You are on page 1of 6

“Campanha Saúde da Mulher”: Uma Proposta Educativa com

Mulheres Ex- moradoras de Rua.

Eliana Aparecida Villa (coodenadora)


Cristina Rabelo Flôr (aluna bolsista)
Carolina Ribeiro Campos (aluna bolsista)

. Grande Área: Anais.


· Área Temática Principal- Saúde;
. Área Temática Secundária - Saúde;
. Linha Programática: Direitos de Grupos Sociais.
· Instituição – Escola de Enfermagem da UFMG
· Palavras-chaves: educação saúde; saúde mulher; exclusão social

Introdução e objetivos

A “Campanha Saúde da Mulher” foi uma oficina realizada na República Maria Maria, através
do projeto de extensão “Práticas Educativas na Atenção à Saúde de Mulheres” do
CENEX/UFMG, que tratou de assuntos relacionados à saúde feminina. O projeto desenvolve
um trabalho educativo na referida moradia desde 2001, junto a mulheres com trajetória de
vida nas ruas.
A República Maria Maria é um equipamento da Secretaria Municipal de Assistência Social da
Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), fundada em julho de 2000. É uma instituição
caracterizada como moradia provisória que acolhe mulheres com trajetória de vida nas ruas e
seus filhos. A instituição é mantida pela prefeitura e dirigida por um grupo de profissionais
autônomos através do Programa para a População de Rua. Além do caráter de moradia, tem
como proposta a reinserção das mulheres na sociedade por diferentes formas: regulamentação
da documentação pessoal, encaminhamento para emprego ou ocupações, cursos
profissionalizantes, ou seja, meios que possibilitem a sua subsistência, culminando com uma
saída definitiva das ruas. A permanência das mulheres na moradia é variada, algumas ficam
por vários meses, poucas estão lá há mais de um ano, a maioria, contudo, permanece por
pouco tempo, até encontrar algum outro espaço, companheiro, atividade ou mesmo, decide
voltar para as ruas.
As mulheres, de modo geral, encontra-se desempregadas, sem nenhum tipo de renda e passam
o dia vagando pelas ruas ou na própria moradia. Aquelas que têm família, quase sempre,
desconhecem seu paradeiro e as que conhecem, via de regra, não são bem-vindas sequer para
reverem os filhos (quando os tem). Sofrem com essa situação e evitam falar sobre o assunto.
O grau de instrução é variado: algumas são analfabetas, poucas possuem o ensino
fundamental completo, a maioria deixou os estudos após a quarta série.
Boa parte das mulheres tem demonstrado um saber próprio, oriundo das experiências de vida
e parte daquelas que não demonstram esse saber, é devido ao fato de serem portadoras de
algum tipo de sofrimento mental. A espontaneidade e receptividade estão sempre presentes,
apesar das dificuldades cotidianas enfrentadas.
A história pregressa de vida nas ruas fez com que essas mulheres se acostumassem às
péssimas condições de higiene e a uma alimentação constituída por aquilo que lhes era
possível adquirir. Justifica-se assim, a necessidade de um trabalho educativo, de longo prazo,
junto a essa população.
Segundo o Censo de População de Rua de Belo Horizonte (1998), considera-se como
população de rua:
o segmento da população de baixa renda, de idade adulta que, por
contingência temporária ou permanente, pernoita em logradouros
públicos, tais como praças, calçadas, marquises, baixios de viadutos, em
galpões, lotes vagos, prédios abandonados e albergues públicos. O
conceito abrange ainda crianças e adolescentes, desde que em companhia
das respectivas famílias”.
Além das mulheres estarem vulneráveis a diversos problemas de saúde, o Censo (Belo
Horizonte, 1998) aponta que parte das moradoras de rua são acometidas por sofrimento
mental o que, de acordo com Costa e Tundis (1992) dificulta a estruturação simbólica e
realização na vida social. Pudemos verificar essa realidade na República, ao conhecermos as
histórias de vida de algumas das mulheres que, impossibilitadas para o trabalho, foram
vítimas do abandono familiar, em suas palavras, “jogadas na rua”. A maioria delas quando
acolhida pela instituição, não tinha documentação, nem referências, vivendo verdadeiramente
à margem da sociedade. Comumente relatam situações nas quais são tratadas com desprezo e
hostilidade, estando sujeitas a outras sanções sociais.
Assim, o projeto “Práticas Educativas na Atenção à Saúde de Mulheres” tem sido realizado
pelas acadêmicas de enfermagem desde abril de 2001, através de ações educativas e a cada
ano (ou semestre), reformulamos a temática e as estratégias a serem desenvolvidas de acordo
com a demanda apresentada. Atualmente, o projeto conta com duas bolsistas do
CENEX/UFMG e uma aluna voluntária.
Desse modo, em 2005, sentimos a necessidade de voltarmos nossa atenção para os aspectos
da saúde da mulher, tendo em vista as dúvidas freqüentemente apresentadas por estas. Optou-
se por realizar uma oficina educativa, utilizando-se metodologia participativa. Os temas
trabalhados nessa oficina foram escolhidos pelas próprias moradoras da República através de
conversas individuais e de um levantamento conjunto com as mesmas, confirmando aqueles
de maior interesse e levantando novas dúvidas.
Os objetivos da campanha foram:
Levantar os conhecimentos das participantes relacionados a anatomia e fisiologia feminina;
Discutir a importância da prevenção de afecções tipicamente femininas para a manutenção da
saúde;
Estimular a valorização da feminilidade e sensibilizar as participantes em relação ao auto-
cuidado e à autonomia sobre seu corpo;
Discutir os assuntos adequando-os ao contexto de vida das participantes: a realidade de vida
nas ruas;
Debater sobre algumas patologias do sistema reprodutor feminino;

Metodologia

Escolhemos dar o nome de “campanha” à oficina para estimular um maior envolvimento e


uma participação ativa das mulheres, já que este termo é mais atrativo e instigante. Para
reforçar a idéia de uma “campanha” e facilitar o cumprimento dos objetivos propostos, ao
final de cada encontro foi entregue às participantes algo que as remetesse ao tema discutido,
como por exemplo: preservativos, panfletos explicativos ilustrados ou uma tarefa a ser
cumprida, como marcar o ciclo menstrual e ovulatório (em calendário elaborado pelas
acadêmicas), etc.
As estratégias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem tiveram embasamento teórico
na metodologia problematizadora de Paulo Freire. Freire (1996) coloca que o educador deve
valorizar as experiências do educando para fazê-lo refletir sobre as mesmas, inserindo
conteúdos relacionados ao contexto em que vive e outros possibilitando-lhe, assim, ampliar o
conhecimento.
Temos por norte o propósito educativo de “desenvolver a tomada de consciência e atitude
crítica, graças à qual o homem escolhe e dedica, liberta-o em lugar de submetê-lo, de
domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita freqüência a educação em vigor num grande
número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar
de promovê-lo em sua própria realidade”. (Freire, 1980:35)
Sob essa premissa educativa, utilizamos como estratégia a oficina, pois, segundo Afonso
(2000) é uma proposta que exige envolvimento e participação dos educandos. O autor coloca
que a oficina consiste em um trabalho estruturado com um grupo, independentemente do
número de encontros, sendo focalizado em torno de uma questão central que o grupo se
propõe a elaborar, em um contexto social. A elaboração que se busca na oficina não se
restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral, formas de
pensar, sentir e agir.
Essa metodologia usa informação e reflexão, trabalhando com os significados afetivos e as
vivências relacionadas com o tema a ser discutido. Tal método requer do coordenador
sensibilidade e criatividade na elaboração das estratégias, pois disto depende o sucesso do
resultado final, que é a mudança de comportamento. (Afonso, 2000)
Desse modo, buscamos utilizar estratégias lúdicas, com recursos didáticos concretos, de
forma que as mulheres tivessem possibilidade de visualizar e se aproximar ao máximo do
real, por meio do toque e de representações dos objetos, vinculando a teoria aos fatos e
experiências por elas vivenciadas. Tudo isso aliado a uma linguagem acessível e simples que
otimizou o trabalho e garantiu a participação da maioria.

Resultados e discussão:

A oficina foi estruturada, a partir dos interesses das mulheres, juntamente com a orientadora
do projeto. Os encontros foram planejados de acordo com cronograma flexível dos temas
levantados, tais como: anatomia feminina e menstruação; fisiologia e cuidados com as
mamas; gravidez e fisiologia do parto; controle reprodutivo; câncer de útero; doenças
sexualmente transmissíveis e AIDS; climatério e menopausa.
A seguir, descrevemos de forma sucinta alguns dos encontros realizados e seus resultados:

Entendendo a menstruação
Este encontro teve por objetivos: levantar o conhecimento das participantes relacionado ao
tema; discutir a fisiologia da fase menstrual; debater o significado da menstruação no
contexto de vida das participantes; enfatizar a importância da higiene durante o período
menstrual (tendo em vista a realidade de vida nas ruas).
Pudemos observar que algumas moradoras conheciam sobre o assunto e respondiam
corretamente às questões propostas. Para as mulheres, as estratégias utilizadas foram
facilitadoras no processo de ensino-aprendizagem, principalmente pela visualização e
representação de um útero (feito com uma cabaça pintada e papel celofane) e o seu
funcionamento durante o ciclo menstrual. De modo geral, o interesse e a mobilização da
maioria ficou evidente, pela fisionomia de surpresa e satisfação ao apresentarmos os recursos
(útero e anexos) e as figuras (álbum seriado), o que reforça a importância da utilização destes
no processo educativo.

Prevenindo a Gravidez
Este encontro teve por objetivos: sensibilizar as participantes em relação à autonomia sobre
seu corpo; levantar o conhecimento das mulheres em relação aos métodos contraceptivos;
levantar as dificuldades das mulheres em relação aos métodos contraceptivos; discutir as
vantagens e desvantagens dos diferentes métodos acessíveis às moradoras.
Nesta ação educativa contamos com uma participação intensa das mulheres que se mostraram
a vontade para expor suas dúvidas e tecer comentários. Elas demonstraram um conhecimento
próprio sobre o tema, mas pudemos clarear as diferentes formas de ação, vantagens e
desvantagens dos vários métodos contraceptivos, sua acessibilidade e importância: “Eu vou
procurar lá no Centro de Saúde, pra ver se eu posso colocar DIU” (fala de uma moradora).
As estratégias utilizadas (teatro de fantoches e exposição acessível a elas dos objetos usados
no controle reprodutivo) foram essenciais para a facilitação da aprendizagem.

Aprendendo a cuidar das mamas


Os objetivos dessa ação educativa foram: estimular a valorização das mamas como
característica da feminilidade, zona de prazer sexual e fonte da amamentação; discutir as
diferenças anatômicas das mamas para favorecer o processo de valorização do próprio corpo;
debater sobre a importância do auto-exame das mamas como forma de prevenção de câncer;
demonstrar as diferentes alterações nas mamas, por meio do toque em peça anatômica “mama
amiga”; demonstrar a técnica do auto-exame de mama.
Observamos que a utilização das diferentes mamas despertou o interesse e a curiosidade nas
mulheres, além de proporcionar divertimento e a “concretização da teoria”, pois podiam
palpar as diversas alterações mamárias. Esse fato instigou seu interesse para com o auto-
exame de mamas, buscando identificar nelas, o que haviam percebido nas mamas anatômicas.

Compreendendo o climatério e a menopausa


Essa ação educativa pautou-se nos seguintes objetivos: conceituar o que é climatério e
menopausa; abordar a fisiologia do climatério; discutir os aspectos positivos e negativos do
climatério; debater os aspectos positivos do climatério/menopausa no ciclo de vida feminino.
A estratégia utilizada foi a técnica de colagem e a construção de cartazes utilizando-se
diferentes figuras de revistas.
A atividade mostrou-se positiva, uma vez que possibilitou a descontração e o envolvimento
das participantes, além da possibilidade de grande interação entre educadoras e educandas.
Verificamos como ponto negativo desta ação, o fato dos grupos terem sido mal divididos
(ficando um grupo com três das mulheres que se envolvem com mais facilidade nas atividades
e outro com aquelas que se mostram mais caladas), contudo, justificamos essa atitude, pela
necessidade de respeitarmos o desejo das mulheres de ficarem juntas, no momento da divisão.
Isto dificultou o trabalho no outro grupo, embora não tenha chegado a comprometer os
resultados, pois uma das acadêmicas permaneceu acompanhando os trabalhos e instigando a
discussão.
Vale lembrar que, neste encontro contamos com a participação da assistente de serviços gerais
da moradia, o que auxiliou na condução das apresentações e ajudou a manter a atividade num
clima descontraído.

Avaliando a nossa construção


Este encontro teve por objetivos: avaliar os conhecimentos adquiridos pelas mulheres nas
ações da "Campanha da Saúde da Mulher"; retomar alguns aspectos relevantes tratados nas
ações anteriores; esclarecer as possíveis dúvidas relacionadas aos conteúdos trabalhados na
campanha.
Utilizamos como estratégia de avaliação um jogo educativo que permitiu uma atividade
avaliativa divertida, descontraída e que aguçou a curiosidade das mulheres. Constatamos que
o lúdico tem um efeito muito positivo para o aprendizado das moradoras porque desperta a
atenção e o interesse, possibilitando discussões ricas e mais participativas. Verificamos,
também, que a estratégia utilizada abriu espaço para um maior envolvimento daquelas
mulheres que, de modo geral, participam pouco das ações, pois queriam responder às
perguntas para “andar” pelas casas do jogo (que foi construído no chão da sala onde
desenvolvemos as ações).
Quanto ao resultado, houve mais acertos do que erros indicando que os conteúdos trabalhados
contribuíram para a aquisição de conhecimentos. A valorização do saber de cada uma nas
discussões intra-equipe estimulava-as a pensar e debater – uma vez que deveriam chegar a um
consenso para a resposta. Nesse sentido, em cada grupo uma das acadêmicas servia de
mediadora, ajudando nas discussões. Desse modo, além do aspecto avaliativo, podemos
destacar o jogo como meio de fixação do conhecimento.

Conclusões:

A oficina “Campanha Saúde da Mulher” foi desenvolvida com sucesso. As participantes se


sentiram valorizadas por terem escolhido os temas e pelas tarefas deixadas em alguns dos
encontros. Essa atividade incentivou a auto-observação do corpo e um melhor entendimento
da fisiologia feminina. No início de cada nova ação educativa as tarefas foram retomadas e
podíamos, então, discutir as dúvidas e seus comentários.
Durante o decorrer da oficina, observamos que houve grande participação e envolvimento das
mulheres. Consideramos que a utilização apropriada das estratégias e dos diversos recursos
didáticos foi fator decisivo para este resultado. Isso, aliado a uma linguagem acessível e
simples, otimizou o trabalho e o aproveitamento da “campanha”, visto que a forma de
apresentação e discussão, pautadas no contexto de vida das mulheres possibilitou não apenas
a compreensão, mas também, a integração destes à vivência do dia-a-dia.
Devemos ressaltar que os contatos semanais (para orientações e conversas individuais)
serviram na formação de um vínculo de confiança e respeito entre as acadêmicas e as
moradoras. Nesses encontros as mulheres puderam expor, não somente as dúvidas
relacionadas às atividades, bem como aquelas de cunho pessoal. Além disso, o fato de
permanecermos ali, junto às mulheres após o término das ações, conversando, discutindo e
tirando dúvidas, nos aproxima e permite esclarecimentos que, por motivos diversos, deixaram
de ser feitos no grupo.
Os encontros favoreceram momentos de desabafo e fizeram aflorar sentimentos diversos nas
moradoras, ao comentarem sobre as “coisas de mulher”, expressão por elas muito utilizada.
Esse fato contribuiu para que as ações se tornassem um momento de compartilhamento de
algumas das suas intimidades e dificuldades de vida. Assim, a possibilidade de criar um
espaço onde as mulheres se encontram e se colocam com tranqüilidade, num contexto de vida
onde, de modo geral, não se sentem ouvidas, é um fator gratificante para o nosso trabalho e
empenho.
Por fim, consideramos pela nossa vivência, que o processo educativo exige paciência,
perseverança e um constante repensar as estratégias de ensino utilizadas. Além disso, o
aprendizado conquistado na experiência extra-muros permite, ao estudante de enfermagem,
melhor capacitação na medida que o forma para o enfrentamento da realidade e, neste caso, a
dura realidade de vida destas mulheres.

Referências bibliográficas

AFONSO,L. Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial.


Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2000.

BELO HORIZONTE. Secretaria da Ação Social da Prefeitura Municipal. I Censo de


população de rua de Belo Horizonte. 1998, 75p.
COSTA, N.R; TUNDIS, S.A. Cidadania, classes populares e doença mental. In: COSTA,
N.R. et al. Cidadania e loucura; Políticas de saúde mental no Brasil. 3.ed. Petrópolis: Vozes,
1992. 286p. Introdução, p.9-13.

FREIRE, Paulo.Consciência e história: a práxis educativa de Paulo freire, antologia.São


Paulo: Loyola,1979.148p.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao


pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 95 p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia; saberes necessários à prática educativa. 22.ed.


São Paulo: Paz e Terra, 1996.165p.

VILLA, E.A. A concretude da atividade educativa do enfermeiro.O mundo da saúde, Belo


Horizonte, v.24, n.5, p.380-386, set./out. 2000.

You might also like