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Cazuza
Ayrton Mugnaini Jr
(Obra inédita para a Editora Online – BMGV Music Software Net Editora Ltda. – Rua João Moura 861 –
** Cazuza **
"Um Pierrô meio bossa-nova e rock and roll"
Índice
Prefácio
Introdução
"Mentiras sinceras me interessam"
Estudo Crítico
"Pra mim é tudo ou nunca mais"
Cronologia
"Eu não tenho data pra comemorar"
As Mortes do Poeta
"Eu vi a cara da morte e ela estava viva"
Discografia
"Meu canto é o que me mantém vivo"
Composições
"Meu fantasma guardando lugar pra amanhã"
Regravações e Originais
"Segredos de liquidificador"
Músicos
"Agora eu ando muito bem acompanhado"
Filmografia
"Pode seguir o teu brinquedo de star"
Opiniões
"Mesmo meus amigos mais canalhas me dão razão"
Sobre o autor
"Não há perdão para o chato"
Introdução
branca ou negra, nova ou antiga; o que existe é música bem feita ou mal feita,
e humoristicamente correta ou incorreta. E nem precisei de muito tempo ou de
tanta idade assim; em 1985 eu já estava colaborando no Pasquim do Rio como
correspondente paulistano, devorando o Planeta Diário e a Casseta Popular
(incluindo suas colaborações para a paulistaníssima Folha de São Paulo) e
tendo a honra de composições minhas no repertório d'O Espírito da Coisa. E
uma ou outra gravação do rock carioca me despertava o interesse, alguma
coisa do Kid Abelha, muitas faixas (mais tarde LPs inteiros ou quase) de Lulu
Santos. Mas o Barão me parecia um caso à parte, com seu estilo mais próximo
do que me agradava, rock direto, simples e forte, comparável aos melhores
grupos paulistanos, e letras que fugiam do lugar comum. Especialmente
interessante me parecia o cantor, com nome de romance de literatura infantil
(embora, anos depois, eu viesse a saber que era coincidência) e dicção que,
além de fugir dos "ss" e "xx" tão típicos de sua cidade, incluía uma peculiar
prisão de língua que, aliás, não era privilégio dele: como portador de um
defeito similar, acabei tendo um ataque de se-ele-pode-fazer-sucesso-eu-
também-posso e me promovi de compositor para "cantautore".
E desde 1986 assumi uma terceira faceta, a de músico da noite paulistana,
"operário da alegria", usando contrabaixo, violão e guitarra como ferramentas.
A primeira cantora que acompanhei ficou horrorizada com a sugestão de uma
amiga, de que ela cantasse "Só As Mães São Felizes"; já a segunda arrasava ao
cantar "Maior Abandonado". Em 1992, com o samba retornando de seu exílio
das rádios, acompanhei um cantor paulista de MPB que empolgava com "Faz
Parte Do Meu Show", "Codinome Beija-Flor" e, de quebra, "O Poeta Está
Vivo". Paralelamente a isso, toquei num grupo de rock cujo repertório incluía
"Bete Balanço". E meu primeiro LP acabou incluindo uma
paródia/homenagem, "Imunologia".
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Pois bem, a oportunidade de escrever um livro sobre Cazuza foi uma boa
diversão, tanto pelo assunto em si, como por ser mais um desafio para
pesquisador. Afinal, quando iniciei este livro, em 1994, o Brasil ainda era o
país onde menos se ouvia música brasileira, e continua não tendo muita
paciência de preservar sua própria memória. O que acaba sendo mais uma
prova de que Cazuza veio para ficar, já que ele continua sendo cantado,
regravado e reeditado - uma espécie de versão carioca e moderna de Raul
Seixas, compositor e intérprete que uniu a boa literatura ao em princípio
"iletrado" rock and roll e à música popular de sua terra e sua época (para Raul
o baião, para Cazuza a bossa-nova), dois grande compositores e intérpretes
populares que sobrelevaram o brega e descomplicaram o chique, e que
também se tornaram grandes personagens, pessoa e artista independentes um
do outro (e, proporcionalmente ao tempo de carreira, Cazuza igualou-se a
Raul em importância e repercussão).
Mas, como eu ia dizendo, o Brasil tem dificuldades em preservar sua
memória. Mesmo uma biografia curta e recente como a de Cazuza torna-se um
desafio, com muitos dados errôneos ou incompletos e muitos erros e lapsos
aceitos sem discussão. Por exemplo, o Jornal da Tarde transformou a
"agranulocitose" (falta de grânulos que conduzem os glóbulos no sangue) que
levou Cazuza numa "granulofitose" exclusiva (o oposto, excesso de grânulos).
Enfim, aqui está meu livro sobre Cazuza, obviamente sem pretensões de
esgotar o assunto, mas sim de mostrar porque sua obra permanece. Meu ponto
de partida só poderia ter sido o livro Cazuza, do jornalista e dramaturgo
Eduardo Duó; consultei também as entrevistas de Cazuza para as revistas
Bizz, Veja e Manchete, além de livreto da exposição O Tempo Não Pára e de
jornais como Folha de S. Paulo, Folha da Tarde, Jornal da Tarde. Também me
ajudaram muito a Enciclopédia da Música Brasileira Erudita, Folclórica e
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Barão Vermelho, João Gordo, Leila Pinheiro, Dilza Mugnaini, Cynthia & Luc
Quoniam, Fernanda Couto, Kiko Vianello, Kie Matsumoto, Adelina Bracco,
Juliana Resende, A.S., Bogô; gravadoras Eldorado, PolyGram e Warner (nos
bons tempos da Cássia Afonso); Márcio e Celso da Rádio Gazeta, 97 FM,
Brasil 2000 FM; lojas Ventania, Faunus, Baratos Afins, Júpiter, Nuvem Nove,
Sweet Jane (watashiwa nani o shimashita ka? Moitido!), Cláudio, Zé Ferreira
e todo mundo da Feira do Bexiga, e pode haver outros nomes, que protejo por
amor, mas não lembro por falha momentânea mesmo.
A.M.J.
abril de 1997
Estudo Crítico
Já faz sete anos que o cidadão Agenor tomou seu trem para as estrelas, após
uma passagem breve porém rica em folclore e peripécias, mas o poeta Cazuza
continua vivo, e o melhor de sua obra ainda faz parte do show de muita gente
boa. Nada mau para um artista popular num país de pouca memória e muitos
rótulos. Além de ser honrosa exceção entre cantores, cuja fama, segundo a
ilustre frase de Tinhorão, "acaba um dia após a morte", Cazuza, embora
surgido como um dos tantos roqueiros dos anos 80, conseguiu transcender o
rótulo de "roqueiro". Nada contra alguém ser roqueiro, claro, mas Cazuza
também era fã de MPB, da qual se tornou ídolo.
Para mim, Cazuza já haveria de ficar na história só por um de seus hits,
"Faz Parte Do Meu Show", uma bossa-nova sem disfarces, embora com sabor
moderno, que se destacou entre os roquinhos e baladonas de 1988 como a
proverbial flor que surge das fendas do asfalto. Façanha esta que considero
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que com ele cantavam "Meu Limão, Meu Limoeiro" num arranjo sacundim-
brega ou para, ao que consta, apontar determinados súditos rebeldes durante a
dinastia dos Médici; melhor é lembrarmos dele por suas interpretações cheias
de balanço e improvisos, embora um tanto "americanizadas" demais, em
gravações como "Garota Moderna" (Evaldo Gouveia/Jair Amorim) ou "Nanã"
(Moacir Santos/Mário Telles). Enfim, escolher os melhores da MPB é questão
de gosto pessoal, e opções não faltam.
Mas, como diz o poeta, há sempre um "mas". A índole pacífica e
versatilidade do brasileiro acabaram, como sói acontecer (gostaram?), caindo
no exagero, e as influências estrangeiras passaram a ser influentes demais. O
rock and roll, surgido nos EUA em 1954 como uma fusão branca de country,
jazz e rhythm & blues, foi bem divulgado - e quase sempre bem aceito - em
todo o mundo. No início, era apenas um ritmo a mais, ao lado do baião, da
polca, do bolero e tantos outros. No Brasil, como em outros países, o rock
pegou pelas mãos e vozes de artistas não-roqueiros: Nora Ney lançou o
primeiro disco, "Rock Around The Clock", em 1955, e o primeiro rock de
compositor brasileiro a chegar ao disco foi "Rock And Roll Em Copacabana",
de Miguel Gustavo (famoso por sambas irônicos como "E Daí? (Proibição
Inútil e Ilegal)", hit com Isaurinha Garcia, marchinhas como "Fanzoca De
Rádio" e "Brigite Bardot" e patriotices como "Pra Frente Brasil"), rock este
lançado por Cauby Peixoto, ele mesmo, professor, em maio de 1957. Apesar
de Juca Chaves cantar já em 1960 que "o rock and roll nesta terra é uma
doença", é bom lembrar que não faltavam antídotos. O hit-parade brasílico,
como o norte-americano, ainda era território livre e democrático, e assim
permaneceu por algum tempo, até daqui a algumas linhas.
Pelas ruas brasileiras de 1964/65 os rádios gemiam, as lojas de discos
bradavam e os passantes assobiavam compactos tão diversos quanto "Garota
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foi um dos poucos que tinham plena consciência de que nem tudo era só rock -
nem mesmo o próprio rock, o gênero musical mais aberto a influências
externas, o que ajuda a explicar ter sido ele o genêro mais influente em todo o
mundo. O rock, também como já dissemos, começou sua dominação mundial
em 1955 - mais precisamente em 9 de julho, quando "Rock Around The
Clock", gravada por Bill Haley um ano antes, emplacou o primeiro lugar no
hit-parade norte-americano. Nosso amigo Agenor, portanto, já bebia rock and
roll na mamadeira, não sendo "culpado" por "escolher" o rock anos mais tarde.
