Professional Documents
Culture Documents
A ida dos meninos foi um acontecimento na cidade. Teve corpo de bombeiros, banda
marcial, o prefeito deu a chave da cidade, enfim, toda a honra para os filhos ilustres,
os garotos que iam tornar o nome da vila conhecido em todo o país.
E os dois já estão no CT do Palmeiras.
- Cara, que diferença do Xavantes! – comentou Gustavo, ao entrar pela primeira vez
no luxuoso vestiário do clube.
- Tem piscina ali fora! – apontou André, eufórico.
Os outros jogadores riram, achando graça do deslumbramento dos garotos.
- Daqui a pouco vocês acostumam – disse um deles, um altão. E se apresentou: - Eu
sou o Ricardo, o guarda-metas.
Os amigos não entenderam.
- Liga não, o Ricardinho é português – interveio um outro, escurinho como Gustavo. –
Guarda-metas é como se chama goleiro em Portugal.
- Ah, sei – disse André, e acrescentou, sem modéstia – Você é o meu reserva?
Ricardo caiu na gargalhada:
- Que isso, garoto? Olha só, chegou agora e já quer botar marra.
- Nós somos do profissional – esclareceu o escurinho, estendendo a mão – eu sou o
Deninho.
Gustavo arregalou o olho:
- Nossa! Como é que eu não reconheci? Cara, o Deninho!
E apertou a mão dele, todo trêmulo.
Os dias foram passando e Gustavo e André eram destaque nos juvenis. A equipe ia
bem e já estava nas finais. Já o time de profissionais sofria derrota após derrota –
principalmente após a contusão de Ricardo.
Após uma partida do torneio de juvenis, os torcedores no estádio começaram a gritar o
nome de André. “Bota o André, seu treinador! Bota o André!”
O técnico, com a corda no pescoço, resolveu apostar no garoto.
- Estou feliz por você – disse Gustavo, na véspera da estréia do amigo – Caramba, vai
jogar pelos profissionais, naquele estádio enorme!
- Não estou acreditando, cara. Isso é mesmo verdade?
Gustavo deu-lhe um beliscão.
- Ai! Tá maluco?
- Doeu, viu? Não é sonho, não.
André riu, massageando o braço. No dia seguinte, estava lá, com o uniforme titular do
Palmeiras, diante de trinta mil pessoas. De início, inseguro, deixou escapar umas
bolas fáceis, mas os zagueiros seguraram a onda. Mas no final, a consagração: uma
defesa incrível, de mão trocada, cara a cara com o atacante.
Saiu carregado.
As manchetes do jornal estampavam: “André, o menino de ouro”.
Ricardo não voltou mais e o menino de ouro assumiu de vez a posição. Era uma boa
atuação após a outra. O Palmeiras se recuperou na temporada e já estava na cola dos
líderes. Mas o time de juvenis foi eliminado no torneio da categoria.
- Fica assim não, Gustavo – consolou André, vestindo uma roupa de marca, presente
dos patrocinadores.
- Eu errei o chute, cara. Isso não acontece comigo!
- Todo mundo erra, lembra? – e apanhou o jornal do dia – o Deninho ontem perdeu um
pênalti.
- Mas você segurou o empate – rebateu Gustavo, com uma ponta de inveja na voz.
André percebeu:
- Que isso, rapaz? Não fala assim não. Eu só defendo, mas no futebol, o que conta é a
bola na rede.
- Está falando que nem eles.
- O que está havendo com você?
Gustavo não respondeu. Levantou-se e saiu do quarto, onde agora dormia sozinho,
pois André ganhara um apartamento no centro da cidade.
Andou pela rua, inconformado. Na era justo. Poxa, ele e o André sempre fizeram tudo
juntos. Sempre brilharam juntos. Por que, agora, o amigo estava se destacando mais
do que ele?
Estava perturbado. Não conseguia jogar direito. Irritava-lhe ver a foto de André nos
jornais, ler as suas entrevistas. André fazia de tudo para incluir o colega em sua nova
vida, levava-o ao seu apartamento, convidava-o para as festas. Mas Gustavo tornava-
se cada vez mais arredio.
