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Ciclo de Jaiara
em que vingo a má ventura
onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina
enostalgias
o ritmo com as pulsações
de encontrar-se
dentro e fora
(1989-1999)
fora-se toda a fluidez
e qualquer pertencimento a entidades obscuras
queMoreira Cardoso
passaram a fluir
transe e embriaguez
doçura e tortura
perderam-se, perdi-os e todos se lançaram
e lancei junto com eles
a qualquer alvo
de água, de madeira ou de metal
estou à salvo, não estou
talvez... talvez...
À Zezé
por todas as tempestades
por todas as calmarias
por tudo que pecamos
pelo tanto que amamos
ii
Advertência
O leitor mais refinado de poesia há de achar, com razão, rudes e empolados os poemas
que se seguem.
Um dos motivos é que este livro foi o meu aprendizado neste árduo ofício textual. A
tarefa de criar textos nunca deixa de ser um aprendizado, no entanto, aqui se tem o
começo dele, quando a mão ainda não tinha a menor noção de ponto.
Outro motivo é que esta obra foi escrita sob a vivência de um amor tempestuoso.
Acontecimento que, se por um lado, deflagrou a incontornável necessidade da escrita,
por outro, turvou de tal modo a percepção e o discernimento, que muitas vezes o ímpeto
afetivo não achou a melhor maneira de se juntar ao tecido textual para formar poemas.
Há, aqui, poemas “impublicáveis”, outros razoáveis e alguns (ou fragmentos de alguns)
que acho ainda bons. Há textos em que o bom está de tal forma emaranhado ao
imprestável que não há meio de separar o joio do trigo. Diante de tão variada situação
resolvi expor a oficina do aprendiz com muito poucos cortes.
Olhando de hoje, apesar das sérias restrições que lhes imponho, ainda acho em muitos
poemas deste livro uma força incomum, passional, quase desesperada. Esta força talvez
seja de algum interesse, principalmente quando, em alguns poemas ou fragmentos de
poemas, conseguiu se juntar ao artifício necessário à arte.
iii
Prelúdio
(poemas da juventude)
5
Porque quando invade o ser
este rompante de emoção explosiva
não há nada em sua frente
a não ser o som gutural de seu grito
animalesco
a animalidade presente, imanente, onisciente
Mas agora, em contraposição
aquela outra face da loucura
toda ela doce de todos os méis e frutas
das terras mais fartas
não me falta o sorriso
de sentir no ar a irrealidade quase palpável
de um sonho real
a tua face
a me oferecer
a loucura dos sonhos
tão desejada
em ser saciada esta vicissitude
da felicidade
que aflora no ser a ânsia
atormentada de viver
a vivência do pesadelo.
Pontos de Fuga
O galho
É que no verso não há nada
nem no reverso, ou anverso
Aí, procurei no antiverso
E DESCOBRI!!! ...que este apenas rima com universo
vai agarrar,
a primeira fantasia
No quarto contíguo
abismo, muralha,
repousa serena
por ti intocada,
15
Cantiga Cântica
E nem que a fé fosse fraca
e minguante ou fosse nova
esmaecida quem sabe pálida
crescia crescente e pungente
em fulgor era cheia
que a fé fosse forte
nem que fosse
que não fosse fé
era fé
no que não se sabia
fé ferrenha no ia ter
no que se tinha e até
no que se não tinha quisera
ter da fé que tinha uma fé
de ter tinha fé
e nestes tempos tão duros
que não sabe pra onde vai estes tempos
agarra-se a fé
que seja fé na razão
que seja fé
qualquer fé e paixão
cada um sua fé
pra guiar descaminhos
cada fé cada guia
dia após dia cada pé caminhada
caminha
nos tempos incertos
o que se faz se dilui
esparramo enfraquecido
do que outrora foi forte
só resta fazer porém
o que o espírito manda
o que manda os desmandos
ainda restam sentidos
ressentidos de rumos
sem prumos sem idos
resta ainda
e muito ainda
resta fé muita fé
16
pedras e árvores
poste e calçada
casas sonham singelas
na manhã ensolarada
de Piracanjuba
bom dia!
muros e tijolos desgarrados
velho no portal acomodado
e velhas, velhinhas...
17
Ladainha
— Ah! João
essa década de ilusão
a cidade das luzes
a idade da maldade
joão
eu gostava mais de quando
os cabelos eram compridos
joão
mais de quando era menino
me dá um pedaço de praça
com árvores e cigarras
coreto
fonte luminosa
ruas
paralelepípedos azuis escuros
a brilhar
na noite dos postes antigos
a espalhar
sombras de meninos
a brincar
sob uma, de muitas noites
estreladas
a derramar
seu manto de prata ponteado
nas telhas de barro queimado
um manto negro prateado
num canto vermelho do telhado
um bando de tanajuras desordenado
um canto de ninar materno
e juras de amor eterno
joão
quando eu tava naquela cidade
só de saber da partida
me deu saudade
só d'eu saber desta idade
já dava vontade
de dar saudade
ô joão
parece que eu sabia de antemão
que a gente só ia deixar de ser anão
pra deixar de ser irmão
pra ter nostalgia
sentir a alegria
da melancolia
de sentir saudade
18
agora a gente passa
mais tempo e tanto tempo
sem ver a magia de tudo
que tem magia, tudo ao redor
sem ter tempo
tanto tempo a gente passa
que o tempo passa
e a gente não vê
que o tempo passa a gente
e a gente passa o tempo
fazendo as contas
ô joão!
num era melhor quando
era faz de conta?
era, num era não
joão?
será que daqui
uns tempos
vamos lamentar assim por
estes tempos
que a saudade em mim
é inata
a saudade de mim
de quando passa?
e que os meninos
desta cidade
nesta idade
que foi aquela daqueles tempos
de antigamente tão nostál-
gicos neste nosso presente,
terão tristeza?
verão beleza?
joão, incerteza...
são só lamúrias
de dois caipiras incorrigíveis
essa ladainha
de velho gagá
de quem sempre será
o eterno menino magriça
lá do interior de goiás
conversando com o joão
fazendo o que lhes faz bem
o que lhes traz
mais bem estar
trazendo os sonhos
em que transformaram a realidade
dibrando com a doçura da mentira
o sal da verdade
bate papo de portão
conversa de janela
19
pernas cruzadas, banco de madeira
meu cumpade joão
— tá vendo aquele pé de aroeira
lá no quintal do seu Aníbal
depois daquele muro de adobe
escoro do mamoeiro
depois
daquele pé de roseira ?
— num tô não
— pois é, é só vontade de ficar alegre ficando
triste
20
Cantar De Amares
21
Amar Maria
Amar-te*
Amo-te demente
caridoso morrerei
remorsoso e mórbido
culpar-te-ei.
Culpar-te-ás e partirás também
ao imaterial abraço de teu rei
e escravo?
Escravo e rei não hei
de entristecer em meu sofrer
pois me darei
a ti
e a ti possuirei
como tantos, como tantos, por dever
morrerei, morreramos
pelo carma dum caudal impiedoso
e ressuscitaremos
eu pedra
e tu a flor do outro monte que um pássaro
num arco sobre as árvores
trouxe o olor
vago
dissipado pelo vento da manhã
um frescor
ainda um frescor à rocha desventurada
*
poema da maturidade
22
Amar em ti
Ora!
Tudo que quero é dizer que amo.
Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje.
Amo-te
De incondicional amor intransitivo
Como o dos poetas, como tem que ser.
Da morte ou de um simples ir
Para outro cômodo que não sei seguir.
Amo-te simplesmente
Mas isto também já foi dito por muitos
(por todos os que amam)
Mas não importa para quem ama.
Se algo importasse para quem ama
não haveria amor.
Como poesia não haveria
se o poeta pensasse antes.
Se o amante pensasse antes
não haveria amante,
não haverias tu, amada e exaltada
por esta alma desarmada, desarrumada.
Nem alma, se me permita Deus, havia
se amor não houvesse.
25
Um Pouco
Um pouco de angústia quem sabe
nunca fez mal a ninguém
e não duvidaste de mim?
que a dor iria nascer eu sabia
mas não que a dor fosse forte
desta dor de doer-te não
mas a dor veio firme e porém
a dor não murchou
que sorriso?
era apenas um pouco de pó
um pouco de pólvora
incendiando os papéis
apenas papéis que partiram
que insistimos, acabou
prometi a mim mesmo
— tão fácil dizer:
prometi a mim mesmo
fácil prometer
todas as promessas são fáceis —
que nunca ia borrar
papéis mais com coisas fúteis
e antieconômicas perfumarias
mas
quem disse que estamos falando
de economia?
pra hora da morte o que menos se pensa
é racionar
apenas viver e se possível amontoados
como uma ninhada de ratos no porão
ou no sótão, mas não temos sótão
vemos apenas nos filmes
como um bandos de porcos
sem raciocinar
como a matilha de porra loucas ou de cientistas
perfumes
um pouco de olfato please
26
sei que é uma corda e como tal
se dormires acorda no chão
e se parte
se parte a dor vem enorme
vem de novo
outra vez partir meu coração
mas já existem muitos corações partidos neste mundo
e coisas afins
tão comum dizer isto viver isto
apenas mais um será mais um apenas
e um pouco mais à penas
27
não há que errar mais um suspiro
e um viver custa caro no fim —
tempo ainda para pensar
sobre travesseiros
o sono vem rápido ou não vem
um pouco de sono apenas sem fel
um pouco de sonhos em véu
um pouco apenas de céu
28
Solideña
Em solidão me encontro só
e sem ninguém
em solidão te sentes só
e é tudo o que sabes tu
é tu que o sabes só
na solidão que sabemos
ambos
pra solidão que partimos só
para a nossa companheira solidão
que comungamos
âmbar
na solidão que encontramos
nus
nós
desenlace silêncio
desembarace fala-me falo-te
a ti
atira-te à solidão imóvel
atiramo-nos sós a nós
encontramo-nos
reencontro te amo-a
ti
29
Excêntrico
procuro o centro num círculo
desisti de procurar em mundo
desisti de procurar quem centro
talvez que centro
nesta era cheia de talvezes
talvez procure centro um dia
talvez procure certo um dia
talvez procure um certo dia eu ache
talvez não
procure procurar talvez
30
Querelas
O infinito, a eternidade...
