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AULA DE FILOSOFIA: COM A PALAVRA OS ALUNOS DO

ENSINO MÉDIO

Elisete Medianeira Tomazetti*


Katiuska Izaguirry Marçal**

Desde 2004 estamos desenvolvendo o projeto de pesquisa


Filosofia, Cultura Juvenil e Ensino Médio, com o objetivo principal de
conhecer as representações e as práticas dos alunos acerca da aula
de filosofia. No ano de 2006 realizamos entrevistas coletivas com
pequenos grupos, compostos por oito a dez estudantes de cada série
do ensino médio de duas escolas públicas de Santa Maria. Foram
entrevistas semi-estruturadas, pois tiveram previamente
estabelecidas um roteiro de questões a serem realizadas. No entanto,
esse roteiro não foi seguido com rigor, visto a natureza da entrevista,
que tinha ares de uma conversa informal. Na medida, pois, em que
cada assunto tomava corpo, a conversa tendia para a exploração de
determinado aspecto. O roteiro da entrevista ficou delimitado em três
blocos de perguntas, a saber, dados pessoais, sobre a escola e sobre
a disciplina Filosofia.
Um dos assuntos que mais chamou a atenção dos
pesquisadores e que os instigou a um questionamento mais
insistente, especificamente no último bloco de perguntas, surge
justamente a partir das respostas dos alunos à questão: O que é
mais difícil nas aulas de filosofia? Vejamos, então, algumas destas
respostas:

*
Professora do Departamento de Metodologia do Ensino/UFSM no Curso de
Filosofia. Coordenadora do Projeto de Pesquisa Filosofia, Cultura Juvenil e Ensino
Médio.
**
Aluna do Curso de Filosofia e Pesquisadora no Projeto de Pesquisa Filosofia,
Cultura Juvenil e Ensino Médio.
“Entender a linguagem da professora. Ela usa
linguagens muito cultas, a gente acaba não entendendo
o que ela fala”.
“Acho que é a professora mesmo que não explica
direito. Ela enrola demais, a gente fica boiando”.
“Procurar saber o significado de algumas palavras”.
“Eu não entendo o que a professora fala, por isso não
passo”.
“Eu acho que a única coisa que não gosto da filosofia é
quando o professor fala em grego”.
“Às vezes a aula se torna bem cansativa porque é só
teoria, teoria então, é uma aula chata. Ficar sentada o
período inteiro escutando o professor falar. É chato,
mas dá pra entender”.
“Eu acho que nenhum aluno vem pra escola querendo
estudar, a maioria vem obrigado. Mas se o professor
souber puxar a atenção do aluno e explicar bem a
matéria dele, porque tem muita matéria que é um
saco. Tu olha o caderno, que saco isso aqui, hoje não.
Mas se o professor for mais inteligente e der uma aula
diferente ele chama bem a atenção do aluno e o aluno
sempre sai aprendendo alguma coisa, por menor que
seja. Então eu acho que não pode ser aquela coisa de
senta, pega o livro e lê da página tal à página tal e
façam os exercícios. Acho que tem que despertar a
atenção do aluno, porque hoje em dia já não é mais
como antigamente. O pessoal quer mais é viver nessa
fase, assim curtir a fase que está passando. Mas o
professor sabe como, têm alguns que conseguem, mas
outros não fazem o menor esforço”.

Destaca-se, aqui, a dificuldade em compreender as falas dos


professores. Ao que parece, há uma incompatibilidade entre a
exposição oral do professor e o nível de conhecimento dos alunos.
Ora, certamente essa complexidade gera outros problemas bastante
comentados nas entrevistas, como o tédio e o cansaço comuns em
aulas com excesso de discurso do professor. Os alunos,
insistentemente, apontam dificuldades no entendimento dessas falas
ou palavras. No entanto, cabe salientar que tais dificuldades podem
referir-se, também, ao uso de termos técnicos próprios da filosofia,
ou seja, expressões até então desconhecidas dos alunos.
Questionados sobre a linguagem do professor, os alunos se
referem à necessidade deste em adequar sua linguagem ao cotidiano
deles, tomá-lo como elemento central do desenvolvimento da aula. A
partir da leitura de suas falas não é possível identificar quando estão
se referindo à linguagem técnica da filosofia ou a uma dificuldade de
interpretação mais geral, que perpassaria, portanto, todas as outras
disciplinas.

