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Mestranda em Educação nas Ciências e integrante do Projeto de Pesquisa
Educação e Política alocado no Programa de Pós - Graduação em Educação nas
Ciências, Mestrado, da UNIJUÍ.
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Professor Orientador
1
Ver sobre o tema: GARCIA, Claudio Boeira. Sobre o Conflito entre verdade e
Política. P. 175-191. IN: Linguagem , escrita e mundo 2 , Série Educação nas
Ciências, Ijui: Editora UNIJUI, 2001.
opinião atinge, na raiz, toda a política e todos os governos (Arendt,1972,
289-90).
Arendt (1972, 289-93) lê, no Górgias, de Platão, uma elaboração desse
tipo de conflito enquanto antagonismo entre a comunicação, sob a forma
do diálogo, adequada à verdade filosófica, e a retórica, através da qual o
demagogo persuade a multidão. Conflito atualizado – entende Arendt – no
início da época Moderna, quando Hobbes no final do Leviatã apresenta a
oposição entre o raciocínio sólido, fundado em princípios de verdade, e a
eloqüência, fundada nas mutáveis e diferentes opiniões, paixões e
interesses dos homens. Arendt observa que Spinoza, por sua vez,
sustentava ser o homem, por direito natural e inalienável o senhor de
seus próprios pensamentos, os quais são tão diversos como o são as
preferências de cada um. Desse enunciado Spinoza infere ser melhor
assegurar o que não se pode abolir, já que leis proibitivas estimulam os
homens a não dizerem o que pensam, assim como fomentam a corrupção
da boa-fé e a perfídia. Spinoza, entretanto, observa Arendt, não se
pronuncia sobre a liberdade de expressão, nem argumenta sobre a
necessidade da comunicação entre homens racionais. Mais: inclui, entre
as fraquezas humanas não recomendáveis aos filósofos, a incapacidade de
manter-se em silêncio e de ocultar pensamentos. O que se ausenta nestas
noções – ajuíza Arendt – é a sábia convicção romana de que os discursos
eram mais importantes e significativos para o âmbito dos assuntos
humanos, do que jamais poderia sê-lo qualquer verdade localizada acima
desse âmbito.
Contra esses, Arendt destaca o argumento kantiano de que qualquer
poder externo que prive o homem de comunicar publicamente seu
pensamento, priva-o, também, de sua liberdade de pensar e de uma
garantia para a exatidão da atividade do pensamento. Ou seja: é por ser
falível que a razão só pode funcionar quando exercida publicamente. Para
Arendt, a noção da fragilidade e das limitações da razão humana,
presente na Crítica da razão pura, de Kant, é compartilhada por Madison
na afirmação de que “a razão é como o próprio homem, tímida e cautelosa
quando a sós, e firme e confiante em proporção ao número dos que se lhe
associam” (In: Arendt, 1972. P. 291). A questão do número é importante,
observa Arendt, no sentido em que desloca uma compreensão de
“verdade” racional referida do homem no singular para uma noção de
“verdade” referida à pluralidade das opiniões que constituem a esfera
pública. Ou seja: indica a passagem de uma esfera, na qual conta o
raciocínio sólido de um espírito isolado, para outra, na qual a força da
opinião é determinada pela confiança do indivíduo no “número dos que ele
supõe nutram as mesmas opiniões”. (Arendt, 1972, p.292).
A proposição de Sócrates – que está no início do pensamento ético
ocidental – de que “é melhor sofrer o mal do que praticá-lo” embora
decisiva para a integridade do homem singular enquanto ser pensante,
não o é para o cidadão ativo, preocupado com o mundo e a felicidade
pública. Aristóteles, por exemplo, considerava que, em nenhuma hipótese,
se devia dar a palavra ao filósofo em questões políticas. Ou seja: a
homens que devem ser indiferentes “ao que é bom para si mesmos” não
se pode confiar aquilo que é bom para os outros e, muito menos, o “bem
comum”, os interesses da comunidade. Maquiavel, da mesma forma,
apontou as conseqüências desastrosas para o âmbito público quando os
homens seguem preceitos éticos cuja validade repousa no homem no
singular e recomendou que se protegesse o âmbito político dos princípios
puros da fé cristã. Afirmar que, em um sentido rigoroso, as verdades
concernentes ao homem singular não são políticas não evita aos que estão
em posse dessas verdades sejam tentados a que suas verdades
predominem sobre as opiniões do vulgo. Nem que tentem erigir uma
daquelas tiranias da verdade, conhecidas pelas várias utopias políticas, e
que são, imaginariamente, tão tirânicas em termos políticos como as
formas de despotismo históricas. (Arendt, 1972, 302-323).
2. Com raras exceções, observa Aguiar (2001), as abordagens dominantes
da filosofia, têm se preocupado em investigar critérios objetivos,
independentes da ação e discursos humanos. Têm como propósito
conhecer a representação verdadeira e perfeita dos objetos; se interessa
pelo que é comum a todas as coisas e pergunta pela sua essencialidade.
