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A HISTÓRIA, A SOCIEDADE E O ESPAÇO FÍSICO: A HISTÓRIA LOCAL

(CASO DA ILHA DA BOAVISTA)


Por António Germano Lima1

A problemática da construção do conhecimento historio é uma questão que


sempre preocupou os estudiosos, académicos ou não, desde o anti-histórico na antiga
Grécia, passando pela história filosófica e literária, pelas escolas históricas metódicas,
historicista e marxista, até à escola dos Annales ou “História Nova”, da primeira metade
do século XX. Embora todas as preocupações e reflexões em torno da história, coube,
porém, a Heródoto de Halicarnasso, de acordo com Momigliano, o mérito de
“acompanhar os homens em suas mudanças e realizar a sua descrição e análise”, isto
é, de ter provocado no século V uma autêntica revolução cultural: a criação da história.
Com Heródoto, portanto, emerge a história como “ciência nova das ações humanas no
tempo”.2
Mas, o que entendemos por História? Qual é a sua relação com a sociedade e
com o meio geográfico? Qual é o seu objecto de estudo? Quais são os campos da
observação histórica? Que metodologia de investigação histórica?
Ao tentarmos responder a estas perguntas, esperemos poder clarificar melhor a
nossa visão sobre a reconstituição histórica das ilhas de Cabo Verde. Neste propósito,
começaríamos por dizer que, do nosso ponto de vista, a História não é uma oposição
entre o presente e o passado: trata-se de um sector do conhecimento científico que
promove o diálogo entre essas duas categorias temporais. Como escreve Braudell, “ce
que nous avons voulu tenter, c’est une rencontre constante du passe et du présent, le
passage répété de l’un à l’outre, un récital sans fin conduit à deux voix franches. Si ce
dialogue, avec ses problèmes en écho les uns des outres, anime ce livre, nous aurons
réussi dans notre propos”.3
Nesta óptica, a História é ao mesmo tempo um olhar crítico sobre a realidade
percorrida pelo homem, analisando as suas experiências, reflectindo sobre os seus
valores e as suas mentalidades, e um instrumento fundamental para questionar o nosso
tempo, procurando as referências e as memórias colectivas perdidas, incentivando,
hoje, a retoma da vida cultural participativa e democrática na nova ordem política
económica e cultural mundial: a globalização. A história é, neste sentido, o estudo
cientificamente elaborado das transformações das sociedades pela acção dos homens
ao longo do tempo, seja qual for a natureza e a espessura temporal desse passado.
Trata-se, portanto, de uma ciência que, de acordo com Collingwood, interroga os factos
do passado e deles tenta extrair respostas sobre esse mesmo passado.4
Os homens realizam-se, portanto, em sociedades, pois, parafraseando Marc
Bloch, só a estrutura social, que ao mesmo tempo eles criam e remodelam, torna
possíveis os actos que, por sua vez, nascem das suas próprias necessidades.5 Por isso,
para Marc Bloch, o objecto da história é, por natureza, os homens, pois, por detrás dos
vestígios resultantes de toda a sua acção na sociedade, “são exactamente os homens

1
Professor do ISE e na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde.
2
Citado por SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís – “História e
história da educação”. 2ª ed. São Paulo: HISTEDBR, 2000, p. 27.
3
BRAUDEL, Fernand (dir. de) – “La Méditerranée, L’Espace et l’Histoire ». Paris : Flammarion, 1985, p. 7.
4
COLLINGWOOD, R. G. – “A Ideia de História”. 9ª ed. Trad. Alberto Freire. Lisboa: Editorial Presença,
2001, p. 18.
5
BLOCH, Marc – “Introdução à História”. 6ª ed.. Trad. Maria Manuel e Rui Grácio. Mem Martins:
Publicações Europa-América, 1993, p. 27.
que a história pretende apreender”.6 Neste sentido, já afirmara Lucien Febvre: “Não o
homem, repito, nunca o homem. As sociedades humanas, os grupos organizados”.7
A história faz parte, assim, das ciências sociais que procuram um conhecimento
científico dos homens em sociedade, ao lado da sociologia, da antropologia e da
psicologia, entre outras ciências afins. Ora, o objecto das ciências sociais, de uma
maneira geral, é o estudo dos fenómenos ligados à vida dos homens em sociedade,
assim como das relações dos homens entre si e com a natureza e as coisas que o
rodeiam. Por isso, as ciências sociais, tal como a história, “procuram o entendimento
das acções dos homens e das representações que estes formam a respeito de si próprio
e do mundo em que vivem”.8 Mas, a história distingue-se das outras ciências sociais por
ser a que, através de um “inquérito metódico”,9 procura conhecer as acções dos
homens em sociedade na duração ou no tempo. Como ciência do homem na sociedade
e no tempo,10 o objecto da história é, portanto, as acções praticadas pelos homens no
passado e num determinado espaço físico-social. A propósito, Abenjaldún já dizia, em
1375, na sua “História Universal”:11 “A história, saibamo-lo, tem como verdadeiro objecto
fazer-nos compreender o estado social do homem e instruir-nos acerca de todas as
transformações que a natureza das coisas pode trazer à natureza da sociedade”.
Os homens vivem organizados em sociedade mas num determinado espaço
geográfico que lhes serve de suporte físico, o qual, sob a sua acção, vai transformando,
ao mesmo tempo que se transformam a si mesmos, ao longo do tempo. Por outro lado,
como escreve Aristides da Amorim Girão, “as condições geográficas exercem também
pronunciada influência sôbre o desenvolvimento económico e social dum povo pela
abundância, escassez e natureza dos recursos particulares do território que habita, pela
facilidade ou dificuldade de satisfação das necessidades fundamentais da existência
humana, e ainda pelas possibilidades industriais e comerciais asseguradas pelo meio”.12
Por isso, segundo Ellen Semple, “o homem não pode ser estudado
cientificamente, separando-o do solo que cultiva, das terras sobre que caminha ou dos
mares sobre que navega […]” porque ele “[…] é um produto da superfície terrestre’”.13 E,
das influências da sua própria acção e das transformações do seu espaço físico, os
homens também se transformam a si mesmos, pois, os espaços geográficos cruzam-se
com o quotidiano humano, nas suas dimensões políticas, administrativas, económicas,
sociais e culturais. Estas relações dialécticas entre os homens e a natureza explicam,
por sua vez, as mudanças nas formas de organização ou estrutura social resultante
dessas mesmas relações.
Do nosso ponto de vista, é neste quadro conceptual que o passado da sociedade
cabo-verdiana deverá ser estudada. Por se tratar de uma sociedade compósito, esse
estudo deverá ser feito, no entanto, a partir dos seus elementos constitutivos, quer nos
seus domínios sócio-culturais quer nas suas dimensões geográficas e materiais. O
nosso estudo situa-se nessa abordagem, isto é, no quadro da História Local, pelas

6
BLOCH, … – “Introdução à História”. p. 28.
7
Citado por BLOCH, … – “Introdução …. Nota Nº5, p. 178.
8
BARATA, Óscar Soares – « Introdução às Ciências Sociais ». Vol. I. 10 ed, Lisboa : Bertrand Editora,
2002, p. 7.
9
Termos emprestados a BLOCH, … – “Introdução…”. p.14.
10
BLOCH, … – “Introdução...” p. 29.
11
Sábio muçulmano, de origem tunisina, citado por VILAR, Pierre – “Iniciação ao Vocabulário da Análise
Histórica”. Trad. João Serra. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1985, p. 32.
12
GIRÃO, Aristides da Amorim – « Lições de Geografia Humana”. Coimbra: Coimbra Editora, 1936, p. 27-
29.
13
Cita Ellen Semple (“Influences of geographic environment”, Londres, 1911), GIRÃO, … – “Lições de
Geografia Humana”. p. 8.
seguintes razões: primeiro, como estudo do homem em sociedade, convenhamos que é
a comunidade o local onde o indivíduo mais integralmente se insere, se apoia para
sobreviver, para se realizar, para cumprir os seus desejos e seus papéis, onde, enfim,
se sente feliz. Ora, o estudo localizado é o objecto da História Local, referindo-se esta a
um estudo que parte da relação entre o homem e o espaço físico que o rodeia.14 Do
nosso ponto de vista, a História Local tem o sentido de um recorte geográfico, político-
administrativo, sócio-económico e cultural de uma determinada sociedade. E, então, o
historiador-local será aquele que estuda um espaço fisicamente reduzido ou recortado,
cujo objecto é a respectiva comunidade, nas suas múltiplas dimensões históricas.
Nesta perspectiva conceptual, como já defendia P. M. Laranjo Coelho em 1926,
“[…] é impossível fazer a história interna de um país, completa, em todos os seus
multíplices aspectos e nas mais variadas manifestações da sua actividade, sem o auxilio
e os elementos indispensáveis que só as monografias exactas e minuciosamente
elaboradas das suas localidades lhe podem fornecer”, especialmente para aqueles
países que pretendem dar à sua história notáveis impulsos e estímulos.15
Notemos que, enquanto em muitos países, como a França e Portugal, entre
outros, os estudos sobre a História Regional e Local parecem suscitar, desde o século
passado, um interesse sempre crescente, em Cabo Verde estudos neste campo
historiográfico têm sido descurado, embora alguns escritores tenham dedicado alguma
atenção especial a determinadas ilhas. Esta situação constitui um défice muita grande
na historiografia nacional cabo-verdiana, pois, como já observava Oliveira Martins no
primeiro quartel do século XX, “considerei sempre que um dos subsídios principais para
a história geral do país consiste nas monografias locais, onde se estuda arqueologia e
história, as biografias e as tradições, com os documentos à vista e à mão os arquivos
municipais e particulares”, o que, de acordo com o historiador português, “[…] formaria
um tesouro de inestimável valor para o estudioso; ao mesmo tempo que serviria para
arraigar nas localidades êsse amor da terra, base natural e necessária do sentimento
mais abstracto a que se chama patriotismo”.16
Defendemos, portanto, que a historiografia cabo-verdiana aumentaria a sua
eficácia quando as diferentes ilhas fossem mais assumidamente abordadas, com a
óbvia análise da participação dos vários estratos e agentes sociais e da audaciosa
representação dos respectivos quadros mentais, ideológicos e culturais ao longo do
tempo, o que só um minucioso estudo local poderia fornecer. Urge, portanto,
materializar em Cabo Verde e paralelamente a um olhar genérico do seu passado,
olhares sobre o passado de cada uma das ilhas que o constituem, pois, ficaria, assim,
melhor conhecido.
Partindo desse pressuposto, optámos, enquanto campo de observação
historiográfica, pelo estudo do passado da sociedade boavistense, nas suas dimensões
social, económica, administrativa, religiosa e cultural decorrentes da dinâmica e das
transformações operadas pelos seus habitantes, dos finais do século XVI aos meados
do século XX, sempre no contexto histórico de Cabo Verde, pois, longe de nós a
tentação de querer isolar a História Local da História Nacional. Mesmo que o
quiséssemos intentar, não o conseguiríamos concretizar, pois, se mais não fosse, a
complexidade da História Local exige necessariamente um entretecer de informações
que ultrapassa as suas fontes, obrigando, assim, a sua busca nas fontes nacionais.

14
MATTOSO, José – “A Escrita da História: Teoria e Método”. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 169.
15
COELHO, P. M. Laranjo – “Vantagens do estudo das monografias locais para o conhecimento da
história geral portuguesa”. Coimbra: Imprensa Universitária, 1926, p. 5.
16
Citado por COELHO, … – “Vantagens do estudo das monografias locais para o conhecimento da
história geral portuguesa”. p. 13.
Em síntese, a ideia da história que perpassa toda a abordagem do nosso trabalho
é a de um conjunto de factos ou acções produzidos, ao longo do tempo, pelo grupo
humano organizado no espaço físico-social que hoje se denomina “ilha da Boavista”.
Mas, se o nosso estudo procura atingir o espaço físico, social e cultural boavistense,
não poderá deixar, entretanto, de enquadrar os nossos estudos na dos espaços regional
e nacional. Por outro lado, colocar-nos-emos na linha braudeliana, isto é, no cruzamento
da Geografia e da História, visando melhor captar o movimento do homem boavistense
e das suas implantações, as suas relações sociais e as suas produções, no espaço da
nossa eleição: Boavista.
Do ponto de vista metodológico, perguntamo-nos: que modelo teórico seguir para
a realização da tão espinhosa mas aliciante missão?
Desde a época primitiva o homem anda sempre à procura da verdade, isto é, do
conhecimento sobre as coisas e os fenómenos que o rodeiam, umas vezes
empiricamente outras vezes cientificamente. Porém, o caminho adoptado para a busca
desse conhecimento tem variado de época para época. Por exemplo, se considerarmos
as ciências da natureza, temos o naturalismo que, partindo do princípio de que “o único
modelo que pode tomar o conhecimento científico é o das ciências da natureza”,
defende a tese de que não existe outras formas de conhecimento científico válido senão
as definidas pela experiência das ciências da natureza.17
Contrariamente ao positivismo comteano, cuja tese postula que “as ciências
sociais devem seguir o exemplo da física ou da biologia, procurar atingir generalidades
fundadas apenas nas sequências e regularidades manifestadas pelos factos observados
exteriormente”,18 para Max Weber “as ciências sociais não têm, de forma alguma, por
objectivo estabelecer leis universais, ilusão que ele denuncia nos positivista que
desejariam atingir a verdade do real pretendendo fundar as ‘ciências da cultura’ sobre o
modelo das ‘ciências da natureza’”.19 Mas o que é a verdade científica?
Para Joseph Ki-Zerbo, historiador bem conceituado na historiografia africana, a
verdade não é senão um ideal cuja busca não se cansa o homem de empreender.20 A
ideia da busca de um ideal desloca, por seu turno, a ideia da verdade de uma
explicação empírica para a da explicação probabilista, que postula uma nova
abordagem metodológica dos problemas sociais, isto é, o de “ter em conta que os
comportamentos sociais são ‘resultantes de regras colectivas’ e não procedentes de
‘regularidades causais’”21.
Com efeito, a corrente probabilística postula que, se o espírito humano não pode
chegar a uma certeza absoluta, é capaz de alcançar opiniões prováveis. Em termos
científicos, é uma “doutrina segundo a qual as leis científicas, por terem carácter
estatístico, não têm, relativamente aos factos singulares, senão um significado de
probabilidade”,22 o que contraria, neste particular, o postula da doutrina naturalista, atrás
referida. Neste quadro metodológico, “explicar as acções é esclarecer-lhes o sentido em
relação às regras e valores colectivos e pôr à luz as regras e valores colectivos
subjacentes aos comportamentos”.23 Isto é, “o sentido das regras e valores que, por sua

17
BARATA, …– “Introdução às Ciências Sociais”. p. 27.
18
BARATA, … – “Introdução ….”. p. 27.
19
FLEURY, Laurent – “Max Weber”. Trad. António Lopes Rodrigues. Lisboa: Edições 70, 2003, p. 21.
20
KI-ZERBO, Joseph – “História da África Negra”. Vol. I. Trad. Américo de Carvalho. Lisboa: Publicações
Europa-América, [s.d.] (Edição original: Hatier, Paris, 1972), p. 34.
21
BARATA, … – “Introdução …”. p. 36.
22
“DICIOPÉDIA : o poder do conhecimento”. Porto : Porto Editora Multimédia, 2004, CD Nº 1.
23
BARATA, … – “Introdução …”. p. 36.
vez, precisa de ser esclarecido reporta-se naturalmente às características do conjunto
formado pela sociedade em que os indivíduos se inserem”. Daí a tendência para a
explicação holística de algumas ciências sociais, que bem poderá ser aplicado à ciência
histórica. A este propósito, Joseph Ki-Zerbo torna a advertir que a verdade histórica é
um desses ideais cujo objectivo é “tentar reconstituir e explicar o passado do homem”.
Nesta sentido, a história “anda à procura de um certo grau de certeza”, acrescenta Ki-
Zerbo,24 numa clara alusão à “explicação probabilística” aplicada ao estudo do passado
humano. Marc Bloch já o admitira, ao defender, inspirando-se nas ciências físicas, que a
própria ciência se tornou mais flexível, pois, elas “substituíram, em muitos pontos, o
certo pelo infinitamente provável; o rigorosamente mensurável pela noção da eterna
relatividade da medida”.25
Partindo dessa base, não assumimos um modelo ou ponto de vista teórico
específico como o único capaz de nos apontar o caminho certo. Pelo contrário, como
adverte Marc Bloch, “aceitamos muito mais facilmente fazer da certeza e do
universalismo uma questão de grau. Não sentimos já a obrigação de procurar impor a
todos os objectos do saber um modelo intelectual uniforme, aurido nas ciências da
natureza física, pois que até nesse domínio tal modelo deixou de ser inteiramente
aplicado”.26
Uma perspectiva metodológica perpassa, entretanto, o nosso trabalho: a análise
sistémica, sendo sistema aqui considerado como um todo ou conjunto de elementos
identificáveis, inter-relacionados, com fronteiras bem definidas.27 Ora, a nossa análise
científica visa a sociedade boavistense na sua totalidade, com os seus elementos ou
domínios histórico-culturais inter-ligados e em interacção. A perspectiva sistémica é,
assim, o eixo de toda a nossa análise científica, pois, como observa Adriano Moreira, “a
acção social, nesta visão, se inscreve num conjunto de acções de uma ou várias
intervenientes”, nas quais “o agente é sempre um actor situado num ambiente, que
compreende elementos físicos como território e, sobretudo, outros actores também em
acção”.28 E nos espaços físicos da Boavista intervieram vários actores na formação e
desenvolvimento da sua sociedade, uns na condição de colonos, outros na de escravos,
ambos enquadrados, parafraseando Adriano Moreira, por um conjunto de normas e
valores que lhes forneceram um paradigma de acção e uma definição das finalidades a
atingir.29 Por outro lado, tendo em conta que o presente estudo se debruça sobre vários
domínios do passado de uma sociedade global – a boavistense –, o que exige uma
utilização plural das várias perspectivas ou ponto de vista metodológico, torna-se
necessário o recurso à análise sistémica, única perspectiva metodológica, a nosso ver,
construída, não tanto como um fenómeno interdisciplinar mas, antes, como “uma
tentativa de síntese de todas as perspectivas, ou, se for preferido, um ensaio de
organização dos vários pontos de vista por intermédio da construção de uma categoria
integradora dos conceitos operacionais restritos”.30 É esta postura metodológica que, do
nosso ponto de vista, melhor se ajusta ao objecto do presente estudo, que é a
sociedade global ou o sistema social da ilha da Boavista.

24
KI-ZERBO, … – “História da África Negra”. p. 34.
25
BLOCH, … – “Introdução …”. p. 22.
26
BLOCH, … – “Introdução …”. p. 22.
27
MOREIRA, Adriano – “Ciência Política”. Coimbra : Livraria Almedina, 1992, p. 93.
28
MOREIRA, … – “Ciência Política”. p. 94.
29
MOREIRA, … – “Ciência …”. p. 94.
30
MOREIRA, … – “Ciência …”. p. 98.
Neste quadro metodológico, que tipo de tratamento de fontes devem ser
eleitos?
A problemática das fontes em história é uma questão fundamental a ser debatida.
Neste sentido, é já da cultura geral que o conhecimento histórico não se constrói sem
fontes, vestígios ou testemunhos. Com efeito, como “ciência nova” das acções dos
homens no tempo e no espaço, desde Heródoto de Halicarnasso no século V, a história,
“é um conhecimento fruto de uma investigação, de uma enquête, que tem a
preocupação com a ‘verdade’, baseada em ‘testemunhos oculares’ bem interrogados
pelo historiador”.31 Neste sentido, na reconstituição da História Local, o historiador é
obrigado, como já recomendava P. M. Laranjo Coelho, a “conhecer a vida local em
todas as fontes de informação que ela nos pode fornecer, no estudo crítico e analítico
da sua documentação diplomática, nas suas tradições e factos de cultura geral, é não
somente uma utilidade com vantagens de ordem histórica e científica, como também de
ordem material, e, sobretudo, moral e cívica”.32 Este pressuposto conduz-nos à uma
utilização plural de documentos, pois “é documento qualquer fonte de informação donde
a mente do historiador saiba extrair alguma coisa para o conhecimento do passado
humano, olhando este pelo prisma da interrogação que lhe foi dirigida”.33 Sobre a
pluralidade de documentos, escreve Lucien Febvre que “a História faz-se com
documentos escritos, com certeza que sim. Mas pode fazer-se, deve fazer-se com tudo
o que o engenho do historiador lhe consinta utilizar […] Com palavras, portanto. Com
sinais. Com paisagens e telhas”.34 Ou então, como sintetiza Henri-Irénée Marrou, nos
seguintes termos: “numa palavra: tudo aquilo que, na herança que resta do Passado,
pode ser tido por indício revelador de algo da presença, da actividade, dos sentimentos,
da mentalidade do homem de outrora: tudo isso há-de entrar na nossa
documentação”.35 Com efeito, as fontes históricas devem ser numerosas e
diversificadas, na medida em que também numerosos e diversificados são os vestígios
deixados pelos homens ao longo do tempo e em diversas sociedades.
Neste quadro teórico-metodológico, na reconstituição da História Local, o
historiador deve servir, assim, de uma multiplicidade de fontes, desde as escritas e orais
às arqueológicas. Neste sentido, deve procurar ressuscitar, de forma racional, metódico
e crítico, os documentos de arquivos, nomeadamente, dos notariados, registos civis,
prediais e paroquiais, dos arquivos camarários, para além das Bibliotecas e Arquivos
Públicos, locais, nacionais e estrangeiras; deve ir mais além de registos isolados de
arquivos, se pretender abarcar os problemas que suscita a existência ou vida do
passado da sociedade investigada, problemas, como sempre, indefinidamente variados:
económicos, sociais, religiosos, psicológicos, de entre outras dimensões da sociedade.
Por isso, já terá de encarar um inquérito capaz de abranger, também, muitas outras
fontes de informação fora das peças de arquivo: o folclore (provérbios, canções
populares), as artes plásticas, a literatura, a cultura material, a língua, entre outras.
No que se refere a “cultura material”, por exemplo, notemos que ela se prende à
luta económica que os homens travam numa sociedade para a sua sobrevivência e
desenvolvimento. Essa luta é sempre árdua. Consequentemente, os homens criam
técnicas (instrumentos ou ferramentas) eficientes para que possam vencer eficazmente