“Eu acho que, nas nossas aulas, é que ele fala coisa
muito antiga, sabe, então é mais do tempo dele. Eu
acho que ele tinha que ‘moderar’ mais assim pra nós...
tipo, falar mais a nossa linguagem, pra gente
interpretar melhor. Eu não entendo muito de filosofia,
até, às vezes, nem gosto de assistir aula, porque eu
não entendo nada, não entendo nada!”.

No entanto, é facilmente identificável a solicitação por uma


linguagem que esteja mais próxima da sua própria. Porém, não se
pode pensar aqui, apenas na linguagem simplificada do jovem como
sendo um indivíduo com um vocabulário limitado, mas também na
dificuldade que o professor mesmo está encontrando em traduzir
conhecimentos de forma pedagógica, isto é, que resultem em
aprendizado e sentido para o aluno. Ora, a fala complexa não oferece
sentido e, conseqüentemente, não apresenta ganhos cognitivos para
aquele que está ali para aprender. Ao professor, cabe a
responsabilidade de apreciar também essa necessidade, afinal é seu
papel estabelecer laços facilitadores da aprendizagem, e não apenas
transmitir dados, como se não carecessem de um tipo de
transposição próprio das ações pedagógicas.
Ao nos referirnos aos laços facilitadores, temos a convicção de
que não defendemos uma pedagogia light, que, conforme Obiols
(2006, p.188), seria uma “[...] pedagogia de la amabilidade que
reduce el papel de la escuela a una guarderia de adolescentes en la
que los profesores ‘dialogan’ con sus alumnos y les indican la
realización de algún trabajo grupal sencillo, para los sectores sociales
más bajos”. Não se trata de o professor procurar chegar ao aluno a
qualquer preço, mas de que ele se coloque à escuta desse aluno, de
sua linguagem, de seu envolvimento, de seu interesse, de suas
condições culturais. Trata-se, portanto, de avaliar e procurar provocar
o estabelecimento de uma relação do aluno com o saber (Charlot,
2000), através de outros mediadores mais eficazes.
Vejamos outras dificuldades relatadas pelos alunos:

“Quando tem que botar no papel. Falar é fácil, a gente


botar ali...”.
“Como o professor X já falou: tratar a filosofia, tu trata
a filosofia com dez pessoas, com sete, dez no máximo
dentro duma sala, e dentro da sala de aula tem trinta
pessoas. Então não são as trinta que gostam da
filosofia. Daí fica difícil: ele tá tratando de um assunto
legal e às vezes tem gente conversando, daí tu tem um
trabalho pra fazer. É muito mais difícil tu passar pro
papel o que tu tá pensando do que falar o que tu tá
pensando, então às vezes é difícil com umas aulas com
conversa tu fazer um trabalho que tu quer passar o que
tu pensa pro papel. Acho que isso é uma parte
difícil...”.
“É, agora tu escrever o que tu pensa. Isso fica difícil,
porque a filosofia é assim mesmo, é uma pergunta que
tu escreve uma resposta, mas gera outra pergunta e
vai te levando a uma dúvida maior”.