E veja só: "Rock Around The Clock" foi gravada em 12 de abril de 1954,
quase exatamente quatro anos antes da chegada de Agenor. Realmente,
Cazuza estava predestinado a ser roqueiro. Só que justamente no mês e ano de
seu nascimento, abril de 1958, foi lançado nada menos que o LP que hoje é
reconhecido como nada menos que o primeiro disco de bossa-nova: Canção
Do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, com músicas de Tom e Vinicius e o
violão ainda anônimo porém já característico de João Gilberto; uma das
faixas, "Chega De Saudade", foi também o primeiro hit de João, alguns meses
mais tarde. (Curioso é que João regravou Lobão mas não Cazuza, embora este
tenha composto em parceria com sua filha, Bebel Gilberto.)
Não é à toa que Cazuza se definiu como "meio bossa-nova, meio rock and
roll". E quando "Faz Parte Do Meu Show" foi lançada, em 1988, estava
completado o ciclo que mencionamos parágrafos atrás, sobre o governo e a
MPB andarem em sentidos opostos: jornais, televisão e discos estavam uma
permissividade só, mas todo e qualquer artista brasileiro (inclusive os grupos
heavy mais radicais que gravavam em inglês) era chamado de MPB.
Pois é, falamos em permissividade, que muita gente confunde com
liberdade; fazer o que se quer não é fazer o que dá na telha. O primeiro Rock
In Rio, em 1985, misturando Kid Abelha, Ivan Lins e Elba Ramalho a alguns
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essa saudade no meu peito ainda mora"), "Ela Disse-Me Assim" ("E o remorso
está me torturando/por ter feito a loucura que fiz") e "Nervos De Aço" ("Você
sabe o que é ter um amor, meu senhor/ter loucura por uma mulher/e depois
encontrar esse amor, meu senhor/nos braços de um outro qualquer"). São de
Dolores "Castigo" ("a gente briga/diz tanta coisa que não quer dizer/briga
pensando que não vai sofrer"), "Fim De Caso" ("Eu desconfio que o nosso
caso/está na hora de acabar/há um adeus em cada gesto/em cada olhar") e
"Ternura Antiga", regravada como dissemos, por Robertão ("vivo só porque te
espero/ai, esta amargura, esta agonia"). Agora, Antonio Maria deve ter sido o
campeão da autopiedade; peça ao garçom um gim com arsênico para ouvir
"Ninguém Me Ama" ("Ninguém me ama, ninguém em quer/ninguém me
chama de meu amor"). "Canção Da Volta" ("Nunca mais vou fazer/o que meu
coração pedir... o coração fala muito e não sabe ajudar") e "Se Eu Morresse
Amanhã" ("não faria falta a ninguém"). Esta escola blues dark de MPB
motivou, além de Cazuza, grandes precursores da bossa-nova como Maysa,
Tito Madi, Jamelão e Agostinho dos Santos; e, com tanto baixo astral, às
vezes é fácil de esquecer que Lupiscínio, Dolores e Antonio Maria também
tiveram momentos leves e alegres como, respectivamente, "Se Acaso Você
Chegasse", "A Noite Do Meu Bem" e "Manhã De Carnaval".
A bossa-nova, música de jovens vivendo todo o otimismo do pós-guerra
nos anos 50, foi totalmente avessa a tais exageros derrotistas, mas seu
otimismo a fez cometer seus próprios exageros, aquela saraivada de
diminutivos e a inflexão vocal apelidada por um crítico de "afônica". Estes são
outros riscos que Cazuza conseguiu evitar. E, por sinal, seu estilo como cantor
no início nada tinha de afônico, pelo contrário, ele gritava ("era para me
defender"). Alguns críticos não gostaram, nem ele próprio, até que por volta
do LP Ideologia resolveu tomar aulas de canto e empostação vocal; "Já que
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estou num palco e as pessoas pagam pra me ver, então eu tenho obrigação de
melhorar". Virou folclore sua autocrítica, quando chegava a impedir que
ouvissem seus discos em sua presença e, se não conseguisse impedir, ficava se
criticando o tempo todo, "errei, desafinei, podia ter feito melhor..." Tanta
autocrítica era contrabalançada quando Cazuza encontrava algum de seus
ídolos cantores, como Ângela Maria ou Elza Soares - consta que, sempre que
encontrava Elza, fosse onde fosse, inclusive na rua, Cazuza não hesitava em se
ajoelhar e lhe beijar os pés. Sim, ele era mesmo exagerado.
E é pena que Cazuza, pelo menos ao que me consta, não tenha conhecido
pessoalmente outro de seus ídolos e seu grande xará, Agenor (nascido
Angenor) de Oliveira, ele mesmo, o Cartola (1908/1980), talvez o melhor
compositor dos morros cariocas, cujas letras emocionadas e melodias quase
sempre avessas a clichês surpreendem até hoje. Tal como Cazuza, Cartola foi
dono de uma inspiração que nem a doença fatal conseguiu abater ou impedir
que ele gravasse quase até o fim da vida (no caso de Cartola, foi um câncer
que ele simplesmente não se preocupou em operar; é pena, quem sabe ele
chegasse a nossos dias, mas enfim...). Após os remorsos e amarguras do
samba-canção e os barquinhos e peixinhos da bossa-nova, experimente os
versos de Cartola, em amostras de 1993 a 1979: "Para ter uma companheira/
até promessas fiz/consegui um grande amor/mas eu não fui feliz/E com raiva
para os céus/os braços levantei/blasfemei" ("Sim"); "A sorrir eu pretendo levar
a vida/Pois chorando/eu vi a mocidade perdida/Finda a tempestade/o sol
nascerá/finda esta saudade/hei de ter outro alguém para amar" ("O Sol
Nascerá"); "Você também me lembra a alvorada/quando chega
iluminando/meu caminho tão sem vida" ("Alvorada"); "Tive, sim/outro grande
amor antes do teu (...) mas comparar com teu amor seria o fim/eu vou
calar/pois não pretendo, amor, te magoar" ("Tive, Sim"); "Vem/tudo é belo
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Antes que você, caro(a) fã dos Doors, exerça sua liberdade de expressão e
escreva para a editora me vilipendiando, vejamos:
1) Ambos eram filhos únicos bem-nascidos. Cazuza, como se sabe, é filho
de João Araújo, diretor artístico de gravadoras, trabalhando em várias desde
1953 ("passei por todas as funções de uma gravadora", diz) até fundar a Som
Livre em 1969, tendo ajudado a revelar Gil, Caetano, Tom Zé, Carlos Lyra,
Ronnie Von e mil outros, e de Lucinha Araújo, cantora bissexta ("minha
carreira é restrita, tipo de dona-de-casa que não tem o que fazer", brinca), com
três LPs gravados (incluindo um tema da novela Sol De Verão, "Tal Qual Eu
Sou", de Vital Lima/Herminio Bello de Carvalho, e que, lançado também em
compacto, inclui no lado-B um belo dueto com Cauby Peixoto em "Falando
De Amor" de Tom Jobim). Jim Morrison, também como se sabe, é filho do
contra-almirante George Steve Morrison. A diferença entre Cazuza e Morrison
é que o mundo demorou para saber do pedigri deste último; o primeiro press-
release dos Doors dá os pais de Jim como "mortos". De fato, não era
conveniente para a imagem de um cantor tão rebelde ter pais tão ilustres. Só
que a atitude de Jim, de fingir ser órfão, está aberta a opiniões diferentes; para
uns é rebeldia, e para outros, nada mais que uma fuga cômoda do problema
que era um roqueiro rebelde ter pais respeitáveis - lembra-se do que falamos
sobre "seguir o caminho mais fácil"? Ao passo que Cazuza não só assumiu
publicamente os pais - afinal, ser bem-nascido não foi culpa dele - como ainda
fez a famosa transição: no começo ele era filho de João e Lucinha Araújo; no
fim, eles passaram a ser pais de Cazuza. Isto é mais do que pode ser dito de
Julian Lennon, Dweezil Zappa, Ataulfo Alves Jr. ou Neusinha Brizola.
2) Ambos soltaram o Édipo, pelo menos em discos. Jim Morrison, você
sabe, fê-lo em "The End": "Papai, sim, filho?, quero matá-lo, mamãe, eu
quero... aaahhhh!!" Cazuza, você também sabe, atacou em "Só as Mães São
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Felizes": "Você (...) nem quis comer a tua mãe". (Ah, sim, ambas também
falam de amigos traídos: "This is the end, my only friend..."; "Você nunca
traiu o teu melhor amigo...") Mas enquanto fica no ar a dúvida sobre as
intenções de Morrison, se ele estava falando ou não a sério (como disse o
crítico Lester Bangs nos anos 70, "a última vez que ouvi "The End", soou
engraçada. (...) a visão de "Rei Lagarto" costumava ser mórbida da maneira
mais óbvia possível, e, portanto, barata."), Cazuza também dá margem a
dúvidas, mas de forma bem mais (intencionalmente) divertida, como chegou a
declarar numa entrevista, ao ser perguntado justamente sobre "Só as Mães São
Felizes" e sua porção edipiana. Além de dizer que faria sexo não só com sua
mãe mas também com seu pai, Cazuza ainda brincou: "Apesar de meu pai e
minha mãe ainda serem bem desejáveis, eles não correm o menor risco
comigo. Eu gosto de broto, pra mim 25 anos já é velho."
3) Ambos trouxeram para o rock letras de estilos até então inéditos no rock:
Cazuza e sua temática de samba-canção, e Jim com suas influências do poeta
francês simbolista, decadente e porra louca Arthur Rimbaud (1854/1891) e do
grande escritor e poeta visionário inglês William Blake (1757/1827). Aliás, o
modo de vida anárquico de malucos como estes pode ser definido como puro
rock and roll "avant la lettre".
