelistas e pastores-mestres — aplicam a
palavra à vida dos indivíduos. O evangelista lida com os inícios da
vida cristã, ao passo que o pastor se preocupa com o desenvolvimento
e o crescimento dessa vida. Evangelistas são basicamente obstetras,
lidando com o nascimento, enquanto que os pastores são pediatras,
ocupando-se com a dieta, as doenças e a necessidade de ar fresco e
exercício da criança.
Voltando à figura do edifício, o evangelista é o homem que
escava a pedra na pedreira e a entalha em seu tamanho aproximado. O
pastor-professor é então o pedreiro que dá •forma exata à pedra e a
assenta em seu lugar designado no edifício, de acordo com o projeto
do grande arquiteto.
Ao compararmos as igrejas de hoje com o projeto original, caem
em vista os muitos desvios que foram permitidos e que têm resultado
em detrimento para a vida da igreja. Através dos séculos a igreja foi
gradualmente deixando de lado as simples providências que dela
fizeram uma força tão poderosa e propulsora em seus primeiros anos,
e nela entraram então as terríveis distorções que hoje nos causam
grande sofrimento. O pensamento popular se apegou ao edifício como
o símbolo que identificava a igreja, dando ênfase a grandes e
imponentes estruturas e enormes catedrais. Nos primeiros tempos
"trabalhar na igreja" queria dizer exercer um dom ou desempenhar um
ministério entre cristãos, onde quer que estivessem, mas aos poucos
vejo significar algum ato religioso dentro de um edifício.
A par disso veio uma transferência gradativa de
responsabilidade do povo para o que foi denominado de "clero", que é
um termo derivado do latim "clerus", que significa o conjunto de
sacerdotes. O conceito bíblico de que todo crente é um sacerdote
diante de Deus foi se perdendo aos poucos, surgindo um corpo
especial de supercristãos que eram procurados praticamente para
todos os fins e assim acabou sendo chamado de "o ministério" (ou "o
pastorado")10. Agora, Efésios 4 deixa bem claro que todos os cristãos
estão "no ministério". A tarefa própria dos quatro ministérios de apoio
que examinamos é treinar, motivar e servir de suporte às pessoas no
trabalho do seu próprio ministério
Quando o ministério foi, portanto, relegado aos profissionais,
não sobrou nada para as pessoas fazerem a não ser vir à igreja e ficar
escutando. Dizia-se-lhes que era sua responsabilidade trazer o mundo
para dentro do edifício da igreja, a fim de ouvir o pastor pregar o
evangelho. Em breve o cristianismo se tornou nada mais nada menos
do que um esporte de espectadores, muito parecido com o futebol: 22
homens em campo, desesperadamente precisando de descanso, e 20
mil nas arquibancadas, desesperadamente precisando de exercício!
— Essa distorção anti-bíblica colocou os pastores sob uma
( carga insuportável. Mostrou-se que sozinhos eles não podiam !
corresponder à tarefa de evangelizar o mundo, aconselhar os aflitos e
desgraçados, ministrar aos pobres e necessitados, aliviar os oprimidos
e atormentados, expor as Escrituras e desafiar as forças
entrincheiradas do mal, num mundo cada vez mais entregue às trevas.
Eles nunca foram destinados para isso. Somente a tentativa de fazer
isso já provoca frustração, exaustão e esgotamento nervoso.
Mas essa distorção resultou numa igreja tristemente
empobrecida, que tem tido pouco impacto sobre o mundo e que se
recolhe sempre mais a um isolamento impotente. Não há nada que
faça mais falta do que a volta à dinâmica da igreja primitiva. Nós não
podemos mais defender nossas enraizadas tradições, que não deixem
mais espaço para esse esquema do Novo Testamento. Os pastores
particularmente precisam devolver às pessoas o ministério que lhes foi
tirado, embora com a melhor das intenções.
É novamente o corpo inteiro de crentes que precisa tentar o
trabalho do ministério, equipado e guiado por homens que receberam
talentos e que são capazes de expor e aplicar as Escrituras com tal
sabedoria, que mesmo o menor crente descubra e comece a praticar o
dom ou dons que o Espírito Santo lhe deu. Todo o corpo então se
agitará de tanto poder de ressurreição. Ousadia e poder, serão
novamente a marca registrada da igreja de Jesus Cristo.

10
Parênteses do tradutor.
Capítulo Oito

PONDO OS SANTOS EM FORMA


Através dos séculos do cristianismo, nenhum princípio da vida
da igreja se mostrou mais revolucionário (e por isso mais
ardentemente combatido) do que a declaração de Efésios 4, de que em
última análise o trabalho da Igreja no mundo deve ser efetuado pelos
santos —cristãos simples e comuns — e não por um clérigo
profissional ou por alguns leigos selecionados. Nunca devemos perder
o impacto da afirmação do apóstolo Paulo de que apóstolos, profetas,
evangelistas e pastores-mestres existem para o aperfeiçoamento11 dos
santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo
de Cristo (Efésios 4:12).

Note que nenhum dos apóstolos e profetas, nem os evangelistas


ou pastores-mestres, estão destinados a realizar o trabalho do
ministério ou mesmo edificar o corpo de Cristo. Essas tarefas devem
ser feitas apenas pelo povo, os simples cristãos comuns que
mencionamos acima. Os quatro ofícios de apóstolo, profeta,
evangelista e pastor-mestre têm apenas uma função: a de equipar os
cristãos comuns para preencherem as tarefas que lhes foram
designadas.
Por isso, examinaremos mais de perto a palavra "equipar". Que
significa ela, e como isso é feito? No grego original a palavra que
consta é katartismon, donde também provêm as palavras "artesão",
"artista" e "artífice", alguém que trabalha com as mãos para fazer ou
construir algo. É especialmente interessante que esta palavra aparece
pela primeira vez no Novo Testamento em conexão com a vocação
dos discípulos. Quando Jesus andava ao longo das margens do Mar da
Galiléia, ele viu dois pares de irmãos, Pedro e André, Tiago e João,
sentados num barco, muito ocupados com alguma coisa. O que é que
estavam fazendo? Consertavam suas redes. A palavra "consertar" é
11
O autor aqui usa o termo "equipamento" ("equipment"). (Nota do Tradutor).
aquela traduzida em Efésios 4 com "aperfeiçoamento", ou
"equipamento" na nossa versão. Eles estavam consertando suas redes,
remendando-as. Eles as estavam aprontando para o trabalho,
preparando-as.
Isto sugere, portanto, que o papel dos quatro dons de apoio
dentro da igreja é essencialmente o de consertar os santos,
aprontando-os para o trabalho. A palavra também é' traduzida como
"aparelhar" ou "preparar". J. H. Thayer, uma autoridade na língua
grega, diz que ela significa "fazer de alguém aquilo que ele deveria
ser". Talvez o equivalente moderno mais próximo seja "pôr em
forma". O objetivo dos apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-
mestres é, em última análise, pôr os santos em forma para efetuar o
trabalho do ministério.
Uma reflexão momentânea já deixará claro que o instrumento
usado pelos quatro dons de apoio, ao equiparem os santos, a palavra
de Deus Obviamente todos os quatro ministérios de apoio se
relacionam de alguma maneira com essa palavra. Os apóstolos e
profetas lhe deram origem e a expuseram. Como já observamos, eles
colocaram o fundamento sobre o qual toda a igreja tem que se apoiar.
O ministério dos apóstolos ainda nos é acessível através do Novo
Testamento escrito, e profetas ainda são dados às igrejas pelo Espírito
Santo para desdobrar a palavra dos apóstolos e lhe dar clareza e força.
Evangelistas e pastores-mestres devem proclamar e aplicar a
palavra. Os evangelistas se deslocam, uns mais do que os outros,
narrando os grandes fatos históricos do que Deus fez pelo homem em
Jesus Cristo, e descrevendo o que vai acontecer na vida de qualquer
um que crê nesses fatos. Assumem, outrossim, a responsabilidade de
treinar jovens cristãos que também têm o dom de evangelizar,
ensinando-lhes como proclamar a boa nova de modo eficiente, no
poder de um Senhor ressurreto.
A tarefa do pastor-mestre é usar a palavra de Deus para purificar
e alimentar o rebanho. A igreja primitiva compreendeu perfeitamente
que a palavra de Deus é o instrumento de crescimento na vida dos
cristãos. Paulo se dirigiu uma vez aos mesmos presbíteros a quem é
endereçada a carta aos Efésios, dizendo-lhes:
Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua
graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os
que são santificados (Atos 20:32). E mais uma vez, no final de sua
carreira, ele escreveu a seu filho na fé, o jovem Timóteo, instando
com ele a que ensinasse as Escrituras inspiradas, que nos foram dadas
"a fim de que o homem de Deus seja perfeito é perfeitamente
habilitado para toda boa obra" (II Timóteo 3:17). Se os pastores e
professores deliberadamente ignoram este instrumento divinamente
providenciado, não é de se admirar que os santos continuem
inabilitado para suas tarefas e que se torne necessário achar uma série
de atividades substitutas para mantê-los ocupados.
Este ensino da verdade da palavra de Deus é aquilo que Pedro
chama de pastorear o rebanho de Deus que há entre vós (I Pedro 5:2).
A palavra pode alimentar (Hebreus 5:12-13, I Pedro 2:2), bem como
purificar (João 15:3, Efésios 5:26), e o verdadeiro pastor a usará
constantemente para fazer ambas as coisas. Ele procurará ensinar toda
a verdade de Deus. Não há maneira melhor de se fazer isso do que
pregar, expondo-se a Bíblia inteira. Este método expositivo de ensinar
e pregar é passar um livro ou um trecho de um livro da Bíblia sem
deixar nada fora, comentando tudo, tocando em todos os aspectos.
Isso manterá a verdade em equilíbrio.
0 profeta Isaías diz que foi dessa maneira que a Escritura foi
dada originalmente. Preceito sobre preceito, preceito e mais preceito;
regra sobre regra, regra e mais regra; um pouco aqui, um pouco ali
(Isaías 28:13). Você não encontrará na Bíblia um capítulo sobre o
mal, outro sobre moral e outro sobre o batismo etc. Esses assuntos
estão todos entrelaçados em admirável equilíbrio. Nunca se pode
tomar um trecho bastante grande da palavra de Deus e comentá-lo
sem apresentar a verdade em seu devido equilíbrio. É a verdade em
equilíbrio que perfaz o plano de equipar os santos.
A tarefa da pregação é, como alguém bem o formulou,
"confortar os perturbados e perturbar os confortáveis". A verdade é
muito confortante e iluminadora, mas ela também nos deveria pegar
às vezes pelo colarinho ou atingir o coração, perturbando-nos
profundamente. É somente a palavra de Deus que pode fazer isso. É o
impacto da Palavra que finalmente pulveriza a dureza granítica dos
nossos corações racionalizados, fazendo com que nos sujeitemos
àquilo que Deus nos está dizendo. É a verdade trazida de volta para
casa por um coração em prece, que derrete, acalma e cura os ânimos,
levando indivíduos a crescer em graça e poder. Somente a palavra de
Deus pode ensinar a um novo cristão a diferença entre o zelo
ostentoso e dedicado do suave poder da carne, e o engajamento quieto
de uma vida cheia do Espírito e que fielmente vai fazendo uma coisa,
tanto faz se ela é notada ou não.
Infelizmente, e isso vale em particular para as igrejas
americanas, houve uma estranha inversão de papéis entre o pastor e o
evangelista. Isso efetivamente privou as igrejas do ministério bíblico
de um pastor e produziu de modo crasso um povo empobrecido e sem
instrução. Provavelmente devido à influência da vida na fronteira, o
trabalho de evangelização tem sido exaltado acima do ensino pastoral
em muitas igrejas americanas. Já que nas regiões de fronteira dos
Estados Unidos o evangelista era muito admirado e respeitado, os
pastores de igrejas na fronteira concebiam o seu papel como sendo o
de um evangelista, cuja tarefa era declarar as verdades iniciais do
cristianismo e conquistar tantos quanto possível para Cristo. Eles
começaram a evangelizar em seus púlpitos, orgulhando-se de sua
fidelidade à vocação de proclamar o evangelho destemidamente,
domingo após domingo. A tarefa das pessoas ficou sendo então trazer
outros para a igreja para ouvir a evangelização do pastor. Mas eles
vieram em número cada vez menor, e finalmente o, pastor ficou
evangelizando os evangelizados, semana após semana, após semana...
Uma vez que os santos não eram dirigidos para uma
compreensão mais profunda e mais clara das grandes provisões de
vida e de poder acessíveis a eles através do Espírito, ficaram
enfastiados e insensíveis ao evangelho que ouviam a cada semana,
caindo em apatia, críticas, brigas, disputas, divisões e cisões, e
eventualmente em uma vivência dissoluta e em padrões duplos e
hipócritas.
Quando isso ocorria, é claro que o índice de conversões caía de
modo alarmante, e geralmente se buscava então um evangelista para
corrigir esta situação. Mas com freqüência, ele verificava que as
pessoas não tinham condições espirituais para empreender uma
evangelização, e assim ele tinha que organizar talvez uma semana de
reuniões especiais com a congregação, fazendo-se seu pastor para
ensinar-lhes uma vida espiritual suficiente, de modo que eles
pudessem auxiliá-lo nas subseqüentes reuniões públicas. Assim
nasceu o reavivador moderno. O "reavivamento" anual se tornou a
injeção no braço, da qual a maioria das igrejas dependia para realizar
algum progresso ou testemunho.
Naturalmente essa descrição é um pouco exagerada, pois a
situação que acabei de mostrar não reinava em todos os lugares e
também não era sempre tão desesperadora. Sempre houve igrejas
fortes em que o pastor ensinou e aplicou fielmente as Escrituras e