Nada abarca
Tudo é triste por isto
Não. Não há tristeza
Nem alegria
Fora da finitude
De nós
31
Todos os poetas
o poeta vulgar
prostituta sem lar
desleixado da profundidade
sem talento nenhum
lugar comum
um poeta pequeno
dos pequenos poemas
de palavras simples
o poeta da fantasia
que imagina
qualquer grão de areia
valer uma poesia
o poeta do sufrágio
do lado bobo do povo
o poeta do plágio
dos poemas dos outros
de outros poemas seus
o poeta do contágio
pelas frases curtas
das doenças incultas
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o poeta da não técnica
do ante lírico lirismo
da desfilosofométrica
o poeta do improviso
desavisado do aviso:
— não sejais exemplo
de como não se deve poetar
o poeta assingular
do ridículo do riso
o poeta da arritmia
dos erros gramaticais
monocórdias melodias
fáceis truques palavrais
de excessiva poesia
faltante nos caudais
do poema em demasia
das metáforas óbvias demais
ou obscuras metáforas vazias
o poeta
que não é profeta
não protesta
nem atesta
um poeta que não afeta
o poeta pateta.
33
Quando dor tiveres
verás teu dom trobar
terás enfim alegria
quando veres sem ver chegar
que é fugaz
e aí verás
que para dor haver
há de doer.
34
O papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo
do mundo
que algo agouro
um mal agouro do mundo
e o papel do poeta
não se encharca das tintas
não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna
poroso e áspero
que colorem as tintas
que vão se descolorindo num sem tom descolor
que são todas as cores: branca
esbranquiçadas
retornam por todos os poros e afloram
tal qual primavera refloram
por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem
não são mais
tintas papeis e poetas
não mais
cores e poros e algo
não sei mais
35
Poemescuros
1
36
2
agora a nova versão da lua é nova como nova é a cria que passa na avenida
e agora o mar azul da lua é finalmente azul como azul do mar marinho
só resta ao mar marinar agora
mas restar os restos não restam mais mar
restojo de sal
de joio que nunca vi nem trigo de minas trigominas
enjôo do vôo sinuoso
monjolo de descasar das cascas castas do arroz cristal
minas de pérolas empoleiradas
fábrica de tijolo ver meio empoeirado pelas frestas do mundo
pegajoso da argamassa, olaria
Maria Mãe de Jesus, Maria
antes de alcançar o mundo ora
horas minúsculas antes de cuspi-las em ti
Maria mundo
sinuosas são as grotas covas poças profundas fossas que sinuam
horas e horas
sinuando rochas esbranquiçadas espreguiçadas sobre as pedras
quarando de sol que brota por onde
nem sei
nessa escuridão escura escusa recusa-se a me olvidar
penetram a miragem densa como tensa a luz parca
o breu penetra e perpetra luz minar animosidades
ânimo, apressa-te prece antes que não preste peste
Mãe de Jesus Maria
a nova lua, nova luz da lua nova
Jesus de Maria Mãe.
passeia a cria impávida pela avenida
descriada pelo avesso da via a cria via
ver a vi vendo avessa ao tudo nosso de cada dia
havia ali um aqui sem dono vagueando os vagos
sem as vigas do vigário
sem vigias vigaristas
sem virgens sem suas vertigens
sem os erros erários
vi eros solto à minha frente
purpurilando com as pedras debulhadas na escuridão
lá estava eros na escuridão
alegre como sempre foi furioso como sempre
e como sempre
sempre voluptuoso e guloso eros
(a gula é um vício de eros)
ali, rodopiava e assobiava na minha frente ali
naquele canto da escuridão Maria
Mãe de Jesus
Maria
37
3
responda-me senhora
dos arboredos seivosos
quem virá ao teu chamado
quando não abençoares ninguém mais
quem mais olvidará
quando amaldiçoares
amaldiçoados
pelas carnes labiais
em carnes
e carnes fartas
doutras cisuras
quando olvidardes
dos labiafiados
me fiarei em ti
sitiarei a tua cidade
38
cortarei o mar o mal
cairão as folhas dos bosques
em pleno verão
cairão bosques
caí e não vi
como não verão a ti
cair-te
e não virão compaixão
e quem
caminha
por ti
torto de tetas
torpe da seiva
absorto leigo
em leito leitoso
em gozo alvorozo
e me deitas
deixa-me leia-me
e deleita-te
não não há lei
outra vez não há
outra vez não
outra vez
39
torto de escravas
crave em mim pois sim a clava
pois crave cravo no casco casto
e banhe a pele prata de metal
torto de escravos
trave em mim pois não a lavra
pois lave favo em asco vasto
apanhe a carne rubra em chamas
chama-me
torto e escrevas
letras ladras
dona
roubai o que resta a esta extrela
e cala
e cala-me
40
a dança límpida
das linhas
no infinito
ao infinito
linhas transparentes
planam
planos transbordantes
tudo já está
no entanto nada lá
nada na caixa vazia
no baú velho
sem tampa sem fundo
no cubo sem lado
contudo lá esta dado
então me diga
não digo
quero ver
não verás
que farás então
te mostro
lá está
o germe
concebido
conceição
o coração do germe
lá está
de tudo que não vês
e dizes não
creio
que não
vejo
lá está
todo o tudo de nada
todo o nada de tudo
tudo e nada do todo
construto
feito
fato
a dança imóvel
da retas
danças
uma dança reta
imóvel
em silêncio
dança
no silêncio
dança
do silêncio
.
41
Nem nada ainda
estátuas antigas
do Nilo e costumes exóticos do Tigre e Eufrates
Amarelo
as páginas fogem sempre mais e mais dispersas
num crescente exponencial de quadros e sub-quadros
de sub-assuntos neo tudo de tudo
não são mais amarelas e crespas as páginas lisas
não correm suaves as mãos pelos tipos de último tipo
nem tipo são nem tipo têm
ainda não acabou Pessoa
as coisas fragmentam-se ainda com muito vigor
voltam muitas de muito longe
Fídias ou São Tomás não ouvem pelas leis dos vivos
não se olha a popa com a corrente para frente
e vento em popa
não se sabe até quando
viste no que deste(-nos) Verne e Vinci
criações e criaturas mirabolantes
requerem tempos e ventos não menos
mentes e mentos pensamentos tormentos
ciclos linhas .retas ou curvas ?quebradas? espirais. abertas
planos .planos ou curvos ?quebrados? retorcidos. ?fechados? abertos
espaços abertos ?fechados? .onde ...?
hiperespaços ?fechados?
ainda não acabará com um abracadabrá
não. Não acabou ainda Reis
volte ao seu passado e restaure seu espírito
ainda somos mais pobres de espírito
mais pobres ainda cada vez mais
recorremos à truques .abracadabra
o rol das idéias que vagam displicentemente originais
tem diminuído com os anos .serão dias daqui a pouco.
e desde a imagem desde pequeno muito pequeno o rol
de qualquer byte que se possa pensar
e ainda .de novo ainda. bem
que é luxo e moderno repetir
diz que era das sombras agora
quimera ainda está por vir
?que(m) era? agora
só intenso clarão . Não vejo nada
o certo é que um quinhão de tempos cada vez maior
dentro de um infinitesimal sempre centelha da centelha
do cada vez menor,
cabe .ponto.
mais ainda não está pronto .trocadilho fácil hein?.
numa efêmera matéria às vezes
outras numa efêmera energia
42
ambas. ambas efêmeras
por efêmeros instantes
dum impulso elétrico cabe
nada é impossível à matemática
nem aos impulsos elétricos dos neurônios
nem nada
o excesso de lucidez de Campos azucrina
bem mais que se poderia supor
e nós que a procuramos tanto
não cremos no que clamamos
um amor medieval é tudo o que peço
diante de tão poucos segundos
meus mestres malvados meus guias
são somente um punhado de elétrons
arremessados contra o vidro e já
daqui a pouco serão outras técnicas
estas sim sentem-se à vontade e multiplicam-se
sirva-se a todo momento passam à toda
?e o ciclo se for quando será calmaria? ?e se for calmaria?
pois os tempos infindos confinam-se em
infinitésimos de instantes
e nem a eternidade não cabe
nem nada
só
C
a
e
i
r
o
43
Febres
∞
44
nada
assemelha-se ao pensamento
de onde plana esta chuva
por cair
do ar no ar
filtrado de nuvens
por onde passam os ventos
no alto
de onde se vê
o baixo
plano
transversal
nada é igual
ao sentimento
aonde vêm estes tormentos
desatentos
de planos
e altiplanos
onde não vêem:
nada é igual
ao igual
filtrado em nuvens
transversais
nas quais caminham
ancestrais
nos vigiando
esperando-nos
espreitando
e rodeando
até
se revelar
em rondilhadas
rendilhadas
águas
pluviais
enfim as nuvens!
verticais
na lagoa agora
e o corpo
horizontais
nada é
igual
ao desfalecimento
45
não há morte que caiba num sentimento sem dor
e o que pesa em mim agora
é todo o peso deste mundo
que carrego como o Cristo o carregou e como
o vem agora some como some o ar
da boca e da narina do velho
não quero copiar instante algum de alguém
apenas vem-me este velho além
que me diz tudo quanto quisera ouvir
mas quando acordo deste sono que me vai
esqueço tudo
e tudo volve novamente à coisa esparramada
como meus resfriados pés nus no chão frio da noite
chuvosa
como a chuva corre na rua e vai para as poças
derramando-se na rua e agitando-se
parando embaixo do nariz grosso e rude do velho sábio
sol pairando e rua e água nasceram a muito
e a pouco e são eterna-efêmeras para ser
banhadas pelo sol
meditando
agora é tudo escuro
porque agora é tudo claro
e me vai todo o pulso do impulso inexpulsável
não mais
respirar somente
culpa de pecados cometidos acumulados por anos e anos
não passados, repassados, repisados e revitalizados
46
o som não diz nada agora
retomada de vogais pela posterior vocálica mágica
e nem a mágica me salva
o que a feitiçaria me condenou
47
EFÁTICA SEM FUNCION SINCTÁTICA MORTO-
LÓGICA SEMMÂNTICA dor no curaçao
petreco. peteco de carne empetecado
e pátria minha nas asas da barbuleta
nas usas das currupetas
sugando chupeitas
as véiz é preciso
idéas rápidas
sono
baba
48
Refúgio Romântico
O Fantasma
49
Mesmo em dia, trevas. Em noturnas serras,
Iluminura que vaza o dia num espasmo.