Os alunos reconhecem como difícil na aula de filosofia a


linguagem usada pelo professor, que é muito culta; e o fato de tratar
de coisas muito antigas, muito teóricas. Também disseram que a
filosofia faz muitas perguntas e não as responde. Acham difícil ter
que escrever na aula, ter que ler textos complicados. Incomoda a
“bagunça” dos colegas. Eles reclamam que o professor, muitas vezes,
não se impõe como autoridade em sala de aula e deixa a “bagunça”
acontecer, desiste de ensinar.
Quando os alunos relacionam filosofia com o antigo, o velho, o
teórico, o culto, indiciam que não estão se envolvendo na aula. Por
isso, eles enfatizam a necessidade que têm de prestar atenção, de se
concentrarem para chegar à compreensão. Reconhecemos aí um
distanciamento da filosofia, que poderia ser superado pela produção
inicial de problemas com os quais eles se conectem. Quando o aluno
diz que a aula é “só teoria, teoria, ouvir, ouvir e ficar sentado”, ele
não estaria denunciando seu papel de aluno passivo, sua condição de
imobilidade corporal e mental, seu não movimento/envolvimento com
a aula?
As falas deles nos sugerem que, muitas vezes, a aula de
filosofia parece não ter avançado para além do ouvir, do copiar, do
ler e escrever ou, mesmo de uma aula calcada no diálogo, mas que
não constitui sentido para os alunos. E a própria leitura não parece
ultrapassar o uso do livro didático, em detrimento dos textos
clássicos.
No entanto, concluímos isso porque sabemos da
obrigatoriedade ou do uso corrente de certos manuais em algumas
das escolas públicas de Santa Maria, pois curiosamente, é bastante
rara a referência dos alunos entrevistados a textos, nas aulas de
filosofia. Tanto que, intrigados sobre as relações desses jovens com a
leitura de forma geral, e ao questioná-los sobre isso, recebemos
comentários predominantemente sobre livros de literatura. Os alunos
geralmente reclamam da densidade do vocabulário e da relevância
desse fator para uma relação concreta da história contada com os
seus interesses pessoais, ou seja, a complexidade do texto não
permite o estabelecimento de sentidos pelo leitor. Destacamos
também que as obras citadas geralmente são obrigatórias na
disciplina (de literatura, no caso), por isso a leitura é forçada, e
sempre que podem os alunos a trocam pela leitura de resumos. Já
quando há interesse pessoal, se referem a livros como os de Harry
Potter, Código da Vinci, etc. – enfim, best sellers destacados pela
mídia. Categoria que engloba o também citado Mundo de Sofia, que,
talvez tenha suscitado interesse graças à disciplina na escola, mas
certamente obteve sucesso entre os jovens devido ao tipo de
linguagem e pela própria história, agradável ao mundo adolescente.
Ressaltamos, ainda, que aqueles que apresentaram interesse por
livros, e que lêem por gosto próprio, são a minoria!
Enfim, os estudantes criticam a exposição oral do professor,
referem-se a sua dificuldade em reproduzir o que escutam e o que
pensam para o papel e, no entanto, não se referem em nenhum
momento à leitura a que têm contato nas aulas de filosofia. Essa
situação, no mínimo, demonstra a insignificância dos momentos de
leitura nessa disciplina, já que os pressupomos, visto a exigência,
nessas escolas, do uso de certos livros didáticos.
Somos levados, a partir desse aspecto, a pensar sobre a
precária relação dos jovens com a leitura, com o texto escrito. A
dificuldade em elaborar um texto com razoável argumentação, assim
como um vocabulário pobre podem ser considerados conseqüências
dessa distância. Essa, aliás, nos é sugerida pelos depoimentos, nas
entrevistas, onde os estudantes falam da dificuldade de concentração
para a leitura, da rejeição a textos longos ou com vocabulário mais
complexo e de épocas anteriores, etc.
Certamente que tais dificuldades no âmbito da leitura e da
escrita ultrapassam a aula de filosofia; estendem-se a todas as
disciplinas escolares. O discurso escolar e familiar, certamente
reconhecido por muitos, tem destacado a insignificância da leitura na
vida das crianças e dos jovens, apontando para as condições
contemporâneas de desenvolvimento e presença das tecnologias da
informação e da comunicação como uma das causas. Estão aí, as
avaliações realizadas pelo MEC (SAEB), a indicar a precariedade
apresentada pelos alunos na interpretação de textos, mesmo que
reduzidos. Recordem-se, também os resultados do PISA (2003), que
colocou os alunos brasileiros em 37° lugar na prova de leitura.
Mesmo em nossa pesquisa, quando indagados acerca de como
adquirem conhecimento, o livro figura apenas em sexto lugar (6º),
atrás da televisão, da internet, do celular, do jornal e do rádio. Por
fim, poderíamos indagar acerca de como a cultura escolar tem
tratado a leitura e a escrita. De que forma tem se ensinado e
desafiado crianças e jovens a lerem e a produzirem escritos, em
diferentes estilos, desde um comentário, um resumo, uma crônica,
uma poesia. Qual o lugar e o sentido que ocupa a biblioteca escolar,
quando essa existe ou assim pode ser nomeada?
Com relação à leitura e escrita na aula de filosofia, nossa
preocupação se faz relevante na medida em que entendemos que um
dos fundamentos dessa forma de conhecimento [a filosofia] é o texto
lido e escrito, e mais especificamente, o texto clássico. Embora nosso
estudo e reflexão considerem a filosofia como uma atividade,
portanto, o filosofar, o colocar em ação o pensamento, entendemos
que essa atividade somente se efetiva a partir de um pensamento já
pensado, ou seja, da história da filosofia. Como adverte Desidério
Murcho, devemos pensar sobre ensino de filosofia, tal como o ensino
da pintura; é diferente ensinar história da pintura tendo como
objetivo que os estudantes aprendam a pintar, efetivamente
executem a ação de pintar. No entanto, as grandes obras de arte,
seus mestres devem ser estudados, sob pena de ignorar-se toda uma
história de estilos e de formas já consagradas.

