CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, REALIZADA NO DIA 16 DE SETEMBRO DE 2008.
Aos dezesseis dias do mês de setembro de 2008, às 13h30min,
na sala própria do 9º andar do Edifício do Ministério Público do Estado de São Paulo,
. V – ORDEM DO DIA – Em continuação, foram examinadas as
matérias constantes da ordem do dia, deliberando-se consoante segue consignado.
1) Pt. nº 71.880/08 – Interessado: Comissão de
Representantes do Residencial Edifício “Torres da Mooca” e outros. Assunto: pedido de providências do Conselho Superior do Ministério Público, à vista de acordo firmado entre o Ministério Público e a Bancoop, nos autos de ação civil pública proposta (Pt. nº 137.681/06)
– Depois de lido o relatório pela Conselheira Marisa Dissinger,
foi dada a palavra, sucessivamente, à Dra. Lívia e ao Dr. Pedro Dallari, para sustentação oral, pelo tempo de 15 minutos cada um, em defesa dos interesses dos cooperados e da Bancoop, respectivamente. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 2
Ato contínuo, tornando a palavra à Conselheira Marisa, por ela
foi feita a leitura do seu voto, oferecido por escrito (em 53 laudas, disponível no site do MP, no espaço reservado ao Conselho), já acostado aos autos; rematado com as conclusões que seguem literalmente transcritas:
“(i) é o promotor de Justiça designado, na qualidade de órgão
de execução, quem representa o Ministério Público na ação civil pública; (ii) em virtude da delegação, o promotor de Justiça designado deve observar os limites em que a recebeu, sendo-lhe vedado postular de modo diverso ou menos abrangente, ainda que por via reflexa;
(iii) o acordo judicial contraria o que foi deliberado pelo Egrégio
Conselho Superior do Ministério Público quando da rejeição da homologação do arquivamento;
(iv) o acordo judicial contém cláusulas que são prejudiciais aos
interesses dos cooperados, especialmente aqueles que discordam dos métodos de administração da Cooperativa;
(v) não interessa para o deslinde da ação civil pública ou,
também, para a solução desta representação se o acordo judicial repete, na essência, a proposta de ajustamento de conduta, pois esta não foi anteriormente conhecida pelo Colegiado; CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 3
(vi) até que sobrevenha eventual homologação do acordo
judicial, não há falar em anular esse ajuste, por ora ineficaz;
(vii) diante da inobservância dos limites da delegação, bem
como para preservar a consciência do promotor de Justiça que celebrou o acordo, é necessário substituí-lo, de modo que os autos devem ser remetidos à Procuradoria Geral de Justiça para que edite portaria designando o respectivo substituto automático para prosseguir na ação civil pública”.
Seguiu-se o voto do Conselheiro João Viegas,
acompanhando a Conselheira Relatora, nos seguintes termos:
“Reclamação formulada pela Comissão de Representantes do
Empreendimento Residencial Edifício Torres da Mooca, insatisfeita com os termos do acordo firmado pelo Promotor de Justiça João Lopes Guimarães Júnior com a Cooperativa Habitacional do Bancários de São Paulo – BANCOOP, já encaminhado ao juízo da 37ª Vara Cível da Capital, para homologação.
Alegam que o acerto lhes é altamente prejudicial, além de
manifestamente em desacordo com o que havia sido determinado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Junta diversos documentos, entre eles cópia integral da decisão que negou a promoção de arquivamento do inquérito civil (IC nº 14.161.446/06-01) e determinou o ajuizamento de ação civil contra a cooperativa, bem como, da que não conheceu subseqüente proposta de acordo. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 4
Ao pleito destes cooperados, aderem outros, também
organizados em comissões.