O Monstro
aquele que vê
apesar de seus aguçados sentidos
apenas O pede para ser
um asno pássaro ou galho ressequido
diante da inexorabilidade que toma
e arrebata e cega o agudo faro
distante estando perto indoma
véu de prata plácido antes que farol
clarão que cega bruma que revela e enforma
e que deforma como a olhos o sol
aquele que o viu vil herético retorna
animalesco à relva e espinhos sem amparo
50
como fugir da tristeza em fogo brando
e calcinadas alegrias (?)
se aquele arrebatado
ávido revela-se por ver
e por revelação
pois este está velando os mortos
sozinho, na noite escura e amedrontado
à espera em si de outro ser
mais ou menos são
que saiba a língua dos vermes entre dentes e gengivas decompostos
O Louco
II. Náusea
51
Onde mora o motivo de altares.
Ó torre celestial, suportemos o mal!
III
dor e desesperança
IV
o ancião me espera
curvado sobre a mesa
no alto da torre e a pena
que empunha descreve na vida
as vidas sofridas pena fria
não sabes das penas da vida
nem do seu rubor
há um perfume
embora não sinta
e há cores
vivas!
embora pareçam mortas
há calor
mas não está quente e embora não haja
mais frio nos ossos
não há ossos! nas faces crianças
nem mais espanto há
nos anciãos do alto da torre
no alto da torre
não há
52
V. Nojo
a vida é só o mar
e o mar uma mera ilusão
a ilusão é um caco de merda que cai pelo ar
e o ar nos falta na viração
53
VI. Névoa
54
Mas o mais duro dess’ida
é o frio que ela faz
o frio dos lábios que foram
o frio n’alma que fica
seu beijo pálido de rotina
seu gosto mórbido de ferida
gélida face da sina
que ela traz, que nos mostra
e se faz enfim.
55
a morte
para quem morre
é como o amor
meu caro Drummond
para quem ama
a morte
no instante da morte
é um corte
e no instante do corte
o gosto
do gozo
no instante do gozo
a gosma
num ácido instante
e numenal semblante
como a rosa
aberta instantânea
na tênue eterna
névoa fragrante
no ar
a dama consorte
a lavar
e amar nossa sorte
a planar
aspirar expirar
um acorde
da sonata espiral
56
Anteteorema
Corolário
57
Degredo
(poemas da maturidade)
58
Devaneios
I
Josarrá
quem dera ter do mundo
o silêncio que necessitas agora
em que sentes sede de contemplar
e o teu semblante
destemido a pairar
mal recobre o que descobre ao bulir
em tais sonhos que tens teu olhar
teu olhar, teu pobre olhar
josarrá, mas
há um cheiro negro no ar
que colore teus sonhos meninos
e redescobres a cada olhar
nos teus cantos, lugares, teu lar
que enraíza o alicerce da casa
e se espalha aos vãos de teu chão
teu piso, e sobes enfim por teus móveis
alcançando por fim teu telhado
tuas vigas de cheiro ocreado
tuas teias de aranha que vem e que vão
não em vão tua vida emaranha
tantos casos de casa encantada
pelo vão das paredes caminham
caminham tanto e não chegam a lugar
que luares tu queres panhar
josarrá? não te notas, não queres notar
não deves, não podes voar
por teares tecidos de ar
não deves negar tuas cores
teu manto, teus tantos encantos
de uma cor que de cores te enche
solta o pranto que queres chorar e diz
josarrá, diz que o cheiro permeia o ar
que vem de tão longe e tanto tempo a jorrar
e deságua num rompante de dor
desnorteia o poente do sol que brotas
agora em teu sonhar
tua solidão, josarrá
teu amar.
59
II
60
III
61
será mesmo, josarrá
tanta esperança da cor de amargura
em que se debate teu corpo incontente
pois te olhas e olha à tua volta
e sentirá todo o som desta brisa
batendo em tua face
lhe chama
vem josarrá, que vou te levar aonde
nunca sonhares ir, vou te mostrar
aquilo que nem os sonhos ousaram
basta que apenas te deixe sentir
meu enlace em teu corpo envolver
todo gozo de ter o meu colo e
navegas por mim que navego por mares
além. além de qualquer sensação de qualquer
imaginar. josarrá
A chama em que ardes não vai
se apagar josarrá tu não vês
que és quem consome não és consumido
é voto vencido tua voz da razão
e fato consumado tua vez na paixão
se não há nada que possa fazer
não há nada que possa querer
só de fé hei de me ater
matar este tolo ateísmo
e voltar a esperar salvação
que me salves de vida pagã
que me deixe o quereres bem são
não lhes falo de fato algum
nem relato estares tampouco
só lhes peço o que é fácil a tantos
e me negas desejo assim
sem nem menos ouvir meu sofrer
não, josarrá. nada te nego
apenas cumpro o que se quis que cumprisse
não há sentimento não nobre
e tu sabes que és feliz assim
que é só este desejo sem prumo
de estar quem não és quem não crê
o atormento de que não te libertas
sabes que meu levar é liberdade
e tens medo de a ter por caminhos
onde a poeira vermelha e espessa da
estrada carrega a dúvida de atordoar
teu olhar. e se embrenhas a cada
alvorada em aventuras por selva encantada
sem que saibas como se acaba
a longa caminhada que teu
ser inteiro e completo agora te impõe
e tu rezas agora por paz? josarrá
62
Cantos de Jerá
Canto Primeiro
Canto Segundo
Dormênia
63
quisera nobre e certa a honra
quimera
quem erra sem reparo vaga
pela terra de Vaz Guerra errante
pelos campos áridos de Amárgada
apodrecendo a pele nos pântanos negros da Ermídia.
Patre
64
A Cidade
Morada da escuridade
Outro e si deste ser mundo
Este ser de mil verdades
Sem margens face sem fundo
65
A Rua
sombrio o fronte
sóbrio caminhar
sobre pedras esquadrinhadas
sobe a rua enevoada
sob sereno emadrugado
divagando em canto só
66
A Casa
67
nunca experimentara
Bonfim me convidando a entrar
— mais tarde Bonfim mais tarde —
reza por mim que adentro que a casa
abriga ainda com aconchego do vento
novamente o silêncio acalento
no centro do tempo cá dentro
um resmungo sussurro — reza por mim Bonfim —
mais baixo — reza por mim.
68
e este piso brilhoso cumprimentou-me:
— Esperança bem vinda seja Esperança à casa tua
e suas formas geoma-interceptas guiaram-me
no fulgor da existência por caminhos
suntuosos sem suas agruras que hoje lhes ponho
— tanto tempo não encero estes ladrilhos amigos
depois o cimento fosco me esperava e
Esperança não era mais a mesma
mas mesmo assim Esperança
cheirando a suor enrozado
enrozal não era mais a mesma Esperança
a rosa Esperança
— Já vou! já vou! estou no meio da sala já
que sala enorme Esperança
este quarto a direita por quê não dormes aqui
e abandona este quarto apertado
entre o fundo da casa e não tendes conforto sequer
à noite. que fazes à noite assim?
— este quarto tem cheiro a jasmim
seu ar cor de alegria
não me convida mais a voar
por entre alvos lençóis em lirismo
lembranças saudades apenas
agora seus ares se mostram imersos
da imensidão do mar em mergulho
adentro e de sal d’água do mar
ardem meus olhos imersos. Olho-o assim hoje
assim à noite velas apenas me bastam
e assim não dou um passo sequer
nem me alevanto e me recolho em seguida
cômodo assim este cômodo assim jasmim
69
— Meu Deus criatura. Já não basta? Não bata tão forte à porta
que a casa treme e as telhas caem sobre nossas
cabeças já alvas já frágeis
já chego já. Dê mais um tempo apenas a este
corpo velho entrevado
quem tu conheces tão impaciente
que não espera Esperança?
— Leio clássicos sobre o leito e me deito
sob a música de Wagner
mas a memória anda fraca e as vezes
Tristão é Romeu e Julieta Isolda
quando não Vênus
me embaralham os clássicos
O clima anda frio e já não leio
Euclides, já gostei de Euclides muito de Euclides
mas leio quase só agora Platão
é uma leitura propícia para os meus fins
de entremeios e angústias
70
defronte a casa escura e alta
o fronte que estava ao meio
no meio da rua entremeio
ao silêncio da aurora da meia noite
observou a casa da base ao alto
parecendo-lhe intangível o cume angulado
a última e negra telha do telhado
mas não era reto o ângulo seu topo
afastava-se vertical e horizontal
mente doíam-lhe os olhos na fronte
não estavam cegos ainda latentes
de modo algum porventura contentes
moldava-se à frente o ar convexo
afastando os extremo da casa
afastavam-se janelas e portas
nuances: suave e sóbria mente
aurora das cores frias prenúncio
das longas horas que espera Aurora
das cores quentes de outrora
quem foste você que tiraste tirana?
as cores quentes da Aurora
que clama aurora de outrora são longas as horas
de espera o quem vem do horizonte
numa tarde o que emerge se vai
embora com ar de triunfo mas
nasce renasce parece que no entanto perece
agora.
