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INTRODUÇÃO A DISCURSOS SOBREMODERNOS

Carlos Henrique Machado

Agradeço a
Vanessa Ornella dos Santos e
Antônio Marcelo de Souza Abboud
a primeira revisão deste texto.

Esta obra é dedicada ao meu pai (in memoriam),


a ausência mais presente em minha existência,
sem a qual, este livro hoje não seria uma realidade.

ÍNDICE

Prefácio,
Unidade 1. O fluxo do devir e sua captura pela ordem,
Unidade 2. O sentido da ordem,
Unidade 3. Uma nova ordem ou a mudança de sentido,
Unidade 4. Sobremodernidade ou a última ordem,
Unidade 5. A ordem da virtualidade unidimensional,
Unidade 6. A virtualização do espaço volátil,
Unidade 7. A virtualização dos conteúdos voláteis,
Unidade 8. A virtualização do tempo,
Unidade 9. Caminhos sobremodernos,

PREFÁCIO

Qual é o lugar do homem na nova configuração do mundo, estruturada em uma


cosmologia relativista e uma microfísica quântica que delineiam uma matéria
dessubstancializada, elusiva e eivada de indeterminação, configurando-se uma
realidade não-objetiva, fundamentalmente incerta?
Luiz Alberto Oliveira

Achei interessante uma comunidade do Orkut sobre Richard Dawkins, principalmente


por perceber a antipatia de seus membros pelas formas que fogem da égide de uma
razão ordenadora e instrumental, voltada para o serviço dos organismos vivos e da
evolução das espécies. Lembrei-me, imediatamente, da época em que estava lendo pela
primeira vez a “Essência do cristianismo” e “Palestras sobre a essência da religião” de
Feuerbach. As ideias desses livros caíram como uma bomba sobre meus conceitos de
religião – fossem eles vinculados a qualquer realidade divina, absoluta, transcendente
ou imanente –, e apontaram, definitivamente, o percurso por onde minha atividade
intelectual iria seguir.
A segunda aliança que abriu outros pontos de fuga para minhas análises foi
celebrada com Gilles Deleuze. Essa aliança serviu para organizar o caos criativo, de
cuja potência eu insisti durante muito tempo em não abrir mão, sob pena de voltar a um
universo congelado pela representação de uma razão ordenadora. Assim,
inevitavelmente, tendo a me aproximar de pensamentos que privilegiem a diferença, a
descontinuidade, a ruptura, os saltos e os pontos de desequilíbrio. Isto é um reflexo da
aliança deleuziana que, talvez, como previu Foucault, seja o maior expoente dos
movimentos do pensamento que se processaram no século XX. Por isso, acredito ser
esta a melhor forma de se pensar a realidade, reconhecer seus objetos como fenômenos
de regularidade complexa, impossíveis de capturar através de modelos que destacam
suas regularidades e constantes. Neles, sempre haverá a possibilidade de uma linha de
fuga, impulsionada pela presença do imponderável. E é este imponderável, que
questiona as bases intelectuais da sociedade, principalmente para se pensar o
desenvolvimento de certas estruturas através de uma noção de causalidade emprestada
das ciências matemáticas, que acaba desconsiderando os ziguezagues, as etapas que
faltam aqui e acolá, e as rupturas gerais irredutíveis, que questionam um
desenvolvimento progressivo dos conteúdos e das forças produtivas.
Posteriormente, quando conheci o Círculo de Viena, achei que teria um
problema complicado pela frente, dada a minha grande dificuldade de compor e
decompor os algoritmos que auxiliavam aqueles filósofos na tarefa de derivar
determinados axiomas para outros enunciados. Minha tarefa, de início, foi tentar
descobrir como poderia conferir às disciplinas sociais a dimensão de ciência ou, em
última instância, de racionalidade, o que as distinguiria de meras superstições, evitando
assim o risco de me fazer retornar para o postulado da fé ou crença incondicional, o qual
já tinha abandonado há algum tempo. Quem muito me ajudou nesta tarefa foi Karl
Popper, com suas discussões acerca do “falsificacionismo” e da “análise situacional”, a
ponto de hoje eu conseguir admitir a proposição de axiomas como “a máquina social e
coletiva é primeira em relação ao elemento técnico”; ou mesmo “todo novo modo de
produção surge sob a forma de um corte irredutível e não como consequência do
desenvolvimento progressivo de forças produtivas”. Se assim o faço, é porque aprendi
com ele que o pensamento não necessita atribuir um valor factual a observações e
experimentações, bem ao sabor de um positivismo lógico, mas exclusivamente um valor
lógico: o de propor contra-argumentos passíveis de testes. Se o pensamento é uma
questão de lógica, deve estar na base de todas as ciências, inclusive as sociais. Para que
isto aconteça, o que se requer é que suas deduções, induções ou disjunções possam ser
testáveis a partir de um critério consciente de sua situação conjetural, apontando para a
possibilidade da construção de mundos novos como potência criativa, e não para um
conhecimento ideal.
Saindo das questões metodológicas, passemos às de cunho conceitual,
relacionadas às questões do indivíduo e do meio, do sujeito e da história ou, em última
instância, dos conteúdos materiais e dos enunciados, ideias que irão rechear as páginas
seguintes.
A partir de várias interfaces, vimos desfilar no início do século XXI alianças que
relacionam diversos campos de saber, e onde o fator genético transformado pelas
relações sociais passa a ser considerado ingrediente fundamental das decisões e ações
dos indivíduos – sejam elas relativas ao consumo, investimento, planejamento
estratégico, etc. –, do seu maior ou menor apetite pelo risco, ou mesmo sua maior ou
menor percepção de perigos iminentes.
A abordagem que gostaria de destacar privilegia a interação entre os conteúdos
materiais da sociedade: uma mistura de corpos que compreendem todas as “atrações e
repulsões, as simpatias e as antipatias, as alterações, as alianças, as penetrações e
expansões”, que afetam os conteúdos, uns em relações aos outros. Como dizia Gilles
Deleuze, “dos códigos do DNA aos braços que empunham armas”. A partir daí, pode-
se mapear a complexidade das relações que constituem as diferentes sociedades e
ordens, sem apelar para a fixação de princípios cognitivos universais. As formações
sociais passariam a ser pensadas, então, como processos em contínua relação
diferencial.
Aproveitando o pensamento de Gilles Deleuze, parto dele para sugerir uma
abordagem que procura explicar como as formações sociais se relacionam nesses
processos (chamados por ele de maquínicos) a partir da relação diferencial entre dois
conceitos deleuzianos: conteúdo e expressão (formas de conteúdo e formas de
expressão).
Este tipo de abordagem pode ser usado para discutir processos como a formação
de sistemas sociais e do Estado, a fixação do homem em um espaço delimitado, a troca
do direito individual pelo bem-estar coletivo e a formação do estoque de uma sociedade
organizada, funcionando como um método que opera na busca de conceitos que
coloquem as constantes de cada relação espaço-temporal em evidência nas relações
entre as variáveis, ou coloque as variáveis em estado de variação contínua. Esse método
se apoiaria, a priori, no conceito de devir, o qual, preliminarmente, pode ser
compreendido como a passagem contínua do virtual para o atual em seus diversos
processos.
Em última instância, a proposta se define como uma tentativa de mapeamento do
processo interativo entre o “homem” e o “mundo”, a partir dos contornos
“sobremodernos” de seu novo “rosto”, no século da hipercomputação, da biotecnologia
e da neurociência. Para capturar esses novos contornos, nos resta uma percepção
profundamente alterada pelas dimensões que pretendemos dar ao espaço, ao tempo e ao
próprio corpo.
Ponto de inflexão, cisão entre o passado, presente e futuro, momento
indeterminado ou vazio do pensamento, o intervalo de nosso discurso se abre com a
mesma indeterminação de momentos históricos que se interpuseram a coisas que não
mais existem e a coisas que não existem ainda. Esta situação requer um esforço que
transcenda a quietude do espaço da verdade que se abre de forma perene e amigável.
Como dizia Foucault, um espaço não mais de reflexão, mas de esquecimento; não mais
de contradição, mas de refutação; não mais da conquista laboriosa da unidade, mas da
erosão indefinida; não mais da verdade resplandecendo sempre no fim, mas da angústia
de uma linguagem sempre recomeçada.

