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Leitura e Evolução da Ciência

Anselmo S. Paschoa

Há muito tempo, quando eu ainda era garoto, aprendi a ler a Bíblia. Primeiro por obrigação
religiosa, visto que meu pai era diretor do Colégio Batista DO Rio de Janeiro e eu tive uma
formação religiosa com base na leitura da Bíblia. Depois passei a encarar a leitura , de uma
forma geral, como prazer. Lia praticamente tudo o que me caia nas mãos. Li quase todos os
livros da “Coleção Saraiva,” uma reedição barata de livros de diversos autores, a maioria
brasileiros. Os livros desta coleção eram enviados a cada mês para os assinantes. “Viciei-
me” em leitura, lendo os livros dessa coleção.

Muito mais tarde, morando nos Estados Unidos, consegui “viciar” meu filho em leitura .
Também ele lia praticamente tudo que lhe chegava às mãos. Até hoje ele mantém esse
“vício.” Agradece-me por tê-lo adquirido, da mesma maneira que eu sou agradecido a meu
pai.

Como é bem sabido por todos, a palavra é o principal instrumento da leitura . Entretanto,
diferentes palavras podem significar a mesma coisa. Por exemplo, conceitos verbalizados
em línguas distintas. Além disso, palavras dentro de uma frase podem ter conotações
distintas para diferentes pessoas. Mais ainda, até mesmo a hora do dia, ou o estado de
espírito de quem pronuncia ou ouve uma palavra pode modificar o significado da mesma.

Para os gregos, a palavra physis tinha o mesmo significado que a palavra natura para os
latinos. Por outro lado, é interessante observar que a gênese do cosmo é investigada sob
vários ângulos. Visões da gênese do cosmo, entendido aqui como um universo organizado,
podem ser baseadas em Física, Filosofia, ou Religião sem que seja possível esgotar as
muitas formas de observar a origem do Universo.

A existência de um ou vários espíritos superiores esbarra na falta de explicação aceitável


com base científica. Conceitos como bondade e maldade de tais espíritos mudam ao sabor
das interpretações. Argumentos que tentam explicar conceitos como bem podem ser usados,
sem muita dificuldade, para justificar a necessidade de existência do mal . Por exemplo,
passado e futuro , causa e efeito , certo e errado e diversos outros opostos não teriam
sentido se um existisse sem a existência do outro.

Em Genesis (1) , capítulo 1, versículos 3 a 5, está escrito:

“E disse Deus (+): Haja luz ( + ). E houve luz ( + ). E viu Deus (+) que era boa a luz ( + ); e
fez Deus (+) a separação entre a luz ( + ) e as trevas ( - ). E Deus (+) chamou à luz ( + ) Dia
(+); e trevas ( - ) chamou Noite (–) ...” — Os sinais ( + ) e ( - ) foram inseridos no texto
bíblico repetido aqui para ilustrar os argumentos que se seguem no próximo parágrafo.
Na leitura do trecho bíblico acima mencionado, fica claro para um cientista que: luz ( + )
(ou Dia) e trevas ( - ) (ou Noite) são conceitos opostos. Ou seja, trevas ( - ) corresponde à
ausência de luz ( + ), o que implica que sob o ponto de vista da existência de luz ( + ), o Dia
( + ) é o oposto de Noite ( - ). Cabe aqui uma pergunta. Será que por este raciocínio
configura-se a necessidade da existência do Diabo (–)?

Convém observar aqui que o que se chama de leitura não pode ficar restrito às palavras.
Outros símbolos também podem ser lidos . Os símbolos musicais que exprimem tons
sustentados (ou notas musicais), a simbologia da aritmética, a estrutura lógica da álgebra,
dentre inúmeras outras representações e formas de leitura de símbolos ilustram o fato de
que leitura é algo bem mais complexo do que se imagina.

É interessante não esquecer que um profissional, tenha ele formação científica ou não, não
deve e não pode prescindir da leitura de textos de outras áreas. Muitos cientistas lêem e
escrevem textos não científicos, lêem e produzem músicas, poesias e identificam-se com
outros tipos de manifestações artísticas.

Dois dos mais famosos físicos deste país também ficaram conhecidos por suas atividades
no âmbito das artes. Um deles tornou-se um conhecido e respeitado crítico de artes. O outro
é um pintor, cujas obras já atingem valores significativos no competitivo mercado de artes.
Curiosamente, ambos são pioneiros no desenvolvimento da Física no país.