4) Ambos se notabilizaram em grupos de rock com muita influência de
rhythm & blues de segunda mão e rock inglês. O Barão Vermelho, não é
segredo algum, sempre adorou os Stones, e os Kinks eram o grupo inglês
preferido de Jim Morrison. E tanto Cazuza quanto Morrison deixaram seus
grupos, mas ambos os brasileiros saíram ganhando, ao passo que Morrison
não teve tempo para uma carreira-solo e os Doors não deram muito certo sem
ele.
Se o Rei Lagarto podia "fazer tudo", Cazuza também: "É tudo permitido no
palco, depende de seu público gostar, porque se ele não gostar ele te
apedreja... Eu só faço loucuras no palco quando o público está nas minhas
mãos, quando eu sei que posso fazer qualquer coisa que eles vão adorar, como
adoraram eu ter cuspido na bandeira. Foi o meu show mais aplaudido no
Canecão."
Interessante é que, ao contrário do que pareceu para muita gente (inclusive
este que vos escreve), a impunidade de Cazuza por ter cuspido na bandeira
ocorreu pela liberação dos costumes e não em função da doença, que ele já
contraíra, mas só assumiria publicamente quatro meses depois do episódio.
Cazuza teve mais sorte e mais compostura que a maioria dos roqueiros;
embora mais da metade das notícias publicadas a seu respeito fale diretamente
de sua enfermidade, note que esta porcentagem é bem favorável à sua obra -
quase a metade -, ao passo que astros como Madonna, Michael Jackson e Elba
Ramalho, para citarmos apenas três exemplos, têm sido bem mais lembrados
por travessuras extramusicais.
Já se passaram mais de dez anos da divulgação dos primeiros casos da
síndrome de imuno-deficiência (Aids), uma doença realmente zen, que não é
uma doença em si, mas que leva a todas as outras. Cazuza foi uma dentre
outras poucas vítimas do mundo do rock que pipocavam no noticiário
internacional, como o alemão Klaus Nomi e o português António Variações,
até Freddie Mercury (1946/1991), vocalista do grupo inglês Queen, tornar-se o
primeiro superstar do rock a sucumbir à dita. Tanto Freddie quanto Cazuza
sabiam do preconceito que rotulava a Aids como exclusiva de homossexuais
(ambos eram "bi" assumidos) e demoraram para assumir publicamente que
haviam sido vitimados (Freddie, aliás, esperou praticamente até as vésperas de
sua morte, porém ainda o suficiente para mostrar dignidade em lutar contra a
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que compareceram a seu enterro cantaram "Vida Louca Vida", hit de Cazuza e
Lobão, composta por este e Bernardo Vilhena?).
Ao lado do Barão, Lobão e outros, Cazuza trouxe maturidade para o rock
carioca, até então lotado de garotinhos e garotinhas perdidos na selva com
chopp e batata frita, sem, contudo, desperdiçar munição histericamente em
cima de presidentes mauricinhos. Ele passou por cima de rótulos e polêmicas
como rock X MPB, elite X povão, refinamento X breguice, engajamento X
alienação, loucura X caretice, vaidade X desleixo, paulistas X cariocas X
baianos (Cazuza foi amigo e/ou parceiro de todos).
Não uma pessoa acima de contrastes, Cazuza se divertia ao contar seus
pequenos desajustamentos com o mundo real. "Não sei cuidar das coisas,
imposto de renda me dá tique nervoso. Tenho que chamar um amigo pra
resolver pra mim, este ano [1985] perdi até o lance da restituição, por não ter
guardado nenhum comprovante. Sou meio dessituado, meio perdido. O carro
morre no meio da rua porque esqueci de pôr gasolina." Lucinha Araújo lembra
outra do filhote, em 1989: "Na realidade, sou eu quem toma conta do dinheiro
dele. Quando ele começou a ganhar dinheiro, em 82, no tempo de Bete
Balanço, chegou um dia me trazendo um cheque todo amassado de Cr$
200,00, para que eu pagasse suas contas de luz e telefone, que não chegavam a
Cr$ 10,00. Fiquei apavorada: vi que ele não tinha a menor noção do valor do
dinheiro. Perguntei-lhe então o que devia fazer com o troco: 'Fica de presente
pra você!' Então me horrorizei: 'Como é que você pode me dar 95% do que
ganha como presente?', perguntei. Em seguida, sugeri que me desse uma
procuração para que eu pudesse cuidar dos seus interesses financeiros. Ele
concordou e parece que valeu." E Pelé iria se deliciar com outra confissão de
Cazuza: "Quando fui votar, não sabia direito como fazer."
Mas até que Cazuza não se saiu tão mal para um garoto brasileiro típico da
"geração Nova República", espremido entre o milagre econômico dos anos 50
e a repressão das duas décadas seguintes, "uma moçada que cresceu vendo
TV, dividida entre o medo e a ignorância", como admitiu o próprio Cazuza. O
qual, contudo, nasceu com tutano suficiente para não se deixar cooptar por
candidatos à presidência da República ou gravadoras que desejavam lançá-lo
como "ídolo gay" logo que saiu do Barão. Pois é, na ânsia de vender, as
gravadoras costumam se esquecer do que vende.
Filho de artistas, ídolo de muita gente, incluindo outros artistas, Cazuza foi
ele mesmo um artista certo na hora certa. Quatorze anos após seu primeiro
disco, o tempo não pára de mostrar que o melhor de sua obra realmente ficou,
não só para alimentar o eterno debate letra-de-música-é-ou-não-é-poesia, mas
também como uma bela e eficiente crônica do Brasil neste fim-de-século,
sempre com sob uma visão toda pessoal e, melhor ainda, com um senso de
herança e traição bem aplicada ao presente, embora de interesse restrito (ao
menos por enquanto) ao Brasil. E Cazuza aproveitou bem seu pouco tempo
neste planeta, dentro da tradição de um Noel Rosa ou Aluísio de Azevedo.
"Meu canto é o que me mantém vivo"; de fato, enquanto a troposfera
continuar propícia à propagação dos sons ou a poluição não impedir a leitura
dos encartes dos discos com as letras, o poeta Cazuza continuará vivo. É!
Cronologia
1958
1961
Cazuza ganha uma bola de futebol do pai e, para surpresa geral, nem pensa
em sair chutando, driblando e goleando: pega a bola no colo e a nina como se
fosse uma boneca. "Foi a primeira decepção que meu pai teve comigo."
1963
Primeiros "shows" do futuro cantor: Cazuza transforma a mesa de centro da
sala de visitas num palco, faz de uma vassoura seu microfone, dubla discos na
vitrola e faz vibrar a platéia seleta, composta de seus pais.
1964
Entra para a escola Chapeuzinho Vermelho, e é aí que tem sua primeira
grande decepção ao descobrir que seu nome é Agenor e não Cazuza. E só vai
se conformar ao descobrir que o cantor/compositor Cartola, um de seus ídolos,
também se chama Agenor.
Sempre mimadão, Cazuza tem vergonha (embora mais tarde venha a se
orgulhar) de contar aos amigos que sua mãe é costureira (a transição da classe
média para alta virá com o tempo).
1965
Após a breve primeira fase do "showman", nascem o geógrafo e o escritor.
Cazuza passa horas esquecidas em seu quarto devorando a Enciclopédia Barsa
e estudando mapas-mundi, a ponto de virar consultor geográfico dos colegas
de escola. E descobre o prazer de escrever, redigindo seus primeiros textos.
1966
Após viajar pelo mundo, Cazuza torna-se urbanista, estudando tudo sobre
cidades, planejamento urbano e construção civil, fazendo maquetes e
construindo uma cidade atrás da outra.
Mas, entre a investigação de um mapa ou a construção de uma metrópole,
Cazuza sempre arruma tempo para escrever. Seus pais sempre hão de se
lembrar da máquina de escrever batucando noite adentro. "Eu não poderia
imaginar que eram letras de música e poesias o que ele escrevia", conta João
Araújo.
1967
1968
Cazuza entra para o Santo Inácio, um colégio de padres. Mas a esta hora
sua grande religião é mesmo a música, e seus santos graais são os discos do
pai, especialmente Cartola, Maysa, Lupicínio, Dolores Duran e Nelson
Gonçalves.
Dezembro - O governo militar mostra sua cara com o Ato Institucional (ou
melhor, inconstitucional) nº 5, e a casa de João Araújo acaba se tornando um
grande quartel-general da MPB.
1970
Hei, rei! João Araújo leva Cazuza para visitar Roberto Carlos, gravando no
recém-criado estúdio da Som Livre. "Ele me convidou para ir tomar um
refrigerante com ele numa padaria ali perto", recordará Cazuza, "e eu queria
andar devagarinho para que as pessoas vissem que estava ali, uma criança
orgulhosa por estar do lado dele." Cazuza só reencontrará Roberto
pessoalmente bem mais tarde, já fora do Barão. "Ele precisava do estúdio
onde eu estava gravando, me ligou e disse: 'Ô, meu Barão...' Eu respondi que
não era mais o Barão, mas ele disse que eu vou ser sempre. E ele está certo, eu
vou ser sempre um Barão Vermelho. Ele é o Rei e me elegeu seu Barão."
E o "bunker" dos Araújo recebe novos hóspedes ocasionais: os Novos
Baianos, que transformam o apartamento em, o que mais poderia ser, uma
comunidade hippie. Cazuza se encanta com o espelho retrovisor que Baby
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Consuelo usa na cabeça: "O que eu mais queria na época era um espelho
igualzinho pra mim."
Além de se declarar "comunista convicto", só de pirraça contra Médici,
Cazuza inicia sua vida de bôemio e trava seu primeiro contato com a
maconha. "Fumei meu primeiro baseado, olhei para as estrelas e pensei que a
maconha era o máximo."
Mais divertida é sua expulsão do Colégio Santo Inácio, por ultrapassar o
limite de recuperações e da paciência dos padres, com sua rebeldia (incluindo
uso de maconha nos corredores). Lucinha Araújo resolve levar Cazuza para
uma escola mais liberal, o Anglo-Americano. Bota liberal nisso: "Lá encontrei
a minha verdadeira turma", dirá Cazuza. "Quase todo mundo da minha classe
fumava e cheirava. Era o paraíso."
A paixão de Cazuza pelas drogas - "única maneira de ir contra aquilo tudo",
já que era ditadura e "a gente não podia falar, não podia fazer nada" - o leva a
ser detido várias vezes por posse de maconha. "Geralmente eu ia para a 14ª
Delegacia, em Copacabana, e meu pai ia lá me soltar."
1973
As detenções de Cazuza por porte de drogas já chegam a oito, e o filho
pródigo vive às turras com seus pais. "Eu chegava e, como bom ariano, ao
invés de abrir a porta eu derrubava na porrada. A minha adolescência foi
muito sofrida, tive muitos problemas, mas hoje em dia meus pais são meus
melhores amigos."
Por esta época, Cazuza tem sua iniciação sexual, numa festa de amigos em
Petrópolis. "Foi na minha fase meio pirada. Eu estava 'alto' e a menina me
pegou meio à força. Ela era sapatão... Fui currado", contará Cazuza doze anos
mais tarde, às gargalhadas. "Depois a gente se namorou, mas aquilo não era o
que ela queria."
1974/75
Até agora, Cazuza não é muito amigo de rock and roll. "O máximo que eu
curtia eram coisas do tipo 'Alone Again (Naturally)' [megahit pop do inglês
Gilbert O'Sullivan], água com açúcar." A coisa muda quando Cazuza vai
passar umas férias em Londres, com um primo ("mais ajuizado"). E Cazuza
volta sem falar inglês, mas com muito rock na cabeça, especialmente os
Stones, Led Zeppelin e Janis Joplin. "Aos 17 anos fui salvo pelo rock."
1976
Como todo garoto vindo de classe média, Cazuza tem que trabalhar ou
estudar bonitinho. E João Araújo o aperta para prestar vestibular, oferecendo
motivação não muito acadêmica: se passar, Cazuza ganha um TL usado (não
um Fusca zero quilômetro, como dirão alguns). Cazuza é aprovado em
Comunicação e ganha o carro.
1977
Após três semanas de aulas na Hélio Alonso, Cazuza abandona a faculdade
- afinal, ele só prometera entrar na faculdade, não fazer o curso todo, e trato é
trato, não é? Muito bem: sempre compreensivo, João Araújo lhe arruma então
um emprego em sua gravadora, a Som Livre, onde Cazuza acaba fazendo um
pouco de tudo: redação de press-releases, assessoria de imprensa, até seleção
de fitas-demo a serem submetidas posteriormente ao diretor artístico.
1979
Cazuza recebe proposta de promoção na Som Livre, mas acaba recusando
por um motivo muito simples e decisivo: um artigo de jornal dizendo que
somente 20% da humanidade faz o que gosta.
Deixando a Som Livre, escrevendo ainda amadoristicamente, sem
perspectiva alguma, Cazuza resolve sair um pouco do Brasil. E vai para San
Francisco, na Califórnia, onde divide um apartamento com um chinês e estuda
pintura e fotografia. E faz contato com uma de suas grandes influências: a
literatura da "beat generation" os anos 50, pais dos hippies, cujos grandes
nomes são Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
Cazuza só fica oito meses nos EUA. "Eu sempre fui patriota, de gostar de
ser brasileiro, tanto que eu voltei correndo", comentará anos depois. "Sou
daquelas pessoas que têm amor à terra, mesmo na época da ditadura, com
aquele clima tenso, militarismo..."
1980
Sai Do Mesmo Verão, LP de Lucinha Araújo, pela RCA.
Cazuza se enturma com o pessoal do grupo performático Asdrubal Trouxe
O Trombone, que, junto com um agitador cultural chamado Perfeito Fortuna,
pensa em erigir um circo na Praia do Arpoador - o qual acaba realmente sendo
erigido: o Circo Voador.
Cazuza participa da peça Pára-Quedas Do Coração, fazendo uma imitação
humorística do musical A Noviça Rebelde (de Richard Rodgers/Oscar
Hammerstein II), do qual canta hits como a valsa "Edelweiss"; "Canta muito, e
muito bem, foi muito bonito", lembrará Lucinha.
1981
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Sua próxima peça é infantil, e seu papel é sob medida, o de filho mimado; o
elenco inclui Carla Camurati, Bebel Gilberto e Rosane Goffman.
Outubro - O desempenho de Cazuza chama a atenção de Léo Jaime, ele
mesmo cantor de rock and roll. Léo sugere que Cazuza visite os ensaios de um
grupo de amigos seus que procura um vocalista - o Barão Vermelho. E lá vai
Cazuza ver o bairro do Rio Comprido tremer ao som desses garotos que tocam
uma mistura de Stones e Zeppelin no último volume. Cazuza e o Barão se dão
muito bem; inclusive Cazuza mostra suas poesias a alguém pela primeira vez,
compondo cinco músicas com o guitarrista Roberto Frejat (nasc. 1962) logo
na primeira semana., o Barão acaba por chamar a atenção do produtor,
jornalista e agitador Ezequiel Neves (nasc. 1936), que já dera muita força para
grupos como Made In Brazil e resolve fazer o mesmo com o Barão após ouvir
uma fita demo (aliás, antes de Ezequiel, esta fita esteve com Nelson Motta,
que também adorou). E tudo isso sem o conhecimento de João Araújo -
imaginem sua cara: "Um dia, depois que voltei de uma viagem, a Lucinha me
disse 'seu filho vai estrear hoje à noite, num bar chamado Calipso, com um
conjunto chamado Barão Vermelho'. Foi um susto vê-lo naquele show meio
mambembe..."
O trabalho que Ezequiel Neves e Guto Graça Mello (maestro e produtor da
Som Livre) tiveram para convencer João Araújo a aceitar seu filho no Barão
Vermelho e, ainda por cima gravar o grupo na Som Livre foi muito bem
definido pelo próprio João como uma "catequese". "O Ezequiel Neves e o
Guto Graça Mello é que me fizeram ouvir com atenção as músicas do meu
filho. Mas confesso que não foi no primeiro dia que eles conseguiram isso. Foi
só lá pelo terceiro, quarto dia, depois de muita catequese, que decidi ouvir as
fitas que me levavam." E João custou, mas acabou gostando: "Achava um som
meio sujo. Só descobri o talento do Cazuza depois de Exagerado, seu primeiro
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1982
E lá está o Barão Vermelho gravando no estúdio da Rua Assunção.
Julho - Chega às rádios "Down Em Mim", composição somente de Cazuza,
única faixa do primeiro compacto do Barão, visando promover o primeiro LP
do grupo.
Agosto - Sai o primeiro LP, Barão Vermelho. Apesar da promoção, dos
elogios da imprensa (na maioria espontâneos, bem entendido) e da presença de
futuros clássicos como "Ponto Fraco" e "Todo Amor Que Houver Nessa
Vida", o disco não vende lá essas coisas. "Foi muito mal gravado", comentará
mais tarde o contrabaixista Dé, "mas tinha as letras do Cazuza, que eram
fortes."
Para muitos, a única distinção imediata do Barão é ter um vocalista filho do
dono da gravadora, que canta berrando e, ainda por cima, tem a língua presa.
Mas o LP já abre com Cazuza berrando "pouco importa que essa gente vai
falar, podem falar mal, eu já tô rouco, louco..."
1983
Mas quem fala muito bem do Barão é Caetano Veloso, de quem chegou a
vez de tietar aquele garotinho cujo pai ele visitava nos longínquos anos 60.
Tendo-lhe chegado aos ouvidos o LP do grupo, Caetano se encanta com
"Todo Amor Que Houver Nessa Vida" e a inclui no show de lançamento de
seu novo LP, Uns. Em troca, o Barão passa a cantar uma música deste LP,
"Eclipse Oculto".
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1984
Agosto - O Barão Vermelho já conhece a consagração, que veio com uma
boa ajuda de shows por todo o Brasil. E nesta data lança seu terceiro LP,
Maior Abandonado, puxado por hits como a faixa-título, "Bete Balanço", "Por
Que A Gente É Assim?" e, de quebra, "Baby Suporte" entra na trilha da
novela Corpo A Corpo.
17 de outubro - O Barão vem a São Paulo estrear seu show Maior
Abandonado, no Radar Tantã, e se hospeda no hotel Brasilton. Após o show, o
grupo dá uma festa no próprio local.
18 de outubro - A cozinha do Barão (Dé e Guto) fica num quarto. Logo de
manhã, batem à porta. Dé acorda, vai atender e... "quando abri estava lá o
próprio delegado [Paulo] Fleury, com uma arma na minha cara e eu nu." E lá
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vai o Barão (exceto Cazuza, que divide um quarto do hotel com Ezequiel
Neves) para a delegacia, onde ficam até as 20h; Cazuza fica indignado por ter
saído "limpo" e exige ser preso também.. "A gente tinha dois shows naquela
noite", continua Dé, "pagamos a fiança e fomos direto para o Juventus lotado".
Isto é, direto mas nem tanto: saem da delegacia distribuindo autógrafos para
uma multidão de fãs. E os shows são um grande sucesso.
19 de outubro - De volta ao Rio, o Barão vê as manchetes: "Barão
Vermelho preso por droga". Frejat: "A polícia achou que ia encontrar de tudo.
