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O LUGAR DA FILOSOFIA

Lisete Caspani Rigoni1 - UFC


lisetecr@netbandalarga.com.br

Qual o lugar da Filosofia na educação? Pode parecer estranho


num primeiro momento que se questione acerca do lugar de uma
área do saber quando esta já está afirmada entre as disciplinas
escolares. Entretanto, guarda-se sempre uma interrogação sobre o
que é pretendido e efetivamente se desenvolve com a filosofia, e
talvez se justifique a desconfiança de que as dúvidas podem ter sua
origem na indefinição do lugar que de fato ocupa.
Por um lado, a filosofia tem sido sugerida como disciplina
curricular que deve capacitar os alunos a fazerem bom uso do seu
aparato conceitual. Significa que devem saber pensar num padrão
excelente, de modo mais crítico, razoável e criativo. Esta linha de
raciocínio é própria dos programas de Educação para o Pensar, seja o
de Lipman ou outras vertentes que surgiram em diversas instituições.
Tais programas confiam à Filosofia o papel de desenvolver
habilidades cognitivas para tornarem os sujeitos autônomos em
relação ao próprio pensamento e, conseqüentemente, responsáveis
por toda ação que o mesmo encaminhe. As atividades filosóficas são
propostas desde a educação infantil até o ensino médio,
comprometida com a formação humana. A idéia é desenvolver a
consciência de realidade a partir do contexto de experiências, e
promover a capacidade dos alunos firmarem suas próprias convicções
aliadas a uma compreensão de que o meio coletivo deve ser
respeitado, assumido, partilhado de modo pacífico. A filosofia se
enquadra numa proposta de caráter fundamentalmente pragmático,
orientada por um ideal de sociedade democrática a ser instituído

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Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará.
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através da educação. Assim, visando a transformação da conduta


humana no futuro, por intermédio da reflexão sobre as experiências
passadas e presentes, explorando as relações do pensamento com a
prática vivida, o exercício filosófico pretende gerar a noção de
responsabilidade e comprometimento para com o coletivo, além de
dar sentido e significado à vida dos indivíduos.
Por outro lado, a filosofia pode integrar-se à educação enquanto
pergunta o quê, por quê, para quê, pelo quê se aprende, interpelando
e aproximando-se dos diversos saberes, enquanto os conecta numa
complexa estrutura lógica que constitui todo o conhecimento. Sob
essa perspectiva, a atividade filosófica é compreendida em caráter
auxiliar, passando de fundamento a mediação das diferentes áreas do
saber. Sua participação no processo educacional pretende ser inter ou
transdisciplinar. É uma tentativa de preparar os indivíduos a
compreenderem os fundamentos e organizarem as informações que
recebem, incluindo as demais disciplinas escolares, sempre
orientados a uma visão geral do conhecimento para aplicação prática
dos saberes específicos. Talvez aqui não exista a explícita idealização
de uma sociedade; o foco está voltado para o indivíduo, embora se
apregoe que cada um esteja apto a entender como os movimentos de
construção ou desconstrução de elementos constitutivos da realidade
refletem na unidade coletiva. Este tipo de inserção da filosofia
cumpre papel tanto epistêmico como pragmático; por um lado
pretende elucidar o sentido do aprendizado, e por outro indicar as
formas adequadas para cada conhecimento particular servir à prática.
Tal modelo é representativo da orientação dada pela LDB – Lei
9394/96 – e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
anteriores à recente aprovação da Filosofia como disciplina
obrigatória no Ensino Médio, e dirigido principalmente a este nível de
ensino e últimas séries do Ensino Fundamental.
Nesse ponto seria profícuo abrir um parêntese e refletir sobre o
que se espera da educação. Uma sociedade ideal? Pessoas capazes
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de compreenderem a realidade? Indivíduos preparados para a