É o relatório, decido. A reclamação merece êxito. E o motivo é
simples:
O Doutor João Lopes Guimarães Júnior, mercê da rejeição do
arquivamento do IC 14.161.446/06-01, não atua neste caso por atribuição própria, e sim por delegação deste Conselho Superior do Ministério Público, que, em fundamentada decisão, explicitou os pedidos que deveriam ser deduzidos na ação civil pública, quais sejam:
(i) registrar, no prazo de 60 (sessenta) dias, os memoriais
de incorporação imobiliária dos empreendimentos lançados pela empresa, de modo a impedir constrições judiciais sobre as unidades dos cooperados, (ii) realizar a separação das contas dos empreendimentos (uma para cada empreendimento, com CNPJ próprio), como estabelece o Estatuto da cooperativa, (iii) (iii) efetuar, no tocante aos imóveis não construídos, a devolução de todas as importâncias pagas, sem nenhuma retenção, aos cooperados que solicitarem sua retirada da cooperativa, devolução esta que deverá ser feita em valores atualizados monetariamente e no máximo em 6 (seis) parcelas; de obrigações de não fazer, consistentes em CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 5
(iv) (iv) não realizar o lançamento de nenhum
empreendimento enquanto não forem registradas as incorporações de todos os empreendimentos lançados, bem como separadas suas respectivas contas e concluídas as obras dos edifícios paralisadas (v) , (v) abster-se de cobrar as parcelas de reforço de caixa e apuração final dos empreendimentos, enquanto não demonstrada a necessidade de sua cobrança, de acordo com os cronogramas físico-financeiros dos empreendimentos em construção e concluídos, devidamente aprovados pela Caixa Econômica Federal; e (vi) (vi) desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade cooperativa, nos termos do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, pedido de condenação genérica dos dirigentes da Bancoop a indenizarem os danos (materiais e morais) causados aos cooperados, nos termos do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor.
Indicação que se fez acompanhada da observação de que se
tratava de rol mínimo, assegurado ao promotor tão somente à possibilidade de acrescentar outros pedidos, desde que não colidentes com aqueles especificados pelo órgão delegante.
O que significa, em outras palavras, dizer que estava o
Conselho Superior determinando ao promotor encarregado do caso não apenas a propositura da ação, mas também atenção a um rol mínimo de pedidos; pedidos que por assinalados com tal qualidade, fixavam os limites de eventual futura transação. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 6
Sabido, por todos, que nos casos de rejeição de arquivamento
pelo Conselho Superior do Ministério Público, o promotor designado para propor a ação não age por atribuições próprias e sim por delegação do colegiado. Impertinentes e descabidas objeções fundadas em possível violação à liberdade de convicção ou à independência funcional, pelo simples fato desses princípios só existirem em favor do promotor natural, não do que age por delegação.
Nesse sentido, o magistério de Mazzilli. Peço vênia para
transcrever suas palavras:’
Na verdade, não há violação alguma à liberdade de convicção
dos Membros do Ministério Público, quando tenham de cumprir designações legitimamente formuladas pelos órgãos de administração superior da instituição.
Nas hipóteses em que a lei cometa ao procurador-geral ou ao
Conselho Superior do Ministério Público agir por atribuições próprias, estes, em vez de agir diretamente, têm a opção de efetuar a designação de um outro membro da instituição para, em nome deles, tomar as providências que entendam cabíveis; neste caso, estarão apenas delegando uma atribuição própria a outro órgão da mesma instituição.
Ora, delegar ‘é conferir a outrem atribuições que
originariamente competiam ao delegante’. Assim, o órgão CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 7
designado não age em nome próprio, nem por atribuições
próprias, mas age como apenas delegado, em nome do órgão superior da mesma instituição, e em cumprimento a determinação legal.
É um caso de unidade e hierarquia administrativa, em
decorrência das quais o designado não aprecia o caso, mas cumpre determinação do órgão superior.
Diversa é a atuação do primeiro promotor de justiça – aquele
que originariamente pedira o arquivamento do inquérito policial ou promovera o arquivamento do inquérito civil. Esse primeiro promotor oficiava por atribuições próprias, com plena independência funcional; agia com relação a organicidade, vinculando o Ministério Público.
Em sua atuação, estava somente limitado pela lei e por sua
consciência.
Contudo, quando foi acionado o sistema de controle do
arquivamento, o poder de decidir, pelo Ministério Público, se o caso era de arquivamento ou de propor a ação civil pública, - tal poder passou a caber diretamente a outro órgão da mesma instituição. Esse tinha, então, três opções: ou mantinha a posição favorável ao arquivamento, ou agia ele próprio (pois quem pode delegar pode agir), ou designava outro órgão da instituição para promover a ação civil pública. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 8
Neste caso, este segundo órgão – o designado – não
concentra nas suas mãos atribuição originária alguma para apreciar o caso, senão estaria sendo uma instância de revisão do que já foi decidido em grau de revisão pelos órgãos máximos do Ministério Público.