E, nada, plantaram lá um pouco de fumo." Consta que o próprio Fleury, ao ver
a repercussão do fato na mídia, disse a Cazuza: "Agora sim, vocês são uma
banda de rock porque vocês dançaram. A Rita Lee passou a vender 400 mil
cópias depois que foi presa." Para Ezequiel Neves, não só o Barão se
beneficiou da promoção: "Era uma armação do Fleury para se promover.
Antes de entrar no hotel ele já estava dando entrevista para as televisões. Eles
tentaram de tudo para pegar o Cazuza, que era o mais escandaloso, a vitrine do
grupo." A bola sete fica para Frejat: "O único que não dançou foi o Cazuza.
Ele ficou puto da vida por não ter dançado."
1985
20 de janeiro - Já que é para o rock tomar conta do Brasil, que seja do
melhor: o Barão abre a última noite do Rock In Rio. Cazuza canta abraçado à
bandeira brasileira - e ela não fará parte de seu show pela última vez.
Maio - "Eu Queria Ter Uma Bomba" sai em compacto e está na trilha da
novela A Gata Comeu.
A esta altura, o Barão Vermelho já é artista do primeiro time, além de se
notabilizar como o primeiro grupo de rock a se apresentar ao vivo em todos os
principais centros urbanos do Brasil. "Foi uma oportunidade de conhecermos
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o Brasil", recorda Frejat, que aproveita para interpretar: "talvez por toda essa
absorção de informações distintas, e por uma interpretação diferenciada,
houve um abismo tão grande entre o que a banda queria fazer e o que o
Cazuza estava pretendendo."
De fato, o Barão quer continuar fazendo rock and roll, ao passo que Cazuza
quer mesclar ao grupo suas influências de samba-canção. "Havia duas forças
de direcionamento artístico", diz Frejat. "Durante um tempo essa fricção fez
coisas produtivas, depois elas tenderam a virar inimigas."
Esta "inimizade" chega a transparecer em entrevistas à imprensa, como ao
Jornal do Brasil, quando Cazuza diz que "todo mundo virou roqueiro, não tem
mais ninguém fazendo samba-canção. Precisamos redimir a música
brasileira". Frejat interrompe o discurso de Cazuza, dizendo que é "papo de
velho dos anos 60", além de desligar o gravador do repórter dizendo "isso não
faz parte da entrevista do Barão Vermelho".
Mais um show no Radar Tantã traz mais emoções, desta vez antes do grupo
subir ao palco. "Eu brigava muito com eles", lembrará Cazuza, "porque o
Frejat é todo certinho, supercareta, e eu , louco do jeito que era, às vezes não
combinava muito, na estréia desse show, tocou a campainha para a entrada e o
Frejat veio me chamar. Eu estava cheirando uma e disse 'Já vou'. Ele ficou
puto, saiu batendo a porta. Eu fui atrás dele e, quando ele saiu, deu um chute
de retro na porta e ela bateu na minha cara, fiquei todo sangrando. Xinguei ele
à beça. Frejat, todo preocupado, me pedia desculpas... Fui para hospital, me
costuraram e o médico disse 'você só não pode abrir a boca'. 'Mas como?! Eu
vou subir ao palco agora!' E o show acabou sendo o máximo!"
As brigas entre Cazuza e o Barão também são o máximo. "O final da época
com o Cazuza foi uma das coisas mais horríveis", recorda Guto. "No ônibus,
de manhã, nas turnês, já estavam todos de mau humor, era uma neurose pura."
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Dé: "Muitas coisas influíram na saída dele. O Frejat queria cantar uma música
e o Cazuza morria de ciúmes." (Aliás, todos no Barão estavam querendo
cantar.) A imprensa não ajuda muito, promovendo o grupo como "Cazuza e o
Barão Vermelho". Nem os vários "amigos", que desde o primeiro disco já
vinham dizendo a Cazuza que só ele prestava no grupo. Cazuza chega a pensar
em sair do Barão e fazer dupla com Frejat; Ezequiel Neves, eterno produtor e
"madrasta" do grupo, é a princípio contra a saída de Cazuza, mas acaba
concordando.
Uma semana antes do início das gravações do quarto LP, Cazuza tem uma
conversa com Ezequiel. Cazuza se sente culpado pela situação e reluta em
deixar o grupo: "Eles casaram, estão comprando casas, têm filhos, como é que
vou deixá-los na miséria?" Ezequiel: "Eles têm força, e você vai cair fora
agora." De modo que, no momento de assinar o contrato para o novo LP,
Ezequiel e Cazuza comparecem para anunciar que Cazuza está fora. Para
Ezequiel, não importa que o Barão esteja no topo do sucesso, com muita grana
entrando: "Não tem mentira no rock and roll."
Agosto - De modo que Cazuza anuncia oficialmente sua saída do Barão
Vermelho, um dia após Maior Abandonado ser agraciado com o Disco de
Ouro.
Por esta época, Cazuza começa a se queixar de ter febre todo fim de tarde.
"Naquela época eu não estava nem aí, nem poderia imaginar que pudesse estar
com Aids, tomava duas aspirinas e caía na noite." Este "não estar nem aí" será
motivo para um de seus raros arrependimentos: "Se nesse começo eu tivesse
ido logo a um médico, hoje estaria muito melhor." Aliás, Cazuza adoece após
voltar de um show no Nordeste e o médico diagnostica uma infecção
bacteriana. "Estava com o organismo fraco, muita noitada", admite Cazuza.
Novembro - Sai Cazuza, seu primeiro LP-solo, que, apesar de não ter título,
acaba conhecido pela faixa de maior sucesso, "Exagerado". E neste disco não
faltam hits: "Codinome Beija-Flor", "Mal Nenhum" e uma das últimas faixas
vetadas para execução pública pela censura federal, "Só As Mães São
Felizes". Os parceiros nas composições, além do sempre amigo Frejat (único
membro do Barão sinceramente amigo de Cazuza, segundo Lucinha Araújo) -
"Foi só a gente se cruzar no primeiro Chacrinha que tudo voltou como antes" -
incluem Lobão, Leoni (ex-Kid Abelha) e Zé Luiz (saxofonista da banda de
Caetano Veloso).
Ainda em novembro, Cazuza, ao lado de Erasmo Carlos, Lobão, Renato
Russo, Paula "Kid Abelha" Toller, vários Titãs e muitos outros, participa de
"Uma Só Voz", compacto distribuído aos ouvintes da Rádio Cidade FM de
São Paulo.
E ainda em 1985 participa de uma faixa de Fagner, LP sem título do
próprio.
1986
Janeiro - Primeiro show-solo, em Vitória, Espírito Santo.
Ainda este ano, não é por ser filho do dono que Cazuza escapa de
desligamento da Som Livre, que decide parar de trabalhar com um elenco e se
dedicar exclusivamente a trilhas de novelas e seriados. E Cazuza passa o ano
procurando gravadora nova, ou melhor, sendo procurado por elas (uma oferta
que recusa é da Warner, que pretendia lançá-lo como ídolo gay) e
desmentindo os já insistentes boatos de que estaria com Aids. "Ora, hoje em
dia é só alguém ter febre e todo mundo já acha que ele está com Aids. Eu não
vou ter Aids."
1987
Início - Cazuza volta ao Brasil e consegue abandonar as drogas, a boemia, a
bebida e o cigarro. Além de fazer análise, preocupar-se mais com seu lado
religioso e entrar na alimentação natural. Nada mais de ir dormir quase de
manhã e acordar no meio da tarde.
Março - Sai o segundo LP solo, Só Se For A Dois, pela PolyGram, onde se
destaca "O Nosso Amor A Gente Inventa".
Abril - Continuam as sensações estranhas, desta vez com mais força e
insistência; então Cazuza resolve tirar a cisma e fazer o teste anti-Aids.
Infelizmente, dá positivo. Após ver o resultado no consultório médico, Cazuza
vai a uma praia próxima. "Sentei num banco diante do mar e fiquei apavorado,
pensando" eu vou morrer, eu vou morrer." Chegando em casa, Cazuza tem a
primeira de várias depressões (chegando, em duas destas crises, a jogar vasos,
cristaleiras e garrafas pelo ar), mas os pais lhe dão todo o apoio, internando-o
em clínicas no Rio e depois em Boston. "Eles não saíram do meu lado um
minuto. Minha mãe foi uma leoa, ficava ao lado da minha cama e nem deixava
que as enfermeiras me tocassem. Eu queria sair do hospital, queria acabar logo
com tudo aquilo, mas ela me mandava ficar quieto, e eu ficava." Cazuza só
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não fica quieto o suficiente para compor músicas que entrarão em seu próximo
LP: "Blues da Piedade", "Boas Novas", "Orelha De Eurídice".
Agosto - A ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos) divide
entre Cazuza e Chico Buarque o prêmio de melhor letrista de MPB de 1986.
Outubro/novembro - Cazuza interna-se numa clínica em Boston, nos EUA.
Dezembro - Até agora, só os pais de Cazuza e os amigos mais íntimos,
como Ezequiel e Frejat, sabem de sua doença. Ao voltar da internação, Cazuza
reúne em casa todos os amigos para lhes dar a notícia. "Disse a eles que era
Aids mesmo, que a gente tinha de curtir porque eu não sabia quanto tempo
mais iríamos ficar juntos. Depois dessa reunião me senti melhor." Só que o
grande público e a imprensa ainda não tiveram a confirmação, embora
desconfiem.
Ainda em 1987, Cazuza compõe dois temas de filmes: "Um Trem Para As
Estrelas", em parceria com Gilberto Gil, para o filme homônimo de Cacá
Diegues, e "Brasil", para Rádio Pirata de Lael Rodrigues."Um Trem" acaba
não entrando no filme, mas o próprio Cazuza sim.
1988
Abril - Sai o novo LP-solo, Ideologia.