novidade que surge a cada dia? A elucidação do sentido dos diversos
conhecimentos para sua aplicação? O que se sabe é que sem metas
não há programa de educação, e torna-se claro que a filosofia no
contexto educacional, qualquer que seja o propósito a que se destine,
tende a adquirir forma instrumental. Muitos podem reagir
negativamente, lembrando que foge da natureza da própria filosofia
que venha a ser tomada por instrumento, que tenha utilidade prática
conforme o modelo das ciências em geral. É como se fosse
inadmissível falar de uma intenção da filosofia que não estivesse em
si e explorada por si mesma. Todavia, é preciso pensar a forma com
que se introduz a filosofia na escola. Tomando como exemplo o
programa de Lipman, os procedimentos metodológicos a serem
desenvolvidos são típicos de um conjunto lógico-normativo que visa
orientar a conversa e organizar o pensamento. O conteúdo dos
diálogos e debates está a serviço da estrutura lógica, e o movimento
das atividades é sistematicamente planejado. A novidade, enquanto
aprendizado, é absorvida na medida em que se enquadra em algum
espaço da arquitetura lógica do pensamento que pretende ser
universal. Não ocorre algo semelhante em todo o planejamento de
atividades das disciplinas escolares, que apontam objetivo e
metodologia num esquema regulamentar, determinante, previsível?
Pode-se referir a um programa pedagógico sem considerá-lo
instrumento da educação? Mais ainda, é possível levar a filosofia à
escola sem pressupostos metodológicos, sem regras ou objetivos?

Filosofia na Instituição

A desconfiança acerca das conseqüências de introduzir a


filosofia na escola não nasce apenas nas instituições de educação
básica, onde os educadores precisam estabelecer determinações para
a prática; mesmo se não conseguem identificar uma razão clara e
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objetiva do exercício filosófico, são convocados a atribuir propósitos


cujos resultados possam ser facilmente medidos por instrumentos de
avaliação. A suspeita também floresce em organizações acadêmicas,
onde há quem pense que pode ser um equívoco a pretensão de
ensinar filosofia a jovens e crianças; a imagem da filosofia pode ser
maculada se a mesma for exposta a um público despreparado para
recebê-la. Sem toda uma trajetória de formação e maturação
institucionalmente reconhecida, a filosofia corre o sério risco de ser
desvirtuada, explorada indevidamente, além de não garantir o
benefício que cabe apenas aos filósofos. É uma postura um tanto
dogmática, que não raramente vem acompanhada da
supervalorização da erudição e hierarquia do saber validada pela
instituição acadêmica. Entretanto, vale lembrar, que muitos dos
filósofos que compõem o rol da história da filosofia não precisaram
cumprir horas aula num curso de filosofia, nem tiveram que obedecer
normas para redação ou estrutura de artigos, trabalhos,
dissertações. Ao contrário, apesar de saber-se que um grande
número dos grandes pensadores foi professor e manteve vínculo com
algum centro acadêmico, parece que muitos tiveram a plena
liberdade de explorar a realidade, e dela falarem ou escreverem na
forma como a compreenderam. Conforme o professor Gonçalo
Palácios, não seria preciso ser grego, estar morto ou ser gênio para
fazer filosofia. Segundo essa ótica, bastaria ter o entendimento
alinhado ao modo do filosofar, assumir a condição de filósofo, autor
das próprias reflexões. Não se está aqui negando a importância de
normas e programas para a formação acadêmica; o problema não
está no cumprimento das orientações, mas em decidir que a filosofia
esteja subordinada a regras. Antes, é a filosofia que deve se utilizar
dos mecanismos de ordem para se realizar de modo mais eficaz.
Tem-se um quadro em que a filosofia é largamente recebida em
escolas da rede privada de ensino, particularmente nas séries iniciais.
Sua inserção precoce sugere a antecipação de habilidades, a
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formação de pequenos pensadores com relativa autonomia, o que


pode ser muito atrativo para os pais que idealizam o sucesso dos
filhos no futuro. Entretanto, a atenção deve voltar-se para a
responsabilidade do que se propõe e realiza em sala de aula; um dos
cuidados fundamentais deve reportar-se aos correntes modismos que
invadem escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental I,
integrando fantásticas propostas pedagógicas que nem sempre estão
prontas para serem cumpridas. É muitas vezes o caso com a filosofia
que ingressa no currículo sem objetivos claros, somando-se ao fato
de ser ministrada por profissionais não habilitados ao seu exercício.
Equívocos freqüentes sobre o papel da filosofia nessas séries iniciais
são cometidos por pais, alunos e inclusive professores.
Já em séries mais adiantadas, no Ensino Fundamental II, a
Filosofia parece não ter lugar algum. A novidade deixou de existir
para muitos, ou ainda não chegou a outros. Integra-se nas séries
referidas na tentativa de preservar uma proposta de formação
integral que parte da Educação Infantil e segue até o Ensino Médio.
Alguns alunos dessas séries, quando indagados sobre seu
aprendizado em aulas de Filosofia, ou demonstram grande deleite, ou
relatam não compreenderem a razão de tal disciplina na escola. O
pouco entusiasmo que se pode observar parece estar vinculado a um
interesse pela literatura, arte ou psicologia. Alunos dessas séries
intermediárias parecem estar em fase de transição, e sua percepção
e interesse quanto às disciplinas escolares em geral demonstram que
são pouco significativas, não ocorrendo apenas com a filosofia.
Porém, até mesmo pelos motivos que se revelam por quem goste das
aulas de filosofia, despertam suspeita sobre o que realmente está
sendo atrativo, mas especificamente o que interessa é próprio da
filosofia.
No Ensino Médio, a situação é complexa e problemática. Por um
lado, há educadores empenhados na educação integral, e
compreendem que a filosofia cumpre um papel essencial na formação
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humana, particularmente numa fase escolar avançada que reforça a


autonomia e responsabilidade. Por outro lado, há o forte apelo de
profissionais engajados na transição da educação básica ao nível
superior, e que estabelecem prioridades ou exigências, nem sempre
coerentes, visando especificamente o salto, sem atenção às
conseqüências da possível formação débil. Há quem acredite que os
fundamentos educacionais já foram estruturados no Ensino
Fundamental; a concepção de que o Ensino Médio é uma mera
interface somada à inconsistência do Fundamental II pode resultar
numa grande lacuna, em que impera a falta de significado, sentido,
direção dos estudos nas diversas disciplinas. Nesse quadro, a filosofia
está tão indeterminada como o próprio sistema, mas igualmente
buscando justificar sua presença e obrigatoriedade; os pessimistas
apostam na fragmentação cada vez mais prejudicial que acompanha
a excessiva carga de conteúdos programáticos e atividades escolares,
enquanto os otimistas vêem uma chance de reparar ou constituir a
unidade da formação.

Filosofia, ensino e agentes do filosofar

Retomando o rumo dado inicialmente a esta exposição, se é


possível reservar um espaço onde a filosofia enquanto tal participa da
educação, esse lugar deveria ser onde se permita fazer filosofia, ou
onde ela encontra condições para ser realizada. Com efeito, será
necessário investigar quem está apto a filosofar e se o que se pratica
na sala de aula da educação infantil, ensino fundamental ou ensino
médio é propriamente filosofia. E nada impede questionar se é
igualmente filosofia o que se pratica nos cursos do ensino superior.
Uma idéia geral é de que a filosofia possui uma única trajetória
possível, conectada ao sentido grego de admiração com a realidade e
a conseqüente especulação racional para organizar o pensamento ou
discurso. Assumida como postura, conclui-se que poucas exigências
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viabilizam um princípio para se filosofar. Alguém solitariamente pode