71
Lunar
Subi a escada
decantada de ladrilhos pétreos
comunguei ao pé da igreja velha
um olhar para trás
a cidade nebulosa viva
sem alma viva que se mova
a esta hora desta noite
se movia a ouvia seu respirar vivaz
eu a revia idosa revivia idade
me movia
em direção ao templo queria ver em tempo
o que escondia densas ásperas pesadas paredes
dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizam
as dobras do tecido duro frio não vaticina o vento
arrepio sem pensar se move rumo à quina
o mar revolto se revela vento revolvia olhar e via
olhar o mar quebrar em branco
silêncio ao mar
a voz
à voz volver o olhar daquela
alva voz tenaz olhar fugaz contemplar
todos os anos passados naquele ato inato
um estender a mão
um entender de fato a falta
vestida pelo manto escuro véu cobrindo lisos talos
que se deslizam aéreos pela alva tece
o mar medita algo
mar
72
Solar
Os atos passados presentes na memória
Todos os tudos que correram em tuas faces inchadas
faces cansadas as duras gotas cristais que escorriam
poro ante poro
poço ante poço
fosso ante fosso
fosse antes fosse rios temporários
tempos errários
um pequeno sorriso brotou dos teus rios
tu rias, rias sem parar em meio ao mergulho
dos rios
no mar
martírios, um mar em ti brotou dos teus lábios
um bando de mergulhões planários
planou o teu lago cristal
as flores verdes claras refolharam o jabuticabal cansado
nasceram flores
formaram frutos doces dos entrelaces
verdes marrons da tua luz solar por entre os verdores do mar
as tuas lágrimas
teu sangue da tua face branca
o teu sangue branco
a tua face rósea face alva
alvores do verdal sem fim
o mar se estende ao longo, longo, longe mar
o teu sorriso azul
de um azul infinito
o mais doce e quente azul do mar azul sem mim
a tua face almar
tua face amar
a tua
face
mar
73
Sol Lunar
74
lumiar
luzirar
ludiar
a luz noturna mais clara dos claros
raios de sol raiar
a noite mais lúcida luz linear
delinear a mais recôndita linha lunar
da noite leve noite do ar planar
de uma lucidez inebriante
da lucidez embriagante do mais puro ver
puro ser puro ter puro estar
e ser a noite luminosa
a íris pura da noite
pura pálpebra noite dura
mil noites na noite escura
noite do luar de sol verdal
75
Bosque
o bosque paira sobre a cabeça
ouvindo o farfalhar das folhas
batendo umas nas outras em polvorosa ao vento
o bosque verde de farfalhar macio
e o vento frio caminha por entre altas árvores
penetrando as trilhas de encontro ao dono
de passos marcados marca-passos
o farfalhar das folhas verdes exalando vidas
batendo uma nas outras trilhando o vento
lá do alto cá embaixo
folhas secas novas e uno sumo solo já
pisam os pés compassados
transportam um’alma sinta
dessincronizada ao passo presente
sintoníaco ao passado a alma em lança
entrelaçando-se ao mar orgânico circundante
bebendo a seiva pulsante vigorosa
o sumo d’essência d’alma
enlaça a alma e um instante
centelha do momento
emana d’alma entormecida
a calma carma d’alma enaltecida
76
A Caverna
II
se volta à si mesma
ou mesmo a nada
a espreita de sua mesmice
parada e calada amorfa e sinuosa
lhe beijam águas que cavam
e nada trazem, que não o vazio.
77
A caverna se solta em si mesma
não há perguntas
e não fossem luzes plásticas
e metálicas, químicas e físicas
máquinas, não viveria
não haveria cores vida não haveria.
III
78
IV
79
O tronco
à deriva no rio
um tronco a navegar
por ilhas e galhos secos
tronco apodrecido a dissolver-se
n’água suja deste rio
que o sorve calmamente
e o tronco complacente
olha o rio calmamente
quando a última loucura se vai
e o desespero, último e decomposto
se transforma em lúcida apatia
se dilui tronco em rio lentamente
80
são os cantos antigos dos pássaros
e mais velhos dos rios
com o cantar silencioso da relva
interrompido, as vezes e sempre
pelo sopro jocoso do nada: vento
esta melancólica música perseguinte
81
o que vem em outro tempo veio
e se virá inexorável tristemente
e se por um acaso qualquer ou qualquer causa final
porventura romper o círculo ou espiral
tristemente vagaremos a tristeza
no ar em águas ou túneis tristes e terrenos
82
Rio
83
tríade vinal
gatos
e telhas
e patos
nos lagos
na noite
reflexos
do luar
insetos
e uivar
de cães na cidade
cio
tremula no fio
da noite
a conduzir
florires
e pássaros a zunir
reluzir de sol
na manhã
luzir
84
Autoarco
Os dias...
São sempre mais doloridos
Os guias
Mais diluídos
Sempre
As vias
Não mais as vias
Entre meu caro amigo
Para a noite de nevoeiros
E lua nova
Amanhã será um novo dia
Velho, de lua nova
Quem sois tu que me acolhes?
Sóis!
Este, outro ente meditativo
85
Este: outro ponto além
De horizontes e mares
Uma montanha paira no infinito
Desertos à volta, altares
Acima dos seres, vivo
Ninguém, ninguém.
Sedes.
Ofício! Ofício!
Vício obstinado
Não cria, descria ou destrói
Não constrói ou desconstrói
Sedimenta, desliza: evapora
Cai. E vai embora
Inexpressivo, corrói
As mãos do mineiro
Ouro? Sal, cal.
86
Eternal
87
Átimo
88
breves. vapores
de carnes, presença e cantares
leves
constância de estares
reconstruo
o não construído e refaço
novamente
o que está diluído em tempo
nova alma e novos corpos e espaços
novos
saudades
do que veio e que não
traço uma cidade que se levanta em tato
e me refaço em canto
89
embora como pluma
que plana o ar devagar
embora como perfume
que se esvanece no ar
embora com ar de cantar
da maneira que passam as horas
você foi embora
embora ficaste
90
Soneto
Gosto de sal na boca, gosto de cal nas mãos machucadas, gosto de nau
Que foi, contigo, que fizeste neste mar, que fora deste mar que fizeste?
Posto que foi um instante inconstante e castigo: um sopro de vento no mar
II
III
91
Passa um vento fino
Um vento e um desatino
Uma lua cor de prata
Escurece e se mostra lata
IV
Ou fugir para
O fundo do poço
Fingir bela e rara
A tristeza rasa do moço
92
E vai caminhando, ou correndo, não se sabe. Não se sente
Transcende apenas, olhando as flores e folhas caídas. Caídas
No chão e novamente a praça se inunda de graça e dorme, dormente
VI
18/09/95
93
Alegre é que tudo flui. O rio
pingos e colunas que se abraçam
triste tudo
mero truque
inversão talento invertido
invenção invertida
diabólico
como tudo vai
todos vão todos frutos foram
intrigante
como tudo flui desconcertante
doravante tudo se reflui
ao menos
tudo frui
e como tudo flui tudo fui
94
Guardas um templo sagrado e eterno oculto no findo tempo
Almar que se elanceia ao salvar se ausente o enlevo
Fazer-se água e fogo saciante torturar nos calmos mares do relevo
Frio revelar de vento frio a extinguir exígua chama ao relento
Incompreendidas de si mesmas
Até o amálgama fazer-se em tempo
Eterno templo e chama eterna em movimento
95
Meditações
ser tudo
nada ser
ser só
não ser
96
Self
Lá estou eu.
Eu, refletido em sombras múltiplas
de mim.
Eu entre as luzes
e as trevas.
Quem sou eu?
Lá vou eu,
parado,
envolto em mim,
contendo um outro
que não sou eu.
Que não sou eu?
Eu esfrangalhado
revolvendo-me sob a lápide
no quintal,
pomar de cruzes.
Eu uno
monolítico pairando
o alpendre,
apêndice de mim.
Aquele eu
lodo
surgindo do negro lodo.
Ressurgido iluminado,
amorfo, sinuoso,
inusitado.
Este eu delimitado
lúcido sombrio
cristal metalizado.
Eu, ideal
imune
à putrefação dos vermes,
à doce aromas matinais,
desnudando o ilimitado.
Eu paradoxal
mente coerente
monal
em atrito entre dez
acordados eu(s).
97
The Self
98
My Self
Fluentes
buscante o além
da dor da contemplação
da vida que contém
este não sei que buscar
rebuscado em que jogo
o obus sem precisão
não amém
Forjas
99
só não sabe quem a toca
fazendo-a estremecer-se
de prazer? ou de dor? como em sal
uma lesma
Flutuantes
100
Meditou com castos lumes
Lumiou-se a tristandade
Se levantou una infindas cruzes
Foi das lanças dos soldados
Foi das danças do ocaso
Foi mais um lance de dados (?)
101
Ave Maria das Cinzas
102
canto noturno na igreja vazia
uma Ave Maria não cantada
jamais pelos de hoje em dia
a uma adorada Maria desencantada
lacrimejando sangue na torre esguia
da igreja velha abandonada
no triste ocaso do dia
103
Interlúdio
(poemas da maturidade)
104
Ambos
Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude da pedra, concentrando
No entanto, na alma, convulsões de guerra!
(Cruz e Souza)
105
Poema direto
(lamentações caudalosas: muito sentimentalmente)
106
Cantos do esquecimento
Tudo no esquecimento se adelgaça...
E nas zonas de tudo
Nas canduras de tudo, extremo, passa
Certo mistério mudo
(Cruz e Souza)
Triste
como triste está um pássaro
que não quer alçar um vôo
no vazio
e o que lhe resta
o vazio
preenchido de vôos outros mais audazes
mas este pássaro não que ser audaz
não quer, em verdade, nesta hora, pensar em vôos nunca mais
nem na sua tristeza que vem fraca
e persistente
este pássaro retoma aqueles pássaros primeiros que já foi
e vê
o que?
o vazio a voar
mas ele não quer voar como tantos pássaros
e dá voltas em volta de seu ninho
queria chorar o pássaro
de tédio tristeza ou nostalgia
mas o pássaro
não sabe nem
donde vem o ninho em que se aquieta olhando o vazio
e os outros pássaros fantasmas
dos quais não se livra
livre no vazio para alçar
aqueles primeiros vôos imperfeitos sem saber
que era
voar
pássaro inútil ilusão
do passado transpassado
de vôos inúteis
densos em suas leves penas soltas
sem
chegar a nada que comporte
este pássaro não deseja apre(e)nder(se) e apenas quer
sobrevoar o claro ar à luz do sol
e ver calçadas e gramas
indefinidas construções desconhecidas
conhecidas a sorrir-lhe em doces águas vivas
nas varandas e voltar sempre ao mesmo lugar de pássaro
107
este pássaro que contemplar
templos
nas alturas das alturas e saltar
numa queda brusca no avelã
do esverdecer das sete dores d'algum quintal em flores
sem o amargor d’alguma dor
que vier
por ventura
a ave cantar n’algum qualquer, fatal e certo mergulhar
cego em algum
claror tão forte, tão forte
o que resta e restará do inadiável aportar nesta fogueira
ainda por vir desconhecida e pressentida
por este pássaro sem frescor e fatigado
conhecedor e temedor da infalível
comoção triste engolida?
que pássaro passará no próximo ventar dentro do impermanente
[pássaro que não se sabe?
