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NAS ASAS DA PAIXÃO

de

Walter de Azevedo

CAPÍTULO 22

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Cena 1 – SÍTIO/SALA/INT/TARDE

Clotilde está com uma espingarda na mão e Rafaela, Aldeíde e Odeneide tentam impedi-

la.

RAFAELA – Mãe, pelo amor de Deus. Solta essa espingarda.

ODENEIDE – Escuta a sua filha, Clotilde.

TEODORICO (EM OFF) – Clotilde, meu amor. Dá uma chance

de eu me explicar.

CLOTILDE – Vocês saiam da minha frente!

ALDEÍDE – Esse homem não merece que você faça uma

desgraça. Pensa no seu futuro atrás das grades.

CLOTILDE – Se você não saírem da minha frente, eu vou fazer

uma loucura!

TEODORICO (EM OFF) – Clotilde, não faz isso com o seu

Téozinho!

RAFAELA – Mãe, se a senhora quiser eu vou lá fora e mando o

pai ir embora. Outra hora vocês conversam.

ODENEIDE - Eu vou lá. Deixa que eu vou.

CLOTILDE (GRITANDO) – Ninguém se mexe!

Rafaela, Aldeíde e Odeneide param de falar.

CLOTILDE – Eu vou lá fora falar com esse ordinário. E quem

tentar me impedir...

Clotilde arma a espingarda. Rafaela, Aldeíde e Odeneide, se encostam na parede, saindo

do caminho.

CLOTILDE – ...Eu meto bala.

Clotilde sai. Rafaela e as tias se olham e saem logo depois, atrás de Clotilde.

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CORTA Pra

Cena 2 – SÍTIO/EXT/TARDE

Teodorico está na frente da casa do sítio, mas um pouco afastado da varanda.

TEODORICO – Clotilde, meu anjo. Deixa eu ir até aí pra

conversar com você. Eu vou explicar tudo direitinho. É tudo

culpa da outra, da espanhola.

A porta se abre e Clotilde sai com a espingarda na mão. Ao vê-la, Teodorico se assusta.

TEODORICO (ASSUSTADO) – Clotilde. O que é isso Clotilde?

Rafaela, Aldeíde e Odeneide chegam à varanda.

CLOTILDE – Isso aqui, seu cachorro, é o que eu vou te dar.

TEODORICO – Não faz isso não Clotilde. Você tá nervosa.

Clotilde aponta a espingarda para Teodorico.

CLOTILDE – Vou contar até dez pra você ir embora. Se você não

for, eu atiro.

RAFAELA – Mãe, é o pai. A senhora não pode fazer isso.

CLOTILDE – Eu sei que é seu pai. Por isso que eu tô fazendo.

TEODORICO – Calma Clotilde.

CLOTILDE – Um!

TEODORICO – Essa arma pode disparar por acidente.

CLOTILDE – Dois!

Teodorico vai andando para trás.

TEODORICO – Eu já tô indo.

CLOTILDE – Dez!

TEODORICO (ASSUSTADO) – Dez? Não, não é dez! E o resto?

CLOTILDE – O resto tá aqui seu cachorro sem-vergonha!

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Clotilde atira, acertando o chão, perto de Teodorico. Ele se vira para trás e começa a

correr.

RAFAELA – Mãe, pára! A senhora vai matar o pai!

CLOTILDE – É só ele correr que ele escapa.

Clotilde dá mais um tiro, que novamente acerta o chão, próximo de Teodorico.

CLOTILDE (GRITANDO) – Corre se não eu vou encher essa

bunda velha de chumbo!

Teodorico segue correndo para fora do sítio. Clotilde abaixa a espingarda.

CLOTILDE – E se aparecer de novo, eu capo ele.

Rafaela e Aldeíde estão assustadas com a situação, mas aliviadas porque tudo acabou.

Odeneide está rindo.

CORTA Pra

Cena 3 – CASA DE CARMENCITA/SALA/INT/TARDE

A sala está vazia.

CARMENCITA (EM OFF) – Sabe Teodorico. Em parte foi bom

porque assim essa situação se resolve de uma vez. Você não

acha?

Como não recebe resposta, Carmencita entra na sala. Ela está enrolada em uma toalha,

saindo do banho.

CARMENCITA – Tô falando com você Teodorico. Teodorico?

Carmencita começa a procurar Teodorico pela casa.

CARMENCITA – Teodorico, cadê você?

Carmencita percebe que umas das janelas está aberta. Ela vai até lá.

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CARMENCITA (COM RAIVA) – Fugiu pela janela! Aposto

como foi atrás daquela Darlene Glória dos pobres! Eu mato você,

Teodorico! Eu mato!

Corta Pra

Cena 4 – Tomada aérea do Guarujá à tarde ao som da música “Eu e Você” de Sandra de

Sá e Smokey Robinson, que continua nas cenas 5, 6 e 7.

CORTA Pra

Cena 5 – MARINA DO GUARUJÁ/EXT/TARDE

O carro de Kanú entra na marina e pára. Kanú e Mário descem dele.

MÁRIO – Uma marina?

KANÚ – Eu aluguei um barco. Vou te levar pra uma noite no

mar. O que você acha?

MÁRIO – Você é surpreendente. Eu adoro isso.

Mário e Kanú se beijam e seguem abraçados em direção a um iate.

CORTA Pra

Cena 6 – Tomada de São Paulo à tarde.

CORTA Pra

Cena 7 – Tomada do shopping à tarde.

CORTA Pra

Cena 8 – LOJAS MUNDO/SALA DE LÊDA/INT/TARDE

Lêda está sentada à sua mesa e Vanessa está tentando falar ao celular. Ela desliga.

VANESSA – Não consigo falar com o Mário. Dá caixa postal.

LÊDA – Vai ver ele não quer atender.

VANESSA – O Mário não faria isso.

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LÊDA – Eu tenho minhas dúvidas. Mas o que você quer falar

com o Mário?

VANESSA – Quero falar com ele.

LÊDA – Vanessa, o que você tá aprontado?

VANESSA – Não tô aprontando nada. Só que se eu der um sinal

de vida, um telefonema, ele não esquece que eu estou aqui.

LÊDA – Você tem cada uma.

VANESSA – Ele pode estar voando. Por isso o celular está

desligado.

LÊDA – Ou então ele está se divertindo.

VANESSA – Imagina. A essa hora ele deve estar no trabalho.

CORTA Pra

Cena 9 – Tomada do Guarujá à tarde ao som da música “Eu e Você” de Sandra de Sá e

Smokey Robinson.

CORTA Pra

Cena 10 – MAR DO GUARUJÁ/TARDE

A câmera foca um iate em movimento no mar e vai se aproximando. Na proa estão

Mário e Kanú abraçados, conversando e rindo. Estão tomando champagne.

KANÚ – Esse seqüestro é muito melhor do que o outro, não é?

MÁRIO – Assim eu quero ser seqüestrado sempre.

KANÚ – Você trabalha amanhã?

MÁRIO – Não. Só depois.

KANÚ – Vai ser lindo, nós passarmos a noite no mar, vendo as

estrelas.

MÁRIO – Vai. Eu estava precisando disso.

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Kanú passa a mão carinhosamente no rosto de Mário.

KANÚ – Eu vou fazer você esquecer todos os seus problemas.

Todos os seus aborrecimentos. Quando nós estivermos juntos,

vamos esquecer tudo que está do lado de fora.

Os dois se beijam.

CORTA Pra

Cena 11 – Tomada de Mirassol à noite.

CORTA Pra

Cena 12 – CASA DE CARMENCITA/SALA/INT/NOITE

Carmencita anda de um lado para o outro pela sala. Parece ansiosa. De vez em quando

ela vai até a janela.

CARMENCITA – Será que ele foi atrás dela? Claro que ele foi,

Carmencita! Foi correndo atrás daquela lá, que nem um

cachorrinho. Mas se ele pensa que isso vai ficar assim, não vai

não. Ele vai ver se essa espanhola aqui tem sangue quente ou não.

Ele vai penar muito pra colocar a mão nesse corpinho de novo.

Me aguarde, Teodorico Barroso! Me aguarde.

CORTA Pra

Cena 13 – CASA DE CLOTILDE/SALA/INT/NOITE

Teodorico está sentado no sofá com uma garrafa de pinga na mão e a foto de Clotilde na

outra. Está bêbado e fica falando com o retrato.