onde os cristãos demonstraram uma qualidade de vida que chamava a
atenção em seus bairros. Além disso ninguém desejaria depreciar o
esplêndido evangelismo que tem sido realizado por muitas décadas
em certos grandes centros de pregação, em que milhares encontraram
um renascimento espiritual e freqüentemente também muito ensino
bíblico proveitoso, que os ajudou a se tornarem cristãos atraentes e
úteis. Mas como sempre, o bom é inimigo do melhor, e quando o
pastor se faz de evangelista e o evangelista é muitas vezes forçado a
assumir o papel de pastor, nenhum dos dois está desempenhando sua
função própria dentro do corpo, e em conseqüência disso o corpo
inteiro sofre.
Existem, é claro, homens que têm tanto o dom de evangelista
como de pastor. Estes têm a responsabilidade de usar a ambos em seu
ministério. Mas eles deveriam compreender claramente que um dom
se dirige a cristãos, ao passo que o outro está orientado para não-
cristãos; um será praticado melhor numa reunião de cristãos, enquanto
que o outro os levará para fora da igreja, os encontros de pessoas
mundanas, onde quer que elas se reúnam.
Tenho desfrutado o privilégio de pastorear uma igreja por mais
de vinte anos. Em todo esse tempo, nunca tivemos uma reunião
evangelística na igreja, mas há uma corrente contínua de novos
convertidos, que vêm à igreja para instrução e progresso na vivência
cristã. A evangelização está ocorrendo nos lares dos membros, em
auditórios públicos, pátios, salas de aula e onde quer que se possa
alcançar ouvintes para o evangelho. Toda reunião realizada no edifício
da igreja, no entanto, tem sido destinada à instrução, ao treinamento
ou ao culto dos cristãos em conjunto. Toda a nossa Escola Dominical
está estruturada no sentido de equipar os santos de todas as idades
para efetuai' o trabalho do ministério. O trabalho de exposição e
aplicação das Escrituras começa no púlpito e é continuado em cada
aula, em cada reunião e em muitos lares de cristãos. Dá-se ênfase ao
confronto da vida como ela é realmente vivida, com a compreensão e
os pontos de vista da Escritura, e ao poder da ressurreição que
recebemos de um Senhor sempre presente. Cristãos aprendem a entrar
em bom contato com o mundo, mas viver vidas distintas em meio ao
mundo, ovelhas no meio de lobos, como disse Jesus.
Certamente os principais responsáveis pelo treinamento cristão
eficiente dentro da igreja são os que têm o dom do pastor-mestre.
Como vimos, o ideal seria incluir aqui todos os presbíteros dirigentes,
além dos professores de Escola Dominical, líderes de juventude,
professores de estudo bíblico nos lares, dirigentes de pequenos grupos
etc, etc. Todos eles compartilham da responsabilidade de conhecer
sempre mais a palavra de Deus e saber transmiti-la de modo a instruir,
admoestar, repreender, exortar e encorajar aqueles que estão sob seus
cuidados.
No mais, as Escrituras têm muito a dizer sobre a atitude do
coração ao se realizar esse trabalho pastoral. Se a expressão "pôr. os
santos em forma" traz à sua mente a imagem de um,sargento
eclesiástico ou de um pastor trovejante a despachar denúncias contra
seu povo, então ela está sendo mal-entendida. Pastores não devem ser
tiranos ou chefões. Sejamos honestos e admitamos que tem havido
bastante deles por aí. Até na igreja primitiva houve pelo menos um.
Seu nome era Diótrefes, e você o encontrará na terceira carta de João,
onde este menciona Diótrefes, que gosta de exercer a primazia. Mas
ele é uma caricatura do conceito escriturístico de um pastor.
O apóstolo Pedro escreve a certos pastores (ou presbíteros)
como sendo um presbítero como eles e os exorta:
Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por
constrangidos, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por
sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos
que vos foram confiado, antes tornando-vos modelos do rebanho (I
Pedro 5:2-3).
Você pode ver que quem fala aqui é um Pedro bem diferente
daquele discípulo impetuoso dos Evangelhos. Aqui, disciplinado a
modesto, ele procura cumprir a missão que o Senhor Jesus lhe deu
após a Ressurreição, ao lhe perguntar três vezes: Tu me amas? e três
vezes Ele lhe ordenou: Apascenta as minhas ovelhas. Pedro aprendeu
agora que a tarefa do pastor é alimentar as ovelhas, e não tosquiá-las.
Ele aprendeu a ser um servo, e não um senhor do povo de Deus.
Lembre-se daquela ocasião em que os discípulos disputavam
entre si qual deles seria o maior no reino. Parece incrível que isso
estivesse acontecendo, precisamente quando a sombra de uma terrível
cruz estava se estendendo por sobre o seu caminho. Quando Jesus os
ouviu, ele os fez lembrar que os reis dos povos dominam sobre eles, e
os que exercem autoridade... (Lucas 22:25). Esta palavra "dominar" é
a mesma que Pedro usa em sua carta, capítulo 5:3, para identificar
uma atitude e um procedimento proibidos a pastores. A chave do
poder do mundo é a palavra "sobre". Entre as pessoas do mundo, o
poder é medido segundo o grau de autoridade que se exerce sobre os
outros. Freqüentemente a gente vê pessoas se gabando: "Acabo de ser
promovido; agora tenho responsabilidade sobre quinhentas pessoas."
Jesus, porém, diz que Deus mede poder de modo bem diferente. O seu
critério não é quantos homens estão servindo a você, mas a quantos
você tem servido. Não se trata de quantos têm feito alguma coisa sob
seu comando, mas sim por quantos você tem feito alguma coisa. Esta
é a medida do poder no reino dos céus. Se alguém quer ser o
primeiro, será o último e servo de todos (Marcos 9:35).
Estas palavras não devem ser tomadas levianamente. Todo
pastor, especialmente, precisa atender a elas. Eles sempre precisam se
lembrar de que não foram chamados a ser chefões. São apenas
instrumentos, servos, exemplos. Mais uma vez, diz Jesus, "quando o
bom pastor conduz as suas ovelhas, ele vai à sua frente". Isto é, ele é o
primeiro a fazer tudo. Ele lidera suas ovelhas, fazendo tudo por
primeiro. Nenhum professor tem o direito de ensinar, cuja vida não
exemplifique seu ensino. Se ele tenta dizer uma coisa, mas ser outra, o
Pastor-em-Chefe lhe puxará o tapete de sob os pés e seu ministério
será desprezado.
E mais, o ministério do pastorado e do ensino tem que ser feito
sem visar a glória pessoal. Quão bem sabem os pastores que é
exatamente aqui que a tentação para o orgulho pode atingi-los com
toda a força! É uma coisa muito agradável ao ego, pôr-se de pé na
frente dos outros e ter todos os olhos pregados em você e todos os
ouvidos atentos para o que você tem a dizer. É terrivelmente fácil
aprender a amar esta sensação e achar maneiras sutis de nutri-la e
encorajá-la.
Como pastor, eu preciso confessar que tive que largar o costume
de me dirigir à porta da igreja após o culto para saudar as pessoas à
medida em que elas saem. Descobri que quando fazia regularmente,
meu ego era servido de tal maneira, que eu tinha uma luta terrível com
o orgulho. As pessoas me diziam coisas bonitas e eu fiquei gostando
de ouvi-las. É muito fácil para um pastor ou um professor levar
adiante o seu trabalho por razões subjacentes de prestígio pessoal ou
glória. Pastores adoram ser considerados cristãos dedicados e
maduros. Às vezes, estão conscientes demais do seu aparente
sacrifício de tempo e dinheiro para desempenhar a sua vocação.
Facilmente ficam pensando que de fato merecem a atenção e os
elogios dos outros, porque têm sido relativamente fiéis àquilo que
Deus os chamou a fazer.
Naturalmente nenhum pastor diria isso em público. Mas este
fato freqüentemente se evidencia ao se mostrarem magoados quando
algo não vai como eles querem ou em seu desejo de largar tudo
quando não foram suficientemente notados. Ele se torna evidente na
malevolencia invejosa que é às vezes mostrada em relação ao
ministério de outro, no sarcasmo que eles usam com suas
comunidades e na falsa modéstia muito freqüente. Eu ouvi falar de
uma comunidade que deu a seu pastor uma medalha pela sua
humildade, mas a pediu de volta porque ele a usou!
Pastores logo descobrem que é bem possível usar a obra do
Senhor para satisfazer seu ego pessoal. A palavra de Deus adverte
constantemente contra essa maneira sutil do ego inflar-se. O Senhor
Jesus furou uma porção de balões que havia por ali, ao dizer:
Os fariseus amam as primeiras cadeiras nas sinagogas, as
saudações nas praças, e o serem chamados doutores pelos homens.
("Mestres" é a palavra que ele usou, mas nós substituímos o título
com "doutores"). Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque
um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos (Mateus 23:6-8). Isto
significa que pastores, professores etc. não são nada melhor que os
outros. A única autoridade que eles têm é a autoridade da verdade e da
obediência pessoal a ela.
Mais uma coisa pode ser dita sobre o ministério de equipar os
santos através da exposição da palavra de Deus. Paulo descreve seu
próprio ministério nesses termos:
A Cristo nós anunciamos, advertindo a todo homem e
ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que
apresentemos, todo homem perfeito em Cristo (Colossenses 1:28).
Advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a
sabedoria: este é o caminho que Paulo seguiu para pôr os santos em
forma. Não é só ensinar, transmitir a doutrina correta. Isso precisa ser
precedido pelo ministério da advertência. Parece-lhe (como pareceu a
mim) que está na ordem errada colocar a advertência à frente do
ensino? Está certo que se ensine primeiro, e depois, se o ensino não é
recebido, está na hora de advertir sobre as possíveis conseqüências.
Mas quando eu examinei mais de perto a palavra original traduzida
como "advertir", notei que se trata da palavra grega correspondente a
"mente", combinada com o verbo "pôr". Significa pôr na mente ou
chamar a atenção para alguma coisa. Indica que a primeira tarefa de
um pastor ou professor é captar a atenção e o interesse de seus
ouvintes.
Existe uma estória muito velha (que talvez até já cheira mal)
sobre um homem que queria treinar sua mula. A primeira coisa que
ele fez foi apanhar um pau enorme e largar uma sonora pancada entre
as orelhas da mula. Quando a mula ficou cambaleando e alguém
perguntou ao homem: "Por que você fez isso?", ele respondeu: "Se
você quer ensinar a mula alguma coisa, primeiro você tem que ter
toda a atenção dela." Esta é exatamente a ordem certa de ensino que o
apóstolo sugere: o interesse precisa primeiramente ser despertado se
bem que, sem dúvida, não do modo tão cruel como sugere a estória da
mula.
Quando Paulo foi a Atenas e começou a pregar para os
sofisticados gregos, não começou subindo ao Monte de Marte e
dizendo: "Senhoras e senhores de Atenas, eu vim aqui falar aos
senhores da superioridade moral do cristianismo em comparação com
o paganismo." Este era o tema do seu discurso, mas ele não começou
desse jeito. Ele tinha caminhado pela cidade, notando algumas coisas,
e quando se levantou para falar, disse: "Os senhores, que vivem em
Atenas, são certamente muito religiosos. Perambulando por esta
cidade eu não vi nada senão altares por toda a parte. Eu até encontrei
um, erigido em honra de um Deus Desconhecido, o que indica
claramente que há alguma coisa sobre Deus que os senhores ainda não
sabem, e é sobre isso que eu vim falar aos senhores" (Atos 17:22-23).
Assim ele despertou-lhes a atenção, "pondo em sua mente" aquilo que
lhes queria anunciar. A chave para o verdadeiro ensino é despertar
primeiro o interesse e captar a atenção.
Uma das mais notáveis ilustrações do poder do ministério de
equipar os santos, nos é apresentada no décimo-nono capítulo de Atos.
Ali Lucas descreve o ministério de Paulo na cidade de Éfeso, a mesma
cidade à qual Paulo escreveu mais tarde, descrevendo o ministério dos
santos.
Durante três meses Paulo freqüentou a sinagoga onde falava
ousadamente, dissertando e persuadindo, com respeito ao reino de
Deus. Visto que alguns deles se mostravam empedernidos e
descrentes, falando mal do Caminho diante da multidão, Paulo,
apartando-se deles, separou os discípulos, passando a discorrer
diariamente na escola de Tirano. Durou isto por espaço de dois
anos... (Atos 19:8-10).
Uma versão marginal indica que certos manuscritos acrescentam
as palavras "da quinta hora até a décima" após a sentença "separou os
discípulos, passando a discorrer diariamente na escola de Tirano". Isto
significaria que Paulo ensinou a esses novos cristãos cinco horas por
dia, todos os dias através de dois anos. Isto são umas 3650 horas de
ensino. Não é de se estranhar por isso que o versículo dez conclui:
...dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra
do Senhor, tanto judeus como gregos. Isto significa que dentro de um
período de dois anos toda pessoa que vivia na província romana da
Ásia (da qual Éfeso era a capital) foi alcançada pelo evangelho. Nem
todos creram, é claro, mas todos o ouviram. Quem os alcançou? Não
foi o apóstolo Paulo. Ele ficou em Éfeso, ensinando cinco horas por
dia. O povo foi atingido por uma multidão de cristãos, "santos"
simples e comuns, que deixavam Éfeso seguindo normalmente a sua
ocupação e exerciam seus dons espirituais com tal poder silencioso,
que a província inteira foi agitada pela surpreendente notícia do
evangelho, sendo que muitos responderam a ela, desejando eles
mesmos serem ensinados e capacitados a levar a boa nova ainda mais
longe. Este é o ministério dos santos.

Capítulo Nove

A OBRA DO MINISTÉRIO
Muitos hoje estão perguntando: "Onde é que Jesus está
operando em nosso mundo? Como é que Ele atinge-os problemas da
sociedade deste século vinte?" A resposta é que Ele está atuando
exatamente como atuava durante a sua vida terrena, fazendo
precisamente a mesma coisa. Nos dias de sua encarnação, Ele
executou o seu trabalho através de um corpo terreno, individual e
físico. Ele continua a mesma obra agora, através de um corpo
complexo e orgânico, que engloba o mundo inteiro e permeia e
penetra todos os níveis da sociedade. Ele é chamado de Igreja, o corpo
de Cristo, mas o seu ministério se dirige à mesma raça a quem Jesus
ministrava, sob as mesmas condições básicas, enfrentando as mesmas
atitudes e problemas.
Vimos que Ele dotou seu corpo organizado com todo um arranjo
de dons espirituais, capazes de muitas combinações e incumbidos de
estabelecer e melhorar o relacionamento entre qualquer indivíduo e
Deus. Ele também legou aos membros de seu corpo uma nova espécie
de poder, o poder da ressurreição, que atua silenciosa mas
poderosamente, em conseqüência da vida de Cristo dentro de todo
crente. Somente quando um cristão usa seus dons espirituais no poder
da ressurreição, é que sua vida se torna uma extensão da vida
encarnada de Jesus. Em todas as outras ocasiões, a sua atividade é
apenas a de uma pessoa "natural", sem efeito ou poder espiritual.
Ao focalizar os dons do Espírito e o poder em que eles atuam,
não devemos perder de vista a dupla razão da manifestação desses
dons. Ela é citada claramente: (1) para o trabalho do ministério; e (2)
para a edificação do corpo de Cristo. Os dons são concedidos a fim de
serem usados nestes dois campos: o mundo e a igreja. Nós precisamos
nos lembrar continuamente de que o ministério se dirige ao mundo. A
igreja existe como instrumento de Deus para alcançar o mundo.
Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito... (João 3:16).
A clara intenção de Deus é que através da igreja verdadeira o
mundo possa ver Jesus Cristo em ação. O mundo necessita
desesperadamente do seu ministério, mas o propósito nunca foi de que
as pessoas do mundo viessem à igreja para encontrar a Cristo. A igreja
deveria estar dentro do mundo. Somente assim o mundo
compreenderá que Cristo não está morto, nem ausente nem inativo.
Jesus Cristo não está fora, em algum recanto escondido e remoto do
universo (céu), nem deixou seu povo aqui para lutar e fazer o melhor
que possa até que Ele volte. Esta nunca foi a intenção divina nem é o
esquema do Novo Testamento. Cristo está vivo e atuando na
sociedade humana durante vinte séculos, como Ele disse que faria: Eis
que estou convosco todos os dias até à consumação do século
(Mateus 28:20).
Especificamente qual é o ministério do corpo de Cristo?
Ouçamos a resposta de seus próprios lábios. Ela se acha numa das
cenas mais dramáticas do Novo Testamento, documentada no quarto
capítulo do Evangelho de Lucas. É o próprio Senhor que descreve o
ministério que Ele veio realizar na terra, seja em seu corpo físico de
carne ou em seu corpo orgânico (não menos físico) da igreja.
Nos versículos 16-17 de seu quarto capítulo, Lucas nos conta:
Indo para Nazaré onde fora criado, entrou, num sábado, na
sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Então lhe
deram o livro do profeta Isaías.
Jesus iniciou seu ministério nas cidades ao redor do Mar da
Galiléia, morando, porém, em Cafarnaum. Ele então fez uma longa
viagem a Jerusalém e à Judéia, onde realizou muitos milagres. Em
breve sua fama se espalhou pela região, como sendo um benfeitor e
fazedor de milagres. A notícia das coisas notáveis e estranhas que esse
jovem estava fazendo chegou a Nazaré, sua cidade. Agora, Ele voltou
e todo mundo está sabendo que Ele estará na sinagoga no dia de
sábado. Todos vão lá para ouvi-lo, pois esperam ansiosamente que Ele
faça entre eles alguns dos milagres realizados em outras cidades. Mas,
na sinagoga, Ele pede o rolo do profeta Isaías, e abrindo-o no lugar
adequado (no nosso Velho Testamento, o capítulo 65 de Isaías), lê a
seguinte passagem, como Lucas nos relata:
Abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: "O Espírito
do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos
pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e
restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,
e apregoar o ano aceitável do Senhor." Tendo fechado o livro,
devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os
olhos fitos nele. Então passou Jesus a dizer-lhes: Hoje se cumpriu a
Escritura que acabais de ouvir (Lucas 4:17-21).
Deve ter havido muitos olhares perplexos neste ponto, por parte
dos moradores de Nazaré. Eles devem ter dito a si mesmos: "Que é
que ele quer dizer? Como pode ele achar que esta Escritura se
cumpriu entre nós, se ele não fez nenhum milagre em Nazaré?"
Sabendo que este era o pensamento de seus corações, Jesus continuou
dizendo-lhes:
Sem dúvida citar-me-eis este provérbio: Médico, cura-te a ti
mesmo; tudo o que ouvimos ter-se dado em Cafarnaum; faze-o
também aqui na terra (Lucas 4:23).
Ele então continuou, fazendo-os lembrar de que na história de
Israel aconteceu muitas vezes que quando um profeta voltava à sua
própria terra, seu povo não o recebia. Ele citou os dois exemplos de
Elias e Eliseu, que fizeram milagres de bênção para os gentios, mas
não fizeram o mesmo pára nenhum israelita.
Portanto, em que sentido quis Ele dizer que a grande profecia de
Isaías sobre o Messias se tinha cumprido em Nazaré? Sem dúvida, Ele
lhe quis dar a entender que o cumprimento físico dessas predições
(abrindo olhos cegos, curando os paralíticos etc.) não era a única
intenção da Escritura. O Messias realmente começaria nesta área para
despertar a atenção e inspirar a confiança em si, mas Ele também
haveria de cumprir as predições num plano mais profundo e
importante, o do espírito humano. A cura das dores do espírito do
homem é que Deus de fato está procurando, e é neste sentido que a
profecia de Isaías se tinha cumprido em Nazaré.
Mas a maioria das pessoas em Nazaré tinha colocado suas
expectativas no campo físico, apenas. Queriam ver milagres físicos.
Negavam-se a aceitar essa insinuação de que o cumprimento último
estava na cura do espírito do homem. Ficaram furiosos e planejaram
um linchamento, procurando empurrá-lo de cima do precipício sobre o
qual se situava Nazaré.
Muitas vezes já se chamou a atenção para o fato de que os
milagres que Jesus fez também são parábolas, destinadas a ilustrar no
plano físico aquilo que Cristo se oferece a fazer no plano mais
profundo do espírito. O erro que os judeus cometeram, durante o
ministério de nosso Senhor, foi que não aceitavam isso, mas insistiam
continuamente em que Ele lhes desse um sinal exterior. Paulo diz que
este continuou sendo o desejo dos judeus, mesmo após a crucificação,
e que eles não creriam no evangelho sem alguma espécie de sinal (I
Coríntios 1:22).
Aqueles que têm fome e sede de milagres físicos, hoje, estão
repetindo esse erro de Israel. Procuram constantemente algo visível,
alguma coisa obviamente sobrenatural, algo de sensacional. Como se
um feito realizado no centro da vida de uma pessoa fosse menos
sobrenatural do que algo efetuado no corpo. Jesus deixou claro ao
povo de Nazaré que o ministério predito do Messias já se tinha
cumprido em seu meio através da sua presença entre eles.
Conservando isso em mente, tomemos esta grande declaração de
Isaías e a examinemos mais detalhadamente, pois ela descreve não
apenas o cumprimento físico ocorrido nos dias da presença carnal de
Jesus, mas também o cumprimento que ocorrerá através de você,
como um cristão no século vinte. Lembre-se que Jesus afirmou sobre
os seus discípulos: Aquele que crê em mim, fará também as obras que
eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai (João
14:12). Que são essas "obras maiores"? Qualquer coisa feita no
âmbito do espírito é maior do que aquela feita ao corpo. Todos os
milagres corporais realizados por Jesus foram apenas curas
temporárias, que terminavam quando morria o indivíduo beneficiado.
Mas tudo o que Ele fez ao espírito dos homens naqueles dias, é eterno,
rendendo um mundo de bênçãos sem fim.
Quando Jesus foi para junto do Pai, enviou de volta o Espírito
Santo, que reproduziria a vida de Jesus dentro do crente. Assim,
através dos tempos, a igreja pode realizar feitos maiores de que os
executados pelo Filho de Deus nos dias de sua encarnação, pois não é
realmente a igreja (ou o cristão individualmente) que os realiza, e sim
um Senhor ressurreto e elevado, através do Espírito Santo.
Há cinco divisões neste trabalho do ministério. Em primeiro
lugar, temos a frase: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que
me ungiu... (Lucas 4:18). O que se segue deve ser então a descrição de
um ministério cheio do Espírito. Como Jesus foi ungido pelo Espírito
para o seu ministério terreno, assim todo crente precisa ser cheio com
o Espírito para a obra que deve realizar. Como é que se pode notar
que o Espírito de Deus está agindo na vida de alguém? Será pela
manifestação de algum fenômeno estranho ou de algum milagre? Não,
o ministério com a plenitude do Espírito será do tipo descrito por
Isaías. Ele abrirá olhos espiritualmente cegos, fará andar os paralíticos
do espírito, libertará os espiritualmente cativos etc. Esta é a finalidade
de uma vida cheia do Espírito. Em segundo lugar, a obra do ministério
é evangelizar.
O Espírito me ungiu para evangelizar aos pobres (Lucas 4:18).
Esta é a primeira divisão no trabalho do ministério — que os santos
(cristãos comuns) declarem a boa nova dos atos históricos de Deus
entre os homens. Isto é evangelização. A boa nova é que Deus não nos
quer deixar mais lutar desesperadamente, em frustração,
desorientação, monotonia, miséria e escuridão. Deus tomou uma
iniciativa contra isso. Ele agiu de modo a livrar os homens por
intermédio de seu Filho, Jesus Cristo. O próprio Deus subiu à cruz e
carregou os pecados do homem. Ele agiu, e não apenas falou. Através
da Ressurreição, Ele deu aos homens a sua própria vida, capacitando-
os assim a viver. Contar isso aos homens é pregar a boa nova.
A quem é que isso deve ser pregado? Bem, não aos ricos, e sim
aos pobres! Que significa isso? Com certeza, isso não quer dizer
apenas aqueles que são pobres física e materialmente. Por acaso os
ricos e abastados não precisam ouvir a boa nova? É óbvio que a
profecia transcende novamente o aspecto físico e se refere à pobreza
espiritual dos homens. Lembra-se das primeiras palavras do Sermão
da Montanha, talvez a mensagem mais esplêndida já ouvida por
ouvidos humanos? Ele começa com uma notável receita para a
felicidade, as Bem-Aventuranças. Bem-aventurados (felizes) os
humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Quer dizer, feliz
é o homem que não tem mais recursos em seu espírito, e ele o sabe.
Feliz o homem que não tem posição alguma diante de Deus, que não
tem uma longa conta de boas obras em que se fiar, criando assim uma
atitude de autojustificação, mas bem-aventurado é o homem que vem
a Deus e diz: Tem misericórdia de mim, pecador. Deus então é capaz
de dar o reino dos céus a esse homem. Jesus nunca desperdiçou muito
tempo com os que se auto-justificavam e com os auto-suficientes. Ele
pregou aos pobres em espírito. Não perca seu tempo, falando a
pessoas que acham que têm tudo de que precisam. Procure aqueles
que nada têm, mas não se deixe desorientar pelo fato de alguns
fazerem de conta que têm tudo, enquanto que sob a superfície se
encontra um coração faminto e em busca de algo. Procure descobrir
isto. Pregue a boa nova aos pobres.
A tarefa seguinte dentro do trabalho do ministério consiste em
dois fatores: proclamar libertação aos cativos e restauração da vista
aos cegos (Lucas 4:18). Soltura e recuperação da vista. Liberdade e
luz. Você conhece cativos, quaisquer pessoas que estejam presas pela
sua aparência e suas atitudes que as seguram em perpétuo cativeiro?
Você não conhece alguém que esteja se batendo para se livrar de
hábitos prejudiciais, que os escravizam como um vício e frustram
todos os seus esforços por se libertar? Você não conhece ninguém que
esteja trancado num círculo vicioso de ódio, inveja amarga ou
ambição possessiva aparentemente insuperável? Você mesmo, por
acaso, é um desses? Então, nós temos boas notícias! Jesus Cristo é
capaz de libertar. Ele o fez com milhões de pessoas, e ele pode fazê-lo
com você.
Existem pessoas hoje que estão cegas? Existem homens e
mulheres que pensam estar fazendo a coisa certa e que desejam fazer a
coisa certa, mas de alguma maneira ela sempre sai errada? Eles estão
cegos, e não conseguem enxergar o fim da trilha que estão seguindo.
Com freqüência, são pessoas perfeitamente honestas e sinceras, que
esperam estar agindo acertadamente e se esforçam o melhor que
podem, mas nada funciona, e elas acabam tropeçando cegamente, de
um episódio para outro, em dificuldades cada vez maiores. Não estão
cegas estas pessoas? Elas precisam de um ministério que proclame a
recuperação da visão dos cegos.
Este ministério libertador e restaurador é resultado do
ensinamento da verdade. Jesus disse: Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará (João 8:32). É isso que liberta cativos e restaura
a visão: dizer a verdade aos homens. Não dizer aos homens o que eles
desejam ouvir, mas dizer-lhes o que eles precisam ouvir. Jesus
também disse: Quem me segue não andará nas trevas, pelo contrário,
terá a luz da vida (João 8:12). Esta também é a função do ensino:
fazer dos homens discípulos, mostrar-lhes como seguir a Jesus. Não
apenas vir à igreja e cantar sobre Jesus ou recitar um credo, mas
obedecê-lo, mesmo quando cada fibra do seu ser grita por querer
desobedecer. É óbvio que esta obra do ensino atinge aquilo que
estamos fazendo em cada dia de nossas vidas. Ela nos envolve em
nosso trabalho, em nosso lar, na escola, na loja, na hora de diversão,
quando estamos acordados, onde quer que estejamos. Uma parte do
trabalho do ministério é ensinar a homens e mulheres, rapazes e
moças, como assimilar o poder que solta do cativeiro e como seguir e
obedecer àquele que abre os olhos dos homens, de modo que não
precisem caminhar na escuridão.
O próximo elemento de um ministério cheio de Espírito é pôr
em liberdade os oprimidos (Lucas 4:18). À primeira vista, isso se
parece com a proclamação da soltura dos cativos. Está certo que o
resultado final é o mesmo: liberdade. Mas o problema da opressão é
muito mais profundo e mais sério do que a simples prisão. A opressão
contém um certo elemento demoníaco dentro de si. Ela é mais do que
simples tirania; envolve também uma terrível crueldade. Dá-se uma
sensação de se estar carregando um fardo, de abatimento e depressão
associados com desespero.
Certa vez, um homem viajou de carro mais de mil quilômetros
para me contar de uma pesada carga que o estava oprimindo. Já fazia
mais de um ano que ele estava terrivelmente tomado por uma atitude
de ódio, em relação a um homem que lhe tinha feito uma grande
injustiça. Ele não conseguia se livrar de sua amargura e de seu rancor.
Isto começou a perturbá-lo a ponto de não mais conseguir comer ou
dormir direito. Em duas ou três ocasiões ele, a muito custo, se conteve
para não cometer um homicídio. Isto o estava dilacerando, destruindo
sua família e pondo em perigo a sua própria vida. Era perseguido por
constante depressão e desespero.
Conversamos, e eu lhe mostrei a verdade da Escritura sobre seu
espírito irreconciliável. Delicadamente, eu lhe expliquei que ele estava
envenenando a própria vida com o seu ódio e que não poderia haver
libertação enquanto ele não perdoasse o homem que o tinha ofendido.
Ele concordou em pedir a Deus a graça de fazê-lo, e nós oramos
juntos. Enquanto orávamos, eu observei o rosto dele, e um milagre
tomou lugar diante dos meus olhos. Eu vi um homem curado, aliviado
de um peso, liberto da opressão. Eu vi o veneno do ódio escorrendo
do coração daquele homem e o amor de Jesus Cristo inundando-o.
Toda a sua atitude se transformou visivelmente. Logo ele voltou para
casa com uma expressão diferente no rosto e outra atitude em seu
coração.
Tal é o ministério de aconselhamento e oração, que dá liberdade
aos oprimidos. Para isso não é necessário que haja um pastor; isso
pode ser feito por qualquer cristão que conheça a verdade da palavra e
tenha fé para orar. Não deveria ter sido assim, que esse homem fosse
obrigado a viajar mil quilômetros para achar alguém que o ajudasse.
Mas infelizmente esse ministério de prece-aconselhamento ficou
relegado ao conselheiro profissional, e problemas que poderiam ter
sido facilmente solucionados quando ainda no início, complicaram-se
em nós terrivelmente entrelaçados, que nem mesmo os profissionais
sempre os conseguem desmanchar. A oração é particularmente
eficiente em problemas desse tipo. Jesus disse uma vez de um rapaz,
tomado pelo demônio: Esta casta não pode sair senão por meio de
oração (Marcos 9:29).
O último elemento da obra do corpo de Cristo no mundo hoje é:
apregoar o ano aceitável do Senhor (Lucas 4:19). Esta é uma das
mais notáveis afirmações da Bíblia. Se você verificar a passagem
original em Isaías, lida por Jesus, notará que há um "e" após a palavra
"Senhor". Pois a sentença não termina neste ponto. No original ela
continua dizendo: e o dia da vingança do nosso Deus (Isaías 61:1-2).
0 Senhor Jesus não leu esta parte da Escritura. Na altura do "e", Ele
fechou o livro e o devolveu dizendo: Hoje se cumpriu a Escritura que
acabais de ouvir (Lucas 4:21). Com isso Ele deu a entender que
naquele momento o resto ainda não se tinha cumprido. "O dia da
vingança do nosso Deus" se dará com a segunda vinda de Jesus
Cristo. Mesmo assim a época presente é "o ano aceitável do Senhor".
Salvação ainda é possível.
Proclamar este fato magnífico é explicar aquilo que está
acontecendo em nosso mundo. É aliviar o gélido aperto do medo que
convulsiona os corações de milhares que se levantam todas as
manhãs, temendo o que vai acontecer com um mundo que parece estar
enlouquecendo. Eles têm medo de que a história se tenha
descontrolado, que Deus tenha perdido o comando sobre os
acontecimentos humanos, se é que ele alguma vez o possuiu. Eles se
sentem perdidos, desamparados, vítimas de forças inexoráveis que
ultrapassam o domínio humano.
Eles precisam de alguém que lhes proclame o ano aceitável do
Senhor. Precisam aprender das Escrituras que Deus sabe o que está
fazendo em nossos dias em nossa época; que Ele está refreando as
forças do mal para permitir que o evangelho saia, mas deixando
suficiente demonstração do mal dentro do homem a fim de que eles
mesmos o vejam e reconheçam sua própria e desesperada necessidade.
Deus está governando os acontecimentos humanos de acordo com
seus próprios objetivos e seu próprio plano de ação. O ano aceitável
do Senhor continuará apenas enquanto o Senhor o decretar, mas até
que ele termine, nenhum homem pode ultrapassar os limites por Ele
colocados diante do mal.
Não conheço nada que seja mais difundido no mundo de hoje do
que o medo. Ele é que está por trás de tantas agitações estudantis dos
nossos dias. Sua revolta é essencialmente um protesto contra o medo,
um medo de algo tão abstrato que ninguém consegue definir ou
apontá-lo, e por isso os estudantes estão frustrados e desnorteados.
Sua frustração os leva a fazer algo desesperado: entrar em greve,
protestar, desafiar as forças invisíveis e silenciosas que ameaçam a
sua paz. Eles precisam desesperadamente de alguém que lhes
proclame o ano aceitável do Senhor.
Eis aí o trabalho do ministério: evangelizar, ensinar, orar,
interpretar a época. Esta é -â tarefa da igreja no mundo. É ela de
algum modo relevante? Não é algo de que as pessoas necessitam?
Elas não estão morrendo por consegui-lo, procurando-o
desesperadamente? Eu deixo a resposta para você, mas se você
consegue enxergar estas coisas como eu, reconhecerá que não há nada
que possa ser mais excitante e que dê mais realização do que estar
engajado num ministério semelhante. Se você é um cristão, então este
é o seu ministério. Para isso você foi equipado ao receber certos dons
espirituais, e é para este fim que você tem dentro de si o poder de um
Senhor ressurreto, do qual você se nutre. 0 pastor e o evangelista, bem
como os apóstolos e os profetas, estão aí apenas para ajudar-lhe neste
ministério. Eles não o podem realizar sozinhos. Eles estão aí para
ajudar-lhe, e não você para ajudar a eles.
Talvez você diga: "Mas quando é que eu posso fazer isso?
Afinal de contas, tenho que ganhar a vida e não tenho tempo para
andar pregando e ensinando." A resposta para isso é fácil. Faça-o no
trabalho. Faça-o em sua casa. Este ministério é uma parte tão natural e
normal de sua vida como qualquer outra coisa que você fizer.
Obviamente, a maioria dos cristãos passa seu tempo fazendo o
trabalho do mundo, e é assim mesmo que deve ser. Não são todos que
são chamados a ser um pastor ou evangelista ou mesmo um professor.
A principal preocupação na vida de qualquer um é o exercício diário
de sua profissão. Mas se Jesus Cristo não tiver nenhuma participação
nisso, ele será Senhor das franjas de sua vida, do tempo livre, das
sobras.
Você já notou alguma vez que os personagens realmente
importantes do Novo Testamento não são os sacerdotes nem os
monges? Eles são os ovelheiros, pescadores, coletores de impostos, os
soldados, políticos, fazedores de tendas, médicos e carpinteiros. Eles é
que ocupam o centro do palco. Assim é que deve ser novamente hoje.
Você pode contar a boa nova de Deus no trabalho, se for dada a
ocasião, junto ao bebedouro do escritório, ou então na hora do lanche.
Você pode curar um coração aflito, dentro do carro, quando estiver
indo de carro para casa. Você pode ensinar a verdade libertadora na
hora do cafezinho, ou numa conversa na cozinha, ou orar uma prece
de libertação com um doente acamado. Você pode inspirar atitudes
cristãs em transações comerciais ou em problemas governamentais, e
elas podem até significar a diferença entre acordo e conflito, entre
céus e inferno.
Um homem cristão me contou recentemente que ele é membro
de uma comissão de renovação urbana em São Francisco, responsável
pelo desfavelamento de certas áreas daquela cidade. Em uma de suas
reuniões, a junta estava discutindo um novo projeto habitacional a ser
executado numa área já cheia de cortiços e prédios velhos. Surgiu o
problema do que se deveria fazer com as pessoas, que seriam
deslocadas até que o novo projeto estivesse pronto. Houve uma
"atitude geral de que isto seria problema deles; eles que o
resolvessem. Mas este homem disse: "Não, isto não é problema deles;
o problema é nosso. Nós não temos o direito de executar um projeto
habitacional, a não ser que assumamos a responsabilidade de ajudar a
essas pessoas a acharem outro lugar para morar. A solidariedade cristã
não nos permitirá fazer nada menos do que isso!" Defendeu seu ponto
de vista, e por ter se manifestado num momento crítico, levou a
comissão a enfrentar sua responsabilidade, de modo que
eventualmente a solução foi encontrada.
Nestes tempos apocalípticos, é fácil achar uma ocasião para
proclamar o ano aceitável do Senhor. É quase impossível evitá-lo!
Quase que em qualquer situação você pode acalmar os temerosos com
uma palavra positiva de esperança. Tudo que você precisa é uma
manchete de jornal ou um comentário de televisão, e você tem uma
porta aberta para contar aos homens daquilo que Deus está fazendo na
história e onde Ele diz que tudo terminará.
Nós nunca devemos nos esquecer da estória que Jesus nos conta
das ovelhas e cabritos, e da base do seu julgamento. O detalhe da
estória é que os cristãos não devem fugir às atividades que os
envolvem com o sofrimento do mundo. Os famintos precisam ser
alimentados; os nus, vestidos; os doentes, visitados, e os presos,
encorajados. Precisamos pôr em ação os nossos dons, os nossos
talentos. Não ousemos escondê-los sob o chão, como o fez aquele
servo negligente, em uma das parábolas do Senhor, pois algum dia
teremos que nos encontrar com Ele para acertar as contas.

Capítulo Dez

CUIDANDO DA SAÚDE DO CORPO


A obra do ministério, como vimos, está dirigida para um mundo
em sofrimento e desespero. Ela necessita de todo membro do corpo de
Cristo para que seja efetivamente realizada, conforme a intenção de
Deus. Também é preciso que os membros do corpo sejam
espiritualmente sadios, vibrando com a vida de Cristo que neles reside
através do Seu Espírito.
Nenhum atleta passa todo o seu tempo participando de corridas
ou de jogos para os quais ele é treinado; ele também passa muitas
horas se conservando em forma e desenvolvendo ao máximo as suas
habilidades. O mesmo se dá com o corpo de Cristo. A obra do
ministério nunca será realizada de modo adequado por uma igreja
fraca e doentia, dilacerada por dores internas e arruinada por males
espirituais. Por isso não é nenhuma surpresa que o esquema do
Espírito Santo para o funcionamento do corpo de Cristo indique que
os apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres existem não
apenas para equiparar os santos para a obra do ministério, mas
também para ajudá-los e apoiá-los num ministério mútuo que resulta
na edificação do corpo de Cristo.
Muito dano já foi causado por santos sem saúde, que tentaram
alcançar o mundo com evangelização ou assistência social em
espasmos de zelo dedicado, mas sem verdadeira saúde espiritual.
Carregados de problemas ainda não solucionados em suas próprias
vidas, e apresentando inconscientemente hipocrisias não-esclarecidas
em seus preconceitos e nas suas perspectivas de ação, suas atividades
espasmódicas na evangelização e no auxílio parecem ser imitações
ocas de cristianismo nos próprios olhos daqueles que eles esperam
alcançar. As suas próprias reuniões cristãs se transformaram em
rituais insípidos e enfadonhos, em que fazem uma representação
perfeitamente previsível, tudo conduzido numa atmosfera de
"reverência", que não permite contatos entre as pessoas, nenhuma
troca de idéias, nem uma discussão da verdade nem chance de mostrar
amor cristão, que não seja de um modo muito superficial.
O que está faltando demais é a experiência da "vida no corpo";
esta comunhão fervorosa de cristão com cristão, que o Novo
Testamento chama de koinonia e que era uma parte essencial do
cristianismo primitivo. O Novo Testamento coloca muita ênfase na
necessidade dos cristãos se conhecerem mutuamente, de modo tão
íntimo e achegado, que eles possam carregar os fardos uns dos outros,
confessar seus erros uns aos outros, repreender-se, admoestar e
exortar-se reciprocamente, ministrar-se com a palavra e através de
cantos e orações, vindo assim a compreender com todos os santos,
como diz Paulo, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a
profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo
entendimento (Efésios 3:18-19).
Onde, na estrutura costumeira e tradicional das reuniões de
igreja, é possível esse tipo de interação? Que é que fazem os líderes da
igreja para encorajá-la e para guiar a sua manifestação, através do
ensino da Escritura e com sábias admoestações? Alguma expressão
disso tem havido em reuniões particulares de cristãos, geralmente na
casa de alguém, mas isto tem sido por demais desencorajado pelos
líderes da igreja, como sendo elemento divisor, ou pelo menos visto
como uma ameaça à unidade da igreja.
Mas na igreja primitiva se evidenciava um ritmo de vida em que
os cristãos se reuniam nas casas para se instruir mutuamente, para
estudar e orar em conjunto e compartilhar o ministério dos dons
espirituais. Então eles saíam de novo para o mundo, a fim de deixar o
calor e o brilho das suas vidas plenas de amor transbordar num
testemunho cristão espontâneo, que atraía pagãos e sedentos de amor
como uma confeitaria atrai as crianças. Isto se identificava exatamente
com a exortação de Jesus a seus discípulos:
Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros;
assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto
conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos
outros (João 13:34-35).
A igreja primitiva confiava assim num testemunho duplo, como
um meio de alcançar e imprimir sobre um mundo cínico e descrente o
kerygma (proclamação) e a koinonia (comunhão). Foi a combinação
desses dois elementos que tornou seu testemunho tão poderoso e
eficiente. "Pelo depoimento de duas ou três testemunhas se estabeleça
toda palavra." Os pagãos poderiam desfazer facilmente a
proclamação, como simplesmente mais uma "doutrina" entre muitas;
mas eles viram que é muito mais difícil rejeitar a evidência da
koinonia. O interesse dos cristãos um pelo outro e sua evidente
consciência de estarem compartilhando a vida na mesma grande
família de Deus como irmãos e irmãs, deixava o mundo pagão se
lambendo de inveja. Foi isso que levou à observação muito citada de
um escritor pagão: "Como se amam mutuamente esses cristãos!"
A igreja de hoje deu um jeito de eliminar quase completamente
a koinonia, reduzindo seu testemunho apenas à proclamação
(kerygma). Com isso ela conseguiu fazer duas coisas de uma só vez:
eliminar a principal proteção da saúde interna da igreja e enfraquecer
enormemente seu testemunho efetivo diante do mundo exterior. Não é
de se admirar, por isso, que a igreja esteja passando por maus bocados
e seja considerada por tantos no mundo como sem qualquer
importância ou utilidade.
Está na hora de levar novamente a sério certas admoestações da
Escritura, que de alguma maneira estão sendo ignoradas
irresponsavelmente, até pelos denominados "cristãos bíblicos". Tome,
por exemplo, aquela enérgica palavra de Gálatas 6:2: Levai as cargas
uns dos outros, e assim cumprir eis a lei de Cristo. Observe que o
apóstolo está indicando que esta é a maneira pela qual é cumprida a
lei fundamental da vivência cristã. Esta lei é a palavra de Jesus acima
citada: Novo mandamento vos dou... que também vos ameis uns aos
outros (João 13:34). A lei do amor é cumprida apenas carregando-se
os fardos um do outro. Mas como podem os cristãos carregar os
fardos uns dos outros se eles não sabem quais são esses fardos? Deve-
se obviamente procurar alguma maneira de compartilhar esses fardos
com outros. Faz-se necessária uma certa honestidade e sinceridade
com outros cristãos e um reconhecimento mútuo de que não é nem
anormal nem espiritual ter fardos e problemas em sua experiência
cristã. De algum modo as máscaras precisam cair bem como as
fachadas que dizem "está tudo bem", quando as coisas estão de todo
jeito, menos bem. Freqüentemente a melhor maneira de se fazer isto é
em grupos pequenos, reunindo-se nas casas, se bem que muitos
possam ficar surpreendidos ao descobrir o quanto também as reuniões
de maior número de cristãos se podem caracterizar por esse espírito de
aceitação, que ama sem julgar, em que problemas profundamente
pessoais podem ser compartilhados abertamente, sem medo de
rejeição ou de provocar escândalo. (O capítulo doze descreverá
exatamente uma reunião dessas, que freqüentemente se compõe de
mais de mil pessoas.)
Levar os fardos um do outro significa pelo menos apoiar um ao
outro em oração. Significa também estai" disposto a gastar tempo,
tentando compreender profundamente o problema de outra pessoa e se
comprometer num certo esforço de aliviar tensões ou desânimo, ou de
achar algum modo de ajudar financeiramente ou com um conselho
sábio. Os cristãos não devem transferir tais responsabilidades às
autoridades governamentais, nacionais ou locais. A ajuda colocada à
disposição por essas fontes deve ser bem-vinda e usada, mas não há
nada que possa substituir um braço em torno do ombro, repetidas
orações em conjunto ou um conselho tranqüilizador de um irmão ou
irmã na família de Deus.
Outra exortação direta da palavra é a de Tiago 5:16: Confessai
os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para
serdes curados. Confessar as faltas certamente significa admitir
fraquezas e reconhecer fracassos no viver como cristãos. Muitas vezes
é difícil levar cristãos a fazer isso, apesar da clara orientação da
palavra. A gente vai contra a natureza, quando se dá uma imagem de
si mesmo que não seja perfeita, e muitos cristãos imaginam que serão
rejeitados pelos outros se admitirem quaisquer faltas. Mas, nada
poderia ser mais destrutivo à koinonia cristã do que o costume geral
de hoje, de se fazer de conta que não se tem problema algum. Muitas
vezes é assim que lares cristãos estão cheios de briga, discussões,
acessos de raiva e até ataques corporais de um membro da família
sobre outro, mas não se deixa escapar nenhuma palavra sobre isso
para fora e se cultiva cuidadosamente a impressão diante de outros
cristãos de que esta é uma família cristã ideal, sem quaisquer
problemas de conseqüências sérias.
Para piorar a situação, esse tipo de conspiração do silêncio é
considerada como a atitude cristã, e a hipocrisia apresentada (para não
falar daquela diante dos próprios membros da família) é vista como
uma parte do "testemunho" diante do mundo. Quão positivo, quão
maravilhosamente útil seria se um dos membros dessa família (de
preferência, o pai) admitisse honestamente, numa reunião de irmãos
cristãos, que sua família está passando por dificuldades em se
relacionar entre si, e que ela precisa muito de suas orações e conselhos
neste período de perturbação. Este membro da família haveria de
descobrir imediatamente pelo menos duas coisas: (1) que todos os
outros cristãos do grupo se identificam com o seu problema e o têm
em maior estima do que nunca, por causa de sua sinceridade e
franqueza; e (2) uma profusão de conselhos úteis se lhe abriria por
parte daqueles que já passaram por crises idênticas e com elas
aprenderam valiosas lições. Mais, as orações de outros cristãos,
dispostos a ajudá-lo a carregar seu fardo, desprenderiam um grande
poder espiritual para dentro desta situação, de modo que os membros
da família se tornariam capazes de ver de modo muito mais claro as
questões a serem resolvidas e a suportar com paciência e amor as
fraquezas uns dos outros. O próprio versículo que nos admoesta a
confessar as faltas, no livro de Tiago, diz logo em seguida: Muito
pode, por sua eficácia, a súplica do justo.12
É extremamente significativo que sempre que ocorreram
reavivamentos espirituais através dos séculos, eles eram
acompanhados por uma restauração da koinonia, da confissão das
faltas e do carregar os fardos uns dos outros. Durante o reavivamento
wesleyano na Inglaterra do século dezoito, o grande evangelista
George Whitefield escreveu a seus convertidos:
12
Citado por John R. W. Stott em One People: Laymen & Clergy in God's Church
(Downers Grove, Illinois: Inter-Varsity Press paperback), p. 88.
"Meus irmãos... contemos simples e livremente uns aos outros o
que Deus tem feito por nossas almas. Para isso vocês fariam bem,
como outros têm feito, em se unirem em pequenos grupos de quatro
ou cinco cada, reunindo-se uma vez por semana para dizerem uns aos
outros o que está em vossos corações; de modo que vocês então
também possam confortar-se e orar uns pelos outros sempre que se
fizer necessário. Ninguém que não o tenha experimentado pode saber
das indizíveis vantagens de tal união e comunhão de almas. ... Eu
creio que ninguém que realmente ama à sua alma e os seus irmãos
como a si mesmo se acanhará em abrir seu coração, a fim de que
obtenha o seu conselho, repreensão, admoestação e orações, conforme
a ocasião. Uma pessoa sincera o estimará como uma das maiores
bênçãos.
Quando esse tipo de compartilhamento e carregar mútuo de
fardos está ocorrendo numa igreja, ele aliviará grandemente a
sobrecarga de aconselhamento que os presbíteros ou pastores têm que
fazer. Muitos problemas emocionais e até mentais seriam resolvidos
logo de início através do amor e interesse genuínos de outros cristãos,
sem chegar às complicações que então requerem longas horas de
aconselhamento. As técnicas modernas de terapia de grupo se baseiam
neste mesmo princípio do compartilhamento, do qual a igreja
primitiva desfrutou tão ricamente.
É óbvio que existem certos assuntos íntimos ou escandalosos
que não deveriam ser mencionados numa reunião pública. Alguns
tipos de compartilhamento deveriam ser realizados em particular entre
dois ou três indivíduos de confiança e maduros em seu julgamento da
situação. Mas nenhum cristão deveria carregar sozinho um fardo
pesado. Os que têm o dom do encorajamento deveriam pôr-se à
disposição dos outros para esse ministério, e todo aquele que parece
retraído ou abatido deveria ser delicadamente encorajado a se
descarregar. O dom de um ouvido atento e um coração compreensivo
é às vezes o maior dom que um cristão pode proporcionar a outro Um
ponto essencial nesta questão de edificar o corpo de Cristo é a
admoestação do apóstolo em Efésios 4:15: segundo a verdade em
amor. No grego consta simplesmente "verdadeando em amor". Isto
significa não apenas dizer a verdade, mas demonstrá-la também em
todas as áreas da vida.
Mais uma vez a prática comum dos cristãos falha redondamente
neste ponto. Nós todos procuramos evitar um confronto desagradável.
Se alguém tem um hábito ou jeito desagradável ou irritante, temos
disposição suficiente para falar disso com os outros, mas dificilmente
dizemos qualquer coisa diretamente à pessoa. Se o fazemos,
geralmente é porque, já estamos tão irritados e furiosos que
protestamos ríspida e causticamente. O motivo do nosso silêncio é que
geralmente "nós não queremos magoá-lo". Com isto, naturalmente,
nós nos estamos enganando a nós mesmos. É a nós que não queremos
magoar, por ter de dizer a alguém uma verdade dolorosa. Mas, na
verdade, estamos causando um dano incalculável ao outro com o
nosso silêncio sem amor, pois nós o condenamos a continuar
ofendendo os outros e a sofrer rejeição, sem notar o que é que está
criando o problema. Ninguém o ama suficientemente para levá-lo de
lado e com amor e compreensão chamar a atenção para o hábito
irritante. O pior de tudo é batizar o silêncio e considerá-lo uma
característica do amor cristão.
Mas todo cristão já teve ocasião de sentir gratidão inexprimível
pela admoestação amável de algum amigo ou irmão, que o ajudou a
enxergar um ponto fraco e lhe mostrou como receber a graça de Deus
de modo que superasse um hábito incômodo e desagradável. Leais
são as feridas feitas pelo que ama (Provérbios 27:6). Nós precisamos
levar novamente muito a sério as palavras de Gálatas 6:1: irmãos, se
alguém for surpreendido mal numa falta, vós, que sois espirituais,
corrigi-o, com o espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas
também tentado.
Este é o ministério de lavar os pés uns dos outros, o qual Jesus
disse ser muito necessário entre os seus discípulos: Ora, se eu, sendo
o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés
uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos
fiz, façais vós também (João 13:14-15). Que Ele queria que isso fosse
tomado simbolicamente e não literalmente, pode-se depreender de
suas palavras: O que eu faço não sabes agora, compreendê-lo-as
depois (João 13:7). Não se pode jamais realizar esse trabalho de lavar
os pés do outro sem tomar o lugar de um servo, como o fez nosso
Senhor. Mas, como o Dr. H. A. Ironside costumava dizer, é de grande
ajuda ter cuidado com a temperatura da água que usamos! Alguns
chegam com água gelada e dizem: "Vamos, enfia o pé aqui dentro!"
Sua atitude fria e ameaçadora só desperta ressentimento. Outros estão
tão irritados e melindrados quando vêm, que parece que lhes estamos
lavando os pés com água fervendo. A única maneira é usar água
morna, que torna a conversa desagradável do lava-pés a mais amena
possível. O que nós não devemos fazer é dar meia volta e deixar a
pessoa irritante, sem reabilitação ou ajuda.
Um corpo saudável é necessário para realizar trabalho eficiente.
Tentar fazer evangelização enquanto o corpo de Cristo está doente e
indisposto, é pior do que não fazer nada. Não é difícil manter um
corpo de cristãos sadio e vital se os indivíduos envolvidos
(especialmente os líderes) procuram carregar os fardos uns dos outros,
confessar suas faltas mutuamente e instruir e admoestar-se
reciprocamente em amor, através da palavra de Deus. É deste modo
que a igreja está se tornando aquilo que o seu Senhor deseja: igreja
gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem cousa semelhante (Efésios
5:27).