Recebe nas mãos, antes, um encargo ou uma determinação,
ou seja, é destinatário de uma designação para executar um ato específico, certo e delegado: propor uma ação civil pública. Nenhuma subserviência nenhum rebaixamento funcional há em cumprir a lei, em o promotor de justiça ser compelido a aceitar executar o conteúdo da designação expedida por um dos órgãos da administração superior do Ministério Público.
O juiz também cumpre o acórdão que reforma sua sentença;
cumpre o próprio arquivamento do inquérito policial, objeto da insistência do procurador-geral de justiça, ainda que entendesse aquele que o caso seria de promoção da ação penal.
A esse propósito já disse o Tribunal de Justiça paulista: Não vai
nisso nenhuma humilhação, mesmo porque não há diminuição alguma em se submeter à lei.
Assim age erroneamente o órgão designado do Ministério
Público que, embora dizendo-se vinculado ao mérito da designação feita pelo procurador-geral, e a pretexto de discutir apenas aspectos processuais, passa a discutir a própria justa causa para a propositura da ação penal ou ação civil pública. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 9
Que a autoridade judicial rejeite a denúncia ou indefira a
inicial de uma ação civil pública, admite-se, pois não está ela obrigada a priori a admitir o processamento de qualquer ação, ainda que determinada pelos órgãos superiores do Ministério Público. Contudo, que o órgão do Ministério Público designado se recuse a agir sob pretexto de ter posição pessoal ou jurídica diversa, no caso isso é inadmissível.
Desta forma, agindo por delegação, o designado não poderá
deixar de cumprir a decisão institucional, já tomada pelo órgão designante.
E ainda há mais: seu dever funcional não se limita a propor a
ação e abandoná-la a própria sorte.
Não. Deverá bem propô-la e melhor sustentá-la, inclusive
recorrendo em caso de indeferimento da inicial ou de indeferimento de provas aptas a evidenciar a pretensão nela exposta’ (O Inquérito Civil, Saraiva, 2000, págs. 318-20).
Igualmente vazia qualquer objeção fundada na Súmula 25,
haja vista ser ela dirigida a situações em que o promotor oficia no processo por atribuição própria, não por delegação. Conhecida a razão que levou Mazzilli a afirmar que o controle dos arquivamentos judiciais deve sempre ser exercido pelo Conselho, qualquer que seja a hipótese (ob. cit., págs. 294-95). A cautela se justifica pela simples circunstância da transação implicar na extinção da própria ação civil pública. Ora, se os CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 10
compromissos de ajustamento tomados nos autos do inquérito
civil são submetidos à aprovação do Conselho Superior, qual a razão para se afastar as transações judiciais desse controle? Como Mazzilli, não encontro resposta aceitável. E mesmo que admitisse, por hipótese, a viabilidade da aplicação da súmula a casos de delegação, isso aqui não seria possível, mercê da prévia estipulação de um rol mínimo de pedidos. Há mais um fator impeditivo.
O Doutor João Lopes Guimarães Júnior estava ciente do fato
de que o Conselho Superior, em outra oportunidade, já havia manifestado seu repúdio a acordo bastante semelhante ao que acabou firmando com a Banccop.
Confira-se o teor do voto condutor, proferido pelo Conselheiro
Marcos Zanelato: ‘A Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo – Bancoop apresentou à douta Promotoria de Justiça do Consumidor petição em que se propõe a subscrever termo de compromisso de ajustamento de conduta, depois deste
E. Conselho haver deliberado pela propositura de ação civil
pública em face de tal cooperativa.
O ilustre promotor de justiça oficiante, Doutor João Lopes
Guimarães Júnior, em razão da precitada deliberação, houve por bem encaminhar os autos do inquérito civil a este Colendo Conselho, para apreciação da proposta em questão. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 11
Com o devido respeito aos ilustres advogados que subscrevem
a petição em apreço, cumpre dizer, de início, que tal pedido não pode ser conhecido, por falta de amparo legal. Com efeito não há previsão legal para a formulação do pedido em apreço, pois ele obrigaria este E. Conselho a reconsiderar sua decisão sobre o aforamento da ação civil pública, sem base legal para tanto.