31
Citado por SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís – “História e
história da educação”. 2ª ed. São Paulo: HISTEDBR, 2000, p. 27.
32
COELHO, … – “Vantagens …”. p. 6.
33
MARROU, Henri-Irénée – “Do Conhecimento Histórico”. Trad. Henrique Barrilaro Ruas. Lisboa: Rei dos
Livros, 1991, p. 75.
34
(In “Combats pour l’histoire”, p. 428) Citado por MARROU, … – “Do Conhecimento Histórico”. p. 76.
35
MARROU, …– “Do Conhecimento…”. p. 76.
a natureza que sempre os excede. Assim, como já dizia Georges Duby, “a primeira
tarefa do historiador deve ser a de medir este poder e consequentemente tentar
reconstituir o aspecto do ambiente natural. A tarefa não é fácil. Requer uma pesquisa
minuciosa, conduzida no próprio terreno, na busca de vestígios de paisagem antiga,
mantidos ainda nos nomes das terras e dos campos, no sistema de vias, nos limites das
propriedades e no tipo de vegetação”.36 Observemos que “o trabalho, os utensílios e a
forma como eram usados pertenciam à rotina da vida quotidiana, acerca da qual muito
pouco se dizia e ainda menos se escreveu”.37
Uma outra fonte a considerar-se na investigação histórica é a língua, mais
precisamente o dialecto local, pois, como meio de comunicação, com ela os nossos
antepassados denominavam os objectos, os lugares, as pessoas; retratavam a sua
época.
Assim, deve o historiador realizar pesquisas de terreno e dar atenção ao
património construído, elemento fundamental da cultura material de qualquer sociedade,
desde os grandes palácios aos simples objectos manufacturados, e ao dialecto local,
pois, com sua forma peculiar de falar, os nossos antepassados referenciavam o seu
mundo, exprimiam as sua emoções, as suas relações…

36
DUBY, Georges – “Guerreiros e Camponeses, os primórdios do crescimento económico europeu séc.
VII-XII”. Trad. Elisa Pinto Ferreira. 2ª ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p.17.
37
DUBY, … – “Guerreiros e Camponeses, os primórdios do crescimento económico europeu séc. VII-XII”.
p. 203.
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

1. BARATA, Óscar Soares – « Introdução às Ciências Sociais ». Vol. I. 10 ed,


Lisboa : Bertrand Editora, 2002.
2. BLOCH, Marc – “Introdução à História”. 6ª ed.. Trad. Maria Manuel e Rui Grácio.
Mem Martins: Publicações Europa-América, 1993.
3. BRAUDEL, Fernand (dir. de) – “La Méditerranée, L’Espace et l’Histoire ». Paris :
Flammarion, 1985.
4. COELHO, P. M. Laranjo – “Vantagens do estudo das monografias locais para o
conhecimento da história geral portuguesa”. Coimbra: Imprensa Universitária,
1926.
5. COLLINGWOOD, R. G. – “A Ideia de História”. 9ª ed. Trad. Alberto Freire.
Lisboa: Editorial Presença, 2001.
6. “DICIOPÉDIA : o poder do conhecimento”. Porto : Porto Editora Multimédia, 2004,
CD Nº 1.
7. DUBY, Georges – “Guerreiros e Camponeses, os primórdios do crescimento
económico europeu séc. VII-XII”. Trad. Elisa Pinto Ferreira. 2ª ed. Lisboa:
Editorial Estampa, 1993.
8. FLEURY, Laurent – “Max Weber”. Trad. António Lopes Rodrigues. Lisboa:
Edições 70, 2003.
9. GIRÃO, Aristides da Amorim – « Lições de Geografia Humana”. Coimbra:
Coimbra Editora, 1936.
10. KI-ZERBO, Joseph – “História da África Negra”. Vol. I. Trad. Américo de
Carvalho. Lisboa: Publicações Europa-América, [s.d.] (Edição original: Hatier,
Paris, 1972).
11. MATTOSO, José – “A Escrita da História: Teoria e Método”. Lisboa: Editorial
Estampa, 1997.
12. MARROU, Henri-Irénée – “Do Conhecimento Histórico”. Trad. Henrique Barrilaro
Ruas. Lisboa: Rei dos Livros, 1991.
13. MOREIRA, Adriano – “Ciência Política”. Coimbra : Livraria Almedina, 1992.
14. SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís –
“História e história da educação”. 2ª ed. São Paulo: HISTEDBR, 2000.
15. VILAR, Pierre – “Iniciação ao Vocabulário da Análise Histórica”. Trad. João Serra.
Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1985.

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