Capítulo Onze

A META É A MATURIDADE
Agora, precisamos examinar em conjunto a grande declaração
de Paulo sobre o objetivo e a meta de todo esse grandioso e vasto
empreendimento de Deus entre os homens. Que é que Deus está
fazendo através da igreja? Que está Ele procurando? Qual é a
finalidade de tudo isso? Paulo diz que é:

... até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno


conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da
estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como
meninos, agitados de um lado para outro, e levados ao redor por todo
vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que
induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em
tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem
ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a justa
cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a
edificação de si mesmo em amor. (Efésios 4:13-16).

Duas vezes nesta grandiosa passagem o apóstolo nos dá a meta


última da vida na fé. Ela é o critério pelo qual nós podemos medir
nosso progresso como cristãos. No versículo 13 ele diz que ela é a
medida da estatura da plenitude de Cristo. E no versículo 15 ele nos
exorta a crescer em tudo naquele que é o cabeça, Cristo. Ele também
o formula com uma expressão que caracteriza excelentemente o que
deseja dizer: ''Perfeita varonilidade"! 13 Isto quer dizer você e eu
completando a nossa humanidade, sendo aquilo que Deus tinha em
mente de início, quando ele criou homem e mulher.
Observe que o objetivo supremo da igreja não é a evangelização
do mundo. Eu sei que freqüentemente nos é dito que este é o alvo e o
propósito supremos da igreja. Certamente esta grande incumbência
está na Bíblia, e Jesus nos enviou a pregar o evangelho a toda criatura.
Esta é uma coisa muito importante, mas não é a coisa suprema, a meta
final. Romanos 8:29 fala de Deus predestinando os seus a serem
conformes à imagem de seu Filho. Este é o alvo final de toda
evangelização.
Paulo aqui também não diz nada de realizar a paz mundial e a
justiça universal. Ele não diz que no final a igreja introduzirá o
milênio. Podemos muito bem acreditar na grande visão dos profetas,
de que virá um dia em que reinará a paz na terra; os homens fundirão
suas lanças em podadeiras e suas espadas em relhas de arado, e
deixarão de fazer guerras. Algum dia a retidão prevalecerá sobre a
terra e todas as histórias de injustiça, aflição, tragédia e ódio, que nos
são tão familiares, estarão esquecidas. Mas este não é o grande
13
"Mature manhood", ou seja, "varonilidade madura", daí o título deste capítulo.
(Nota do Tradutor).
propósito final para a existência da igreja.
A coisa suprema, a coisa que Deus procura acima de tudo, é
produzir neste mundo presente homens e mulheres que tenham a
humanidade de Jesus Cristo. Ele não quer santos vestidos de branco,
homens de igreja realizados ou peritos religiosos; o que ele quer é que
você e eu sejamos seres humanos amadurecidos, responsáveis, bem
ajustados e sinceros como Jesus Cristo!
Bem no fundo do seu próprio coração não é isso mesmo que
você deseja apaixonadamente? Você quer ser uma pessoa por inteiro,
um ser humano completo. Você quer descobrir e realizar tudo aquilo
que Deus colocou dentro de você. A prova de que isto está no fundo
de todo coração humano é que os psicólogos o confirmam: todos nós
temos uma imagem mental de nós mesmos, que se aproxima em alto
grau ao nosso ideal de humanidade. Nós tendemos a pensar de nós
mesmos como sendo muito mais maduros do que realmente somos. A
nossa capacidade de nos auto-iludirmos às vezes é incrível. Até
quando tentamos ser implacáveis e brutalmente honestos em relação a
nós mesmos, podemos detectar uma auto-estima assustadora.
Podemos dizer: "Eu sou cabeçudo, tolo e egoísta", mas deixe alguém
concordar conosco neste ponto e imediatamente erguemos as
sobrancelhas e dizemos: "O que você quer dizer? Por que você diz
isso?" Isso é porque nós almejamos tanto realizar nossa humanidade,
ser o tipo de pessoa que gostaríamos de ser.
Mas é para isso que a igreja está aí. Ela é o veículo designado
por Deus para conseguir humanidade matura — uma humanidade
exatamente como a de Jesus Cristo. Agora nós fechamos o círculo,
pois foi aqui que o apóstolo começou: a igreja deve realizar a sua
vocação, que é demonstrar ao mundo um novo caráter (humildade,
amor e unidade) através de um corpo habitado pelo próprio Deus.
O processo pelo qual esse caráter é alcançado é um de
crescimento. As coisas não acontecem de uma vez. No versículo 15,
Paulo diz: Cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo. E mais
uma vez, na última parte do versículo 16, ele diz que o corpo efetua o
seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.
Crescimento é o método de Deus. É um processo, e não acontece da
noite para o dia. É uma questão que leva tempo.
Eu gostaria de sugerir que isso é muito importante. Conheço
muitos cristãos que ficam muito perturbados quando, ao se tornarem
cristãos, não se vêem súbita e profundamente transformados em
criaturas angelicais. Eles ainda encontram bem presente uma boa parte
da antiga vivência. As velhas atitudes continuam a segurar e controlar
suas vidas. Não sabem como enfrentar esta situação e muitos se vêem
tentados a crer que isso é um sinal de que eles não são, absolutamente,
cristãos verdadeiros. Se sua fé está em Cristo, é claro que são cristãos,
mas precisam aprender que há um processo de crescimento que deve
vir em seguida e que leva tempo para que se consiga crescimento.
Esta necessidade de crescimento é o motivo pelo qual as
Escrituras advertem contra a colocação de um novato, um novo
cristão numa posição de autoridade. Ele simplesmente ainda não teve
a experiência suficiente, que o fizesse amadurecer, a ponto de receber
uma função responsável. O seu conhecimento intelectual da doutrina
cristã pode ter crescido de modo rápido e impressionante, mas
conhecimento exclusivamente não perfaz um homem de Deus.
Somente o passar do tempo também não garante o crescimento, mas
se os fatores necessários ao crescimento estão presentes, ainda levará
algum tempo até que se dê o crescimento adequado. Lembra-se de
como o coloca o autor da carta aos Hebreus? Pois, ... quando devíeis
ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes novamente
necessidade de alguém que vos ensine... (Hebreus 5:12). Eles tinham
sido cristãos o tempo suficiente para serem mestres, mas alguma outra
coisa tinha trancado o seu desenvolvimento. Mas o tempo foi um
elemento importante para o seu amadurecimento.
Novos cristãos também deveriam compreender que o
crescimento não vem por tentativas. Você não pode, como Jesus
salientou, adicionar um cúbito sequer à sua estatura através de puro
pensamento. Você não pode dizer: "Agora eu vou tentar crescer." As
crianças cresceriam muito mais depressa se isso funcionasse, mas o
caso é que não funciona. O que é que se faz então, para crescer? Você
precisa se assegurar de que os fatores necessários para o crescimento
estejam presentes. Se este for o caso, o crescimento se dará por si
mesmo, de modo natural e não forçado. Já examinamos muitos desses
fatores, mas eles são resumidos pelo apóstolo como sendo dois nesta
última passagem: progredindo na unidade da fé e no conhecimento do
Filho de Deus. Estes fatores, diz ele, levarão à varonilidade perfeita,
matura, a medida da estatura da plenitude de Cristo (Efésios 4:13).
A unidade da fé é a compreensão compartilhada, na igreja, das
grandes verdades reveladas nas Escrituras. Uma nova luz emana
constantemente das Escrituras por intermédio de profetas e mestres
individuais, que recebem estes novos conhecimentos através do
Espírito Santo. Mas então eles precisam ser amplamente
compartilhados no corpo, ou nenhuma nova verdade será oferecida.
Cristãos novos crescem quando se esforçam em compreender as
Escrituras com a ajuda de mestres 'e líderes que lhes são acessíveis,
dentro do corpo de Cristo. Nenhum crescimento em direção à
plenitude pode ocorrer sem esse aumento na unidade da fé, através da
compreensão da doutrina cristã.
Mas ele também precisa ser acompanhado por um aumento do
conhecimento do Filho de Deus. Isso se refere à experiência, a um
crescente encontro com o próprio Senhor Jesus, de modo que se venha
a conhecê-lo mais e mais, direta e pessoalmente. Isso também é
necessário para a maturidade. Este é o outro fator que possibilita o
crescimento. Este encontro se dá quando o conhecimento da fé é posto
em prática. Você não pode conhecer a Jesus Cristo, enquanto não
começar a segui-lo. Os discípulos eram simples conhecidos de Jesus
Cristo, antes de se tornarem seus discípulos. Isto é evidente nos
evangelhos. Mas eles nunca o chegaram a conhecer de fato, enquanto
não largaram tudo e o seguiram. É particularmente aqui que nós
recebemos ajuda através das orações e do interesse dos outros
membros do corpo. Em nosso relacionamento mútuo a nossa
experiência do Senhor, que vive dentro de nós, é aprofundada e
ampliada. Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos,
a mim o fizestes (Mateus 25:40). Isto Jesus disse quando Ele revelou o
critério de julgamento para o dia final.
Já que o crescimento é uma questão de conhecimento mais
obediência e mais tempo, não precisamos desanimar se notamos que
ainda não somos perfeitamente como Cristo. Um desses botões
populares usados entre os cristãos tem inscritas as letras
PFTPDANEPC, que são as iniciais de "Por Favor, Tenha Paciência,
Deus Ainda Não Está Pronto Comigo". Este grande fato nunca deve
ser utilizado para defender uma certa má vontade em relação à
mudança, pois a disposição apropriada a um cristão sadio é de uma
ânsia em crescer. Eu me lembro de ter perguntado uma vez a um
menino, qual a sua idade. Rápido como um relâmpago ele disse: "Eu
tenho doze anos, quase treze, indo para catorze". Nós não precisamos
nos perguntar: "Será que eu sou maduro? Sou eu perfeitamente como
Cristo?" O que precisamos perguntar é: "Será que estou a caminho?
Há algum progresso? Estou eu crescendo na direção certa?"
Para nos auxiliar nessa avaliação, o apóstolo nos dá dois meios
práticos pelos quais podemos medir nosso crescimento em direção ao
amadurecimento completo. Um é negativo e o outro positivo. Ele o
coloca negativamente, primeiro:

Para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado


para outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela
artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.
(Efésios 4:14).