Não mais uma palavra, apenas um murmúrio, apenas um calafrio, menos do


que o silêncio, menos que o abismo do vazio; a plenitude do vazio, algo que não
se pode fazer calar, que ocupa todo o espaço, o ininterrupto, o incessante, um
calafrio e ato seguido de um murmúrio, não um murmúrio, mas uma palavra, e
não uma palavra qualquer, mas distinta, justa, ao meu alcance.
Michel Foucault, “O pensamento do exterior”

Como chegar, então, a um discurso que não se perca no colapso do sentido, mas que,
por outro lado, não nos devolva uma forma e um sentido já estabelecido? O discurso
sobremoderno deverá ocupar um ponto no espaço e no tempo, de onde desate o nó,
antes que as tendências por ele amarradas se atualizem nos acontecimentos. Este ponto é
o buraco por onde escoarão os conteúdos voláteis que se tocam invisivelmente no nada
que os separa. Como forma de expressão da volatilidade das conexões em alta
frequência, o discurso sobremoderno segue os rastros de um “turbilhão que faz
convergir o que está em vias de desaparecer e o que está em vias de se formar” (André
Brasil, “Ensaio, pensamento ao vivo”).
Como todo discurso, ele carece do registro e da escritura. Contudo, a escritura
sobremoderna localiza-se nos pontos de inflexão dos conteúdos que trafegam numa
velocidade absoluta de um presente que os escoa sem deixar rastros; a escritura
sobremoderna é a escritura da velocidade absoluta, do espaço das conexões e do tempo
real. Portanto, ela se desdobra em uma arqueologia que vai em busca das palavras num
espaço sem perspectiva e num tempo sem espessura, de onde podemos ouvir “os gritos
que provêm da finura das medulas” (Jacques. Derrida, “A escritura e a diferença”).
Qualquer palavra – falada, pensada ou soprada – remete o falante, pensante ou ouvinte
àquilo que ela diz ou faz referência. Se tal coisa referida habita o mundo físico, a
palavra insta o agente da ação – que pensa, fala e ouve, a despeito dos paradoxos do
pensamento ou das construções linguísticas – a apoiar-se num espaço denso, cuja
espessura permite que as coisas sejam referidas de forma a dele se separarem. Contudo,
quando ingressamos no espaço-lugar ou região intersticial que separa os seres um dos
outros – e queremos nos colocar nesta fenda que se alarga até a indiscernibilidade
limítrofe entre as coisas e as palavras, os registros de nossos discursos carecem de uma
nova linguagem, da qual o arqueólogo do discurso não pode prescindir, caso não queira
se perder no vazio da insignificação.
A tarefa de um arqueólogo sobremoderno é ouvir os conteúdos no silêncio de
sua ausência, pois eles já partiram, ou melhor, não param de partir a cada instante. A
palavra sobremoderna, então, deve ser capaz de (des)cobrir as vibrações entre as
conexões por onde se escoa um fluxo contínuo, nas intermitências, rupturas, saltos e
desvios, onde se cruzam as linhas de uma trama que reúne personagens diversas em
constante relação. Estas personagens movem-se ininterruptamente, e delas nada
conseguiremos saber, a não ser que venhamos a procurá-las nas suas relações. Estas
conduzem o arqueólogo sobremoderno a domínios longínquos onde figuram saberes
diversos, e o põem a discursar sobre história, literatura, física, biologia, neurociência,
cinema ou economia, sem que as diversas linguagens representem obstáculo à
comunicação, uma vez que a glossolalia sobremoderna é a potência de desapropriar
cada domínio de seu território específico, e trazê-lo a um buraco que o faz escapar de si
próprio, para poder restaurar a potência às suas palavras. Como introdução a um