Ademais, a esta altura, soaria no mínimo estranha a
reconsideração da deliberação em questão, pois ela já foi amplamente divulgada pela mídia, criando a expectativa nos cooperados de que a ação coletiva será proposta na defesa de seus interesses, porquanto tem por escopo fazer cessar as irregularidades perpetradas pelos dirigentes da Bancoop e levar à indenização dos cooperados que foram prejudicados, bem ainda prevenir a ocorrência de novos danos aos cooperados.
E ainda que o pedido seja conhecido, malgrado a inexistência
de base legal para sua formulação, como antes já foi referido, ele não atende ao cumprimento das obrigações que serão objeto do pedido da ação coletiva, a medida que não as comtempla integralmente, confundindo-se com as argumentações que foram expedidas pela Bancoop quando de sua defesa no inquérito civil, já apreciadas por este C. Conselho na ocasião do reexame da promoção de arquivamento do inquérito civil, a qual resultou, como se sabe, rejeitada, para o fim de ajuizamento de ação civil pública. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 12
Diante do exposto, voto pelo não conhecimento do pedido em
apreço, a fim de que os autos retornem à origem, para o cumprimento da deliberação anterior deste E. Conselho, que determinou o ajuizamento de ação civil pública em face da Bancoop’. Frente a tais circunstâncias não há como negar que o promotor designado, ao menos por prudência, deveria ter ouvido previamente o Conselho Superior.
Cautela de todo recomendável também pelo fato de estar a
Bancoop sendo alvo de investigações conduzidas pelo Ministério Público local e pelo Federal, em razão de supostas infrações aos Códigos Penal e Eleitoral e a Lei de Improbidade. Ao não tomar as cautelas que lhe competiam, acabou o Promotor João Lopes Guimarães Júnior, descumprindo o mandato que lhe havia sido conferido, assinando acordo com cláusulas manifestamente lesivas aos mais de 15.000 cooperados da cooperativa habitacional e sabidamente repudiadas pelo Conselho.
Como bem assinalou a ilustre Conselheira-Relatora, ‘os limites
da delegação foram excedidos, com prejuízo para o pleno e integral cumprimento da deliberação adotada por este colegiado. Bem por isso, conciliando-se o respeito pela convicção técnica do DD. Promotor de Justiça com a defesa da autoridade da deliberação deste Conselho, considero necessário que, desde logo, seja designado o substituto automático do Dr. João Lopes Guimarães para que prossiga na CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 13
condução, como representante do Ministério Público, da ação
civil pública nº 583.00.2007.245877-1, em curso na 37ª Vara Cível da Capital.
A esse órgão de execução do Ministério Público caberá
acompanhar o processo em todos os seus termos e adotar as providências adequadas para o cumprimento efetivo da deliberação anterior deste Conselho.
Caberá a Sua Excelência, inclusive, o ajuizamento de ação
anulatória de futura e eventual sentença homologatória, providência que, como é óbvio, só se mostrará pertinente e necessária caso o MM. Juiz de Direito da 37ª Vara Cível da Capital homologue o acordo judicial ora pendente de apreciação naquele juízo. Sabemos todos que a deliberação definitiva do Conselho — que já não pode ser revista aqui — tem, no âmbito do Ministério Público, uma autoridade para cuja defesa a lei não previu instrumento específico. Mas, na minha opinião, este órgão da Administração Superior tem competência implícita, por força de compreensão, para deliberar, quando for o caso, pelo ajuizamento da ação anulatória, cuja petição inicial seria, evidentemente, elaborada por Promotor ou Promotora de Justiça, após designação específica do Chefe da Instituição, por aplicação analógica do art. 10, IX, “d” da Lei nº 8.625/93.