Junho - Cazuza tem uma conversa com a mãe: "Se algum dia eu morrer,
vocêvai ser uma daquelas mães chatas, vestidas de preto, sempre chorando, ou
vai ser como a Regina Gordilho [vereadora do PDT do Rio, cujo filho foi
morto por PMs]? Lucinha: "Você quer que eu seja como?" Cazuza: "Eu quero
que você tenha a força da Regina Gordilho."
Agosto - Cazuza participa de Cartola - Bate Outra Vez, disco que
homenageia o 80º aniversário de nascimento de um de seus ídolos, o
compositor Cartola.
1989
Morre Lael Rodrigues, diretor de Bete Balanço, aos 38 anos.
1º de janeiro - A Rede Globo transmite um especial de início de ano com
Cazuza.
Janeiro - Durante um show da turnê Ideologia no Nordeste, Cazuza não se
conforma com a reação da platéia, chamando-a de "paraíbas" e mostrando-lhe
o traseiro. "Eu precisava provocá-los de alguma forma, não suportava vê-los
olhando para mim daquele jeito." E ainda corta o pé na praia de Maceió.
Após um esforço tão arretado, Cazuza volta a Boston para novos exames
médicos, inclusive o de Imagem por Ressonância Magnética (IMR), para
verificar se o vírus já lhe afetou o cérebro; este dá resultado negativo. Tanto é
que Cazuza aproveita para compor músicas que estarão em seu próximo LP.
Enquanto isso, sai seu LP ao vivo, O Tempo Não Pára.
Fevereiro - Saindo da clínica, Cazuza resolve abrir o jogo. De Nova Iorque,
dá uma entrevista à Folha de S. Paulo, pela qual o mundo fica sabendo não só
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protesto contra a revista Veja, assinado por Caetano Veloso, Chico Buarque,
Marieta Severo, Nelson Motta e mais de 500 outros artistas e intelectuais.
13 de maio - Uma das defesas de Cazuza mais elegantes vem,
surpreendentemente, da Manchete, notória como revista de sexo, câncer, sexo,
Aids, sexo, Pantanal, sexo, drogas, sexo e rock and roll. Até a partir da capa o
tom da reportagem é positivo: "Tenho força para compor, cantar e amar". "Eu
falo que estou com Aids porque quero mostrar pra essas pessoas que não
devem se desesperar. Eu tenho Aids e continuo trabalhando, produzindo,
compondo. (...) Qualquer pessoa pode morrer amanhã. Basta estar vivo. E eu
não tenho medo de morrer, porque acredito numa outra vida depois dessa. Sou
uma pessoa muito mística e acredito em reencarnação. Acho que nós vivemos
muitas vidas, só que não nos lembramos. Se bem que às vezes eu me lembro,
sim. Tenho a sensação de que já fui um feitor de escravos e um daqueles
cantores negros de blues. Adoro blues, sabe? Acho que ainda vou aprontar
muitas..."
João Araújo aproveita a reportagem para contar um fato pitoresco: "Dia
desses, estava vindo de São Paulo de carro e, na estrada, fui parado por três
guardas. Quando perguntaram o que eu fazia e saiu o nome Som Livre, um
deles me perguntou se eu conhecia o João Araújo. Quando eu disse que era o
próprio, os três olharam admirados e contaram que tinham acabado de ouvir
sobre a morte de Cazuza. Nem é preciso dizer que a multa acabou sendo
aliviada e eu saí dali emocionado: a vida de meu filho hoje desperta a atenção
e a comoção até dos guardas rodoviários..."
Junho - Breve internação no hospital Albert Einstein, em São Paulo. E a
imprensa anuncia que Tavinho Paes está para lançar um livro, Cazuza - Duas
ou Três Coisas Que Sei Sobre Ele, coletânea de suas letras e poemas e com
título inspirado num filme de Jean-Luc Godard (que dizia "ela" e não "ele). O
livro acabará não saindo.
Agosto - Sai Burguesia, seu único LP duplo. A crítica se divide e as rádios
não se entusiasmam tanto quanto com seus LPs anteriores, mas o disco vende
bem, mesmo sendo duplo.
24 de outubro - Nova viagem a Boston, para novo tratamento com outra
droga, a DDI, pois Cazuza, muito debilitado, já não pode mais tomar o AZT.
Novembro - E Alagoas não para de pegar no pé de Cazuza: estamos em
plena campanha eleitoral para Presidente da República, a primeira desde 1961.
Cazuza declara ser eleitor de Lula ou Brizola ("eu voto sempre no PV e no PT,
de implicância mesmo, acho que o único caminho pro Brasil é um socialismo
centrado na educação e na alimentação do povo"); portanto, imagine sua
surpresa ao ver sua música "Brasil" usada na campanha do candidato do PRN:
a canção toca quase na íntegra e no final aparece a frase "Obrigado, Cazuza.
Fernando Collor de Mello", dando a entender que Cazuza o apóia. É natural
que Collor goste de uma canção que fale de droga, malhada ou não, mas
George Israel e Nilo Romero, parceiros de Cazuza na composição, não
hesitam em entrar na justiça (Cazuza só não entra também por já estar muito
debilitado).
12 de novembro - O Tribunal Superior Eleitoral proibe o PRN de utilizar
"Brasil" na campanha de Collor.
1990
13 de janeiro - "Burguesia", vídeo-clip de Ana Arantes, é premiado no 32º
New York Festival.
Fevereiro - Devido à sua debilidade física, e tendo parado com AZT, uma
infecção impede que Cazuza se una aos 206 pacientes de Aids que vêm se
tratando com a DDI. E sua pele adquire tonalidade cada vez mais escura.
9 de março - Cazuza volta ao Brasil, de onde não mais pretende sair. Está
um pouco melhor, alimentando-se bem e sem febres.
23 de maio - Infelizmente, uma recaída o leva a ser internado na UTI da
Clínica São Vicente.
Maio - Cazuza volta a passear pelas ruas do Rio, em companhia da mãe, a
enfermeira Márcia de Jesus, uma secretária e amigos como a "madrasta"
Ezequiel Neves, formando uma turma conhecida como "caravana do delírio"
ou "da alegria".
27 de maio - Assiste ao show Estrangeiro de Caetano Veloso.
Junho - A capacidade de trabalho de Cazuza, mesmo doente, continua de
tirar o fôlego; sobraram algumas gravações não aproveitadas no LP Burguesia,
e Cazuza, ouvindo-as, empolga-se a ponto de pedir a mãe a máquina de
escrever (que, infelizmente, não mais consegue usar). E, no começo do mês,
ainda arruma disposição para arrastar a "caravana do delírio" para uma sessão
de compras, no Fashion Mall (shopping center no bairro de São Conrado) e ir
à festa de aniversário de Flora, esposa de Gilberto Gil.
2 de julho - Apesar de cada vez mais debilitado física e neurologicamente (e
confinado a uma cadeira de rodas há um ano e dois meses), Cazuza continua
lúcido e bem disposto, e sai de casa para tomar água de coco na Barra da
Tijuca - seu último passeio.
6 de julho - Cazuza pede um milk-shake de creme e um misto quente, sua
derradeira refeição
7 de julho - Por volta de zero hora, após um demorado banho de banheira,
Cazuza vai dormir. (Quem passa esta noite andando pela casa não é Cazuza,
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como dirão alguns jornais, e sim seu pai, João Araújo.) Às três da manhã,
começa a ter dificuldade em respirar e não volta mais a si. Às 8h30, Cazuza é
finalmente vítima de parada cardíaca, provocada por, como diz o atestado de
óbito, choque séptico, conseqüência de uma agranulocitose decorrente da
Aids. Estão com ele seus pais, a enfermeira Márcia de Jesus e o médico Paulo
Lopes, que chega momentos antes da morte. Compreensivelmente, seus pais
mal conseguem falar. João Araújo: "Eu vi que ele tinha chegado ao fundo do
poço." Lucinha Aráujo: "Foi o doente de Aids que mais expôs sua doença ao
domínio público."
O enterro realiza-se à tarde, no cemitério São João Batista; Cazuza havia
declarado que gostaria de ser cremado e ter suas cinzas atiradas da Pedra do
Arpoador, mas não deixou tal desejo por escrito em cartório. Pesando apenas
38 quilos, seu caixão não é aberto, por ordem dos pais. Mas Cazuza desce à
campa de sua última morada com uma vizinhança das melhores, a poucos
metros de Vicente Celestino (1894/1968), Francisco Alves (1898/1952), Ary
Barroso (1903/1964), Carmem Miranda (1909/1955) e Clara Nunes
(1943/1983). O clima, além de muito emocional, só podia ser de serenata, e os
muitos fãs e amigos presentes ao enterro cantam "Blues Da Piedade", "Vida,
Louca Vida" e, durante a descida do caixão à sepultura, "Faz Parte Do Meu
Show".
26 de agosto - Está quase pronta a estátua em bronze de Cazuza, feita pelo
artísta plástico Jaime Sampaio sob encomenda da prefeitura do Rio, para ser
colocada no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador. A estátua deveria ser
inaugurada juntamente com o Espaço Cultural Cazuza - mas nada disto se
concretizará; Cazuza ganhará em 1991 um espaço no Leblon, sem estátua (os
amigos concluem que uma estátua nada tem a ver com Cazuza).
Primavera - Sai o livro Cazuza, do jornalista Eduardo Duó.
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 48
Airton Página 49 28/4/2004
1992
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 49
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1994
3 de março - Gal Costa estréia no Rio novo show, O Sorriso do Gato de
Alice, marcando seu disco homônico, o primeiro de qualidade desde os anos
70. Mas, incapaz de evitar apelações por muito tempo, exibe os seios ao cantar
"Brasil" de Cazuza, causando polêmica sobre o gesto em si e sua forma física
aos 48 anos.
15 de abril - Rara e benvinda oportunidade de se ouvir Lucinha Araújo
interpretando uma música do filho: ela canta "Codinome Beija-Flor" no
programa Clodovil Abre o Jogo.