discurso, nosso objetivo é descortinar o palco onde os embates dos conteúdos se
desenrolam e, de certa maneira, fornecer um mapa em branco que auxiliará na jornada
por entre os labirintos sobremodernos. Neles, o viajante poderá ver surgir a escrita que
não se separa da própria jornada, num “neutro” que o separa das palavras e as utiliza
antes mesmo de encontrá-las, para que, tendo-as encontrado, tenha a certeza de sempre
ter sido despojado delas em um território que não cansa de se mover.
Todo território se estabelece a partir das referências identitárias, que constroem
um lugar de significações, onde a memória desempenha um papel fundamental na
adequação dos significantes e significados. Um cheiro, uma cor, um som capturados
pela percepção sensível remetem a um conjunto de referências onde o significado
garante a perenidade dos vetores de sua constituição. Neste espaço de adequação, os
conteúdos referentes guiam-se pelos códigos consolidados e catalogados na memória. É
a partir deste acervo que a permanência se constitui, e dele se torna dependente, quer
seja pela tradição ou pela conformidade dos códigos que livram o espírito da profunda
anomia, quando esse acervo se confronta com a instabilidade e a transitoriedade do
devir. Entre as fronteiras dos territórios abrem-se fendas e rachaduras por onde os
conteúdos circulam, aberturas responsáveis pelo processo de desterritorialização que
arranca os códigos de suas posições originais, num ritmo que irá reorientar o
desvanecimento dos arranjos originalmente fixados.
Os movimentos da sobremodernidade inseriram, definitivamente, um elemento
subversivo no território da estabilidade do mundo governado pelas leis da natureza que
alçavam o mundo dos homens ao que de mais perfeito poderia se conceber, a partir de
um humanismo que havia retomado, definitivamente, o elemento clássico da cultura
ocidental.
Além de apontar as contradições de uma sociedade que evoluíra à custa de um
rigor moral denunciado por sua superficialidade estruturante, a sobremodernidade
plantou um elemento de dúvida, a exemplo do metódico elemento cartesiano que se
confrontara com a heteronímia pré-moderna. Notas “lisérgicas” invadiram a percepção
sensível, levando a alma por novos caminhos, onde a volatilidade assumia a mais
suprema violência contra os territórios fixos da modernidade. As autoimolações em
praça pública se multiplicavam a cada overdose, e “contestação” era a palavra de
(des)ordem que libertava, por sua vez, um elemento já presente no limiar dos diversos
movimentos desterritorializantes que ocorreram ao longo da história do Ocidente: a
velocidade.
Presente nas transformações que se sucederam na sociedade quatrocentista, nos
motores da revolução industrial e na corrida espacial da Guerra Fria e nos solos
psicodélicos das guitarras, a velocidade é definitivamente responsável pelos processos
sobremodernos, fruto de uma aceleração das relações espaço-temporais capturadas pelos
meios de telecomunicações que construíram um novo território esvaziado das
dimensões temporais tradicionais, nas quais os conteúdos que se movimentam
continuamente por diferentes espaços (nunca os mesmos) desfazem fronteiras e
potencializam as linhas de fuga que arrastam os significados e os lançam numa contínua
impermanência. O processo de desterritorialização da sobremodernidade é um contínuo
desprender dos velhos votos, que põe em risco qualquer possibilidade de fixá-los em
uma circunscrição estabilizante. É o clamor pelos sons do universo em movimento, com
suas pulsações hipnóticas, que remetem o ser ao instante do tempo real.