O correto ensino da filosofia está entre estes dois extremos –


entre o extremo da a-historicidade de alguns manuais
escolares e o extremo redutor em que a filosofia se
transforma em mera história da filosofia. (Murcho, 2006, p.3)

Ao apresentarmos essa problemática do ensino de filosofia -


história da filosofia ou atividade do filosofar -, temos o interesse em
ressaltar a importância da leitura do texto clássico, dos fragmentos
da obra do filósofo na aula de filosofia, embora façamos a defesa da
aula como exercício da atividade filosófica. Todavia, é exatamente
sobre a precariedade da relação com o texto, assim como o fraco
desenvolvimento do domínio sobre as técnicas de escrita que
convergem às reações e reclamações dos alunos, assim como sua
dificuldade em estabelecer sentidos. Então a pergunta que temos que
fazer é a seguinte: com qual objetivo o professor introduz o texto na
sala de aula? O que faz com ele? A leitura do texto encaminha para o
filosofar ou apenas preenche o tempo de aula ou ilustra certa idéia? A
resposta, ou pelo menos a resposta que viemos construindo,
encaminha para a afirmação de que na aula de filosofia não se trata
de ler um texto procurando encontrar a verdade desse texto, mas lê-
lo como um “acontecimento”, entre outros, que efetiva a atividade
filosófica (Gallina, 2004).

A boa maneira para se ler hoje, porém, é a de conseguir


tratar um livro como se escuta um disco, como se vê um
filme ou um programa de televisão, como se recebe uma
canção: qualquer tratamento do livro que reclamasse para
ele um respeito especial, uma atenção de outro tipo, vem de
outra época e condena definitivamente o livro. Não há
questão alguma de dificuldade nem de compreensão: os
conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são
intensidades que lhes convém ou não, que passam ou não
passam. (...) Gostaria de dizer que é um estilo (...). É um
agenciamento, um agenciamento de enunciação. Conseguir
gaguejar em sua própria língua é um estilo. É difícil porque é
preciso que haja necessidade de tal gagueira. Ser gago não
em sua fala, e sim ser gago da própria linguagem. Ser como
um estrangeiro em sua própria língua. Traçar uma linha de
fuga. (DELEUZE & PARNET, 1988, p.11-12 in: GALLINA,
2004)

Os problemas filosóficos são elementos vitais da aula de


filosofia, pois criam o seu movimento e não podem ser esquecidos
quando da leitura do texto, mas constituem-se em seu objetivo
mesmo. O movimento proporcionado pelo problema filosófico se
coloca desde o início da aula, instaura-se como um acontecimento
emergido da sensibilidade do professor para tomar as manifestações
dos alunos como pontos de partida. Como diz Gallina (2004, p.370),
“Pois, se tem sentido falar de aprendizagem em filosofia, esta deve
ser reportada à constituição de problemas na qual estão envolvidos
agenciamentos de desejos”.
Em relação à escrita, também cabe perguntar: de que forma ela
entra na aula de Filosofia? O que o aluno precisa escrever? O que
deve aparecer nessa escrita? Nas entrevistas com os professores de
filosofia, eles relatam que solicitam a produção de texto escrito aos
alunos como um expediente de avaliação. Dessa forma, o texto,
normalmente, deve ser produzido ao final da aula, rapidamente,
antes do sinal soar. Esse contexto certamente impede que o aluno se
envolva efetivamente em tal atividade, o que significa um desperdício
desse momento para que ele manifeste sua compreensão da
exposição do professor ou do texto lido e, assim, se inicie na escrita
filosófica.
Os próprios alunos, em seus depoimentos, revelam uma das
características essenciais da filosofia, que é a necessidade da escrita.
No entanto, apesar de “parecer” ser cobrada essa atividade, ela não
esconde a deficiência dos alunos ao tentar realizá-la. Pode-se afirmar
que a escrita constitui um momento essencial na retomada dos
conteúdos vistos e para o diagnóstico do professor acerca do nível de
compreensão dos alunos sobre esses conteúdos. A escrita
proporciona para quem escreve, um momento de organização das
idéias e ponto referencial para o desenvolvimento em direção ao
crescimento e complexidade das mesmas, além de permitir a própria
criação.
Destacamos que, tão importante quanto à manifestação de um
nível satisfatório de compreensão do conteúdo filosófico exposto pelo
professor e presente nos textos da escrita dos alunos, é o
estabelecimento de relação de sentido desses saberes com as
questões próprias do seu mundo, ou seja, uma permanente
implicação das singularidades com a filosofia.
No texto das Orientações Curriculares para o Ensino Médio –
Ciências Humanas e suas tecnologias – Conhecimentos de Filosofia,
destaca-se a importância do desenvolvimento de determinadas
habilidades e competências a partir da aula de filosofia. Estas
competências e habilidades dividem-se em três blocos. O primeiro, ao
qual vamos nos referir especificamente, denomina-se
Representação e Comunicação e indica as seguintes competências
e habilidades:
. Ler textos filosóficos de modo significativo;
. Ler de modo filosófico textos de diferentes estruturas e
registros;
. Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo;
. Debater, tomando uma posição, defendendo-a
argumentativamente e mudando de posição em face de argumentos
mais consistentes.
Lembrando que esse documento é uma orientação curricular
para as escolas de ensino médio, deve-se considerar sua importância
e sua condição de auxílio aos professores de filosofia. Queremos
salientar que o documento considera cuidadosamente a questão da
leitura e da escrita, a qual vimos abordando neste artigo. O texto
reafirma enfaticamente a história da filosofia - a tradição -, como
essencial nesse ensino, mas encaminha para o desenvolvimento de
tais competências e habilidades sem, no entanto, evocar as
dificuldades dos alunos atuais com a leitura e com a escrita. Não
sinaliza, também, para metodologias mais eficazes para o seu
desenvolvimento. Reconhece, isto sim, que esta leitura e esta escrita
têm um caráter específico e procura explicitá-lo.