Há cinco ou seis décadas atrás, cientistas, músicos e poetas conviviam no dia a dia e
trocavam impressões com frequência. Não é por acaso que o poema “Rosa de Hiroshima,”
de Vinicius de Moraes, teve a contribuição técnica de um físico muito amigo do poetinha.

A um músico não basta aprender a ler os símbolos musicais. É preciso que ele os interprete
e os sinta. Um cientista procura ler a natureza através de diversos tipos de símbolos. A
símbolos usados em Ciência também precisam ser lidos , interpretados e “sentidos” para
que sejam úteis ao desenvolvimento científico.

A teoria do heliocentrismo de Copérnico (2) pode ser considerada um marco na relação


entre leitura e ciência . Copérnico derrubou com seu tratado não só as idéias preconcebidas
de Aristóteles, como também abalou as explicações astronômicas para o geocentrismo
dadas por Hiparco ( circa século II A.C.) – descobridor da precessão dos equinócios – e por
Ptolomeu ( circa século II A.C.) – criador do sistema ptolomaico. Essas explicações eram
baseadas na teoria dos epiciclos, no imobilismo terrestre e no geocentrismo (3) . Na
verdade, Copérnico deveria ser reconhecido como um dos fundadores da Ciência Moderna.
Na época de Copérnico, ninguém duvidava que a Terra estivesse fixa no centro do Universo
e que os corpos celestes, inclusive o Sol, girassem em torno da Terra. Naquele tempo, as
pessoas imaginavam o Universo como se fora uma esfera fechada e finita, criada por Deus,
num passado não muito distante da existência do Homem sobre a Terra, para o qual teria
sido criada. Acreditava-se então que num futuro não muito remoto, o Universo
desapareceria de um modo catastrófico. A Terra ocupava o centro desse Universo, não só
em termos de posição, mas também em importância (4) .
Os navegadores portugueses e Cristóvão Colombo (1451 ? -1506) estiveram ativos em suas
descobertas durante o período de vida de Copérnico. Colombo, segundo alguns autores,
também era português e estava a serviço (secreto) do Rei D. João II (1455-1495) na época
do descobrimento da América (5) . Não está claro, porém, qual terá sido a influência das
descobertas de Colombo e dos portugueses sobre o pensamento de Copérnico.

Quando Colombo descobriu a América, Copérnico era um estudante de Matemática e


Astronomia, com apenas 19 anos de idade, em Cracóvia, na Polônia (4) . Há quem afirme
que Colombo foi um dos mais brilhantes alunos da Escola de Sagres, na costa sul de
Portugal, muito antes de ir para Huelva, no sul da Espanha, de onde partiu com as naus
Santa Maria, Pinta e Niña para descobrir a América. Ainda hoje há em Sagres um círculo de
pedras, usado para a orientação astronômica, que se afirma ter sido obra de Colombo.
Cracóvia estava para a Astronomia de então, como Sagres estava para a Navegação da
época. Além disso, o Latim era a língua comum aos estudantes da Universidade de
Cracóvia, que provinham de todas as partes da Europa. Muitos estudantes adotavam uma
versão latina de seus nomes, como foi o caso de Nicholas Koppernigk, , mais conhecido
como Cristóvão Colombo (4) . Assim, não parece exagero afirmar que Copérnico pode e
deve ter sido influenciado pela leitura científica das descobertas de Colombo e dos
navegadores portugueses.

Copérnico não pôde ver publicada sua obra De Revolutionibus Orbium Celestium por ter
falecido no mesmo dia de sua publicação (2) . Entretanto, o impacto das idéias contidas
naquele livro teve reflexos muito além do que o autor esperava. Diz-se que Lutero chegou a
afirmar que (6) : “esse estúpido ( referindo-se a Copérnico ) está tentando perverter toda a
ciência da astronomia.” Além disso, a Igreja Católica colocou Copérnico no Index quase
um século após sua morte (4) . Uma das principais razões pela qual a teoria de Copérnico
recebeu a oposição da Igreja era a inconsistência entre aquela teoria e os princípios
mecânicos de Aristóteles, que se tornaram parte da filosofia dogmática oficial da Igreja
Católica. De acordo com a mecânica aristotélica, os corpos caiam devido a uma vontade
superior que os atraía para mais próximo do centro do Universo. À leitura religiosa da
mecânica aristotélica opunha-se, no século XVI, à leitura científica da teoria de Copérnico.