Ao tempo que passa das mais longas durações acrescenta-se hoje um tempo que
se expõe instantaneamente: o das mais curtas durações, do domínio do
eletromagnetismo e da gravidade.
Paul Virilio, “A velocidade de libertação”

A menor duração possível carrega o germe da sobremodernidade, no qual a


instantaneidade dos acontecimentos remete a um não-lugar de circulação, que eleva a
impermanência à condição de possibilidade dos espaços a serem ocupados pelos
conteúdos. Eles circulam a uma velocidade extasiante, não sendo possível apreendê-los
em um espaço que os vincule a um código identitário. Aparecem e fogem no exato
intervalo do tempo real, deixando para registro apenas o seu rastro. Nesse espaço de
circulação, a memória já não exerce um papel fundamental, pois é o esquecimento que
garante o potencial de fluxo no alargar-se dos territórios e em seu contínuo processo de
desconstrução. Os espaços e o tempo do tráfego dos velozes conteúdos criam a
dimensão de um presente absoluto, uma vez que a substituição e as trocas se processam
numa velocidade vertiginosa, e existe a garantia de que os registros desta traficância
serão armazenados em uma memória virtual de capacidade cada vez mais ilimitada,
tornando a lembrança pouco a pouco obsoleta.
Dos devires, surge um território que se afirma pela capacidade de manter suas
fendas abertas para a circulação dos conteúdos, impossíveis de serem fixados em
qualquer espaço estabilizante. O verdadeiro tornado falso em plebiscito, multiplicado à
velocidade absoluta das trocas pela grande rede virtual, cria um espaço a se ocupar, que
se dobra e redobra a cada movimento do espírito. Este, ao invés de carregar as essências
eternizadas, está impregnado da inexpugnável transitoriedade dos eventos em tempo
real, que funcionam como uma “chegada generalizada”, que prescinde da partida e se
confunde totalmente com ela. Na sobremodernidade, essa mobilidade assume o caráter
de essência de uma era, única realidade possível, ou única dimensão onde os corpos se
movimentam. Os códigos sobremodernos empurram os espaços para as encruzilhadas e
fendas da traficância, onde o silêncio se apresenta como a única possibilidade de
inscrição do espírito da presente ordem, evitando a delimitação de um território fixo e
forçando os limites até as fronteiras dos significados.
Paul Virilio já descrevia isso como um tempo de um “horizonte transparente”,
fruto de uma aceleração vertiginosa das trocas materiais em um espaço cada vez mais
contraído. Nele, as dimensões passam, e o futuro se depara com a insuportável presença
do instante, onde as longas distâncias são reduzidas a um lugar de controle remoto e os
arquivos virtuais exercem sua potência ao imprimir sociedades sem extensão e duração,
“intensamente presentes” aqui e a um só tempo. Em outras palavras, sociedades
“telepresentes no mundo inteiro”, que prescindem de uma memória e por isso podem ser
chamadas de “civilizações do esquecimento” ou sociedades do “ao vivo”. Nestes
territórios, os códigos se metamorfoseiam constantemente e relacionam conteúdos que
assumem sentidos momentâneos e temporários, não sendo possível capturá-los a não ser
pela leitura do seu rastro, que é empurrado para dimensões fractais na rede de
circulação, espaços comprimidos, que se comunicam velozmente no menor tempo
possível; interfaces onde estão localizadas as aberturas e as rotas dos significados
mutantes. É neste ciberespaço ou não-lugar que acontece a dança de significantes e
significados, alternando direções e criando interatividades capturadas em tempo real,
através das velozes conexões em rede.

[...] a emergência de um último horizonte de visibilidade construído pela


transparência das aparências instantaneamente transmitidas à distância, não
pode realizar-se senão pela superação desse constrangimento saído da força da
gravidade [...] a perspectiva do tempo real já não é constrangida pelo peso
terrestre, o horizonte transparente do ao vivo da tela televisiva, ao fundar-se na
própria velocidade da luz, foge à gravitação.
Paul Virilio, “A velocidade de libertação”

A subversão sobremoderna recolocou o movimento da desordem, do imprevisível, do


local incerto e do informe fora da clausura, que procurava excluir o acaso e o
incontrolável. Ela privilegiava a ligação entre fluxos e não-relações sólidas; um
movimento do líquido que escapa e escorre. Trouxe à tona um sistema aberto, lugar ou
sede de uma troca de fluxos que nele entram e dele saem. Foi a partir da potencialização
da circulação deste fluxo que a sobremodernidade pôde apropriar-se deste modelo como
possibilidade do movimento, e tê-lo como elemento de equilíbrio num território móvel e
em contínua inundação, mas plenamente habitável e sem espaços vazios, pois os fluxos
que entram vêm equilibrar os que saem. As conexões da sobremodernidade devem ser
entendidas não sob a perspectiva de um desenvolvimento linear, mas de um horizonte
móvel e de uma lógica errática de giros e curvas abruptas no lugar de uma racionalidade
que aponta para causas de efeitos lineares e predeterminados. A multiplicidade de
variáveis, arranjos, combinações, efeitos de sentido e de dimensões aleatórias
proliferam no processo sobremoderno.

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