fazê-lo dando atenção ao mundo e suas mudanças; outros poderiam
ser provocados por alguma indagação de um terceiro. Necessária se
faz a “escuta” do que é falado, escrito, potencializado no silêncio do
não-dito. E certamente, é preciso uma tomada de decisão, pessoal e
intransferível, para que a questão filosófica possa ser elaborada,
construída no campo fértil da linguagem, transponha o limite do
possível desconhecido para o enunciado conhecido, mas que guarda
em si novas possibilidades ainda veladas.
Então, após identificar a atitude especificamente filosófica entre
outras formas, o problema seria reconhecer se há algum elemento da
realidade, da subjetividade ou da comunicação que desperte o
raciocínio a essa especificidade. De certa forma, tentar descobrir
como ativar a filosofia é algo semelhante à procura que educadores
realizam, almejando uma fórmula ou chave que explicite o ponto
enigmático que vincula o ensinar ao aprender. Em virtude desse
domínio manter-se indecifrável, resta a experiência concreta atual
que submete os indivíduos que dela participam a apuração e análise
do que se efetivou até o momento, bem como a uma situação de
risco, de novidade que se põe como possibilidade. Para o ensino, a
diretriz é firmar um programa a partir dos dados efetivos para
favorecer o conhecimento dos instrumentos possíveis e formar
habilidades múltiplas para o enfrentamento dessa aventura
contingente. Na prática, significa que qualquer aprendizado, seja ele
filosófico ou não, depende da dinâmica promovida no contexto
presente; a experiência que se realiza na atualidade, com seus
diversos elementos influentes, fixos ou móveis, vividos ou
pressupostos por estes, é o fator pedagógico decisivo de toda
construção de conhecimento.
Há uma grande resistência em admitir-se que a filosofia numa
sala de aula configura-se mais como uma disciplina instrutiva. Sob
alguns pontos de vista é uma espécie de redução da filosofia; e
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enquanto tal, o exercício filosófico não se permite reduzir. É


paradoxal, mas a inserção da filosofia no ensino que pretende ampliar
a capacidade de exploração do campo conceitual, ao submeter-se a
alguns requisitos para integrar currículos escolares, parece perder
grande parte de seu caráter bastante significativo, que é a liberdade.
Talvez essa seja uma conseqüência necessária para todas atividades,
e particularmente as de ensino, que precisam recorrer aos
fundamentos históricos e princípios metodológicos da disciplina e
assumir alguma determinação.
Todavia, pode-se pensar de outra forma a integração da
filosofia, através do ensino. Aceitando a idéia de um projeto
pedagógico tal como o de Platão, não haveria surpresa ou indignação
alguma ao se afirmar a exigência de uma propedêutica para o
filosofar. De fato, parece necessário um período de preparação do
intelecto ou da alma, ou seja, um amadurecimento das faculdades
intelectuais e experiências de vida. Provavelmente seja essa
propedêutica que faça jus ao que atualmente se chama filosofia em
bancos escolares, compreendendo-se aqui, da educação infantil ao
nível superior. Alçar o vôo, talvez como a coruja de Minerva, somente
ao entardecer.
De certo modo, a filosofia ficaria guardada aos filósofos, a quem
fosse capaz de ascender e pensar dialeticamente. Responderia a uma
preocupação já existente na proposta pedagógica de Platão, que
considera que a filosofia seja uma prática adequada à maturidade;
até atingirem essa fase, as crianças e jovens devem ser conduzidos.
Sem esse cuidado, se o domínio dos instrumentos filosóficos fosse
permitido ou estimulado livre e precocemente estaria sendo
antecipado um exercício nocivo à formação? Ou se proclama a
sentença de que os alunos de um modo geral não devem, e talvez
nem se tornem aptos a pensarem num grau superior e,
conseqüentemente, serão sempre guiados, tratando-os como
instrumentos, ou não se subestima a capacidade dos alunos e com a
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devida orientação provoca-os a saírem da caverna, a assumirem a


responsabilidade pelo próprio esclarecimento, a buscar a
emancipação intelectual.
Aceitando que a filosofia na sala de aula faculta a introdução à
prática filosófica, seria ainda inevitável questionar o que se realiza na
atividade. Pode ser chamada filosofia a sua propedêutica? Alguém
estaria filosofando? Parece existir a possibilidade de a filosofia estar
presente onde existam crianças e jovens, que ainda não filosofam.
Não é por que as pessoas não entendiam Sócrates na Ágora que ele
deixou de filosofar. Também não é por que as crianças têm aulas de
filosofia pelo método lipmaniano que passam a filosofar. Se aqui for
entendido que o professor é, de fato, o articulador de todo o processo
educacional, talvez seja necessário indicá-lo como quem deve deter o
conhecimento filosófico e preferencialmente, deve saber filosofar.
Uma pessoa capaz de despertar o raciocínio para a reflexão, para as
perguntas filosóficas, para o modo próprio de filosofar, ora
especulativo, ora analítico, pressupõe-se que tal pessoa deveria estar
habilitada efetivamente em filosofia. Por sua vez, filosofar é uma
habilidade da razão que exige um grande esforço intelectual.
Somando-se a essa dificuldade a habilidade pedagógica que deve ser
desenvolvida, é preciso reconhecer que aquele que se propõe ensinar
filosofia deve ter percorrido uma trajetória bastante significativa,
porém inesgotável, na ordem de sua formação, visto ser intrínseco à
filosofia a permanente inquietação com o que está dado por certo. A
filosofia guarda uma perene carência de respostas, o que preserva a
busca, a pergunta, a tentativa de reorganizar dados e reelaborar as
concepções.

Filosofia como instruçãoe formação

É nesse sentido que se poderia ampliar o lugar para a filosofia


na educação. Ela pretende se fazer presente nas salas de aula dos
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diferentes níveis, seja como disciplina do currículo, seja como


disciplina que transpassa a grade curricular. Independente da forma,
mas considerando que seria interessante se ambas fossem
simultaneamente colocadas em prática, o resultado dessa unidade
ampliaria bastante o espaço para a filosofia. Seria preciso reorganizar
o programa, desdobrando a filosofia em duas vertentes, uma
direcionada à instrução, outra à formação. A distinção que aqui é
sugerida entre instrução e formação não implica numa oposição, mas
numa complexão de ordens diferenciadas que se complementam.
Enquanto pode-se dizer que a instrução fundamenta regras e
princípios da disciplina e, portanto representa a possibilidade de
constituir a estrutura lógica conceitual, pode-se pensar que a
formação capacita a organizar o conjunto de informações no contexto
de um universo ativo, móvel, contingente. Pode-se traçar uma
analogia da instrução e formação com as habilidades primárias e as
básicas do raciocínio afirmadas por Lipman. A instrução poderia ser
relacionada às habilidades primárias do raciocínio, que se referem ao
pensamento corrente em sua forma imediata de apreensão, ao
conhecimento de aplicação ou uso de determinado instrumento. A
formação poderia ser relacionada às habilidades básicas do raciocínio;
estas são complexas, e reúnem e relacionam uma diversidade de atos
mentais num nível superior.
Para explicitar a unidade como se complementam a instrução e
a formação, também se poderia recorrer a uma metáfora em
linguagem hegeliana; no universo absoluto da educação a razão
apreende o objeto em si e para si na estrutura lógica, isto é,
formaliza o conhecimento, quando assume o devir, vive a dialética, a
experiência. Significa que a dinâmica da educação impõe a apreensão
de um objeto, o conhecimento de instrumentos de aprendizagem, e o
movimento do processo, exigindo-se neste último o impulso para
aprender dos alunos na direção da habilitação e uma permanente
atualização do professor na prática pedagógica. Ao contrário do que
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costumeiramente se credita à maioria das disciplinas das instituições


escolares, quando se trata da experiência de filosofar, não há
diferença entre aluno e professor, pois a ambos cabe a abertura ao
novo, à possibilidade de construir e reconstruir concepções. No
campo do aluno lhe são facultadas a instrução e a formação; no
campo do educador, considerando que já tenha compreendido as
estruturas e habilidades cognitivas do aprendiz, seu papel seria
explorá-las plenamente no exercício pedagógico, levando em conta a
necessidade de uma constante vivência filosófica e não somente a
pequena introdução que lhe é indicada no período de formação
acadêmica.

Filosofia no domínio do filosofar

Como anteriormente mencionado, existe um elemento


determinante para que a filosofia seja uma experiência concreta no
processo educacional; entre o aluno e o professor há um elo
enigmático, que determinada uma relação dialógica, de modo que
uma parte seja a escuta, enquanto a outra seja a fala. O caso é que
só existe relação se há abertura direcionada ao outro, se a livre
vontade aceitar a comunicação; é uma necessidade, inquestionável, e
igualmente imprevisível. Além disso, deve-se ter claro que a relação
se efetiva quando a linguagem utilizada é a mesma, dentro de um
padrão de identidades capaz de associar e comunicar algo. Se esta
tem sido uma das barreiras para a filosofia ser realmente significativa
na escola, caberia refletir se o descompasso pode ser corrigido ou
transformado, e como fazê-lo, e se o problema está enraizado na
linguagem utilizada, qual seria a opção e a quem caberia adequar,
professor ou aluno. A tendência é atribuir-se a responsabilidade ao
educador, mesmo que se perceba e compreenda que o papel do
receptor reserva uma livre iniciativa de aceitação. O peso poderia ser
muito melhor suportado se os envolvidos no processo entendessem
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que todos estão aprendendo, uns mais adiantados, outros como


principiantes. Porém, todos com igual direito de experimentar,
arriscar, conhecer. O lugar da filosofia é necessariamente um espaço
de horizontes abertos a quem se disponha a filosofar.

Considerações finais

Se existe um propósito pedagógico interno à filosofia, como


pode parecer ainda deslocada como se não tivesse lugar definido na
educação? Vê-se que em quaisquer que sejam os níveis de formação,
sempre fica aberta a questão sobre o lugar efetivo da filosofia.
Principalmente agora em que a filosofia reingressa como disciplina
obrigatória no Ensino Médio, urge identificar o que lhe cabe no espaço
que é reservado. Nada do que foi dito aqui é alguma novidade, e isso
já poderia ser um problema; mas se tratando de filosofia, o inédito
não tem como ser registrado, a não ser depois que deixou de
surpreender.
Se não se pretende que a filosofia na educação seja apenas um
conjunto de determinações baseadas em relatórios e avaliações da
prática filosófica, e sim o exercício efetivo do filosofar, jamais se pode
negar o possível, o novo, o lugar desconhecido que convida ao
questionamento. Esse lugar parece ser qualquer um que se permita e
arrisque experimentar; a filosofia firma-se institucionalmente na
medida em que se realiza e seu lugar já tem sido anunciado. Não se
pode mais justificar que não há espaço para a filosofia, como se fez
antes da sua afirmação como disciplina obrigatória. Porém, para ser
filosofia, é preciso impor a liberdade que lhe é singular e alimenta sua
prática. Por ser próprio do movimento experimental da vida a
educação filosófica apenas busca balizas para se orientar, mas não
pode fixar determinações e objetivos. Certamente seja preciso ainda
mais tempo e esforço para se compreender as possibilidades e limites
da ação pedagógica da filosofia. Ou ainda, seja necessário pensar
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filosoficamente a educação, seus critérios, fundamentos e ideais. E


possivelmente seja esse sempre um lugar urgente e adequado à
filosofia, já que os pressupostos educacionais precedem sua
institucionalização.

Bibliografia

GALLO, S.; DANELON, M.; CORNELLI, D. (Org.). Ensino de filosofia:


teoria e prática. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2004.
LIPMAN, Matthew; SHARP, Ann Margaret; OSCANYAN, Frederic. A
filosofia na sala de aula. São Paulo: Nova Alexandria, 2001.
PALÁCIOS, Gonçalo Armijos. De como fazer filosofia sem ser grego,
estar morto ou ser gênio. Goiânia: Editora da UFG, 2002.
PLATÃO. A República. São Paulo: Editora Martins Claret, 2003.
SPLITTER, Laurence J.; SHARP, Ann Margaret. Uma nova educação: a
comunidade de investigação na sala de aula. São Paulo: Nova
Alexandria, 2001.

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