Uma das objeções à teoria de Copérnico residia na convicção de que se Venus girasse em
torno do Sol, deveria então ter fases como a Lua; mas ninguém as conseguia ver. Copérnico
respondia dizendo que Venus deveria ter fases, como a Lua, mas que não eram percebidas
porque não havia meios, na época, de ampliar a visão que se tinha do planeta (3) .

Foi, entretanto, Galileu (1564-1642) (7) que destruiu, para o mundo científico, a teoria
geocêntrica e o conceito do imobilismo terrestre, cujas raízes estavam nas idéias de
Aristóteles. O livro de Galileu “ Dialogo dei due massimi sistemi del mundo ” (7) constitui
uma obra prima do ponto de vista literário. Os argumentos científicos de Galileu são
apresentados no livro em forma de diálogo entre discípulo e mestre. Leitura e ciência
tocam-se a todo instante no livro de Galileu. A partir de 1609, Galileu passou a fazer
observações ( leituras ) astronômicas com o auxílio de uma luneta que ele mesmo
construíra. Em 1610, foi possível observar as fases de Venus, através da luneta,
confirmando assim as previsões de Copérnico (3) . Convenceu-se então de que não havia
diferença de natureza entre os corpos celestes e a Terra (8) . Ao observar ( ler
cientificamente) os movimentos dos quatro satélites de Júpiter, Galileu apercebeu-se que o
sistema deste planeta assemelhava-se ao sistema solar proposto por Copérnico. Com essas
observações ( leituras ), aliadas às teorias propostas por Copérnico, Galileu destruiu as
idéias do imobilismo terrestre e, por via de consequência, a crença da incorruptibilidade dos
corpos celestes associada à mecânica aristotélica.

Renée Descartes (1596-1650) entendia que os princípios da natureza eram uma decorrência
da demonstração geométrica da existência de Deus (9) . Descartes tentou, obviamente sem
sucesso, harmonizar a imobilidade da Terra em conformidade com as convicções religiosas,
e um sistema de mundo do tipo proposto por Copérnico, desprezando as idéias de Ptolomeu
e Tycho Brahe (1546-1601).

Tycho Brahe foi um excelente astrônomo observacional, apesar de ter tido um observatório
construído essencialmente para provar que a Terra estava imóvel no Universo. Felizmente,
deixou para trás uma magnífica coleção de observações astronômicas e um discípulo,
Johannes Kepler (1571-1630), altamente preparado para analisá-las. Kepler, com base nas
observações de Tycho Brahe, pode expandir a idéia de heliocentrismo, sugerida por
Copérnico e explicada por Galileu, estabelecendo leis que interpretavam o movimento dos
planetas em torno do Sol. A Astronomia observacional de Tycho Brahe pode ser
interpretada como uma espécie de leitura do Universo visível de então.

Entretanto, só em 1687, quando Isaac Newton (1642-1727) publicou seu tratado


Philosophae Naturalis Principia Mathematica (10) a idéia de ciência teórica organizada e
harmônica passou a ter sentido. Newton foi capaz de traduzir as três leis de Kepler,
referentes ao movimento planetário, numa linguagem matemática. É comum admitir-se
Newton como o primeiro físico teórico. Newton, contudo, não se limitou à Matemática e à
Física Teórica. Sugeriu, por exemplo, a construção de grandes telescópios côncavos. É
razoável imaginar que Newton tinha consciência de que a teoria sem comprovação
observacional era de pouca valia e, por outro lado, observações sem o acompanhamento de
uma interpretação teórica também não valiam muito.

É sabido que Newton leu , literal e científicamente, não só o Diálogo de Galileu, através da
tradução feita por Salusbury e publicada em 1665, como também a astronomia kepleriana –
usando a regra de Kepler de que os períodos dos planetas estão numa proporção
sesquiáltera com suas distâncias do centro de suas órbitas – para formular sua mecânica que
consagraria e complementaria a cinemática e a relatividade galileana (11) . Alexis Clairaut
(1713-1765) e Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783) foram seguidores de Newton no
sentido de que revisaram com extremo cuidado o movimento da Lua, com base nas atrações
do Sol e da Terra, conforme havia feito anteriormente Newton (3) . Contudo, as
irregularidades observadas no movimento da Lua não podiam ser explicadas apenas pela
teoria da atração gravitacional. Trata-se do problema dos três corpos , cuja solução
matemática rigorosa é, ainda hoje, um desafio científico. O fenômeno da precessão dos
equinócios, que pode ser interpretado como decorrente de irregularidades no movimento de
corpos celestes, já era conhecido desde a época de Hiparco. Copérnico chegou a explicar
que o eixo de rotação da Terra não permanecia paralelo a si mesmo, mas tinha um pequeno
desvio anual, descrevendo um cone a cada 26.000 anos. Entretanto, a causa de tal desvio
permanecia desconhecida.
D'Alembert conseguiu explicar, através da interpretação (ou leitura) matemática das idéias
de Newton, que a Terra não era exatamente redonda e, portanto, as forças de atração
gravitacional do Sol e da Lua não passavam exatamente por seu centro, imprimindo em seu
eixo de rotação um pequeno movimento que resultava na descrição de um cone a cada 18
anos; tratava-se do movimento de nutação, descoberto logo depois, em 1748, por James
Bradley (1692-1762). Louis Lagrange (1736-1813) e Pierre Simon Laplace (1749-1827)
estabeleceram que o sistema solar não poderia permanecer estável em sua configuração
geral, sem que ocorressem pequenas oscilações em torno de um estado médio.

A Mecânica Celeste de Laplace constitui-se num marco, pois ajudava os astrônomos


observacionais ( leitores científicos do céu) a encontrarem soluções para algumas de suas
dificuldades. Laplace além de reinterpretar, com base nas leis de Newton e na teoria das
perturbações, as observações de eclipses registradas desde Ptolomeu, propôs, há 300 anos
atrás, uma hipótese cosmogônica para o sistema solar. A hipótese cosmogônica de Laplace
admitia que o Universo não teria sido sempre o mesmo que se observava no presente, nem
se conservaria o mesmo no futuro. Laplace admitia que tanto o passado como o futuro do
Universo poderiam ser completamente determinados e previstos. Esta visão do Universo
tornou-se conhecida como o determinismo Laplaciano . A cosmogonia era então objeto de
estudo não só de matemáticos e astrônomos, como Laplace, mas também de filósofos,
como Emmanuel Kant (1724-1804) e, anteriormente, George Louis Leclerc Buffon (1707-
1788). Essas teorias cosmogônicas só passaram a ter certo grau de credibilidade a partir das
observações de nebulosas no céu feitas por William Herschel (1738-1822) (3) .

A leitura científica dos astros, ou seja, uma nova astronomia observacional, começou a
ganhar mais adeptos no mundo científico a partir da observação de que as gotas de água
decompunham os raios solares. Isto sugeriu que ao se analisar o arco-íris, estava-se
aprendendo algo sobre a composição da luz proveniente do Sol. Percebeu-se então que era
possível aprender alguns dos segredos da natureza através do que se convencionou chamar
de espectroscopia óptica. Cada faixa de vermelho, amarelo, azul e verde que se observava
na luz proveniente do Sol tinha um significado que correspondia à leitura do que se passava
no próprio Sol. O efeito mágico de um prisma, decompondo a luz branca em seus
componentes coloridos, despertou a curiosidade científica de mentes ativas no final do
século passado. Esse exame da qualidade da luz iniciou uma nova leitura científica dos
raios que vinham não só do Sol, mas também de outros astros observáveis àquela época.

A descoberta da análise espectral da luz, sua aplicação ao estudo da constituição dos corpos
celestes e a medida das velocidades radiais por meio da aplicação das leis de Newton
marcaram o desenvolvimento do que se pode chamar de Astronomia Física, que mais tarde
ficou conhecida como Astrofísica. Além disso, François Arago (1786-1853) pressentiu a
importância da fotografia para a Astronomia. Pouco mais tarde, Ernest Mouchez (1821-
1892) empreendia a elaboração de uma carta fotográfica do céu. A esta altura, Urbain Le
Verrier (1811-1877) lendo matematicamente as perturbações da órbita de Urano foi capaz
de indicar com precisão a posição de um planeta, até então desconhecido, Netuno (3) .

As hipóteses cosmogônicas forçaram uma leitura temporal do céu, visto como as


observações feitas no presente (em qualquer tempo presente) representavam testemunhos
de fenômenos ocorridos no passado. A espectroscopia lançava novas luzes sobre a estrutura
dos corpos celestes e a fotografia astronômica descortinava horizontes de observação nunca
antes imaginados.