II
108
cinza cor
a tempestade que chega é da cor dos teus olhos
castanhos
(R. Russo)
109
coisa nenhuma não sobe
nem desce nesta chama fria
que nada acende e permanece
sem nada saber que emudece
a voz que a chama
na noite lenta desaparece
e tudo dorme, tudo torna
ao espectro constante da cor uniforme
110
A aldeia
e que dizer das ruas
de tráfego intenso e da circulação do dinheiro
e das mercadorias
desigual segundo o bairro e a classe, e da
rotação do capital
mais lenta nos legumes
mais rápida no setor industrial
(F. Gullar)
111
Poslúdio em dó menor
(sobre base de Bandeira)
112
Vagando
amo esta sem alma
construo nosso encanto
de amar ignorado
Do amar que um dia devorado
pela necessitada de almas
desama desalmado
na perfeita união do nada
com o nada tornado.
Toma-se assim
nas surpresas dos vagares
gosto de nadar
sobre o nada para nada
desejando a intocada
adivinhando-lhe a face
e imaginando seus ardores
nas dores que nos causa
temor: profundo amor
que sentimos pela amada.
113
Terras fluidas
Uma vez que esté bien fria, arrojala com fuerza
contra esos ojos fijos que te contemplam desde que naciste.
(O. Paz )
quebrar
todas as correntes
pelas paixões
que as fundem todas
que as findam todas
transfigurando
o frio metal
do vil prisioneiro
em lava fervente
de vulcão furioso
e as lavas cuspidas
pelo vento esculpidas
em forma’indecisas
fractais caóticas
aninham troncos
tortuosos vales
fundos rios
revoltosos
esquecidos como nuvens
de moradas celestes
114
O servo
só descrevo aquilo que vejo
aquilo que vem a mim
aquilo que fala em mim
e quando quis
falar com o vento que canta
com o amorfo fantasma
com a abrupta erupção
jorro incontrolável
de lavas
incontornáveis
115
Em vento
Leve é o pássaro
E a fuga invisível
do amargo presente,
mais leve
(C. Meireles)
Cantigas de lamento,
não do passar do vento,
não de seu passamento,
mas deste seu cantar,
música de voar
à toa no vento.
116
Prosa fixa
(de um aprendiz de medidas)
A Fortaleza
A Árvore
117
Resta ainda o tênue cântico de um pássaro
Que pousa e ecoa o bálsamo do bálsamo.
Motivos da Árvore
II
118
III
O doido
119
Cavaleiros de Machado
eu os vejo agora
um, nado, gélido pairando amargo
outro correndo morrente nas ruas
desembestado
e aquele a respirar sombrio as suas dores
sem deus
sem outro
e seu eu
oh! antiquixotes
a vomitar mundo
na nossa ilusão
120
vela que o vento leva e que o vento come
vela suspensa no ar e no escuro mar
vela que voa ao longo do horizonte
vela que incendeia por sobre o monte
vela do desatino do aventureiro
vela que voga a lua na noite cheia
vela inflada de uma lufada
vela inflamável no fim do olhar
vela que vela a luz do plenilúnio
vela da tua vala
vela velha comadre de um sino
vela entre deus e meus olhos
vela que me leva
vela que me lava do escuro breu
vela vento que passou
vela luz que enluou
vela vala de minh’alma
valo do meu corpo
morto
caravela da vida
tênue vela ao vento
ao sopro do vento
que a voa
que apaga
121
A esmo
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?
(Jorge de Lima)
122
A taça vazia no azulejo
O óbvio grampeador de boca aberta
Nada une os objetos sem desejo
Nada beija o pó d’almas desertas
123
Gruta enorme entranha sou do vosso
Silêncio ermo escravo e mensageiro,
Grito a luz e o grito que não posso
Eu calo, ante a baba do teu beijo.
124
El degredo
Merece lo que sueñas.
(O. Paz)
Tu és a luz da alvorada
Que rebenta na amplidão.
Eu a gota pendurada
Na trepadeira curva do sertão.
Ah! brilha, brilha, a sorte cumprirei:
Cintilarei
(F. Varela)
Sertão azulado
Serra ao fim do quadro
Terra do ignorado
Campina imensa
Morro no meio
Vento sem freio
Sol de nascença
Capim capoeira
Fogo na esteira
Chão de carvão
Renasce o sertão
Pau torto
Meio morto
Na curva
Meio turva
Do horizonte
Sem monte
No meio
Sem esteio
Que o céu
Branco-azul
Vidro-véu
No corpo
Nu quase morto
Cai
E cobre e descobre
Vai
Recobre o teu porto
E mar
Arbusto
Ar bruto
No meio do mar de brasa
Fornalha
Mortalha
125
Do orvalho da madrugada
Ainda vivo
Esta manhã
Na beira da estrada
Revivo
— Mente sã
Juro — a noite estrelada
O orvalho
Do galho
A gota ressuscitada
As mesmas
Moléculas
Molecam na minha aguada
Cabeça
Flui léguas
Fui léguas por minha amada
Gotícula
Retícula
Transparente entre o nada
e o mundo
e eu
Ei-la: capa transpassada
o breu
eu unto
em luz-água cintilada
Eu orvalho da manhã
Fundo o sol na água
Sem que o sol se apague
Sem que se desfaça a água
Eu orvalho a árvore
Fundo o sol nos galhos
Afundo no céu raízes
Profundas do pé de orvalho
Caídas e subidas
Nunca definitivas
Nunca teias aéreas
Nunca garras férreas
E sempre apodrecendo
Perdendo-se pro vento
126
Eu orvalho os olhos
Quando não tenho olhos
Quando sou só escolhos
Quando eu sou só
Eu sou sol
Sou orvalho
No galho sem medida
Sem simetria
Pois que uno o múltiplo no galho
Da árvore desferida
Contra a vida — da árvore da vida
esta vida fácil
e sempre doída e ressentida esta vida
repetitiva
cheia de fugazes
cheia de cheios — relâmpagos
vazia
esta vida cheia de adjetivos
vazia deles
esta vida contida — contada
esta vida explosiva — vivida
esta vida vida
127
Desterro
128
A Gulla
129
sobre si mesmo
— nado
sobre si mesmo —
e deste grito cheio de corpo
e olho e faro e orelha
cheio de língua emerge
atonal
desengonçada geringonça
besta grotesca
o caos ruflado do longe
o oco o eco do caos na lira báquica
no concentrar-se esfacelar-se
no esvaziar-se em plenitude
surja suja cidade homem
130
Aspirar
131
leite puro leito impuro
leito pleno leito plano
leite amplo leito estreito
divino leite leito profano
entre o teu leite e o teu leito
me deito no desamparo
no teu jeito de me deixar sol
de me deixar sou
só no descampado
desta luz tua: lua
132
Espirais
Desceu à pátria obscura
em que não se procura
alguém na sombra espessa
e onde sombras são evas
e onde ninguém começa
mas tudo acaba em trevas
(J. Lima)
Jaiara o etéreo
a circunavegar
nosso pequeno spaço
nosso imenso mistério
nossa adaga de aço
nosso contínuo braço
que indago e nunca enlaço
enlaçado de cemitério
templo sempre, aéreo
tempo sempre etéreo
tempo maior — Mystéreo
133
menos que o amor
menos que dor
menos
que um compor
se imenso e maior
maior que qualquer matéria
que qualquer matéria etérea
etérea nuvem eterna
no eterno condensar
se sempre a dissipar
se
134
antes de afundarmos
no sempre antes apavorante
e no entanto
por isso mesmo Jaiara
na tangência de duas ondas
num insignificante ponto
num instante insigne-ficante
numa quimera cintilante
somos todos os circundeantes
no máximo luzirar
135
Expirar
a Drummond
136
um nunca constante o leva
ao não ser sempre e obscuro,
ao não ser nunca rompido,
ao brilhar nunca estampido,
à nunca erupção,
a não ser a de lava escura que reverbera
sua luz negra além da cratera.
Ainda menos
menos que o vazio
menos que um gole da ar
menos ainda que o vácuo
menos que nada
tão menos que o último menos
— nem menos ao infinito —
não aprisionará
137
Tentativa de Norte
138
vinha
um copo de vinho
caminho livre linha
viva
este livro sina
139
todos queremos conquistar os índios
os bandeirantes os massacraram
fazendeiros escravizaram seus guerreiros
deserdados de nossa civilização contaminaram as aldeias
pastores roubaram sua alma
e provocaram a ira de seus deuses
educaram alguns alguns educadores
degredados ei-los por homens feios e sujos
e maus
e pobres atrás do metal
poetas extirparam sua humanidade
e romancistas sua identidade
cientistas decomporam seu misticismo
desmentido
indianistas pregam intocá-los
conservá-los
em limão formol ou vácuo?