Se o Conselho nada pudesse fazer em defesa da autoridade de
suas decisões, o poder de revisão atribuído a este órgão se CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 14
tornaria simbólico: algo assim como um sino sem badalo. E,
em defesa desta minha afirmação, lembro que na interpretação e aplicação do Direito é importante ‘a ponderação das conseqüências’ (cf. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, trad. de José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 460), com as quais o intérprete se preocupa, preferindo, sempre que possível, ‘o sentido conducente ao resultado mais razoável, que melhor corresponda às necessidades da prática’ (cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6ª ed., Rio: Freitas Bastos, 1957, n. 178, p. 209). Bem advertiu Carlos Maximiliano que ‘se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal (...), à que torne aquela sem efeito, inócua’ (cf. ob. cit., n. 179, p. 210). Aliás, foi por necessidade prática e por interpretação pretoriana que surgiu o instituto da reclamação, com o qual os Tribunais defendem sua competência e impedem que suas decisões se convertam em letra morta. E todos sabemos que ‘a hermenêutica constitucional, especialmente no que tange ao problema das competências, além de considerar os poderes explícitos conferidos a um órgão, leva em conta os poderes implícitos, sem os quais ficaria ele impedido de exercer suas atribuições de maneira autônoma’ (cf. parecer de 23.9.81, In: Representação de inconstitucionalidade nº 1.075-9 - Órgão Especial do Tribunal de Justiça: eleição de seus dirigentes, São Paulo: Lex Editora, 1981, p. 36). De resto, se não fosse possível construir essa competência implícita do Conselho, sempre restaria a possibilidade de reivindicá-la em Juízo. Afinal, está em causa a defesa da autonomia e das funções de um órgão CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 15
da Administração Superior do Ministério Público”. Daí porque,
pelo meu voto, fica a reclamação acolhida, para a designação de outro promotor em substituição ao anterior. Cabendo a este último, acompanhar o processo em todos os seus termos e adotar as providências que se mostrarem necessárias e adequadas ao efetivo cumprimento das deliberações deste Conselho Superior, ajuizando ação anulatória, se necessário”.
Sobreveio o voto do Conselheiro Nelson Gonzaga,
oferecido oralmente, na própria reunião, nos seguintes termos:
“Inicialmente, gostaria de cumprimentar a Ilustrada Relatora,
pela qualidade e substância de seu voto, pedindo vênia para só acompanhá-lo parcialmente, notadamente em seu intróito, onde reproduz o disposto no artigo 88, do Ato Normativo n° 484/06-CPJ, que traz regra assentada há mais de dez anos neste Colegiado, inserta na Súmula nº 25/CSMP, qual seja, a da ‘não intervenção do Conselho Superior do Ministerio Publico quando a transação for promovida pelo Promotor de Justiça no curso de ação civil pública ou coletiva’. Ouso divergir, entretanto, da posição da Eminente Conselheira para, ao contrário de S.Exa., interpretar de forma mais restritiva a disposição daquele Ato Normativo e do teor da aludida Súmula, uma vez que, adotando seu voto e minudenciando as cláusulas pactuadas, iniludivelmente estaremos intervindo no acordo já formalizado pelo Órgão de Execução de Primeiro Grau que, a meu sentir, atuou no pleno exercício de suas CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 16
funções e amparado pelo princípio constitucional da liberdade
de convicção.
Com todo o respeito, ao contrário do sustentado, inclusive
pelo Conselheiro Viegas, em seu voto, na regra acima mencionada, não há qualquer distinção entre a situação do Promotor de Justiça natural e de Promotor de Justiça designado, não se cogitando dessa construção.
A rigor, o CSMP possui atribuição legal de exercer o controle
administrativo do arquivamento do IC, posicionando-se de forma conclusiva a respeito de sua homologação ou rejeição e, nesse caso, a determinação do ajuizamento da respectiva ACP. Proposta a ação, subtrai-se do Colegiado a possibilidade de intervenção no feito, submetendo-se o ajuste ao exclusivo controle do Poder Judiciário, restando-se aos órgãos de Administração Superior do MP: a CGMP e a PGJ, no exercício do Poder Disciplinar, a apuração de eventual desvio de conduta funcional do PJ designado.
Lembro, ainda, recente posição do E. CNMP, extremamente
formalista, fundamentando sua decisão pelo respeito à ‘segurança jurídica’ de regra estabelecida neste CSMP em mero assento que, por força de disposição regimental, constitui simples recomendação, sem caráter vinculante e passível de revisão.
Assim sendo, considerando ainda que a ação civil pública terá
regular prosseguimento, com relação a temas não abrangidos CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 17
pelo acordo e que eventual cooperado prejudicado ou
associação interessada poderá postular em Juízo o que julgar pertinente, conhecendo o pedido, voto pelo seu indeferimento”.
Colhidos, em seguida, os votos dos demais Conselheiros,
findou aprovado, por maioria, o voto divergente apresentado pelo Conselheiro Nelson (secundaram-no os Conselheiros Luís Daniel, Pedro Franco, Eloisa, Ana Margarida, Paulo do Amaral, Tiago Zarif e Fernando Grella, ao passo que o Conselheiro Bertone também acompanhou a Conselheira Relatora), diversos deles fazendo declaração, oralmente, como segue consignado:
Conselheiro Pedro Franco: “Acompanhei a divergência
aberta pelo ilustre Conselheiro Nelson e, com todas as vênias possíveis, discordo do posicionamento posto no erudito voto da ilustrada Conselheira relatora, pelos seguintes fundamentos: 1. A existência da Súmula nº 25, deste E. Colegiado no sentido de que havendo ação civil já em andamento, não pode o Conselho Superior do Ministério Público, intervir, até porque, a fiscalização de eventual proposta de acordo a ser homologada, é de responsabilidade do juiz da causa.
Vale lembrar que a referida Súmula decorre do que está posto
no artigo 88, do Ato Normativo nº 484-CPJ, de 5 de outubro de 2.006; 2. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 18
O Conselho Superior do Ministério Público depois de ter
determinado a propositura da ação civil, mas antes do seu ajuizamento, recebeu proposta de ajustamento entre as partes e dela não conheceu.
Agora, depois de proposta a ação, impossível, a meu ver,
qualquer questionamento a respeito das cláusulas do acordo a ser homologado por decisão judicial;
3. Mesmo na hipótese de ser homologado o acordo, a ação
civil, proposta por determinação deste Conselho, não será extinta e, quem se sentir prejudicado com o ajustamento posto perante o judiciário e homologado por ele, poderá manifestar seu inconformismo através de recurso próprio;
4. Aplicação extensiva da interpretação do artigo 28, do
Código de Processo Penal, que permite ao Promotor de Justiça designado para oferecer denúncia (delegação do Procurador- Geral de Justiça), ao final do processo poder pedir a absolvição do denunciado.
Uma vez proposta a ação penal, o Promotor de Justiça
designado, mesmo agindo por delegação do chefe da instituição, é o dono da ação penal;
Daí porque acompanho o voto divergente para conhecer da
‘reclamação’ e indeferir o pedido nela deduzido.”; CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 19
Conselheira Eloisa Arruda: “Cumprimento os dignos
advogados que fizeram uso da palavra. Parabenizo a Conselheira Relatora Dra. Marisa Rocha Teixeira Dissinger pelo brilhante voto que demonstra a análise aprofundada e cautelosa de todo o procedimento, o estudo da doutrina nacional e estrangeira e da jurisprudência de nossos Tribunais.
Acompanho, contudo, a divergência manifestada pelo nobre
Conselheiro Nelson Gonzaga de Oliveira.
Acrescento considerar inviável e até mesmo temerária a
discussão administrativa pelo CSMP de um ato judicial pratica por Promotor de Justiça.
Acolher a reclamação apresentada significa instituir recurso
não previsto em lei, posto que ao CSMP compete tão-somente a homologação ou não de inquéritos civis.
A partir do precedente eventualmente instituído no caso
presente, qualquer pessoa descontente com os rumos de demanda judicial interposta pelo Ministério Público, poderá querer se valer do mesmo expediente para fazer com que o CSMP proceda à análise do mérito de ações já em curso.
Diga-se ainda, que o Promotor de Justiça Dr. João Lopes
Guimarães cumpriu a determinação do CSMP, propondo a ação civil pública da qual foi incumbido. A partir daí tinha sim a liberdade utilizar a via do acordo na persecução da melhor tutela dos direitos dos consumidores. Não se verifica na CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 20
atuação do Dr. João Lopes Guimarães qualquer ilegalidade ou
falta funcional. Por isso mesmo, não há motivo para que seja afastado da ação como se propôs. Sugiro todavia, o encaminhamento das cuidadas observações formuladas pela Conselheira-Relatora a respeito das cláusulas do acordo, ao Promotor de Justiça oficiante, para que possam ser aproveitadas, caso entenda conveniente, em aditamento aos termos já pactuados.”;
Conselheiro Fernando Grella: “Conheci inicialmente da
reclamação porquanto a questão nela ventilada é polêmica e os fatos têm notório clamor público. Nego-lhe, todavia, deferimento e o faço pelas razões que seguem alinhavadas. O aventado conflito, a meu ver, precisa ser dirimido a partir da compreensão que se dê ao alcance e à extensão da decisão proferida pelo Conselho Superior do Ministério Público, na condição de órgão legalmente investido da função de revisar a promoção de arquivamento do inquérito civil. A Carta da República afirma que é função do Ministério Público ‘promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’ (art. 129, inc. III). Instrumento de natureza informativa, o inquérito civil destina-se a apurar fato determinado ou determinável que em tese cause danos a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos ou outros interesses que incumba ao Ministério Público defender, servindo como preparação ao eventual exercício da ação civil pública, à celebração do compromisso de ajustamento de conduta ou até mesmo para a expedição de recomendação, CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 21
quando assim permitir a natureza do interesse defendido.
Insere-se no âmbito da competência discricionária do Ministério Público decidir se deve ou não se utilizar desse meio. Trata-se de liberdade legal para apreciar um dado que seja do interesse da sociedade, do interesse público. Essa avaliação dos critérios determinantes para a instauração de inquérito civil incumbe ao órgão do Ministério Público com atribuições legais pré-determinadas para agir em obediência ao princípio do Promotor Natural, que para tanto deverá considerar as circunstâncias concretas com que se deparar. Ao tomar conhecimento de fato que em tese determine a intervenção, e com respeito ao mesmo não esteja convicto de como deverá agir, não lhe restará alternativa senão instaurar o inquérito civil. Instaurado e instruído o procedimento e ao final promovido o arquivamento, compete então ao Conselho Superior do Ministério Público o dever jurídico de intervir como órgão revisor, oportunidade em que exercerá a função de controle da defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, função esta que a lei lhe atribui devido a importância que a ordem jurídica contemporânea atribui à tutela desses interesses como instrumento de facilitação do acesso do cidadão à Justiça, como meio de superação da concepção individualista do processo.
Assim, na tutela dos interesses extrapenais, o princípio da
obrigatoriedade consiste no dever cometido ao Ministério Público de concretamente tomar as providências extrajudiciais e judiciais necessárias, adequadas e proporcionais à prevenção ou à cessação da situação lesiva dos interesses CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 22
transindividuais ou à recomposição dos mesmos, se lesados,
como autêntico representante adequado da sociedade.
Nesse contexto, como dito linhas acima, considerando: a
relevância dos interesses coletivos, notadamente de natureza social; que o processo deve dar a quem tem um direito, tudo aquilo que ele tem direito de obter (Chiovenda), e que a ação civil pública é o instrumento eficaz de acesso do cidadão à Justiça, é que a lei instituiu o sistema de reexame necessário do arquivamento do inquérito civil ou das peças informativas.
Essa é a relevantíssima função do Conselho Superior: a de
zelar pela efetiva defesa dos interesses transindividuais e pelo princípio da obrigatoriedade da ação quando identificar causa que exija a intervenção do Ministério Público em defesa da sociedade, não homologando o arquivamento, oportunidade em que ordenará o ajuizamento da ação civil pública por outro membro do Ministério Público, designado para essa finalidade.
Temos então que ao membro do Ministério Público designado
compete dar efetivo cumprimento à decisão do Conselho Superior, propondo a ação civil pública
. Trata-se de uma ordem que unilateralmente é imposta pelo
Órgão revisor ao membro designado, que por sua vez possui o dever jurídico de cumpri-la. Atendida a ordem e proposta a ação, o membro da Instituição designado passa a ser o Promotor Natural da causa, com o inafastável dever de exercer suas funções segundo os preceitos da lei, zelando pela CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 23
consecução dos interesses identificados pelo Órgão revisor sob
o signo da independência funcional, e assim sempre buscar a melhor solução para o conflito, sem descurar da indisponibilidade do direito material, que não lhe pertence. A essas considerações, acrescentem-se outras da seguinte ordem.
Data maxima venia, o membro do Ministério Público designado
tem o dever de cumprir a ordem propondo a ação civil, mas longe está de agir como longa manus do Órgão revisor.