Nessa linha, a linguagem é tida como uma forma e condição prévia de
dizer o objeto. Em especial, para o pensamento moderno, o absoluto deve
ser cientificamente demonstrado, provado, exige a legitimação das
próprias evidências primeiras. A metafísica subjetiva dos modernos visa,
antes de mais nada, a uma maneira de construir uma representação pura
dos objetos, livre de entraves das ilusões da imaginação e dos enganos
dos sentidos. Esse é o motivo pelo qual toda filosofia moderna ficou
conhecida como filosofia da representação. O pensamento, na
modernidade, é encarado principalmente na sua função de representação
das coisas, agora objetos sensíveis, reais e não de idéias, como a
entendiam os antigos (Aguiar, 2001, p. 20).
Para Arendt, a perda do mundo na filosofia moderna é diferente da antiga
suspeita dos filósofos em relação ao mundo e aos outros seres; agora o
filósofo recolhe dentro de si mesmo voltando suas costas tanto a um
mundo enganoso e perecível quanto ao da verdade eterna. Ao se
direcionar para a história, a filosofia manteve a postura contemplativa,
mas sem recorrer aos padrões transcendentes. A partir da inversão entre
contemplação e ação na modernidade, a história passou a ser cultivada
pelos filósofos como a única instância capaz de manter intacta a
perspectiva fundamentadora da filosofia. A história passou, assim, a ser o
fundamento último a partir do qual tudo era julgado, denominador comum
a que deveriam ser submetidas todas as atividades humanas (Aguiar,
2001, p. 59).
A época moderna transportou “sua ênfase de uma teoria política –
aparentemente mais apropriada à sua crença na superioridade da ação
sobre a contemplação – para uma filosofia da história, essencialmente
contemplativa” (Arendt, 1972, p. 118-119). A partir da postura tradicional
que concebeu a política engendrada por uma instância externa que a
transformou em dominação, o público foi concebido como universal, a
ação como fabricação e os homens como instrumentos.
Na via contrária, Arendt retoma a noção de espaço público como lugar de
aparição dos cidadãos. Lembra que as experiências e a noção de coisa
política afloram pela primeira vez na história na polis grega. Ali a ação é
idêntica à liberdade. É nesse espaço de ação e de debate que se organiza
e regula o convívio daqueles que ao mesmo tempo são iguais e ao mesmo
tempo consideram o mundo e os interesses comuns sob perspectivas
diferentes. Ali, ser livre significava, pois, conviver em um espaço de
discussão e de empreendimentos em comum. Um traço notável do
pensamento grego é que, desde Homero, não mais ocorre uma separação
entre o falar e o agir. Aí, o autor de grandes feitos também deve ser um
orador de grandes palavras que acompanham os grandes feitos não
apenas porque os preservam do esquecimento do esquecimento, mas
porque, o próprio falar, era entendido como uma espécie de agir (Arendt,
1999, p. 52-56).
Contrariando a idéia amplamente difundida de que o político é inerente ao
ser humano, Sontheimer (In: Arendt, 2004, p. 08) acentua que a política
surge não no homem, mas sim entre os homens, que a liberdade e a
espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários à
constituição de um espaço no qual a vida política pode acontecer. O
sentido da política é a liberdade: “O milagre da liberdade está contido
nesse poder começar que, em si um novo começo, já que através do
nascimento veio ao mundo que existia antes dele e continuará existindo
depois dele” (Sontheimer, apud Arendt, 2004, p. 09).
Ao refletir sobre a “coisa do pensar”, Arendt desloca a tarefa de
fundamentar para a de compreender, atividade que demanda o juízo do
espectador; que não submete as aparências a uma essência, ou critério
externo; que sob uma perspectiva crítica, procura encontrar o sentido ou
a insensatez presente nas próprias aparências. (Aguiar, 2001, p. 14-5).
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Arte e política se ligam pelo fato de que são fenômenos do mundo público.
A cultura animi medeia o conflito entre o artista e o homem de ação, pois
a mente educada e culta pode cuidar e preservar um mundo de
aparências baseado no critério da beleza. Cícero imputou tal cultura à
educação filosófica porque, segundo ele, apenas os filósofos, amantes da
sabedoria, se acercam das coisas como espectadores, sem desejar
adquiri-las para si, ou seja, são capazes de assistir a jogos e festivais sem
desejar ganhar uma coroa ou obter ganhos por transações de compra e
venda, sendo atraídos/fascinados pelo espetáculo em si (Arendt, 1972, p.
273).
A faculdade do juízo implica uma atividade política e não meramente
teórica, conforme expressa Kant no “imperativo categórico” – “age
sempre de tal forma que o princípio de tua ação possa se tornar uma lei
universal” -, baseia-se na necessidade de harmonizar o pensamento
racional consigo mesmo. Ele insiste na “mentalidade alargada”, segundo a
qual é preciso ser capaz de “pensar no lugar de todas as demais pessoas”.
O julgamento de algo requer, portanto, a comunicação com outros com
que se deve chegar a um acordo, libertando-se das “condições subjetivas
específicas”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS