You are on page 1of 4

Texto de revisão

Por: Ddo. Juan Felipe Neves Alvarez


Dr. Haroldo C. da Silva e Dr. Luiz André V. Fernandes
Texto baseado no Guideline da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas

Conduta em pacientes neutropênicos febris com


Câncer. Avaliação e escolha do Antibiótico.

1-Introdução
Pelo menos metade dos pacientes neutropênicos febris possuem infecção estabelecida ou oculta e cerca de 1/5
dos pacientes com menos de 100 neutrófilos têm bacteremia.
O principal sítio de infecção é o trato alimentar, pois a quimioterapia leva a dano na mucosa, predispondo à
invasão de organismos oportunistas. Locais de procedimentos invasivos, como acesso vascular, também são
importantes sítios de infecção. São inúmeros os organismos que podem causar bacteremia.

Definições
Febre-É a temperatura axilar 38,3C, na ausência de causa ambiental. A persistência de temperatura 38C por
1hora também indica o estado febril.
Neutropenia-É a contagem de neutrófilos menor de 1000/mm3, que aumenta a susceptibilidade à infecção,
com a freqüência e severidade desta sendo inversamente proporcional à contagem de neutrófilos. A duração da
neutropenia também é um importante fator de infecção, assim como anormalidades da função fagocitária ou
outros déficits na resposta imune.

2-Avaliação Diagnóstica
A avaliação inicial deve constar do exame físico, hemograma completo, creatinina, uréia, transaminases e
hemoculturas de veia periférica e/ou cateter. A radiografia de tórax deve ser feito para pacientes com sinais e
sintomas respiratórios ou se o tratamento ambulatorial é planejado.
a-Clínica-Todo sinal e sintoma de início recente deve ser investigado, porém, sinais e sintomas de inflamação
podem ser mínimos ou ausentes no paciente severamente neutropênico, especialmente se tiver anemia. Pode
cursar com infecção cutânea sem celulite clássica; infecção pulmonar sem infiltrado na radiografia; meningite
sem alteração de células no líquor e infecção do trato urinário sem piúria. Procurar especificamente os sítios
mais prováveis de infecção, ou seja, os dentes, a faringe, o esôfago inferior, o pulmão, o períneo incluindo o
ânus, o fundo de olho, a pele, os sítios de cateteres e o tecido ao redor das unhas.
Fatores de baixo risco para infecção severa
1-Contagem de neutrófilos maior que 100/mm3
2-Monócitos maior que 100/mm3
3-Radiografia de tórax normal
4-função renal e hepática normais
5-Neutropenia por menos de 7 dias
6-Resolução esperada da neutropenia em menos de 10 dias
7-Sem infecção por cateter
8-Evidência de recuperação precoce da medula óssea
9-Malignidade em remissão
10-Temperatura menor que 39C
11-Ausência de alteração neurológica ou aparência de doença ou dor abdominal ou comorbidade.
b-Laboratorial-Hemograma, uréia e creatinina são necessários para cuidados de suporte e para monitorar
toxicidade de drogas, devendo ser realizados pelo menos a cada 3 dias durante o uso de antibióticos. Algumas
drogas, como Anfotericina B, necessitam de controle mais freqüente de creatinina e eletrólitos.
CURSO PRÓ-R

Dosar transaminases é aconselhável em suspeita de lesão hepática ou de curso complicado. A análise do líquor
não é recomendada como rotina, mas apenas se tiver suspeita de infecção do SNC e se a trombocitopenia for
ausente ou controlável.
c-Culturas-Devem ser realizadas imediatamente. Se existe cateter venoso central, recomenda-se colher mais
de um set de hemocultura, sendo uma amostra do lúmen e pelo menos outra de veia periférica. Cultura
quantitativa é útil na suspeita de infecção por cateter, para comparação com a hemocultura de veia periférica. 1
Contagem de colônias maior de 500/ml está associada com maior morbi-mortalidade.
Se a entrada do cateter está inflamada ou com secreção, ela deve ser analisada por gram e cultura para bactérias
e fungos. Se a lesão for persistente e crônica, adiciona-se pesquisa para micobacterioses atípicas.
A Urinocultura é indicada se houver sinais ou sintomas de infecção urinária, uso de cateter vesical ou EAS
anormal.
Infecções por Gram positivos correspondem a 60-70% das infecções documentadas, principalmente em
pacientes com cateter de longa permanência, incluindo as infecções mais indolentes (estafilococos coagulase-
negativo, enterococo resistente à Vancomicina, Corynebacterium jeikeium) e as infecções complicadas se não
tratadas rapidamente (S. aureus, estreptococo viridans e pneumococo). Dentre os bacilos gram negativos, E.
coli, P. aeruginosa e Klebsiella permanecem como importantes causas de infecção. Cândida ou outros fungos
também podem ser causas de infecção primária.
Na escolha do antibiótico inicial, devemos considerar o tipo, freqüência da ocorrência e a susceptibilidade a
antibióticos das bactérias isoladas em outros pacientes no mesmo hospital.
d-Swab-O swab nasal é indicado apenas como proposta de controle de infecção hospitalar, podendo revelar
colonização por MARSA, Pneumococo resistente à penicilina, Aspergillus. O swab retal pode evidenciar
Pseudomonas aeruginosa, bacilos Gram negativos resistentes ou Enterococos resistentes à vancomicina.
e-Imagem-A radiografia de tórax deve ser solicitada quando o paciente apresentar sinais e sintomas de
anormalidade no trato respiratório, mas certos especialistas recomendam para todo paciente que irá ser tratado
ambulatorialmente mesmo sem manifestações pulmonares.
A TC de alta resolução irá mostrar pneumonia em mais da metade dos neutropênicos febris com radiografia de
tórax normal e sintomas respiratórios.

3-Antibioticoterapia inicial
O tratamento antibiótico deve ser iniciado em todo paciente neutropênico no início da febre, devido à
dificuldade de distinguir o paciente infectado do não-infectado e à rápida progressão da infecção nesses
pacientes. Pacientes afebris com neutropenia mas com sinais e sintomas compatíveis com infecção devem ser
tratados como neutropênicos febris.

Cateter venoso
Não deve ser retirado durante a antibioticoterapia na maioria dos pacientes, mesmo com infecção relacionada
ao cateter. Nesses casos, o S. aureus e estafilococos coagulase-negativos são os germes mais comuns, e
geralmente respondem à antibioticoterapia mesmo com a manutenção do cateter. A remoção do cateter pode ser
necessária para cura, independente da etiologia, se a infecção for recorrente ou não ocorrer resposta aparente ao
antibiótico em 2-3 dias, assim como evidências de abscesso, embolo séptico, infecção do túnel sub-cutâneo,
hipotensão associada com uso de cateter ou um cateter não pérvio. A combinação de desbridamento do tecido
infectado com a remoção do cateter é feita na infecção por micobactérias atípicas.

4-Uso de antibióticos orais e tratamento ambulatorial


Só deve ser feito em pacientes classificados como baixo risco de complicações, em neutropênicos febris sem
foco de infecção ou sinais e sintomas sugerindo infecção sistêmica. Pode-se tratar o paciente por via oral, com o
paciente internado ou não. Se a opção for pelo regime ambulatorial, o paciente deve ter possibilidade de acesso
imediato ao hospital 24 horas por dia.
Os fatores que reduzem a chance de infecção severa são úteis para escolher o paciente que pode ser tratado
ambulatorialmente. Com base nesses dados, foi criado um escore de risco:
Características Score
Sem sintomas, ou 5 ou
Sintomas leves, ou 5 ou
Sintomas moderados 3
Sem hipotensão 5
Sem DPOC 4
Tumor sólido ou sem infecção fúngica 4
Sem desidratação 3
Início da febre fora do hospital 3
Idade menor de 60 anos 2
Índice 21 demonstra risco reduzido para complicações e morbidade.
Em nosso meio, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e o baixo nível cultural de boa parte da
CURSO PRÓ-R

população, tornam o regime de tratamento ambulatorial pouco recomendado.


Como alternativa ao regime ambulatorial inicialmente, podemos fazer uma breve admissão hospitalar, com
antibioticoterapia venosa, exclusão de infecção fulminante, e posterior alta hospitalar com maior segurança,
frequentemente para terminar o tempo de antibiótico via oral em casa.
2
5-Tratamento com antibióticos orais
São usados em neutropênicos febris de baixo risco para infecção bacteriana. Tem como vantagens o custo
reduzido, facilidade de controle ambulatorial, evitar o uso de cateter e reduzir a infecção hospitalar.
Os regimes que têm sido mais avaliados são Ofloxacina, Ciprofloxacina e Ciprofloxacina com Amoxilina-
clavulanato, dando preferência para o último, pela cobertura a gram positivos.
Quinolonas não são usadas em crianças. Mas crianças de baixo risco podem fazer uso de drogas venosas por
48h, e depois seguir regime ambulatorial.

6-Tratamento com antibiótico venoso


O primeiro passo é decidir se o paciente é candidato à internação ou tratamento ambulatorial com drogas orais
ou venosas (figura 1). Os esquemas venosos possíveis são:
a-Monoterapia
b-Terapia com 2 drogas sem um glicopeptídeo (Vancomicina)
c-Terapia com glicopeptídeo (Vancomicina) com 1 ou 2 drogas.

a-Monoterapia
Tem a mesma eficácia da terapia com múltiplas drogas, em casos não complicados.
As Cefalosporinas de terceira ou quarta geração (Ceftazidima ou Cefepime) ou Carbapenêmicos (Imipenem-
cilastina ou Meropenem) podem ser usadas como monoterapia.
O uso de Vancomicina pode ser necessário em conjunto à Ceftazidime, pois essa não tem ação contra
Estreptococos Viridans e Pneumococo.
O paciente deve ser monitorado para avaliar a não resposta, infecções secundárias, efeitos adversos e
desenvolvimento de resistência a drogas, sendo necessária associação de outros antibióticos.
O uso de quinolonas como profilaxia em neutropênicos febris limita seu uso, não sendo recomendada como
droga inicial para monoterapia venosa.