Se você deseja saber se está crescendo ou não, não se meça por


comparação com outra pessoa. Isso nada lhe dirá. Mas pergunte a si
mesmo: "Estou eu me afastando de atitudes infantis? Será que estou
abandonando as criancices? Sou eu ainda governado por reações
infantis e explosões emocionais?". Esta é a primeira forma de medir o
seu grau de amadurecimento.
É importante observar que freqüentemente as Escrituras nos
exortam a ser como crianças, mas nunca infantis. São duas coisas bem
diferentes. Ser como uma criança é aquela simplicidade refrescante da
fé, que confia em Deus e age sem questionar. Mas infantilidade aqui é
descrita pelo apóstolo como instabilidade e ingenuidade.
As crianças são notoriamente inconstantes. Sua capacidade de
atenção não é muito extensa. Não se pode interessá-las por uma coisa,
sem que elas logo percam seu interesse e se dediquem a alguma outra
coisa. Elas são instáveis, jogadas para lá e para cá e dirigidas pelas
circunstâncias diversas. Esta é a característica invariável de um crente
imaturo, seja ele novo na fé ou não-desenvolvido em sua experiência
cristã. Existem modas e coqueluches na vida religiosa, e os cristãos
imaturos sempre estão na crista de uma nova onda. Eles sempre estão
correndo atrás do livro ou mestre mais recente e enaltecendo-os, como
se fossem à última resposta à necessidade espiritual. Com os anos, eu
notei que isto é um sinal de imaturidade. Eles não falam assim da
Bíblia, se bem que este seja o livro mais excitante de todos.
Esta vacilação também pode ser vista no campo das ações. O
cristão infantil se manifesta através de deslealdade e
irresponsabilidade. Muitas vezes cristãos novos assumirão um
ministério ou uma tarefa com grande vontade e interesse. Mas não
demora muito e seu interesse se esvai, a "gasolina" acaba e eles
desanimam. Em breve eles nem aparecem mais. Quando notamos que
não podemos confiar muito num cristão novo, podemos perdoá-lo
facilmente, mas isso é muito mais difícil quando se trata de alguém
que já é cristão por muitos anos. Uma parte do fruto do Espírito,
porém, é a fidelidade — amor, alegria, paz, longanimidade,
benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gálatas
22-23).
Uma outra característica da infantilidade é a falta de
discernimento, a ingenuidade. Você já notou como as crianças
freqüentemente não se dão conta do perigo? Elas podem brincar
perigosamente, sem estar conscientes de que alguma coisa as ameaça.
Assim os jovens cristãos são freqüentes vítimas da artimanha dos
homens, da astúcia com que induzem ao erro (Efésios 4:14). Isto é
uma descrição bem adequada dos muitos cultistas, charlatães
religiosos, falsos profetas e mestres tão abundantes hoje em dia e que
prendem muitos jovens cristãos (bem como crentes imaturos, mais
velhos) com seus ensinamentos, que parecem tão inocentes. Uma
atitude infantil sempre se manifesta através de uma segurança
exagerada, uma arrogante certeza de que ninguém precisa se
preocupar com eles, que eles não vão cair. Pode-se ver isso no que
Pedro disse antes da Crucificação: "Senhor, outros podem, negar-te
(especialmente esses outros discípulos teus), mas há um homem com
quem tu podes contar, e este sou eu. Eu te ajudarei, Senhor". Mas o
Senhor disse: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que
duas vezes cante o galo, tu me negaras três vezes (Marcos 14:30). É
isso que valia a sua imaturidade zelosa e séria!
Agora vem a pergunta: E você? Quanto você cresceu? Você está
se distanciando dessas maneiras infantis de instabilidade e confiança
excessiva? Você está crescendo na fé e no conhecimento do Filho de
Deus?
O crescimento não se dá sempre numa velocidade constante. As
Escrituras indicam que se podem distinguir etapas. Você já observou
alguma vez uma criança crescendo? Os pais sabem que o crescimento
segue um esquema físico em fases definidas. Um amigo me contou
recentemente sobre seu filho de catorze anos e seu rápido crescimento
para a virilidade. Ele tinha crescido trinta centímetros no ano passado.
O pai disse que por catorze anos ele pudera calçar um certo número de
sapato sem concorrência, mas de repente seu filho teria desenvolvido
o mesmo tamanho do pé, e o pai via seus sapatos* sendo
constantemente emprestados ao filho. Mas então ele disse, com um
suspiro de alívio: "A última vez em que fomos comprar sapatos para o
rapaz, seus pés já estavam maiores do que os meus. Quer dizer que
agora eu estou a salvo de novo." Assim é que se dá o crescimento, por
estágios.
Entremos na vida cristã como nenês, e talvez cresçamos
bastante no início. E então pode ser que, por um bom tempo,
resistamos aos grandes princípios que regem o desenvolvimento do
cristão. Talvez nós nos surpreendamos ao notar que Deus pretende
fazer uma coisa bem diferente conosco do que pensávamos ao nos
tornarmos cristãos. Resistimos a essas mudanças e não gostamos da
maneira com que lida conosco às vezes, de modo que o crescimento
diminui. Mas finalmente Ele nos leva a ceder e a aceitar os princípios
radicais, de modo que nos dispomos a compreendê-los. Então nós
passamos por um novo surto de crescimento. Sentimos que superamos
finalmente nosso temperamento violento e nossa natureza impetuosa e
pensamos que aprendemos a sentir, e este sou eu. Eu te ajudarei,
Senhor". Mas o Senhor da nossa amargura, nossos rancores, nossa
inveja e outras coisas deploráveis. E então, para nosso desalento,
temos de lidar com a pessoa errada ou com uma crise repentina, e
pronto! Lá vem tudo de novo! Nós nos alquebramos com o desânimo
e vamos ao Senhor e dizemos: "Que é que há, Senhor? Por que é que
ainda sou tão imaturo?"
Você nunca se sentiu assim? Eu, sim, muitas vezes. Mas Deus
ainda não está pronto conosco e aos poucos nós vamos conhecendo as
manhas da carne e como é difícil detectá-las. Ao olharmos para trás,
podemos ver que nós também estamos seguindo os estágios esboçados
pelo apóstolo João como partes do crescimento cristão normal:
crianças — rapazes — pais. Pode ser que alcancemos um grau relativo
de maturidade dentro de alguns anos após a conversão, mas nós
estaremos envolvidos neste processo de crescimento durante toda esta
nossa vida presente. Afinal de contas, como alguém já salientou, Deus
leva anos para fazer crescer um carvalho, mas um pé de abóbora ele
faz em três meses. O mundo já viu que chega de "abóboras" cristãs.
Mas há um outro modo de medirmos nosso crescimento.
Negativamente, nós podemos marcar a distância em que as atitudes
infantis ficaram para trás, mas existe também uma medida positiva.
Paulo diz: Seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo (Efésios
4:15). Anteriormente, observamos que isto poderia ser traduzido como
"sendo verdadeiro no amor", isto é, vivendo a verdade em amor.
Como vimos, isto significa essencialmente o desenvolvimento de
atitude honesta e realistas; não uma franqueza brutal, mas uma
aceitação graciosa em amor. Se isto deve ser manifesto para os outros,
então nós precisamos começar com a nossa atitude em relação a nós
mesmos. "Ama a teu próximo corno a ti mesmo", é a afirmação de
uma lei fundamental da vida.
Amadurecimento significa a volta ao realismo sobre você
mesmo. Significa aceitar-se a si mesmo, como Deus aceita a você:
uma pessoa com certas características imutáveis, que o próprio Deus
lhe deu e que por isso são vantagens, não importa o quanto elas lhe
pareçam ser desvantagens agora. Elas são: sua aparência exterior, seu
temperamento, sua família e seus ancestrais, e seus dotes mentais.
Tendo-os todos, você agora aprende que, como um cristão, você é um
filho bem-amado de um Pai celeste, que está lhe ensinando
pacientemente a confiar na vida de seu Filho, dentro de você, como o
único recurso de que você precisa para enfrentar a todas as exigências
que a vida lhe possa fazer. Ele sabe que você não aprende isso com
facilidade, e Ele de antemão tomou providências para que todo erro ou
fracasso (proposital ou não) que você cometa, nunca diminua de
alguma maneira o seu dedicado interesse por você e cuidado paternal
sobre você. Para o seu próprio bem, entretanto, Ele deseja que você
reconheça esses fracassos e pecados, assim como eles são, e que você
seja realista (maduro) quanto a eles, chamando-os exatamente como
Ele os chama. Enquanto você não se dispuser a fazê-lo, sentirá
dificuldade em notar o Seu irredutível amor por você, porque você
sucumbiu temporariamente perante as mentiras do Inimigo. Mas
quando vê o que está acontecendo e volta' à realidade, enfrentando
esses fracassos honestamente como eles são, você é imediatamente
libertado novamente, para gozar o calor e o enriquecimento concedido
pelo Seu amor paternal. E, mais uma vez, você tem à sua total
disposição todo o poder de agir, inerente à vida de um Senhor
ressurreto. Seu progresso no amadurecimento pode, portanto, ser
medido pelo grau em que você aceita em amor a verdade sobre você
mesmo e outros. Esta verdade será tão chocante quanto benéfica.
Você ficará chocado ao ficar sabendo o quanto você ama e deseja
preservar atitudes e até atos revelados pela Escritura como
procedentes da carne, a velha natureza, a qual a cruz de Cristo
condenou totalmente. Mas você receberá cura e ajuda ao compreender
que não mais precisa destas atitudes e atos para se tornar aceitável e
amado por Deus, e você pode então ser você mesmo, na verdade; você
pode viver diante dos homens sem pretensões, sem precisar proteger
ou esconder alguma coisa, fazer pose ou defender-se. Isto é
maturidade.
Existe um fenômeno que se vê freqüentemente em missionários
que vão pela primeira vez a um país estrangeiro, chamado de "choque
cultural". Ele acontece quando a pessoa se vê lançada numa situação
completamente nova, em que todos os traços familiares que a faziam
se sentir à vontade estão ausentes. Ele se vê incapaz de se comunicar
com os outros, para lhes mostrar, assim, sua inteligência e seu valor.
Isto se dá especialmente quando se precisa aprender uma nova língua,
e quando, mesmo após meses de estudo, a gente não se sente capaz de
manter uma conversa em nível mais alto do que o de cozinha. Isto
pode ser uma experiência muito desconcertante e perturbadora.
Entre novos missionários, este choque cultural se manifesta
muitas vezes sob uma forma de rejeição. Eles rejeitam o país em que
estão; não suportam nada nele, achando que tudo está errado. Eles
criticam e acham falhas em quase tudo. Às vezes, a rejeição é dirigida
contra o Conselho de Missão que os enviou. Eles acusam o Conselho,
e seus colegas missionários, dizendo que tudo saiu errado, porque eles
não tinham recebido o treino nem preparo adequados antes de
entrarem naquele trabalho. Outras vezes a rejeição se volta contra eles
mesmos e se consideram culpados por tudo. Acham que são
completamente desajeitados e fracassados, e que não servem para a
função de missionários. Quando mais velhos e sábios, os missionários
aprendem a reconhecer a rejeição como um sintoma do choque
cultural e muitas vezes conseguem milagres ao ajudar um missionário
novo a atravessar a crise com segurança e firmeza.
Uma coisa muito parecida acontece também com todo novo
cristão. Afinal de contas, o cristianismo é um modo de vida totalmente
diferente. Ele se baseia em recursos completamente outros e requer
reações bem opostas às que usamos como homens "naturais". O que
se dá é uma espécie de choque cultural, quando aprendemos que todas
as escoras familiares do nosso ego nos foram tiradas e nos vemos
confrontados com o choque de auto-descoberta. Ficamos sabendo que
grande parte da aceitação de que gozávamos por parte de outros,
dependia da impressão que fazíamos, mas que de modo algum
correspondia à realidade dentro de nós. Era uma máscara, um papel
que estávamos desempenhando, uma fantasia de nossa imaginação.
Todas as técnicas para salvar o ego, comumente empregadas
pelo mundo, e que anteriormente achávamos perfeitamente aceitáveis,
nos são agora inaceitáveis, como cristãos. A base geralmente usada
para um relacionamento confortável com os outros (você coca as
minhas costas e eu coco as suas), não pode ser mais aprovada.
Aprendemos que devemos amar os nossos inimigos, fazer o bem
àqueles que nos usam desdenhosamente e orar por aqueles que nos
perseguem. O efeito que tem sobre os outros a nossa atração física ou
pessoal, ou o caráter deslumbrante de nossa personalidade, agora
consideramos como algo totalmente indiferente para o Espírito. Santo.
Isso produz um choque cultural, que pode ser terrivelmente
desconcertante e assustador. Mas se isso é realmente compreendido e
aceito, e se com isso aceitamos a nova realidade do amor de um Pai
celeste e o poder ativo de um Senhor vivo e presente em nós, então
nos veremos livres — livres para sermos homens e mulheres vivendo
como Deus queria que homens e mulheres vivessem, quando Ele os
fez originalmente. O grau dessa liberdade, experimentada no dia a dia,
é a medida do nosso amadurecimento.
Na conclusão dessa passagem, o apóstolo menciona mais uma
coisa que é de grande importância. Ele diz que esse crescimento em
direção à maturidade tem lugar no contexto de... todo o corpo, bem
ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a justa
cooperação de cada parte (Efésios 4:16). Paulo diz que um dos
fatores essenciais ao crescimento é aceitar o ministério dirigido por
outros cristãos a você. As partes do corpo são feitas de tal maneira que
vão ao encontro das necessidades umas das outras — elas estão
"ajustadas e consolidadas". Na realidade o apóstolo chega a cunhar
uma palavra, para expressar o ministério mútuo dos membros do
corpo entre si. A palavra para "ajustado" é composta de três termos
gregos: um é a raiz da nossa conhecida palavra "harmonia"; outro
significa "com"; e o terceiro quer dizer "escolher". A idéia que ele
quer transmitir é a de que o ministério honesto, mas amável, de cristão
para cristão, importa em contínuas escolhas feitas em harmonia, de
modo que o resultado final seja um testemunho perante o mundo, que
faz o corpo crescer em número e o fortalece espiritualmente.
Isto significa, portanto, que você está onde está porque é ali que
Deus quer que você esteja. Ele colocou você em meio aos cristãos,
porque eles são o tipo de pessoas de que você precisa, e você é o tipo
das de que eles precisam. Pode ser que viver com eles seja uma coisa
bastante melindrosa, espinhosa e dura, mas é deles que você precisa
agora. Na medida em que cada membro do corpo aceita este fato, e
ministra um ao outro com sinceridade e amor, cada um fazendo aquilo
para que está equipado, uma maravilhosa harmonia surgirá, que é
essencial para o amadurecimento de todo o corpo.
Não rejeite os instrumentos de Deus. Ele sabe melhor do que
você o que lhe faz falta. Não faça do lugar, em que ele o colocou, um
problema. Aceite-o, receba-o bem e procure relacionar-se em amor
sincero com os outros cristãos ao seu redor. Haverá sofrimento, às
vezes, mas através do sofrimento vem o crescimento. E ao tocar
adiante, lembre-se de que a cada dia, a cada hora, a cada momento, o
Espírito de Deus está produzindo um milagre. Cristãos estão
crescendo, individualmente, em direção à virilidade de Jesus Cristo, e
todo o corpo em conjunto está manifestando mais e mais claramente,
perante um mundo que observa, a ben-fazeja, equilibrada, bem
ajustada e hábil virilidade da estatura de Jesus Cristo. É disso que se
ocupa a igreja.
Capítulo Doze