mamífero em extinção catalogaram ecologistas
por fim os próprios índios entregaram-se
confusos
à miséria e ao dinheiro
prostituíram suas mulheres por pinga
e decidiram pôr fim à sua própria vida
denotativa
mas o pajé
velho
desdentado e fedorento
olha-me
fixamente
nos olhos
140
jogou Jaiara
na garupa de um corcel imaginário
e partiu
para o norte dos sonhos
à procura da manhã — Jaiara nua
— a rota desvairou faz-se por si mesma
como fez-se este corcel
metal agora
como os olhos de Jaiara
letal agora
na noite pantanosa
141
cortar a distância da ilusão
por esta metáfora
cortar
o paradoxo da metáfora
pelo milagre
de existirmos todos os dias
precários
e conturbados
cortar a estrada asfáltica
pelos buracos da montanha
cortar os cabelos de Jaiara
para conquistá-la pela falta
cortar as unhas
cortar os sonhos
a carne
142
deixar o vento frio
pelas roupas finas
penetrar nos poros
e fechar nossos olhos
para vermos o mito
olvido na música do vento
que o corcel provoca
fendendo o ar imóvel
é noite
mas vejo o pássaro passar
nas barbas do sol
um espetáculo admirável
— como os adjetivos são inúteis ao sol —
que passa-nos todos
em sua velocidade imóvel
o vento entende os halos de sol
e ambos impregnam-nos
mas não converso com eles
a não ser no interior de minha igreja
Jaiara
nós atravessamos a linha da cidade
rompemos a fronteira do possível
e nossa viagem não volta
adentramos no vento
e ele não perdoa
o frio nos consumirá
se não consumarmos sol e lua
ambos e agora
poro
contra poro
143
Jaiara sonha
no vácuo
a sua infância ideal
porque Jaiara não tem sonhos reais
nem infância de sol
aonde voltar
suspensa no ar
induisticamente
com sua veste indiana
de índia
Jaiara idílica
medita onírica
o sorriso impossível
contra o vácuo
visceral
une
o demônio que sou
na igreja que é
144
Josarrá cavalga Jaiara em pelo
Josarrá naufraga no lago calmo de Jaiara
Josarrá se estraçalha nas pedras e correntes Jaiara
Josarrá emudece na voz Jaiara
o pajé observa
imperturbável
nada pensa
o imóvel pajé
145
Jaiara chora
Jaiara muda
namora o chão
Jaiara paga
pecados e perversidades
que não cometeu
Jaiara triste
descobre-se dor
Jaiara resiste?
Jaiara desiste?
Jaiara implora
Jaiara chora
até esgotarem-se as lágrimas
depois Jaiara chora
sangue até o sangue esgotar
aí Jaiara chora a alma
mas a alma não se esgota
146
a música vital
transcorre na arritmia
da viola incontrolável
e sua báquica melodia
embriaga as razões
na harmonia do caos
paramos um instante
para ouvirmos em agonia
nossa base indissolúvel
de constância tênue
e renitente
e grave
147
usar a matéria do instante
usar o tempo ínfimo da gota
construir a vida no relâmpago
no vôo do pássaro exercer a eternidade
que cabe a cada um
em cada um
148
para R. Russo
aquele
que amou a tempestade
fez do relâmpago sua vida
e do trovão a sua voz
este aceitou calmamente
a noite furiosa
em que ela veio lhe cobrar
as águas de seu amor
salgadas águas
149
a fronteira de Jaiara-Orquídea e Jaiara-Serpente
a fronteira das águas da confluência dos rios
a fronteira dos átomos da superfície e do ar
a fronteira do estado de origem com o outro
transcendamos todas as margens fluidas
para atingirmos o âmago da margem
rumo ao norte
marginal
150
00000001
flauta
en
terrada
falta em
canto
00000010
o pássaro
de alta voltagem
pousa no aço
estendido em malhas
00000011
pipa em pedaços
nos cabos de aço
por um fio
de vento
ziiu!
00000100
relance de entrelaces
da janela rápida
estação de torres carregadas
de vazio
e tensão
pão multiplicado
e vão
151
00000101
coração insalubre
00000110
lugares comuns
galpões nas ruas não
pisadas nunca
por teu salto
no futuro
escuro
beco sem saída
00000111
0001000
00001001
noite abando
nada
de asfalto
00001010
00001011
152
00001100
gravidez de concreto
e cloro
desertos es
tanques
00001101
malhas
negras viscosas pedregosas
00001110
tenta
cu
lares
malhas
duras sonoras luzidas
palmo
a
palmo
alma
a
alma
00001111
despoje
00010000
gire intuição
mil eixos arbitrários
a flor de verdes pétalas
quadradas
brotará
segundos de poesia
quadrada
153
00010001
00010010
azulejo quadriculado
cozinha cúbica
casa cubículo
— meu hipermetro, por favor...
00010011
00010100
triturado metro
refinado
sete cores simultâneas
de vertigens
00010101
sete vertigens
sete quedas
sete vidas volvidas
a pó
pelo pó das vertigens
00010110
pelo pó
traçado
destino
00010111
pelo pó desmitificado
pelo pó desmetrificado
pelo pó desmedido
154
00011000
corrói
o pó
o ar
das ventas
o pó corrói nas pétalas e telas
corrói talos de cimento
corrói os halos da sede
em nome do hipermilímetro
em forma
de necrose
e ácido
00011001
oxidam os pensamentos
seu beijo: ferrugem
a baba dos lábios fuligem
flor desidratada
artérias engarrafadas
garrafas vazias
00011010
00011011
desperta
dores oníricos
idílios sonorí
feros
os passos incontáveis
de delfina
incontrolável
155
00011100
pássaro n'antena
caco foneolítico
n'ondas engolido
neste mar vazio que marulha
em silêncio
sobre nossas cabeças
agora
00011101
mar transmudado
em canto
visões
ao toque
macio mar de espumas
e plumas planas
miragem plana
no pleno deserto
fractal 0
1
00011110
fractalizado sacramento
est'hóstia
hum bilhão de gigas
"em minha memória
minha carne"
ébrio rio de elétrons
e vinho
eu
caristia
frac
tal
co
munhão
00011111
ah! o pó
deus desordenado
inda alimenta
e baba
(farto e ácido)
suficiente instante de umidade
insuficiente
00100000
!átimo!átimo!átimo!
!mais átimo!
156
00100001
00100010
00100011
adentrando candidamente
tenazmente no olhar inocente
no atento escutar infante
dos xuxuzinhos angelicais
rebentos
furúnculos neurais
00100100
00100101
00100110
00100111
ser de perebas
157
00101000
00101001
00101010
00101011
00101100
00101101
00101110
158
00101111
comadre do pó
00110000
o pó apenas
apenas pó
ma(i)s camadas e camadas
ma(i)s camadas entrelaçadas
ma(i)s camadas de asfalto
o Pó
00110001
pereba-visco-podre
necessária assas
sina
00110010
Jupiri:
"como uma perebinha
agitada desse tanto?"
00110011
159
00110100
algo
ali flagrado com furor
sem frescor
00110101
rio
de elétrons ou
pig
mentos
logo outros rios
ti
fantasma sem mistério
plasma etéreo
00110110
00110111
00111000
agora falo
preparado de concreto
no movi
mento
exasperado
do aço
no cimento meca
nizado
graxa
borracha
vidro
celulose
— plana!
plana pomba
160
00111001
voa pomba
nacional
contemporânea
popular
rumo ao olho
vitri
ficado
00111010
00111011
00111100
ABCDE
sacolejam
ABCDE
des
troçam-se no saco
de bytes
recompõe-se numa ma
ssa
purulenta
informe uniforme
terraplanagem de perebas
tímpano adentro
00111101
parque temático
cidade temática
país temático
birruga temática mate
mática
mágica tour
161
00111110
pássaro em tensão
tenta o aço
perpassar
explode em um milhão
de watts
'stilhaços
tentação em cacos
00111111
eis
pássaro
estraçalha-se
na calçada
afunda-se
a norte
num
corcunda
papo
162
e os que um sucesso só tiveram?
os de uma única música
e depois
se decompuseram?
há os talentos lentos que aos poucos
se tecendo vão
e os que explodem sonoros retumbantes
transes e transas logo tragados
às reentrâncias das massas
de si mesmas esquecidas
tragédias em páginas
páginas em números
em algum ponto perdido da Europa
um ponto espera na fila pra ver
a Mona Lisa um Picasso Rembrant quem sabe
castelos retocados preservados visitados
num ponto bem mapeado da América um castelo
— mais verdadeiro —
cenográfico engole filas engorda gráficos engodo
os medievos castelos cujos duros muros
fazem crer ao ponto o mito
que ali dormita(ria)
mito oh! mito convertido
em contos estatísticos
o mito é um mito
a mentira de um bruxo de um milagroso um milhão
de vendidos livros
o mito é um susto no meio de algarismos
um cisma entre prédios a brita
sem mistério oculta
nesta coluna de concreto um dia
a ser demolida
numa savana da África um bando de branquelas
orientados por um preto caçam leões com Canons
e se deslumbram com a paisagem (pretos inclusos)
uma sueca idealista espera com tédio em seu país que vença
o tempo em que deve ficar fora
até que dê a hora de voltar ao seu querido
país subdesenvolvido
uma mulher moderna bonita e liberta
faz mestrado na USP
enquanto o mercado aperta
e se fecha uma vaga uma saga
uma vaga conquistada de medicina
é uma festa
uma fresta aberta pelo mecanismo furador
do qual
o congratulado (sua cabeça)
constitui a ponta de diamante a girar contra o concreto armado de Hermes
os pegas
quase como o esperma que se fundirá ao óvulo-USP fecundado
quase como um pau
no meio das pernas
de uma puta
explicitamente ovacionado por amigos familiares e vizinhos
invejado pelos amigos falsos e cobiçado por conas
investimentos de prazo mais longo e sob as bênçãos sacras e laicas
163
hai-kais
são lidos em cursos de meditação zen
patrocinados por patrões mais humanos
criando, quem sabe, padrões japoneses
ou cães (mais) criativos
uma vaga uma saga sofrida
vale cinco minutos de comoções num programa
de televisão
uma grama de comunhão
eletromagnética
um grupo de rock pop punk samba
em algum canto do globo canta e sonha
com o transe das multidões e a grana
qual deles Renato como tu
ousará
vender-se de alma e corpo
ao mecanismo da alegria e traí-lo
e tragado tombar ressequido ante a tensão insuportada
entre o buscado ex-existido olvido mito
e a faminta multidão extasiada?