[...] que competência de leitura não poderia ser


desenvolvida, por exemplo, por um profissional da área de
Letras? O que seria um olhar especificamente filosófico? Não
basta dizer que é especificamente filosófico o olhar analítico,
investigativo, questionador, reflexivo, que possa contribuir
para uma compreensão mais profunda da produção textual
específica que tem sob seu foco. Ora nada impede que um
cientista desenvolva um tal olhar (p.31).

Ao procurar encaminhar a resposta à pergunta sobre o que


seria uma leitura essencialmente filosófica, o documento aponta para
a necessidade de que a aula de filosofia e, mais especificamente, as
atividades que procuram desenvolver tal leitura e escrita não
abandonem “o conteúdo e o método filosófico” – a tradição.
Nessas orientações para o ensino de filosofia constata-se que o
enfoque nos temas e/ou problemas filosóficos, não é considerado
incongruente com o desenvolvimento das competências e habilidades
próprias da atividade filosófica. Esse dado é importante salientar,
porque pode inibir posturas instrumentalistas, preocupadas apenas
com o desenvolvimento de estratégias e técnicas metodológicas. A
operacionalização de determinadas técnicas de leitura e de escrita
pode ser necessária, mas não garante aquilo que é objetivo primeiro
de uma aula de filosofia, a saber, o envolvimento dos alunos com
suas questões, seus dilemas que brotam de sua condição juvenil. Se
essa condição juvenil, manifestada na singularidade dos alunos, é
considerada, certamente a atividade filosófica tem mais chances de
acontecer na sala de aula. Como diz Larrosa (2004, p.152), “E pensar
não é somente raciocinar ou calcular ou argumentar, como nos tem
sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que
somos e ao que nos acontece”. Ou como diz Charlot (2000), é
estabelecer relação de sentido com saber.

Bibliografia

BENETTI, Cláudia Cisiane. Processos de singularidade e diferença no


ato educativo: um trabalho a partir do ensino-aprendizagem de
filosofia no ensino médio. Tese (Doutorado em Educação), UFRGS,
Faculdade de Educação, PPGE, Porto Alegre, 2003.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma
teoria. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
FAVARETO, Celso. Filosofia, ensino e cultura. In: KOHAN, Walter
(org.) Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: PD&A,
2004. P.43-53.
GALLINA, Simone F. da Silva. O ensino de filosofia e a criação de
conceitos. In: CADERNOS CEDES – A filosofia e seu ensino.
Campinas, vol. 24, nº 64, set./dez. 2004. P. 359-371.
LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
MURCHO, Desidério. A historicidade da Filosofia. Disponível em:
www.criticanarede.com/fil. Acesso em 2006.
Ciências Humanas e suas Tecnologias/Secretaria de Educação Básica.
– Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2006 (Orientações Curriculares para o Ensino Médio; vol. 3).

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