IMPACTO
O que acontece, quando uma igreja no século vinte começa a
operar com base nesses princípios? Será que hoje eles funcionarão tão
bem como na igreja primitiva? A resposta é um retumbante Sim!
Quando Jesus disse: Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus 16:18), Ele
tinha em vista todos os séculos até a sua volta. Dr. E. M. Blaiklock,
professor de Línguas Clássicas na Universidade de Auckland na Nova
Zelândia, disse uma vez: "O século vinte é, de todos os séculos, o que
mais se parece com o primeiro." Mais uma vez os cristãos são uma
pequena minoria no meio de um mundo pagão em desespero, e se
defrontam por todos os lados com violência, hostilidades, ignorância,
imoralidade difundida e desespero existencial. Eles foram, portanto,
lançados de volta ao exato ambiente do primeiro século, em que
ocorreram os eventos e triunfos do Livro de Atos.
Como vimos, o cristianismo do Livro de Atos não é um
cristianismo incomum — ele é normal, costumeiro e típico como
estava designado a ser. O cristianismo estéril, formal e doutrinário da
nossa época, este, sim, é a distorção com sua frieza, sua rigidez
estreita, seus rituais mecânicos e seu cômodo conformismo. Cada
século tem suas formas distorcidas de cristianismo, mas cada século
também conheceu pelo menos alguma coisa da força vital e
transformadora de Jesus Cristo, atuando através do seu corpo. Este
poder se tem manifestado também no século vinte, com muito vigor
em certas épocas e lugares, e muito mais fraco em outros lugares,
dependendo de quanto as igrejas, cada uma por sua vez, deliberada ou
involuntariamente se dispuseram conforme o esquema bíblico de
operação que vimos descobrindo.
Talvez seja conveniente resumirmos este esquema em um ou
dois parágrafos, de modo que ele esteja claramente diante de nossos
olhos. A igreja está aqui na terra, não para fazer aquilo que outros
grupos podem fazer, mas para fazer aquilo que nenhum outro grupo
de seres humanos é capaz de realizar. Ela está aqui para manifestar a
vida e o poder de Jesus Cristo, em cumprimento do ministério que foi
dado a Ele pelo Pai, como ele mesmo o disse na sinagoga de Nazaré:
O Espírito do Senhor está sobre mim... para evangelizar aos pobres...
para proclamar libertação aos cativos e restauração de vista aos
cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano
aceitável do Senhor (Lucas 4:18-19).
Este ministério redentor deve ser executado pela atividade de
muitos, e não apenas de uns poucos. É preciso toda a igreja para
executar o trabalho da igreja. Para este fim, todo cristão é dotado de
certos dons que foram prometidos pelo Cristo ressurreto, quando ele
subiu ao trono do Pai e tomou as rédeas de todo o universo. O
objetivo supremo da vida de cada cristão é descobrir esse dom e pô-lo
a funcionar. Se um, que seja, não o fizer, todo o corpo sofrerá.
O poder através do qual estes dons devem operar é o de uma
confiança constante na vida recebida de um Senhor ressurreto e que
mora dentro de nós. No mais, foram tomadas todas as providências
para a descoberta, desenvolvimento e operação desses dons espirituais
no poder da ressurreição, através do ministério diretivo dos apóstolos,
profetas (que colocaram os fundamentos da fé), evangelistas e
pastores-mestres (que utilizam a palavra de Deus para motivar, limpar
e fortalecer as pessoas em suas tarefas). Ao fazer tudo isso, a igreja
estará operando como sal e luz em meio a um mundo de corrupção e
escuridão, e ao mesmo tempo ela mesma estará crescendo em direção
a uma manifestação sempre mais nítida da perfeição e beleza do
caráter humano de Jesus Cristo. Este é todo o programa.
Com muita hesitação, eu me volto agora à experiência feita
numa igreja em particular, a fim de demonstrar, a partir da vida real,
como estes princípios de fato funcionam bem neste mundo moderno.
A igreja que me refiro é aquela em que eu tenho tido o privilégio de
ser um pastor-mestre por mais de vinte anos (desde 1950). Trata-se da
"Península Bible Church", localizada na península de São Francisco
em Paio Alto, na Califórnia. Estou bem consciente de que existem
muitas outras igrejas no mundo que serviriam de ilustração para os
princípios que estudamos, e, sem dúvida, algumas delas seriam
exemplos muito mais claros e melhores do que a "Península Bible
Church". Mas minha experiência limitada me força a escrever
somente sobre a igreja que melhor conheço, identificada
familiarmente por seus membros como PBC.
Preciso também deixar claro, desde o início, que a PBC não é de
modo algum uma igreja perfeita. Cometemos muitos erros através dos
anos, e alguns deles foram realmente graves. Ainda somos aprendizes
em alto grau, orientados pelo Espírito Santo para visões
constantemente novas e para uma compreensão mais clara dos
princípios que procuramos seguir. Aprendemos muito da experiência
e do ensino de outros e nos sentimos profundamente endividados para
com membros do corpo em outros lugares, por seu ministério a nós
dirigido e altamente necessitado. Em comparação com muitas outras
igrejas ao redor, encontramos o que muitos chamam de uma invejável
plataforma para o sucesso; mas em comparação com as comunidades
do Novo Testamento, freqüentemente ficamos muito aquém; e talvez
podemos ser melhor descritos com a palavra dirigida por Jesus à
igreja em Filadélfia, na Ásia Menor: Eis que tenho posto diante de ti
uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar — (eu sei) que tens
pouca força, entretanto guardaste a minha palavra, e não negaste o
meu nome (Apocalipse 3:8).
A PBC foi iniciada por cinco homens de negócio em 1948, os
quais sentiam com suas famílias a necessidade de uma ocasião mais
viva para a comunhão informal e para o estudo bíblico, do que
estavam recebendo nas igrejas que então freqüentavam. Não tinham
qualquer intenção de começar uma nova igreja, mas apenas desejavam
complementar a dieta espiritual que estavam recebendo. Para isso,
alugaram uma pequena sala no Centro Comunitário de Paio Alto e
começaram" a se reunir domingos à noite, enquanto continuavam a
freqüentar as suas próprias igrejas na parte da manhã. Agora é
possível olhar-se para trás e verificar que, do que eles estavam
sentindo falta, era de koinonia, a vida do corpo da igreja primitiva.
Isto eles alcançaram em grau considerável, e as reuniões eram tão
acolhedoras e interessantes, que elas atraíram muitos outros que
apareciam regularmente para o ensino bíblico (freqüentemente
dirigido por pastores visitantes), para os cultos musicados e para
aproveitar a atmosfera informal.
Este ministério foi tão aceitável, que ao fim de um ano algumas
pessoas se dirigiram aos cinco líderes com o pedido de que houvesse
Escola Dominical aos domingos de manhã, além da reunião da noite,
já que também as crianças precisavam da mesma instrução bíblica que
os pais estavam recebendo à noite. Isto foi feito, e no outono de 195(1
o número de freqüentadores regulares, adultos e crianças somados,
estava em torno de 100 por semana. Isto exigia demais dos cinco
líderes, pois o tempo que tinham à disposição era muito limitado, e
assim, em setembro de 1950, por uma providência bastante óbvia do
Senhor, eu tive o privilégio de vir a este grupo como seu primeiro
pastor de tempo integral.
De todos os princípios que discutimos neste livro, o único que
estava claro para mim, na época da minha chegada, era a profunda
convicção, derivada de Efésios 4, de que o trabalho do ministério
pertencia aos leigos, e não ao pastor. Minha idéia sobre este ministério
era bastante vaga, mas desde o início eu senti que a minha tarefa como
pastor era desdobrar a palavra de Deus em sua plenitude e da melhor
maneira possível, deixando aos leigos a responsabilidade maior de
visitar os doentes, presidir e dirigir os cultos e evangelizar o mundo.
De saída nós fixamos a orientação de que não faríamos evangelização
direta nos cultos normais ou dentro do edifício da igreja, e sim toda a
evangelização seria realizada nos lares, terrenos, salões alugados ou
outros locais públicos de reunião.
Uma das nossas realizações mais características dos primeiros
anos era o ministério de Estudo Bíblico nas casas. Estes não tinham o
objetivo de ensinar a cristãos, mas de interessar não-cristãos nos
grandes temas do evangelho. A sua abordagem era feita de propósito
num nível bastante simples, sem qualquer atividade que tivesse gosto
de igreja, como cantar hinos, oração de abertura, filas de cadeiras ou
estante de leitura etc. O casal anfitrião eram pessoas-chave, recebendo
em sua casa amigos e visitantes a quem faziam sentir-se à vontade,
como se se tratasse de uma ocasião puramente social. Um professor
leigo ensinava sobre a Bíblia, procurando captar conceitos bíblicos e
expressá-los em linguagem atual, convidando-se então à discussão
completamente livre. Todos estavam livres para pôr em dúvida o que
foi apresentado, se quisessem, e suas dúvidas eram ouvidas
atentamente e com cortesia, procurando-se então uma resposta a partir
das próprias Escrituras,
Estas reuniões se tornaram um sucesso instantâneo e eram tão
populares, que as discussões às vezes envolviam dezenas e até
centenas de pessoas (nós tínhamos algumas casas muito grandes à
nossa disposição) e se estendiam às vezes até alta madrugada. Nunca
se mencionava a PBC nestas reuniões, pois estas eram consideradas
como o ministério pessoal dos cristãos que nelas se engajavam. Em
breve houve muitos novos convertidos provenientes destas reuniões,
os quais eram então estimulados a se tornarem ativos numa igreja
local, de preferência alguma da sua vizinhança. Assim todo o corpo de
Cristo em nossa área começou a ser beneficiado com essas reuniões, e
naturalmente muitos dos novos convertidos iam parar na PBC.
Olhando para trás, podemos ver que estas reuniões alcançaram
três importantes objetivos. Em primeiro lugar, elas se mostraram
como um instrumento altamente eficaz em atingir as pessoas do
mundo exatamente onde elas estão e em confrontá-las direta e
pessoalmente com o Senhor da glória, que veio ao mundo para chamar
os perdidos e não os justos ao arrependimento. Por outro lado, elas
serviram de demonstração visível para o nosso povo cristão, de que o
evangelho ainda tem o poder de transformar vidas e que ele pode ser
tremendamente atraente a não-cristãos quando apresentado sem
aquele aparato religioso de um culto na igreja. E em terceiro lugar,
esta foi uma oportunidade para muitos cristãos se tornarem
pessoalmente o canal do Espírito de Deus em ação, enchendo-os
assim de entusiasmo e de ousadas esperanças. Suas vidas antes
desligadas se tornaram agora uma faísca para os outros, e aos poucos
o entusiasmo de um cristianismo cheio de vida começou a se espalhar.
Nestas três maneiras o ministério dos Estudos Bíblicos nas casas
superou o que chamamos de "síndrome de amontoamento" entre os
cristãos, isto é, a tendência de se agrupar na presença de não-cristãos
ou de evitar todo contato* a não ser o mais superficial com pessoas do
mundo, especialmente amizade íntima e demais hospitalidade.
Quando os cristãos recuperaram sua confiança no poder do evangelho,
eles perderam o medo do mundo, e esta atitude permeou a igreja
inteira a ponto de não mais precisarmos tanto da abordagem de grupo
para o testemunho, come antes, e a maior parte deste testemunho e da
evangelização agora é feita numa base pessoal através de
evangelismo, de amizade e de hospitalidade.
Um dos cinco homens de negócios que fundaram a igreja, se
tornou tão hábil em desenvolver seus dons espirituais de ensino,
discernimento e liderança, que os outros presbíteros o convidaram a se
tornar um pastor de tempo integral, e assim o Sr. Robert W. Smith
começou seu ministério rico e diversificado com a PBC como pastor
colaborador, sem o benefício do costumeiro treinamento de seminário,
geralmente tido como essencial. Mais tarde o Sr. David Roper se
tornou um pastor colaborador com a responsabilidade de utilizar os
mesmos princípios esboçados em Efésios 4 dentro da comunidade
universitária. Ele os tem aplicado com tanto sucesso, que o
testemunho cristão no campus universitário da Universidade de
Stanford, vizinha a nós, é no meu entender o mais eficaz que conheço
de qualquer campus no mundo.
O mesmo esquema de abordagem se revelou altamente eficaz no
nível de colégio, e a entrada do Sr. Ronald Ritchie no corpo de
pastores em 1969 correspondeu com a eclosão do "Movimento de
Jesus" na Costa Ocidental dos Estados Unidos, dando-nos uma-
oportunidade de aplicar estes princípios com resultados tão extensos
que literalmente centenas de jovens estudantes de colégio têm sido
batizados como novos convertidos a Jesus Cristo nos últimos dois
anos, e seu interesse e engajamento cristão é tão vivo que eles têm
saído por todo o norte da Califórnia e mais além, para compartilhar
sua crescente maturidade e estabilidade em Cristo.
Pode surpreender a muitos que esses mesmos princípios
funcionem com cristãos de qualquer idade ou de qualquer procedência
familiar, mesmo com crianças. O Sr. William Dempster se tornou
pastor colaborador com a responsabilidade sobre as crianças, em
1968. Ele tem verificado que crianças do ginásio e até do primário são
capazes de descobrir e exercer seus dons espirituais, bem como
aprender a confiar no poder da ressurreição para as fazer eficientes.
Como conseqüência disso, jovens ginasianos estão ajudando a ensinar
as crianças mais novas com ótimos resultados, e a cada verão equipes
de jovens são enviadas com a orientação de adultos, para organizarem
retiros de uma semana para crianças em cidades longínquas dos
Estados da Califórnia, Oregon e Nevada. Ao lados dos frutos que este
ministério traz para a vida das numerosas crianças, espiritualmente
negligenciadas nestas pequenas cidades, está o efeito que o ministério
tem sobre as próprias vidas dos que são enviados. Eles aprendem
grandes lições sobre a confiança e fidelidade de Deus, pois eles é que
fazem todo o planejamento e dirigem as reuniões.
É difícil descrever em um curto capítulo todos os variados
ministérios que se desenvolveram nos últimos anos, na medida em
que cristãos individualmente em nossa congregação assimilaram o
esquema bíblico do funcionamento do Espírito. Três outros precisam
ser mencionados, já que eles ilustram tão bem a característica
inovadora da orientação do Espírito, fazendo surgir abordagens e
técnicas nunca antes experimentadas ou que nunca foram planejadas
ou esperadas. A diversificação é inevitável quando está em ação um
Espírito criativo.
Há, por exemplo, o programa interno de treinamento da PBC
que agora funciona sob a designação de Centro de Descobertas. Este
foi iniciado quando o colégio pastoral começou a se preocupar com a
falta de ministério prático para estudantes de seminário nas férias de
verão. As pressões acadêmicas e o ambiente do seminário
dificultavam jovens que estudavam para o ministério a pôr em ação
alguns dos princípios que estavam aprendendo; por isso a PBC
começou a engajar dois seminaristas por verão no ministério de sair
ao mundo para atingir os não-cristãos. Logo se verificou que estes
jovens tinham grande falta de vivência em três áreas principais da
compreensão da Escritura: o progresso espiritual de um indivíduo em
confiar no poder da ressurreição; a compreensão dos dons espirituais e
do funcionamento do corpo de Cristo, e a posição e o poder da igreja
em relação à sociedade e aos problemas sociais.
Verão após verão estes conceitos eram ensinados a jovens
seminaristas, tendo a PBC arcado com as despesas do seu ministério,
isto é, um salário mensal de 250 dólares para estudantes solteiros e
300 para casados. Q, número variava de dois a um máximo de doze
estudantes por verão. Então, há dois anos atrás começaram a vir
jovens a nós, dizendo: "Nós ouvimos falar do seu programa de
treinamento e gostaríamos de ingressar nele. Participaremos por mais
ou menos um ano e pagaremos nossas próprias despesas, se vocês nos
deixarem entrar neste programa." Primeiramente nós desencorajamos
tais iniciativas, achando que isso sobrecarregaria o colégio pastoral,
mas vários foram tão persistentes, que nós nos aventuramos a aceitar
dois jovens por um ano. Quando isto se tornou conhecido, fomos
inundados com candidatos e finalmente forçados, ou a tomar as
providências necessárias, ou abandonar completamente a experiência.
Tocamos para frente, confiando na orientação de Deus, e agora, em
1971, temos vinte e cinco internos em tempo integral, que estão
conosco por ao menos um ano, havendo a possibilidade de ficarem
mais outro ano, se as circunstâncias o permitirem. O programa
também tem servido como uma orientação no estágio de candidatos a
missionários e de missionários que voltaram de Cruzadas
Transatlânticas, que têm seus quartéis generais internacionais em Paio
Alto e ajudaram a levar um antigo estagiário, Sr. Ray Benson, à
direção do Centro de Descobertas. Estes estagiários todos trabalham
em estreita conexão com um dos nossos pastores. Eles passam mais
ou menos metade de seu tempo estudando e discutindo com o colégio
de pastores, e na outra metade estão em contato com não-cristãos e
cristãos jovens, alguns em um ministério bastante duro e que muito
exige da pessoa. Outro projeto que nunca foi planejado ou promovido,
mas cresceu a partir de inícios modestos, é o de Publicações
Descobertas. Estas começaram com o interesse de um estudante,
formando de geologia na Universidade de Stanford, Sr. Peter Irish,
que viu seus olhos abertos para realidades fundamentais através de
uma série de sermões sobre Efésios 6, intitulada "A Arte da Guerra
Espiritual". Ele se propôs a colocá-los à disposição sob forma
impressa, para que outros os pudessem aproveitar, e sozinho
organizou um grupo de voluntários para copiar as mensagens
gravadas em fitas, editá-las, batê-las em estêncil para mimeografá-las.
A aceitação foi tão grande que ele se viu animado a copiar outras
séries de sermões da mesma maneira, e eventualmente achou
necessário dedicar todo o seu tempo a este trabalho. A propaganda
para estas mensagens foi feita oralmente, e aos poucos se constituiu
uma enorme lista de endereços, e agora mais de 2.000 cópias de cada
mensagem são enviadas mensalmente a todo o mundo, fora aquelas
que estão à disposição diretamente na congregação. Elas agora são
impressas, em vez de mimeografadas, existindo um catálogo de
mensagens em estoque, que cobrem amplos trechos das Escrituras,
bem como muitos estudos temáticos de grande importância prática,
como estudos sobre sexo, casamento, relações familiares, guerra,
ocultismo etc.
A terceira área que teve um desenvolvimento singular é a do
Culto do Corpo Vivo de domingos à noite. Este tem chamado tanto a
atenção, que diversas revistas cristãs já o mencionaram, e uma delas,
Christianity Today, publicou uma coluna especial, descrevendo esta
reunião, em sua edição de 21 de maio de 1971. Com permissão
especial da revista, concluímos este capítulo com a sua descrição.
Acontece todos os domingos à noite. Oitocentas pessoas ou
mais lotam um auditório de igreja destinado a acomodar apenas 750.
Setenta por cento têm menos de vinte e cinco anos, mas adultos de
todas as idades, mesmo octogenários, estão misturados com os jovens,
e pessoas de procedência cultural muito variada sentam-se, cantam e
oram juntas.
Um líder se põe de pé na frente, microfone pendurado no
pescoço. "Esta é a família", diz ele, "Este é o corpo de Cristo. Nós
precisamos um do outro. Vocês têm dons espirituais de que eu
preciso, e eu tenho alguns de que vocês precisam. Vamos
compartilhá-los". Quando uma mão se levanta lá atrás na seção
central, um rapaz ruivo se movimenta, corredor abaixo, com um
microfone sem fio, que é passado pelo banco para o jovem que se pôs
de pé para falar. "Puxa, eu nem sei como começar", diz ele, enquanto
seu cabelo que dá até os ombros rebrilha ao se voltar a um e a outro
lado. "O que eu sei é que eu tentei o sexo, drogas e todo o resto, mas
eu nada encontrava em lugar algum. Mas na última semana, fui na de
Jesus — eu acho que devia dizer que Ele é que me encontrou — e,
puxa vida, quanto amor! Isto não me entra na cabeça. Eu sou
simplesmente um novo cristão, mas pôxa, é aqui que está o negócio!"
Uma onda de prazer varre o auditório, e todos batem palmas e sorriem
quando o líder diz: "Bem-vindo à família. Como você se chama?"
Outras mãos estão abanando para serem reconhecidas. O líder
aponta para uma mulher bonita e bem penteada, de uns trinta e cinco
anos. "Eu só queria contar para vocês a providência que o Senhor
tomou em meu favor na semana passada", diz ela ao microfone. Ela é
divorciada e tem crianças pequenas. Sua renda se tinha minguado a tal
ponto que ela só tinha três cruzeiros com que comprar comida para
aquela semana. Mas alimento não solicitado tinha chegado. A família
tinha o suficiente para comer, e ela quer compartilhar o seu
agradecimento. Outra onda entusiástica de aplausos.
Então, levanta-se uma garota com um rosto que mostra grande
sensibilidade, cabelos até a cintura: "Eu só quero que a família ore
comigo. Meu irmão está virando a cabeça com LSD, e eu estou
morrendo só de vê-lo se desintegrar, mas nós não conseguimos fazê-lo
parar."
"Felipe, vá para o lado dela e nos dirija a todos na oração por
esta grande necessidade", pede o dirigente. "Você estava em LSD e
sabe como é isso". Um jovem alto e esguio, de barba hirsuta, vai para
junto da garota e toma o microfone. "Ó Pai", ora ele, "tu sabes como
Ana se sente e sabes como se sente o irmão dela. Mostra-lhe a saída
deste caminho através de Jesus, e mostra-lhe que tu o amas assim
como ele é". Ele continua, numa prece eloqüente e de uma seriedade
simples, todo o auditório ouvindo em silêncio, de cabeça baixa.
Depois, um universitário de boa aparência se põe de pé, com a
Bíblia na mão. "Eu só quero compartilhar uma coisa com vocês que o
Senhor me mostrou esta semana". Por uns cinco minutos ele dá a
explicação de um versículo da primeira carta de João, e a multidão ri
prazerosamente quando ouve a sua aplicação prática.
Outras necessidades são compartilhadas. Um jovem louro pede
uma oração para que ele possa comprar um carro barato, de modo que
não precise depender de caronas para chegar em tempo às aulas na
universidade. Quando termina a prece, uma dona de casa de meia
idade se levanta lá nos fundos e diz: "Eu não sei como isso foi
acontecer, mas exatamente esta semana o Senhor me deu um carro de
que não preciso. Se o Ernesto o quiser, aqui estão as chaves". Ela
mostra um molho de chaves e a multidão aplaude alegremente,
enquanto o rapaz louro corre para apanhar as chaves.
Então é anunciada uma oferta. O dirigente explica que todos
podem dar na medida de suas possibilidades, mas se alguém tem uma
necessidade imediata, ele pode retirar do prato até dez dólares para
enfrentar esta necessidade. Se ele precisa mais de dez, está
cordialmente convidado a vir ao escritório da igreja na manhã
seguinte, para explicar a sua situação; lá, ele poderia receber mais
dinheiro. Enquanto, os auxiliares do culto vão passando o prato, um
rapaz canta ao violão uma canção popular, que pergunta: "Já viu
Jesus, meu Senhor? Ele é fácil de ver. Preste atenção, dê uma olhada,
nós o mostramos a você."
Após a canção, alguém pede que se cante certo hino, e todos se
levantam para cantá-lo em conjunto. Então, o mestre da noite assume
a direção. Ouve-se um farfalhar de páginas de centenas de Bíblias. 0
professor fala por uns vinte e cinco minutos, medindo a plataforma
com os passos, de Bíblia na mão. Ele usa ilustrações simples de
incidentes com as pessoas, alguns cômicos, outros mais sóbrios. A
multidão está com ele o tempo todo, verificando referências,
sublinhando palavras, escrevendo nas margens. Algumas mãos são
erguidas para perguntas sobre o estudo. O professor responde
brevemente ou passa a pergunta adiante para um presbítero ou pastor
na congregação. No final, todos se levantam para uma oração de
encerramento. Eles se dão as mãos através das fileiras de bancos e
cantam suavemente: "Somos um no Espírito, somos um no Senhor."
Ao término da reunião, poucos saem. Surgem grupos
espontâneos: alguns orando, outros debatem sobre uma passagem
bíblica, outros cantando baixinho ao violão, e outros apenas
conversando e compartilhando. Aos poucos a multidão se torna mais
esparsa, mas se passa uma hora ou mais até que todos tenham ido
embora, e as luzes são apagadas.
Esta reunião é chamada de Culto do Corpo Vivo, uma hora em
que os membros do corpo de Cristo podem cumprir a sua função de se
edificarem mutuamente em amor. Ela foi iniciada em janeiro de 1970,
quando o colégio pastoral da "Península Bible Church" se reuniu para
discutir o nível espiritual da igreja. Expressou-se preocupação em
torno do culto de domingos à noite, que naquela época seguia o
esquema convencional de hinos, anúncios, Escritura, música especial
e pregação. A freqüência era bastante esparsa, girando em torno de
150 a 200 pessoas, com apenas um punhado de jovens presentes. A
preocupação maior estava na questão se estávamos seguindo a
admoestação da Escritura de "levar as cargas uns dos outros, e assim
cumprir a lei de Cristo". Outros textos nos perseguiam, como
"Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros,
para serdes' curados, admoestando entre vós com salmos... com hinos
e cânticos espirituais". Onde é que isto ocorria em nosso povo? Onde
poderia ocorrer?
Resolvemos dar lugar a este ministério, eliminando a estrutura
tradicional do culto noturno e usando aquela hora para convidar a um
compartilhamento, de necessidades e dons das pessoas. Começamos
com a pergunta: "Em que ponto você está sofrendo? Não o sofrimento
de há dez anos atrás, mas agora, onde você se encontra?"
Como era de se prever, o início foi muito vagaroso, mas em
breve um clima de realismo honesto começou a prevalecer. Quando
isto se propalou, a juventude começou a aparecer sem qualquer
convite — muitos cabeludos, descalços e vestidos exoticamente.
Nossos santos de classe média engoliram em seco, primeiro, mas
estavam resolvidos a ser genuinamente cristãos. Eles receberam bem
os jovens, deram-lhes ouvidos, oraram com eles e abriram seus
corações. O mesmo fizeram os moços.
A freqüência subiu aos trancos e barrancos. Por mais de um ano,
agora, o culto tem prosseguido sem qualquer sinal de interrupção.
Cada um deles é diferente. Amor, alegria e um sentimento de
aceitação dominam com tanto vigor, que visitantes admirados muitas
vezes falam de uma atmosfera espiritual que quase conseguem
apalpar. Chegou a koinonia 14
Isto é parte do impacto de uma igreja que começou a operar
sobre os princípios de ministério encontrados em Efésios 4. Outras
igrejas em outras partes estão experimentando uma bênção
semelhante, se bem que a ênfase varia de lugar para lugar, devido às
diferenças regionais e culturais. Onde quer que uma igreja estiver
disposta a levar a sério Efésios 4, I Coríntios 12 e Romanos 12, o
Senhor da Igreja está pronto a curar e a abençoar.

14
Ray C. Stedman, "The Minister's Workshop", (A Oficina do Pastor), Christianity
Today, Vol. XV, 21 de maio de 1971.
ALGUNS PROBLEMAS ENCONTRADOS
Sem dúvida, muitas perguntas serão levantadas com este estudo.
Ao me encontrar com pastores e com leigos interessados, em todos os
lugares eles fizeram muitas perguntas inteligentes e práticas sobre a
maneira com que esses princípios da Escritura poderiam ser aplicados
em alguma igreja local, sob condições diversas. As perguntas
levantadas por muitos e as respostas que dei são reproduzidas em
seguida, na esperança de que possam ajudar a muitos que leram este
livro.
P. "Em uma igreja que tem seguido um sistema mais
convencional por muitos anos, onde deveria um pastor começar a
executar esses princípios?"
R. O ponto adequado para se começar é uma exposição das
Escrituras no púlpito por um certo período, a fim de ajudar a igreja a
compreender que a Bíblia de fato ensina essas coisas, e que eles são
apoiados por todo o peso da autoridade bíblica. Nisto o pastor precisa
ser cortês e amável, não atacando a sua comunidade, mas levando-a
gentilmente a uma posição em que ela estará disposta a mudar.
P. "O que podem fazer os leigos quando um pastor se opõe a
aceitar esses princípios da Escritura e se recusa a levá-los em
consideração?"
R. Esta situação é delicada, mas infelizmente é muito freqüente.
Talvez a diretoria da comunidade pode enviar seu pastor a uma
conferência em que sejam ensinados esses princípios ou pedir-lhe que
se encontre com outros pastores que já tenham experiência na
operação desses conceitos; ou talvez um exemplar deste livro possa
ajudá-lo. Uma abordagem refletida e paciente geralmente fará
milagres numa situação dessas.
P. "Se estes princípios são tão claramente ensinados na
Escritura, como é que eles não me foram ensinados no seminário?"
R. Esta é uma pergunta difícil de responder. É fácil um
seminário começar a treinar homens que correspondam àquilo que as
igrejas estão procurando, em vez de se ater rigorosamente ao esquema
bíblico. A tradição é uma força poderosa, e seminários, assim como
indivíduos, podem sucumbir às pressões e conformar-se. No curso da
história da igreja, são os seminários que são reformados pelo
avivamento espiritual das igrejas, e não vice-versa. Muitos seminários
estão se movendo decididamente em direção a uma renovada ênfase
sobre estes princípios bíblicos. P. "Eu concordo com o fato de que
aquilo que o Sr. apresentou está de acordo com as Escrituras, mas
exige enorme motivação para que uma comunidade comece a se
mover nesta direção. Como se pode providenciá-la?" R. A motivação
pode vir de três fontes: uma consciência da desesperada situação da
igreja de hoje; a sede que os indivíduos têm por um ministério
excitante e que lhes seja um desafio; e a convicção que nos é dada
pelas Escrituras, de que Deus agirá assim como Ele disse.
Experimente um pouco de cada uma dessas três fontes.
P. "Como o Sr. recomenda que comecemos um Culto do Corpo
Vivo?"
R. Em primeiro lugar, não tente tomar emprestadas algumas
técnicas de liderança, esperando então que o culto funcione. Um Culto
do Corpo Vivo precisa surgir a partir da profunda convicção de uma
comunidade, de que ela tem uma responsabilidade perante o Senhor
de "levar as cargas um do outro". Precisa-se ajudar os membros a ver
a necessidade de se compartilhar, da honestidade e da aceitação
mútua. Quando eles estiverem convictos disso, está na hora de tentar
um Culto do Corpo Vivo. Mantenha o culto dentro da maior
simplicidade possível, e sobretudo não o super-organize nem tente
manipulá-lo.
P. "O Sr. não tem medo de que os exibicionistas tirem vantagem
de um culto desses para tocar em assuntos sujos ou escandalosos?"
R. Apesar da abertura dos Cultos do Corpo Vivo na PBC, isto
nunca aconteceu em mais de ano e meio de funcionamento. Se
acontecesse, os líderes o receberiam como uma oportunidade de
ensinar a congregação o que requerem certos tipos de problemas no
que diz respeito ao compartilhar, pedindo talvez à pessoa envolvida
que se encontre depois com um pastor ou com um presbítero. Se isto
for feito com amabilidade, um momento embaraçoso se transformará
numa experiência de enorme valor instrutivo. P. "Não seria
imprudente compartilhar seus segredos mais íntimos com outras
pessoas? Não é preferível guardá-los inteiramente para si?"
R. Não, não é melhor guardá-los para si. Os cristãos são
explicitamente instruídos a levar os fardos uns dos outros, e são para
isso equipados com diversos dons espirituais. Naturalmente é bom
verificar se aqueles com quem sé compartilha são de confiança, e sem
dúvida segredos profundos e obscuros não deveriam ser ventilados em
público; mas nenhum cristão deveria se ver forçado a se debater
sozinho, lutando com algum hábito terrível ou com uma situação
opressiva. Ele está se despojando a si mesmo da ajuda do resto do
corpo, se ele não compartilha com alguém.
P."Que dons espirituais eu deveria ter para ser um pastor?" R.
Naturalmente você deveria ter o dom de pastor-mestre. Isto é básico.
Ele se manifesta numa compaixão em relação aos necessitados e numa
capacidade de ensinar as Escrituras, de tal maneira que as pessoas se
vejam libertadas pela verdade. Outros dons também são úteis, como:
dons de sabedoria e de conhecimento, discernimento, profecia, revelar
misericórdia, e o dom da fé.
P. "Deveriam todos os nossos professores de Escola Dominical
ter o dom de ensinar?"
R. Sem dúvida alguma! Professores de Escola Dominical não
deveriam ser escolhidos porque estão dispostos, ou porque não há
outros que o façam. Eles deveriam ter alguma habilidade em
aperfeiçoar a vida espiritual dos outros, através do ensino, antes de
serem confiados a unia classe. Já que a vida dos jovens é moldada
pelo ensino, este ministério é importante demais para que seja
confiado a pessoas não qualificadas.
P. "O que fazer quando uma comunidade for tão pequena a
ponto de não ter professores qualificados para a Escola Dominical?"
R. Neste caso seria muito melhor que as crianças fossem
ensinadas em casa pelos pais. Além disso, a Escritura ensina à igreja
que ela deve rogar ao Senhor da seara que mande trabalhadores
para a sua seara (Mateus 9:38). Com este método, já preenchemos
muitas vagas em nossa Escola Dominical.
P. "Está errado fazer-se um convite durante um culto?"
R. Não é que esteja errado, mas antes é impróprio. Há ocasiões
em que é muito apropriado, se for feito com cortesia e sinceridade,
sem apelo emocional indevido. Mas em geral, se isso for uma prática
constante, a tendência é que a igreja seja enfraquecida, pois então se
tira tempo do trabalho de se equipar os santos para o trabalho do
ministério. O primeiro, de qualquer maneira, tem pouco tempo à
disposição no culto costumeiro e é com certeza um assunto muito
mais importante, se é que a comunidade tem uma essência
basicamente cristã.
P. "Quanto tempo é necessário para que uma comunidade
comece a funcionar com base nos princípios de Efésios 4?"
R. Isto depende inteiramente da comunidade e de seu pastor ou
pastores. Provavelmente leva mais tempo do que se poderia imaginar
de início, pois os cristãos muitas vezes precisam de muito tempo e
reflexão para aceitarem novas abordagens. Mas se mesmo uns poucos
captarem a idéia e começarem a exercer seus dons espirituais no
«poder da ressurreição, será uma faísca que acenderá outras e aos
poucos ocorrerá uma mudança acentuada. Lembre-se de que é
necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve
ser brando para com todos, apto para instruir, paciente (II Timóteo
2:24).
P. "Existe alguma palavra de encorajamento que se possa dizer a
um pastor, que está começando agora a pôr em ação os princípios que
o Sr. expôs?"
R. Sim. Aqui está: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre
vós, não por constrangidos, mas espontaneamente, como Deus quer;
nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como
dominadores dos que vos foram confiados, antes tornando-vos
modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar,
recebereis a imarcescível coroa da glória (I Pedro 5:2, 4).

Prezado leitor,
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interesse em saber sua opinião a respeito dele.
Fique a par de suas publicações solicitando uma lista de preços,
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