Pouco antes da virada do século, ocorreu uma sequência de descobertas em decorrência da


nova leitura científica da luz. Assim, por exemplo, durante o eclipse de 1868 observou-se
que dentre as linhas mais proeminentes do espectro da luz solar, havia uma fina linha
amarela que, a princípio, pensou-se que era devida ao elemento sódio. Verificou-se, mais
tarde, que a linha fina, apesar de estar localizada bem próximo às linhas amarelas do sódio,
pendiam ligeiramente para a parte verde do espectro. Naquela época, não se conhecia na
Terra qualquer elemento que produzisse tal linha espectral, por isso o elemento responsável
pela aparição da linha espectral desconhecida passou a chamar-se hélio (do latim helium ou
do grego helios – que era o nome grego do deus Sol – Apolo para os romanos).

Um dos primeiros resultados desta, então nova, astronomia observacional (ou nova leitura
dos astros) foi a percepção de que haviam correlações entre as propriedades das superfícies
estelares e as intensidades das linhas de absorção de luz, vistas em espectros de estrelas.
Em 1863, o astrônomo jesuíta italiano Angelo Secchi (1818-1878) classificou as estrelas
em quatro grupos principais, de acordo com as linhas proeminentes absorvidas em seus
espectros luminosos. Um esquema empírico de classificação foi desenvolvido
subsequentemente, no qual as estrelas eram separadas, de acordo com suas linhas de
absorção espectral, em sete tipos. Cada classe espectral correspondia a uma certa faixa de
temperatura superficial. As primeiras tentativas de entender a composição química das
estrelas partiram da classificação empírica proposta por Secchi. Os atuais estudos de
origem químicas dos elementos e nucleossíntese das estrelas podem ser considerados como
continuações modernas dos estudos de Secchi.

Em abril de 1895 Lord Rayleigh (John William Strutt, 1842-1919) and Sir William Ramsay
(1852-1916) detectaram (ou leram ) a presença de hélio no gás liberado pelo mineral elevita
, encontrado na Noruega (12) . Percebeu-se assim que aquele elemento que foi observado
(ou lido ) primeiro no Sol a 17 milhões de quilômetros (17 x 10 6 km) de distância da Terra,
também existia na própria Terra. Mais tarde, os sinais espectrais do hélio passaram a ser
usualmente detectados em várias estrelas.

A virada do século foi acompanhada de uma revolução científica difícil de ser avaliada
naquela época. Em 1895 Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923) descobriu os raios-x, tendo
recebido o Prêmio Nobel, em consequência, em 1901. A importância da descoberta de
Röntgen residia no fato de que muitos cientistas leram naquela descoberta a possibilidade
de existirem muitas coisas a serem ainda descobertas, ao contrário da crença, defendida por
alguns, como James Clerk Maxwell (1831-1879) – formulador da teoria eletromagnética da
luz – que acreditavam que a ciência do século XX só acrescentaria algumas casas após a
vírgula.

Em Paris, há pouco mais de cem anos, Henri Becquerel (1852-1908) descobria a


radioatividade; descoberta pela qual recebeu o Prêmio Nobel em 1903. Em 1897, em
Cambridge, J. J. Thomson (1856-1940) mediu a deflexão dos raios catódicos por meio de
campos elétricos e magnéticos, interpretando os resultados como sendo uma manifestação
da existência de uma partícula fundamental, o elétron, recebendo, por isso, o Prêmio Nobel
em 1906. Um pouco mais tarde, em 1911, Ernest Rutherford (1871-1937), que já havia
recebido o Prêmio Nobel em 1908 por seus trabalhos com radioatividade, usou elementos
radioativos para obter resultados experimentais que permitiram inferir que os átomos
consistiam de pequenos núcleos massivos cercados por nuvens de elétrons. Esta proposta
de Rutherford para o átomo ficou conhecida como modelo planetário , por sua analogia
com os planetas (elétrons) orbitando em torno do Sol (núcleo central), descontadas, é claro,
as diferenças de escala. Rutherford lia nas entrelinhas de suas experiências com partículas
emitidas por materiais radioativos. Em seguida, em 1913, Niels Bohr (1885-1962)
combinou o modelo atômico proposto por Rutherford e as idéias de quantum de luz e foton
desenvolvidas por Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947) e Albert Einstein (1879-
1955), respectivamente, para explicar o espectro do átomo de hidrogênio. Planck recebeu o
Prêmio Nobel em 1918 e Einstein e Bohr em 1921 e 1922, respectivamente