cruza uma formiga o formidável caminho
à Compostela não a vejo na tela
e mal sabe ela o palco que pisa
mal sabe dos milhões de pontos acesos
por parcos minutos presos
comovidos à divina tour
mal sabe do muito custo
de poucos segundos
de quanta energia realocada
da área da poesia
ao campo
da tela quadrada
em nome de números guardados
ou gastos
quem sabe gráficos
alados
a alçar seu vôo preciso
sobre nossas almas de algarismos
agora
podres de acasos medidos
caminhamos sob um chão esquadrinhado
de um parque temático
cada susto e cada baque mesmo baco incontrolado
cabe
na alma virtual
de um banco de dados
menos o furúnculo
das frinchas deste parque
menos os perebas
que lhe brotam nas beiradas
menos as glebas
de grotas contaminadas
grotescas bordas putrefantes
do mecanismo virtual
vermes purulentos e constantes
devoram das entranhas a estranha
carne-vácuo visceral
a peidar miséria
164
um jornal — a Folha por exemplo —
tudo critica e notifica o avesso de tudo
do escudo da política tudo desvela
menos
o mecanismo que tudo calcula
a sua medula
nossa medusa
nossa musa
a mula
que nos puxa rumo à nula zona onde somos
mais uma soma sem assombro
menos que a sombra
do que sonhamos
que seríamos
quase ninguém se assombra
nem se assusta
nem se coça
ante a bosta que nos destroça
justamente porque ela não fede
a não ser aquela
cagada
por 78 vermes da beirada
lá no distante Piauí
nos distantes 60
e neste instante
nas eqüidistantes bordas de nós tão longe
quanto uma estrela de outra na galáxia
quanto o esperma das pernas daquela puta
quanto o elétron do centro de um átomo
ou a morte do cerne do átimo que a pare
antes esta bosta cheira a interiores que amamos tanto
shoppings carros zero coca e chocolate
do cu e da buceta vendidos em papéis
filmes fitas e outros suportes que surgirão
ao avanço das técnicas e outras técnicas
mais rentáveis de exposição ou encobrimento
sensual de nossas (agora limpas) entranhas
baixas
interiores que penetramos
não como numa caverna não
como numa taberna romântica não
como um esperma e seu alto risco
nem como um cisco nos olhos do malabarista
ou como um relâmpago risca
a carne da treva
e nos leva ao susto
abrupto
de uma luz em leva
súbita
no semblante em sombras
submerso
o ente entra plenamente controlado no organismo
desse mecanismo
probabilizado
até o acaso mais remoto de um instante
iluminado
165
quase não vemos a sombra fétida que nos banha a face
a bosta que nos arrebata
o rebanho de números podres engordando às custas daquilo
um dia
chamada
alma
não a quero de volta mapeada sei que não existe
não quero tampouco existir como um ponto no plano
não sou plano nem reta nem ponto e nem qualquer
objeto geométrico ou algébrico aplicado
ao concreto existir incontornável
não sei se sou canto prosa ou pranto
sei que resta um quase e quase nos salva
restam muitos no entanto — dito ou ocultos —
pra causar espanto
um átimo encanto
enquanto giram vândalos milhões de mecanismos
algarismando o corpo e seus sonhos
suas sanhas
seu suor
seu cheiro forte e animal não se amaina
quantas noites tardes e manhãs
serão precisas para a sorte do destino
ou para um desatino
repentino
nos romper
a calma
dor
precisa
em que dormimos?
166
o encanto é frágil Jaiara
como esta flor em tuas mãos
não pisque e
toque
a harpa que palpita
toque
teus dedos na rosa
pois as pétalas
perdem perfume
para a pele morta
e o teu sopro Jaiara
o toque do teu hálito
é vida!
167
Jaiara agora
precipitando-me ao fim da fábula
em tempo de indefinido
o livro a ele entrego
sem luz ar
em seu lugar
a invenção
que não tem chegar
Morfeu cristalizado
olho aflito para o Cristo
mas ele está calmo e quase
que sorri
outros a meu lado
ofertam-lhe epopéias
em que solo rijo e crespo
se assentam e se assustam
— ?são difusos in
ventos!
Morfeus!
tristes-maravilhados
olham no olho do Cristo
mas ele quase
que ri fraternalmente
plácido Morfeu
que sonha-se a si
lúcido Orfeu
que ao vinho embriagou
uno em Deus
Deus que em si volveu
e a todos nos sonhou
embriagou-nos
e volveu
naquela cena perdida
das horas
ao nada eterno
que fomos
sempre
168
Jaiara depois
de pegar-te nos braços
e dar-te um abraço
não sei se o laço
em que me embaraço
e que me embala
é servo da fala
deste que falo
ou escravo Jaiara
desde que falo
não sei o que falo
nem sei a que fados
destina-me a fada
muda
Jaiara partimos
eu e você
e este metal para o norte e para a noite
e tudo pára
ante o ciborg
composto de nós três: um desafiando a foice
e o coice do ar
que nos ceifa o ar
mas num cubo composto de sangue vísceras aço
tudo sugamos todos
sangramos sem dó
Jaiara a essência da rosa exalamos vide
contra os gritos horrendos
e o sangue escorrendo
comemos da noite para carregar o dia em nós
ao norte
169
do outro lado da fronteira
do muro
da outra margem do rio
do abismo
do lado de dentro do véu
das entranhas
depois das cadeias de serras
do arco-íris
das terras além do deserto
do mar
pergunto a Joén
— que guarda o além de quase tudo
quase mudo quase cego e quase surdo
mas que fareja bem nossos corpos
quase pútrefos —
— Onde está o norte?
meus gestos são graves
e meus movimentos
são qual uma prece
Jaiara observa
espero tudo
um milagre um mistério
um jogo mental
uma telepatia
e até Joén mudo
enigmaticamente mudo
como o sábio longínquo
mas Joén sorri oferece-me um gole de pinga
galhofa da minha roupa e do século XXI
da ausência de ácaro que ofende o olfato
e minuciosamente o mapa do norte me pinta
despede-se
despe-se
e deixa-nos
sós e três
no meio do lodo
170
o vazio do norte Jaiara
a monotonia das árvores quebrada
pela taba de Joén mandala
volvendo-se em si no tempo
do nada
filhos de Joén dançando
à nossa volta Jaiara
ao centro
o alimento de luz transfigurada
em entranhas
em transe nós
caindo no vazio pisando
tábuas de águas tentando
raízes aéreas do abismo
das águas da catadupa
de sóis barrancos aiara
araras em círculos
gritantes
à volta de nós
barro cósmico levado
lavado pelas águas
ferventes do rio ao norte
subindo margens de nuncas
171
Iara estás no menino
desde sempre estás
onde estarás?
onde procurarás?
onde acharás?
Iara estás no destino
Jaiara és sombra e destino
tino e sorte sino que me chama
chama que queima-me sina
que me ama
me arrasta com as lavas
repentinas de tuas águas
favas de tantos méis
água de tantos tonéis
ardentes serpentes flor
dor
e amor
tantas vezes tantas quantas
vezes forem
precisas as vezes
até vencerem o acaso de nós
que nos domina
nus
diante do caminho escaldante de sol
tarde estonteante de mim
Iara
manhã de hálito sol
manhã de perfumes e flores
jasmim
Iara de mim
172
Jaiara minha no lar
— Jaiara casa de minha casa —
Jaiara na linha do mar
— Jaiara fluido horizonte —
Jaiara nua no bar
— Jaiara lava minh'alma —
Jaiara solta no ar
— Jaiara ar —
173
velha eu e Jaiara
pedimos água teto e comida
perdemos o rumo do norte
onde fica depois desta noite?
estou só
na casa vazia
casa esfumaçada
de cachimbo do pajé
bafo de jacaré
sopra n'alvorada
174
jupiri chega na casa
da velha de passagem
— é o pajé?
"não
o pajé que tu vês
é o cumpade dele
que cunversa cum ele
e dessa cunversa
cê vê só o zóio
do pajé
acende uma vela pra são ninguém josarrá
mais num digo porquê não sei
nem sou mais..."
175
jupiri volta e fareja
"chegue menina a brisa
e o calor revela o olor
das tuas ventas de iansã
menina que chove cê mesma
alumiano os campo de josarrá
moiano os pasto dele
menina calada! doída de despencar
jupiri vai-se já
que a noite vai passá
bencôi meus fii adeus
vai no camim de deus
e não se esqueçam de horar"
176
o desnorteio não dá abrigo
mas é seu melhor amigo
eu pergunto e a resposta não vem
a pergunta é resposta também
vagueio este mundo sem beira
vague à borda derradeira
quanto mais mais é noite escura
o norte é a tua procura
177
não sei o que me espera
espera uma esfera
não sei que crescimento
o seu dissolvimento
não sei porque padeço
um dia esquecerá
não sei se rezo um terço
deus não ouvirá
não sei se o silêncio
deus vai estar lá
eu calo e nada vem
deus é nada também
178
que diabo de esfera?
é o chispe vaporoso
venha logo a esfera!
é de lava e doloroso
não atino desta esfera
não precisa só espera
espera... ânsia...
espera é busca na sua distância
179
"quantas noites jaiara passamos
tateando sem dormir
vagando no eterno ir
sem saber o que procuramos?"
180
"pois acha jupiri fii de alamão
e jupiá que o não norte não quer
se curar pela lama
segurar sua chama
como quem ama
e de Norte não carece
quem de si padece
quem a si parece
que à volta tudo perece
não sabe o que esquece
tem o que merece
não vai ter a minha prece"
181
— porquê vieste?
— alguém não sei quem me mandou
não sei também porque aqui estou
— tu foges
— mas de quem se nem sei quem eu fui
nem qual ira eu fiz despertar
182
— vês que jaiara procuro
vês?
que jaiara esqueço
vês que o Norte é escuro?
que dele não me convenço?
183
Norte
fim do sertão Norte
última fronteira
Norte esquadrinhado
pela lua de metal morte
do meu norte
por ondas domadas
por dois algarismos
por meu pensamento
184
"mas vim
por quê?"