- Vou pra quê? Pra ficar na sua sombra? – disse certa vez.
Até que um dia, finalmente, o golpe final: quando chegou para treinar, o gerente Otávio
Costa o chamou para conversar num canto:
- Infelizmente, teremos que rescindir o seu contrato.
- O quê? – o menino quase chorou.
- Você não está correspondendo. Eu sinto muito. Passe amanhã em meu escritório,
para receber os seus direitos.
Gustavo foi correndo procurar André. Seu sonho de criança não podia terminar assim.
Mas ao chegar no prédio do amigo, foi barrado por um segurança:
- Onde pensa que vai?
- Vou falar com o meu amigo. Qual é, cara? Você sabe quem eu sou!
- Não sei de nada, não. O senhor André está recebendo um pessoal muito importante
e pediu pra não ser incomodado.
- Senhor André... – repetiu Gustavo, sem acreditar. – Olha aqui, meu chapa, nós
somos amigos! De infância, crescemos juntos! Fala com ele, eu tenho certeza que...
- Sinto muito, garoto. É melhor você ir andando.
Gustavo chorou a noite toda. Sentiu um ódio enorme do amigo. No momento que mais
precisava, ele não o quis receber. Sentiu vergonha. Agora terá que deixar o alojamento
do clube e voltar para a vila como um fracassado, com o rabo entre as pernas.
- Isso não vai acabar assim! – jurou, entre dentes, tendo uma idéia maligna.
Estamos vendo agora Gustavo entrando numa rua escura. Caminha rápido, sem olhar
pros lados, receoso de ser reconhecido.
Chegou numa construção bonita, onde estava escrito: Limoeiro Futebol Clube. Pediu
pra conversar com o técnico.
- Então você conhece o André? – perguntou o técnico, pra confirmar.
- Sim. Joguei com ele a vida toda.
- E por que quer nos ajudar?
- Ele me traiu. É um safado.
- Pois então fale.
Gustavo conhecia André muito bem, e sabia que o amigo tinha um ponto fraco. Deu
todas as dicas e garantiu: se seguissem seu conselho, a vitória era certa.
E assim se deu.
A partida entre Palmeiras e Limoeiro transcorreu sem novidades, com as duas equipes
demonstrando um certo desinteresse, tocando a bola de lado e arriscando pouco. Na
arquibancada, Gustavo roia as unhas e xingava à cada ataque perdido do Limoeiro:
- Droga! Será que esses caras não entenderam o que eu falei?
E o jogo seguia para seu final. Até que, aos trinta e cinco minutos, um dos atacantes
do Limoeiro invadiu a área e chutou estranho, meio de lado, só roçando a bola de leve.
Enganado, André pulou para o lado errado e a bola entrou de mansinho no outro
canto.
- Gol!! – vibrou Gustavo, junto com a torcida.
O jogo acabou e a torcida do Palmeiras não perdoou:
- Frangueiro! Frangueiro!
O garoto saiu de cabeça baixa, amparado pelos colegas. Na saída, Gustavo passou
por ele, sorrindo de orelha a orelha e comentou, maldoso:
- A vida é assim.
O amigo não retrucou.
No jogo seguinte, André não era mais o titular. Ricardo reassumiu a posição, mesmo
sentindo um pouco de dor.
- O treinador achou melhor te preservar – disse o experiente goleiro para André,
consolando-o – Você ainda é muito jovem, tem muito chão pela frente.
O garoto entendeu. E dias depois estava de volta ao time juvenil.
Nesse meio tempo, Gustavo conseguiu uma vaga no Limoeiro, como presente pela
ajuda que prestara. E logo se destacou. Era de longe o melhor atacante do time.
Enchia os adversários de gols, de todos os tipos.
E o inevitável aconteceu:
“Amanhã, Palmeiras e Limoeiro, pelo torneio de juvenis”, dizia uma nota no jornal.
MORAL: uma grande amizade é tudo que temos na vida. Não permita que a inveja, ou
qualquer sentimento negativo, destrua a relação que você tem com as pessoas de
quem você gosta.