b-Terapia com duas drogas, sem um glicopeptídeo (Vancomicina)


O regime mais comum inclui um aminoglicosídeo (Gentamicina, Tobramicina, Amicacina) com uma
penicilina anti-Pseudomonas (Ticarcilina-ácido clavulânico ou Piperacilina-tazobactam); um aminoglicosídeo
com uma cefalosporina anti-pseudomonas (Cefepime ou Ceftazidime); e um aminoglicosídeo com um
carbapenem. Todas com eficácia similar.
Vantagens da terapia combinada-Efeito sinérgico contra bacilos gram negativos e mínima resistência
microbiana às drogas.
Desvantagens-Falta de atividade contra bactérias gram positivas (se usar ceftazidime e aminoglicosídeo) e a
nefrotoxicidade, ototoxicidade e hipocalemia associadas com aminoglicosídeo e carboxipenicilinas.
Associações de quinolonas com beta-lactâmicos ou glicopeptídeos são uma opção para terapia inicial em
pacientes que não faziam uso de profilaxia com essas drogas. Qualquer regime de antibiótico inicial deve incluir
drogas com atividade anti-pseudomonas.

c-Terapia com Vancomicina associado com uma ou duas drogas


Pela crescente resistência à Vancomicina, como o que ocorre nas infecções por Enterococos, o uso desta droga
tem sido limitada apenas para situações específicas. É uma droga que deve não ser utilizada até que as culturas
indicarem a sua necessidade, em pacientes não críticos.
Algumas infecções por gram positivos podem ser susceptíveis somente à Vancomicina e podem ser sérias,
levando à morte em menos de 24h, se não tratadas prontamente. Vancomicina não costuma reduzir a mortalidade
da infecção pelos gram positivos em geral, mas reduz a mortalidade por Estreptococos Viridans resistentes a
Penicilina.
Em instituições com alto índice de infecção por gram positivos, a Vancomicina deve fazer parte da terapêutica
inicial em pacientes de alto risco, mas deve-se suspender seu uso 24 a 48h após, se nenhuma infecção por germe
gram positivo for identificada. Espécies de Bacillus e C. jeikeium são susceptíveis somente à Vancomicina, mas
essas infecções não costumam ser graves.
A associação de Vancomicina na terapia inicial deverá ser indicada quando a suspeita de infecção por cateter
for grande ou que tenha colonização conhecida com MARSA ou pneumococo resistente à penicilina e
cefalosporina ou resultados positivos de hemocultura para bactérias gram-positivas antes da sensibilidade a
antibióticos ou hipotensão ou colapso cardiovascular ou uso de profilaxia primária com quinolona.
CURSO PRÓ-R

Linezolida e quinupristina-dalfopristina oferecem boa opção para tratamento de infecções gram positivas
resistentes, incluindo Enterococos resistentes à Vancomicina, embora a Linezolida leve à mielossupressão.
Lembrar que a Teicoplamina ainda não foi aprovada pelo FDA, até porque o seu uso é muito maior na Europa.

3
3
Febre (Temperatura >= 38.3ºC) + Neutropenia (< 500 neutrófilos/mm )

Baixo risco Alto risco

Vancomicina não Vancomicina


Oral IV
indicada indicada

Monoterapia Duas Drogas Vancomicina


Ciprofloxacino
+ Cefepime, Aminoglicosídeo Vancomicina
Amoxicilina- Ceftazidime ou + +
clavulanato Carbapenem Penicilina Cefepime,
(somente em Antipseudomonas Ceftazidime ou
adultos) Cefepime Carbapenem
Ceftazidime ou
Carbapenem +/- Aminoglicosídeo

Reavaliar após 3-5 dias

Fig. 1. Escolha do esquema de Antibiótico inicial

7-Conclusão
Determinar o risco do paciente é fundamental. Se for paciente de alto risco, devem ser prescritas drogas
venosas. Se o risco for baixo, o paciente pode ser tratado por via venosa ou oral.
Decidir se há necessidade de uso de Vancomicina. Se for necessário, começar tratamento com 2 a 3 drogas
combinando Vancomicina com Cefepime, Ceftazidima ou um Carbapenem, com ou sem um Aminoglicosídeo.
Se a Vancomicina não for indicada, começar monoterapia com uma cefalosporina (Cefepime ou Ceftazidima)
ou um carbapenêmico (Meropenem ou Imipenem-cilastina) para casos não-complicados. A terapia com duas
drogas pode ser usada para casos complicados ou com resistência antimicrobiana.
Adultos selecionados cuidadosamente para terapia oral podem receber ciprofloxacina com Amoxilina-
clavulanato. A terapia ambulatorial não é recomendada para crianças.
CURSO PRÓ-R

You might also like