185
a dor que tu remói
a dor
que te corrói
de dentro em ti aflora
são
tuas flores josarrá
antes do alimento
doce das vertigens
carcome a tua carne
fogo
no centro do templo
antes da carne
do existir antes
diante desta ferida
pútrefa e fedida
desta sina
vã
a tua carne moída
na moenda de dor
corroída no cerne
pela dor remoída
movida a dor produz
este eco vulgar flor
de cujo palor
no entanto
de cujo olor
ecoa o pobre amor ainda
contra a foice sempre desferida
brota esta sempre ferida
mais banal ainda
e ainda assim querida
este lugar comum da vida
186
eu obus
esférico projétil de mim
projetando-me em alvo
cavo
nas águas fundas do barro
rio que sou
sujo e não me lavo
187
Norte
ensaio de morte
de onde voltamos
cada vez mais
deus ateus
cada vez mais
188
não quer que o busquemos puro
o sempre silêncio o cuidará
a sempre busca o buscará
sem nunca
e sem puro
frestas múltiplas do vão
festas como
se fossem últimas
decantamento
de um lado
sujo
doutro
puro mistério
misturo
e assim compõe-se fora de si Joén em nós se olhando
Josarrá olho de Joén criança
velho quase cego
quase pronto
pronto no instante invisível
— a margem —
do sempre silêncio Norte maior
189
josarrá
vieste para fugir
mas encontraste buscar
e voltas encontrarás
vieste para encontrar
190
eu como vida
Jaiara ri
Jaiara eu peço
Jaiara um riso que não quase
parecendo te ferir não
queria te ver assim Jaiara riso
please
191
o Pajé
olha-me nos olhos a ponto
de olharmo-nos com os olhos um
do outro lado da serra
cai
por terra olhos pálidos de espanto
meus
de tantas
ignotas serras terras ávidas de encanto
e bêbado o Pajé despeja em mim seu canto
e o grito meu não mais de espanto
não de encanto
mas mudo como o canto desdentado
que me olha embebedado
mudo de torpor
192
apenas eu
sem mim
nesta cidade que me rodeia
sem outros sem si
mudos à minha volta
nesta avenida absorta em si
no seu barulho surdo
ao lençol de silêncio dos olhos
que me olham
de dentro
do meu nada
mais pro
fundo do negror de minha ausência
pálidas nuvens passam ignoradas
e sob plácidos lagos serenos
dorme a morte que seremos
e dentro dela
com ela comungando e a corroendo
um átimo de norte dói correndo
e salta
leve brisa raio vento
fogo do pensamento
e fura a vida da avenida
ave em fúria
gula sem nome que nos consome
comida
de nossas feridas
193
todo o vento
num momento
todo o tento
num instante
o vento
e seu ventre
aberto
entre dois semblantes
sempre dois movimentos
vendo o abismo deserto
arco precário
istmo arbitrário
centelha dissipada
de vísceras
vácuo
o nada desse buraco
esse sovaco no cerrado
olhar
fixo
de vossas vozes
ávidas de barro
e engasgadas
de catarro
esse pigarro cósmico
semi-desnatado
e carcomido
de fragmentos
Iaras
e suas árias
aéreas
o Norte
e sua sorte
incerta
194
Poslúdio
(poemas da velhice)
195
os ladrilhos verdes que vejo
são os mundos dos meninos
e as calçadas
rachaduras nas calçadas cinzas
e caroquentas
e uma árvore torta
crianças no pátio
e seu mundo
mudo
cascas de árvores
e passeios de praças
bicicletas e bolas
bobas meninas
e meninos sonsos
e tristes
alegres e tristes
vias
formigas
e ouvias
grilos e galos
e cigarras
quintais e bananeiras
mangas e jabuticabas
196
doces e amargas
tintas de lojas
nas manhãs de frio
frio
e ladrilhos sorridentes
casas e fios
e pássaros nos fios
pássaros
passados
plantinha verde
pra que serve
não serve
pra nada
servia
olhava
e de ver
via
que ser-
via
vivia
197
Agosto de Deus
198
de madrugada
um caminhão muito longe
ronca no quase escuro
na estrada do além mundo
além do fundo do quintal
suspenso no ar do sem fim
ia ao fim nenhum do mundo
lá vai o caminhão
pelo caminho largo
subindo o da saudade
amanhece tem escola
tia dever de casa
corre que é sete hora
morro da saudade
quem dera te subir
pra longe da cidade
da escola de caminhão
199
3 noites
II
200
esta noite picadas escuras
esta cíclica noite de luas
três luas e não lua
vede esta noite sem ruas
III
201
tu és em cada poste cada luz
cada lua e cada estrela
cada telha cada casa
e casa-te com cada para-
lelepípedo negro de amor
que te carrega de dia
e se consome de noite no seu fulgor
abraçando-nos brincando-nos de nós
nos nós do futuro
noite o futuro é escuro
quero-te passada luz-minada
202
tapera
tapera
brotada de Deus
pra desbotar o vento
que a leva na leva
tapera na capoeira
grota de vaca fugida
greta de visco ungido
fundida no cisco
fugido pro zóio
doído de luz
que tampa a tapera
203
tapera é um foi casa
de gente banhada
de vida
banhada
de seiva encarnada
de seiva encantada de seiva
desamparada
seiva ceifada
tapera é um é casa
de seiva enfrestada
seiva denotada
ou não mas que não
sabe-se seiva
nunca ceifada
sempre safada
sábia seiva
204
jurubeba
feito o amor
depois da dor
feita a vida
desfeita de uma ferida
jurubeba é um ensina-
dor
jurubeba é um amar
gor
jurubeba é um desvéu
que desvela
o amargo-doce
205
sou
o que lembro e o que lembro
é mandinga pra eu ter sido
o que sonhei um dia ido
e dolorido não sei se setembro
206
arrasto um punhado de pó
pelas ruas
arauto das casas desertas
e puídas
pelo silêncio e pela treva
carcomida
de luz entrante de uma fresta
(festa de meninos)
gatos conhecem-na biblicamente
entre móveis silentes calmamente
roçam pêlos nas suas entranhas
casa estranha trêmulo vácuo
arrepio de frio sob a tarde de morrinhos
quintal pomar escuro mar de podridão doce
muro de frinchas funcho e hortelã
lã estas redes de madeira teto
tateante alto de barro
piso em falso
um braço de halo
sobra do sol
que arrasto
207
Joaquim Papudo
vagueias ruas alheias
paradas vivas
208
SUMÁRIO
Prelúdio.............................................................................................................................5
Porque quando invade o ser.......................................................................................6
Pontos de Fuga...........................................................................................................7
O Reverso do Verso.................................................................................................10
A maré .............................................................................................................. 11
Ânsia........................................................................................................................12
Neura....................................................................................................................... 13
Vagar...............................................................................................................................14
Encanto................................................................................................................................... 15
Cantiga Cântica........................................................................................................16
pedras e árvores....................................................................................................... 17
Ladainha.................................................................................................................. 18
Cantar De Amares .................................................................................................. 21
Amar Maria..............................................................................................................22
Amar-te................................................................................................................22
Amar em ti........................................................................................................... 23
Desencanto.............................................................................................................................. 25
Um Pouco................................................................................................................ 26
Solideña................................................................................................................... 29
Excêntrico................................................................................................................30
Querelas................................................................................................................... 31
Todos os poetas....................................................................................................... 32
Quando dor tiveres...................................................................................................34
O papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo............................. 35
Poemescuros............................................................................................................ 36
1........................................................................................................................... 36
2........................................................................................................................... 37
3........................................................................................................................... 38
a dança límpida........................................................................................................41
Nem nada ainda....................................................................................................... 42
Febres.......................................................................................................................44
Refúgio Romântico..................................................................................................49
O Fantasma.......................................................................................................... 49
O Monstro............................................................................................................50
O Louco............................................................................................................... 51
Mas o mais duro dess’ida........................................................................................ 55
a morte..................................................................................................................... 56
Anteteorema.............................................................................................................57
Degredo................................................................................................................................... 58
Devaneios................................................................................................................ 59
I............................................................................................................................59
II...........................................................................................................................60
III ........................................................................................................................ 61
Cantos de Jerá..........................................................................................................63
A Cidade.................................................................................................................. 65
209
A Rua.......................................................................................................................66
A Casa......................................................................................................................67
Lunar........................................................................................................................72
Solar.........................................................................................................................73
Sol Lunar................................................................................................................. 74
Bosque..................................................................................................................... 76
A Caverna................................................................................................................ 77
O tronco................................................................................................................... 80
Rio........................................................................................................................... 83
tríade vinal............................................................................................................... 84
Autoarco.................................................................................................................. 85
Eternal......................................................................................................................87
Átimo....................................................................................................................... 88
embora como pluma................................................................................................ 90
Soneto...................................................................................................................... 91
Alegre é que tudo flui. O rio....................................................................................94
Guardas um templo sagrado e eterno oculto no findo tempo.................................. 95
Meditações...............................................................................................................96
Self...........................................................................................................................97
The Self....................................................................................................................98
My Self.................................................................................................................... 99
Fluentes................................................................................................................99
Forjas................................................................................................................... 99
Flutuantes...........................................................................................................100
Ave Maria das Cinzas............................................................................................102
Interlúdio......................................................................................................................104
Ambos....................................................................................................................105
Poema direto.......................................................................................................... 106
Cantos do esquecimento........................................................................................ 107
cinza cor.................................................................................................................109
A aldeia..................................................................................................................111
Poslúdio em dó menor........................................................................................... 112
Terras fluidas......................................................................................................... 114
O servo...................................................................................................................115
Em vento................................................................................................................116
Prosa fixa............................................................................................................... 117
A Fortaleza........................................................................................................ 117
A Árvore............................................................................................................ 117
Motivos da Árvore.............................................................................................118
O doido.............................................................................................................. 119
Cavaleiros de Machado......................................................................................... 120
vela que o vento leva e que o vento come............................................................. 121
A esmo...................................................................................................................122
El degredo..............................................................................................................125
Desterro................................................................................................................. 128
A Gulla ................................................................................................................. 129
Aspirar................................................................................................................... 131
Espirais.................................................................................................................. 133
Expirar................................................................................................................... 136
210
Tentativa de Norte....................................................................................................... 138
Poslúdio.........................................................................................................................195
os ladrilhos verdes que vejo...................................................................................196
Agosto de Deus......................................................................................................198
de madrugada.........................................................................................................199
3 noites...................................................................................................................200
tapera..................................................................................................................... 203
jurubeba................................................................................................................. 205
sou..........................................................................................................................206
arrasto um punhado de pó......................................................................................207
Joaquim Papudo.....................................................................................................208
211