Agosto - A Sociedade Viva Cazuza inaugura uma Casa de Apoio Pediátrico
para crianças carentes portadoras do HIV.
1995
Agosto - Previsão de lançamento de uma grande coletânea de Cazuza,
dentro de uma série de caixas de quatro CDs da PolyGram, Grandes Nomes. A
caixa de Cazuza é adiada, mas sai um CD/LP simples, Esse Cara.
29 de agosto - A Rede Globo transmite o especial Tributo A Cazuza.
Outubro - Sai a coletânea de quatro CDs de Cazuza.
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breve e "louca vida de aidético que mais expôs sua doença ao domínio
público", lembrou sua mãe, durante o velório no cemitério São João Baptista."
(O Estado de São Paulo, 8 de julho de 1990)
"Cazuza morreu, dormindo, às 8h30 da manhã do sábado, aos 32 anos, na
casa dos pais, em Ipanema. Ao seu lado, o médico Paulo Lopes e as três
enfermeiras que o acompanhavam nos últimos meses. Morreu de choque
séptico (infecção generalizada) e granulofitose [sic] segundo o atestado de
óbito assinado pelo médico Paulo Francisco de Almeida Lopes.
Cazuza passou acordado praticamente toda a noite de sexta para sábado.
Sua última refeição foi um milk-shake de morango, que ele tomou após muita
insistência de sua mãe." (...) Segundo o relato de João Araújo, Cazuza estava
pesando 38 quilos e nos últimos três dias não ingeriu nenhum alimento sólido.
"Ele morreu como viveu sua breve e louca vida de aidético que mais espôs sua
doença ao público", disse a mãe, Lucinha, durante o velório do cantor na
capela 2 do cemitério São João Batista, em Botafogo." (Jornal da Tarde, 9 de
julho de 1990)
"O cantor e compositor Cazuza, apelidado de Agenor de Miranda Aráujo
neto, morreu aos 32 anos, às 8h30 de ontem, de parada cardíaca provocada por
insuficiência respiratória e edema pulmonar, segundo informou seu pai, João
Araújo. Cazuza sofria de Aids, diagnosticada em outubro de 1987 (...)
Cazuza morreu na casa dos pais, em Ipanema, zona sul do Rio. Estavam lá
sua mãe, Lucinha Araújo, o pai, a enfermeira Márcia de Jesus e o médico
Paulo Lopes, que chegou momentos antes da morte. Pesava 38 quilos.
Segundo João Araújo, a crise respiratória e pulmonar de Cazuza começou
cerca de 48 horas antes de sua morte. Ele já não comia alimentos sólidos há
três dias. na noite de sexta-feira tomou um milk-shake de creme que preferiu a
uma laranja lima oferecida pela mãe. Foi sua última refeição." (Folha de S.
Paulo, 8 de julho de 1990)
"(...) A causa oficial da morte foi choque séptico, causado pela Aids, que
Cazuza combatia com bravura desde 1987. (...) Depois de quatro anos lutando
contra sua doença e sofrendo muito, Cazuza cansou de dar murro em ponta de
faca, se desinteressou do planeta Terra. Tomou um milk-shake, fumou um
cigarro, foi dormir e não acordou." (Bizz, agosto de 1990)
"Cazuza morreu ontem em sua casa às 8h30. Seus pais e uma enfermeira
estavam com ele no momento de sua morte. Aos 32 anos terminou a longa
batalha de Cazuza contra a Aids. Pouca antes de morrer ele disse ao pai seu
último desejo." (Notícias Populares, 8 de julho de 1990)
"Cazuza passou sua última semana em casa. (...) Ficou três dias sem comer
e sem fumar, só na base de soro, prostrado na cama. Na sexta-feira seu estado
piorou. No auge da sua pior crise ainda pediu um cigarro. Não foi atendido.
Quando voltou a respirar normalmente, pediu uma pizza, um milk-shake e um
banho. Teve então seus desejos atendidos e adormeceu. Foi a sua última noite
de sono. Cazuza morreu às 8h30 do dia 7 de julho de 1990. A causa mortis
registrada no atestado de óbito foi "choque séptico, conseqüência de uma
agranulocitose decorrente da Aids." (Cazuza, livro de Eduardo Duó, 1990).
Discografia
Aqui estão, pela ordem: os LPs e compactos de Cazuza com o Barão
Vermelho; os LPs e compactos de Cazuza em carreira-solo; os discos de
outros artistas que têm participação de Cazuza. Detalhes pertinentes a
modificações em reedições, omissões ou erros em créditos e quetais são
mencionados junto a cada disco. Os músicos que gravaram com Cazuza
ganharam um capítulo só para eles. E fizemos o possível para corrigir
eventuais erros nos créditos, bem como dar os nomes completos dos autores
das músicas, muitas vezes abreviados e até mesmo incorretos.
LPs:
* Barão Vermelho - Som Livre, selo Opus/Columbia, agosto de 1982.
Lado 1: "Posando de Star" (Cazuza)/Down Em Min" (Cazuza)/"Conto de
Fadas"(Cazuza/Mauricio Barros)/Billy Negão" (Guto Goffi/Mauricio
Barros/Cazuza)/"Certo Dia Na Cidade" (Guto Goffi/Mauricio Barros/Cazuza)
Lado 2: "Rock'n Geral" (Cazuza/Frejat)/"Ponto Fraco" (Cazuza/Frejat)/"Por
Aí (Cazuza/Frejat)/"Todo Amor Que Houver Nessa Vida"
(Cazuza/Frejat)/"Bilhetinho Azul" (Cazuza/Frejat)
* Barão Vermelho 2 - Som Livre, selo Opus Columbia, agosto de 1983.
Lado 1: "Menina Mimada" (Mauricio Barros/Cazuza)/"O Que a Gente
Quiser" (Frejat/Naila Skorpio)/"Vem Comigo" (Guto Goffi/Cazuza)/"Bicho
Humano" (Cazuza/Frejat)/"Largado No Mundo" (Cazuza/Frejat) Lado 2:
"Carne de Pescoço" (Cazuza/Frejat)/"Pro Dia Nascer Feliz"
(Cazuza/Frejat)/"Manhã Sem Sonho" (Cazuza/Frejat)/"Carente Profissional"
Carreira-Solo:
Regravações e Originais
Esta relação de regravações de músicas de Cazuza pode não ser completa,
mas é uma boa demonstração do sucesso e da repercussão da obra de Cazuza
em diferenças épocas e estilos, antes ou depois de sua morte. O esquema é
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Originais
Agora é a vez das primeiras gravações das músicas que Cazuza gravou mas
não compôs. O esquema é o de sempre: título da música, intérprete original,
gravadora e ano, e os autores constam na discografia de Cazuza.
* "Camila, Camila" - Nenhum de Nós (RCA, 1986)
* "Cartão Postal" - Rita Lee & Tutti-Frutti (Som Livre, 1975)
* "Cavalos Calados" - Raul Seixas (Copacabana, 1988)
* "Eclipse Oculto" - Caetano Veloso (PolyGram, 1983)
* "Esse Cara" - Maria Bethania (PolyGram, 1972); Caetano Veloso e Chico
Buarque (Philips, 1972)
* "Luz Negra" - Elizeth Cardoso (Copacabana, 1966)
* "O Mundo É Um Moinho" - Cartola (Marcus Pereira, 1976)
* "(Por) Quase Um Segundo" - Os Paralamas Do Sucesso (Odeon, 1988)
* "Preconceito" - Nora Ney (Continental, 1953)
* "Quebra" - versão de "Piece Of My Heart", Erma Franklin (Atlantic,
1965), Big Brother & The Holding Company (Columbia, 1968)
Músicos
Com o Barão Vermelho
O Barão era: Roberto Frejat, guitarrista; Dé, contrabaixo; Guto Goffi,
baterista; Mauricio Barros, teclados; Cazuza, vocal.
Os convidados especiais nos discos do Barão incluem: The Golden Boys e
o Trio Caminhão, vocais; Leo Gandelman e Zé Luiz Segneri, saxofone; Rique
Pantoja, sintetizadores; Peninha, percussão.
Felizmente, o Barão ainda é, embora a formação tenha mudado bastante,
sempre em torno de Frejat e Guto Goffi.
Peninha acabou se efetivando na percussão, e hoje temos Fernando
Guimarães na segunda guitarra; outro ex-Barão é Dadi (ex-Novos Baianos e A
Cor Do Som) no contrabaixo.
Carreira-Solo
Guitarras: Rogério Meanda (e todos os LPs exceto Burguesia e O Tempo
Não Pára); Paulinho Guitarra (Burguesia e Por Aí); Ricardo Palmeira, Luciano
Mauricio (ambos em o Tempo Nãp Pára, Burguesia e Por Aí); Frejat
(Ideologia), Torquato Mariano.
Violão: Rafael Rabello (Ideologia); Carlinhos Kalunga (Burguesia)
O Barão Vermelho
Não é só por ter sido o grupo de Cazuza que o Barão Vermelho merece
meio capítulo só para ele (e mereceria ainda mais). O rock and roll, como toda
música para dançar, sempre exigiu menos originalidade que eficiência, e esta
o Barão sempre teve de sobra, podendo competir com qualquer outro grupo
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similar do mundo - inclusive outros Barões Vermelhos. (Ah, sim, o fato das
influências Stones/Zeppelin de nosso Barão terem sido base de seu estilo
próprio também não chega exatamente a atrapalhar.)
E não é só o rock que tem mostrado empolgação com a figura do Barão
Vermelho original, ele mesmo, o piloto alemão Barão Mandred Von
Richthofen, famoso por seu avião triplano Fokker Vermelho e que se destacou
na I Guerra por sua perícia não só em manobrar as três asas de seu fokker, mas
também as duas metralhadoras que o acompanhavam nos vôos e com que
chegou a derrubar 80 aviões ingleses e franceses. É bem possível que você já
tenha lembrado das fantasias do cachorro Snoopy combatendo o Barão
Vermelho a bordo de seu avião/casinha, as quais, por sua vez, serviram de
base para a carreira de um grupo pop-rock norte-americano, que emplacou nas
paradas com "Snoopy Versus The Red Baron" e "Return Of The Red Baron".
A primeira, de 1967, fez tanto sucesso que um cover do grupo norte-
americano Hotshots fez ainda mais sucesso em 1973, e uma versão em
português, "Soneca Contra O Barão Vermelho" , foi um dos hits de Ronnie
Von na Jovem Guarda.
Barão Vermelho é um nome de grupo de rock tão bom que nossos amigos
cariocas não foram os primeiros nem os últimos, bastando lembrar o grupo
pop alemão Red Baron e os hard-rockers espanhóis do Baron Rojo. Por sinal,
houve quem não achasse esse nome tão bom assim: o próprio Frejat. "Eu e o
Cazuza ficamos meses tentando mudar o nome", contou ele à Bizz, "no início
eu detestava, mas como não apresentamos nada melhor ficou Barão
Vermelho."
Os músicos que passaram pelo Barão Vermelho já foram mencionados
junto com os que tocaram com Cazuza, e só falta relacionar os LPs do Barão
sem ele: Declare Guerra (1986), Rock'n'Geral (1987), Carnaval (1988), Barão
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Filmografia
Opiniões
"Outro dia mesmo encontrei o bilhete que meu amigo Zeca Jagger (popular
Ezequiel Neves) me apresentava a banda nova, chamando especial atenção
para o letrista.
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O tal grupo, Barão Vermelho, foi uma revelação. Mas o Cazuza que eu já
conhecia das noitadas do Baixo Leblon me surpreendeu muito mais. Era num
poeta pronto, no fio da lâmina, o nosso Lou Reed, enteado de Dolores (de
Amores) Duran.
O Caju Agenor imantou, e soube traduzir uma geração. Não dá pra fugir da
ligação do pessoal com o coletivo que ele estabeleceu. De repente, o
coleguinha de copo deu um tapa na mesa e virou mito. Ele volta ao Baixo
como estátua e faz parte para sempre do show (da esquina) ao ridículo da
vida." (Tárik de Souza, jornalista)
"Eu achei que ele fosse resistir, já que vinha resistindo tanto. Eu rezava por
ele todas as noites. Independente de sua qualidade como poeta, ele deixa uma
imagem de resistência, de luta, de coragem, de amor pela vida. Foi um
rebelde: até contra a morte ele se rebelou." (Roger Moreira, do Ultraje A
Rigor).
"Não me lembro se foi o ano de 83 ou 84. Só sei que ficou gravada na
minha memória a imagem de Cazuza que vi pela primeira vez. Ele trazia a
música "Bete Balanço" para o filme do Lael Rodrigues que produzi com o
Cacá Diniz. Seu sorriso espontâneo, gostoso, cheio de alegria e confiança num
só golpe o preconceito que eu tinha do rock que a garotada fazia. Ouvi a sua
música, me surpreendi gostando dela. Daí, por tabela, me apaixonei pelo
filme. Carreguei para sempre a minha gratidão por Cazuza por este ato de
amor." (Tizuka Yamazaki, cineasta)
"Um de seus méritos foi provar que é possível fazer poesia dentro do rock
nacional. Misturando um pouco do rock dos Rolling Stones, do blues de
B.B.King e da poesia de Noel Rosa." (Kid Vinil, jornalista, cantor, radialista e
apresentador de TV)
"Ele era uma pessoa muito amorosa. Acho que ele morreu de excesso de
amor. Cazuza vai ser uma estrela maravilhosa no céu." (Regina Casé, atriz)
"Só os loucos contaram / contam e vão contar / a história... as estórias! / Os
loucos são verdadeiros, sinceros / românticos, rebeldes, sérios, palhaços.../
Amam o tudo... o pra sempre / "É preciso muita coragem / pra se ser
"covarde" / Os loucos não morrem / Quando passam, ficam / São Gênios
exageradamente gente / São assim... humanos de intensa luz / São assim...
feito o cumpadi Agenor." (Sandra de Sá, cantora)
"Cazuza foi um dos maiores compositores do rock nacional dessa geração,
além de cronista dessa juventude. Sua música é o retrato de alguém que viveu
no limite, que experimentou a vida em toda sua plenitude, sem barreiras,
preconceitos ou temores." (André Jung, do Ira!)
"Eu estava preparado para tudo. Aprendi tiro ao alvo e quero dar um tiro na
cara de Deus." (Ezequiel Neves, crítico musical, produtor de discos,
compositor e "madrasta" artística de Cazuza)
"A força principal na obra de Cazuza é o pensamento que ele transmite.
Representa com muita intensidade das duas últimas décadas no Brasil. Diante
desse aspecto a sua performance, por ser transitória, é até secindária. Isso
sempre me impressionou na 'persona' Cazuza. Na intimidade era uma criatura
doce e delicada. Muito mais bonita que na atuação incendiária que dedicava
aos seus espectadore. Mas ele tinha muitas reservas com esse lado, por
considerá-lo extremamente frágil. Desse 'pique-esconde' com si mesmo
vinham todos os exageros." (Ney Matogrosso, cantor, diretor e "fada-
madrinha" de Cazuza)
"Drmático, forte, pungente e emocionante. É o mínimo que se pode dizer
desse rebelde Cazuza, de longe - agora eu tenho certeza - o maior poeta de sua
geração. Cazuza é um poetaço embalado num corpo ágil, em cuja cobertura
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mora uma cabeça incrível. A gente sente que sua música lindíssima é
repetitiva, porque ela não é senão a moldura para ilustrar conceitos muito
sérios. Cazuza é o arauto dos seus perigosos tempos. Ele tem um discurso
cheio de fúria e amor. Cazuza na arena do Canecão me lembra um touro
ferido, exangue e, ainda assim, avassalador. Um beijo, menino." (Ronaldo
Bôscoli, compositor e jornalista)
"Acho belíssimo o trabalho de Cazuza; é um poeta extraordinário. Ele
passou por uma via crucis muito pesada." (Cacá Rosset, ator e diretor teatral)
"Todo período conturbado na vida de um país acaba sempre produzindo seu
poeta nacional do momento, cantor das dificuldades de seu tempo e da
esperança possível no futuro. A seu modo, Cazuza foi o rimbaud da desgraça
brasileira desses anos 80, a nossa década perdida. Na melhor tradição de
Fagundes Varela e Sousândrade, ele consumiu o fogo intenso de sua curta
vida no combate à hipocrisia e à violência cotidianas, inaugurando no Brasil
um olhar contemporâneo sobre um novo mode de viver que não espera pela
hist;oria, mas que se impõe pelo desejo, agora. Devorado por sua
incompatibilidade com o horror de seu tempo, Cazuza foi o nosso poeta da
esperança." (Cacá Diegues, cineasta)
"O tempo que foi dado para Cazuza viver não é mais o tempo dos beatniks.
Cazuza é de uma época em que o prazer passou a ser um risco de vida.(...) Só
resta esperar que, ao brincar seriamente com a vida, Cazuza tenha encontrado
os bruxos de Castañeda e lhe tenham dado a fórmula suprema do guerreiro:
uso exato da energia vital, a precisa economia de gestos que prolongará essa
luminosa passagem no interminável ciclo de nascimentos e mortes."
(Fernando Gabeira, jornalista e escritor)
"Cazuza foi um compositor peculiar, coerente com as coisas dele, com seu
modo de agir e pensar. De certa forma, ua maneira ousada de colocar as
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"Tinha profunda admiração pelo que ele fazia. Eu só criticava muito esse
negócio de 'entourage'. essa coisa por eu ser da zona Norte acabava separando
a gente de forma artificial. Não tenho dúvida de que perdemos um de nossos
melhores letristas. Era difícil avaliar o que ele ainda poderia fazer, já que ele
morreu e muito cedo. Eu gostava do conjunto da coragem das atitudes, a
forma de lidar com a doença sem dar moleza." (Aldir Blanc, letrista e cronista)
"Vem, Cazuza, vem cá zugar comigo... Ultimamente a gente só se cruza em
sonho. É a maneira mais fácil, sã? Geralmente em situações cômico/cults.
Num desses nossos encontros no reino de Morfeu, Cazuza e John Lennon
passaram a noite inteira conversando numa língua telepática/simpática, que
todos os deuses compreendiam, inclusive eu. No final, Lennon/Cazuza me
convenceram a fazer poesia só em esperanto porque língua nenhuma 'tava com
nada'; o negócio é som, o verbo divino, a música das esferas... Mas para nós,
terraqueos, só mesmo a esperança contida no esperanto, imagine all the people
e coisa e tal... Quando acordei achei o sonho em si uma verdadeira pérola do
cancioneiro além-túmulo, uma parceria totalmente back to the future! Então
era isso, Cazuza trocando figurinhas poéticas com os heróis que morreram de
overdose pra depois dar uma canja? E agora como é que se diz em
esperanto/telepático: 'O sonho não acabou, deu um cochilo e acordou'?..."
(Rita Lee, cantora, compositora e escritora)
"Era um irmão. Espero que seja lembrado sempre. Não só pela grande
figura que foi, mas também como grande poeta. Era um grande companheiro
de todas as viagens. Acima de tudo, um apaixonado pela vida. Fica a obra
dele."
"As melhores recordações que eu tenho são dos momentos em que a gente
ficava compondo, em que a gente passava às vezes uma tarde inteira mexendo
na letra ou na música até ficou do jeito que a gente queria. Aí, a gente saía de
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