Como longa manus age quem recebe competência
(atribuição) que legalmente não possui, por meio de delegação. Há delegação, quando autorizado por lei o órgão confere a outro, algumas das suas competências legais para assegurar mais celeridade, maior economia e eficácia à providência pretendida.
O Conselho Superior do Ministério Público não tem atribuição
legal para a propositura da ação civil pública. Sua relevante atuação, nos termos da lei, consiste, como ressaltado, no dever de zelar pelo princípio da obrigatoriedade da ação civil pública quando identificar justa causa para sua propositura.
A lei não atribui ao Conselho Superior a função de execução
de propor a ação. A Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, no capítulo que versa sobre as funções dos Órgãos de Execução (IV), dispõe que: ‘Art. 30. Cabe ao Conselho Superior CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 24
do Ministério Público rever o arquivamento de inquérito civil,
na forma da lei’, assim como o faz a Lei Complementar nº 734, de 26.11.1993, institui a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo no capítulo que rege as funções dos órgãos de execução (III): ‘Art. 118.
Ao Conselho Superior do Ministério Público cabe rever o
arquivamento de inquérito civil ou de peças de informação, na forma da lei e de seu Regimento Interno’. Diverso é o que ocorre na hipótese do arquivamento do inquérito policial, quando a lei confere ao Procurador-Geral de Justiça a atribuição de propor a ação penal caso decida não mantê-lo: ‘...e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender’, diz a lei (art. 28, do CPP).
Nessa hipótese há delegação, pois se transmite atribuição que
a lei lhe confere, e que logicamente poderia exercê-la por si.
Aliás, conforme ensinamento de Pontes de Miranda
imprescindível a distinção entre competência e exercício da competência para bem compreender o instituto da delegação porquanto esta alcança, no que toca às funções de estado, apenas e tão-somente o exercício da competência e não esta própria. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 25
Daí porque não se poderia cogitar, no caso, de o Conselho
Superior delegar algo que não detém, ou seja, o poder de promover a ação civil pública. Por sinal, a designação de outro membro em substituição ao que promoveu o arquivamento rejeitado faz-se apenas para a preservação da livre convicção do membro do parquet.
A designação de membro diverso daquele que teve o
arquivamento rejeitado vem em abono à independência funcional e também pela causa de incompatibilidade decorrente da convicção firmada na manifestação anterior: a designação ‘deverá recair no substituto automático do membro impedido ou, na impossibilidade de fazê-lo, sobre membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no caso, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviço’, é a dicção do artigo 100, § 3º, do Ato Normativo nº. 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006, e do artigo 11 da Resolução nº 23, de 17 setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público:
Não oficiará nos autos do inquérito civil, do procedimento
preparatório ou da ação civil pública o órgão responsável pela promoção de arquivamento não homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público ou pela Câmara de Coordenação e Revisão. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 26
Ao dispor sobre o compromisso de ajustamento formalizado
nos autos da ação civil pública, preceitua o artigo 88 do Ato Normativo nº 484/2006 – CPJ, que ‘não haverá intervenção do Conselho Superior do Ministério Público’, sem excepcionar outra situação. Por fim, não tendo o Ministério Público o monopólio da ação civil, a realização do compromisso de ajustamento, no inquérito civil ou em juízo, não impede as ações individuais (art. 5º, inc. XXXV, da CF), dos co-legitimados retira tão somente o interesse processual para demandar em juízo com relação ao objeto do mesmo, autorizando em conseqüência a propositura de ação visando a defesa dos interesses eventualmente não resguardados no ajuste, que, inclusive, só será eficaz após o necessário controle realizado pelo Poder Judiciário e, mais, poderá ainda ser objeto de ação anulatória (art. 486, do CPC), se o caso.
Nessa ordem de considerações, o voto é no sentido de não
ser possível a intervenção deste E. Conselho Superior na atuação do Promotor de Justiça designado, uma vez que o mesmo propôs a ação civil pública nos termos da deliberação que deixou de homologar a promoção de arquivamento, cumprindo assim a ordem que lhe foi dirigida”.
Anunciado, então, o resultado final da votação, solicitou o
Conselheiro Viegas que o ofício a ser encaminhado ao juízo por onde se processa a ação civil pública seja instruído também com cópia dos votos proferidos. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO 27