Einstein formulou a teoria da relatividade restrita, em 1905, seguindo-se muitas outras


contribuições científicas. A teoria da relatividade geral, em 1914, cujos toques finais foram
colocados em 1915, levou Einstein à formulação teórica de um modelo cosmológico (termo
cunhado por Einstein), em 1917. Ironicamente, o Prêmio Nobel de Einstein foi recebido em
decorrência de seus trabalhos teóricos e da descoberta da lei que rege o efeito fotoelétrico,
mas sem que fosse reconhecida a importância da teoria da relatividade geral e de seu
modelo cosmológico. Persistem até hoje dúvidas sobre a influência que uma possível
leitura dos trabalhos de Henri Poincaré (1854-1912) possa ter tido sobre o pensamento de
Einstein antes da publicação da teoria da relatividade restrita; embora o próprio Einstein
tenha afirmado, num elogio fúnebre, que a teoria da relatividade restrita poderia ser
encarada como uma exposição mais aprofundada dos trabalhos científicos de Hendrik
Antoon Lorentz (1853-1928) (13) .

Neste ponto é interessante observar que só no século XIX os matemáticos passaram a


perceber que a geometria euclidiana não era intocável. Descobriram que um novo conjunto
de postulados poderia conduzir a novas geometrias. Assim, Carl Friedrich Gauss (1777-
1855), Janós Bolyai (1802-1860), Nikolaï Ivanovitch Lobachevsky (1793-1856) e Bernhard
Riemann (1826-1866) demonstraram que geometrias não euclidianas podiam ser
construídas, desde que os postulados em que se baseassem não fossem mutuamente
contraditórios.

Pouco depois da publicação das equações da teoria da relatividade geral, Karl


Schwarzschild (1873-1916) propôs soluções para tais equações envolvendo geometria de
espaço-tempo, que é não-euclidiana (14) . A maioria dos testes para a teoria da relatividade
geral são baseados na solução de Schwarzschild, tendo como ponto comum a procura de
diferenças entre as predições com base na gravitação newtoniana e aquelas baseadas na
relatividade geral.

Dentre os testes experimentais mais populares para a teoria da relatividade geral cumpre
citar os seguintes (14) : o afastamento gravitacional para o vermelho; a precessão do
perihélio de Mercúrio; a curvatura da luz; o retardamento do eco do radar; a igualdade entre
massa gravitacional e massa inercial; a precessão de um giroscópio; e a radiação
gravitacional.
A solução de Schwarzschild mostra que, para um objeto estelar de massa muito compacta, a
luz percorrerá um trajetória circular numa geometria de espaço-tempo (marcadamente não-
euclidiana), próximo a superfície do objeto, não podendo portanto escapar de sua órbita.
Trata-se de um buraco negro . Pode-se dizer que a leitura experimental da teoria da
relatividade geral permitiu uma nova visão do Universo, jamais sonhada por qualquer
cientista antes de Einstein.

Nas três primeiras décadas deste século os conceitos do que se convencionou chamar de
Física Moderna ainda não estavam bem estabelecidos, até mesmo para muitos cientistas de
então. Havia grande efervescência nos meios acadêmicos nos quais se discutiam as novas
informações trazidas pelas experiências com a recém-descoberta radioatividade, os novos
conceitos da Mecânica Quântica, a introdução de uma nova hipótese para a descrição do
átomo por Niels Bohr, as teorias de Einstein, a lei de Hubble e, pouco mais tarde, a
aplicação das leis da termodinâmica ao equilíbrio das estrelas.

Essa história continua até os dias de hoje. O nome dela é ciência. Fico por aqui para não
cansá-los ainda mais. Não poderia encerrar, contudo, sem deixar de dizer que a relação
entre leitura, principalmente aquela baseada em sistemas globais de comunicação, como é o
caso da INTERNET, está provocando uma revolução extraordinária no nível de
conhecimento disponível àqueles que aprenderam a ler e tem acesso a tais sistemas.

Bibliografia

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12. R. Ball, The Story of the Heavens , Cassell and Company, Limited, London, 1910.

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Nova Fronteira, 1995.

14. J. V. Narlikar, Introduction to Cosmology , Cambridge University Press, Cambridge,


Second edition (1993).

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Departmento de Física, C.P. 38071, Rio de Janeiro, RJ 22452-970, Brasil

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