TEODORICO – Ô Clotilde. Eu sei que eu sou um safado, um

cachorro, que eu não presto, mas não precisava me por pra correr

com uma espingarda. Já pensou se tivesse me acertado? A culpa

não é minha. A culpa é da espanhola! Ela que me seduziu. Ela

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veio pra cima de mim com aquele monte de plumas, de pernas, aí

eu não resisti. Eu sou fraco. Aí os anos foram passando e eu não

consegui pular fora. Toda vez que eu queria, ela me seduzia de

novo. Clotilde, você precisa me perdoar, meu amor. Como é que

eu vou fazer sem você?

CORTA Pra

Cena 14 – Tomada do sítio à noite.

CORTA Pra

Cena 15 – SÍTIO/SALA/INT/NOITE

Clotilde está deitada no sofá e Rafaela em um colchonete no chão. Estão preparadas

para dormir.

RAFAELA – Mãe, tá acordada?

CLOTILDE – Tô. Não vou conseguir dormir hoje de tanta raiva.

RAFAELA – A senhora já pensou no que vai fazer? A gente vai

ficar aqui mesmo no sítio?

CLOTILDE – Não sei Rafaela. Eu não sei o que vai ser da nossa

vida, mas pra casa do safado eu não volto mais.

RAFAELA – Mas, mas a senhora tem certeza mesmo que o pai

tem um caso com essa mulher?

CLOTILDE – Rafaela, eu vi! Mesmo que eu não tivesse visto, ela

falou que eles estão juntos há mais de vinte anos, e ele não

desmentiu.

RAFAELA – Não?

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CLOTILDE – Não. Ficou lá gaguejando, parecia que tinha uma

batata quente na boca. Como é que isso pôde acontecer? Ele ter

uma amante durante mais de vinte anos e eu não perceber?

RAFAELA – Eu também não desconfiava de nada mãe.

CLOTILDE – Rafaela, amanhã você vai fazer uma coisa pra

mim. Você vai na casa do safado, pega as nossas roupas, coloca

numa mala e traz pra cá. Eu não quero correr o risco de chegar lá

e encontrar aquele cachorro careca.

RAFAELA – Então a gente vai ficar aqui mesmo?

CLOTILDE – Por enquanto a gente fica, mas eu estou pensando

aqui numa outra coisa. Se eu resolver, te digo.

RAFAELA – Tá bom, mãe.

Clotilde – Agora dorme, minha filha. Descansa que o dia hoje não

foi fácil pra nenhuma de nós.

RAFAELA – Boa-noite.

CLOTILDE – Boa-noite.

Rafaela se vira para dormir. Clotilde está deitada, mas fica olhando para o teto.

CORTA Pra

Cena 12 – Tomada de Porto Alegre amanhecendo ao som da música “Beatriz” de Milton

Nascimento, que continua na cena 13.

CORTA Pra

Cena 13 – Tomada da casa de Marcelo de manhã.

CORTA Pra

Cena 14 – CASA DE MARCELO/SALA DE JANTAR/INT/DIA

Yêda está colocando a mesa para o café da manhã e Janete a supervisiona.

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YÊDA –Está faltando alguma coisa, dona Janete?

JANETE – Não Yêda. Está perfeito.

YÊDA – Dona Beatriz me disse que a senhora trabalhou em hotel

de gente rica.

JANETE – Trabalhei sim.

YÊDA – Por isso que a senhora sabe isso tudo de etiqueta, de

como servir, essas coisas?

JANETE – Eu aprendi lá. Era um bom trabalho. Eu gostava

muito.

YÊDA – Desculpe perguntar, mas por que a senhora saiu de lá?

JANETE – O dono do hotel era um amor de pessoa. Um homem

muito bom, mas não tinha o menor talento pro negócio. Acabou

tendo que vender o hotel. Eu ainda fiquei trabalhando algum

tempo com o dono novo, mas não era a mesma coisa. Ele era

desonesto, não pagava direito. Achei melhor sair.

YÊDA – Aqui não acontece isso não. Eles tratam os empregados

muito bem e pagam tudo direitinho.

JANETE – Eu tenho certeza que sim. O bolo já está pronto?

YÊDA – Já sim. Vou pegar.

Yêda sai em direção à cozinha. Janete confere se está tudo certo na mesa. Beatriz entra,

vinda da sala.

BEATRIZ (SORRIDENTE) – Bom dia Janete.

JANETE – Bom dia dona Beatriz.

BEATRIZ – Você começou cedo.

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JANETE – Quando a senhora acordar já precisa estar tudo

preparado.

Beatriz se senta à mesa.

BEATRIZ – A mesa está linda.

JANETE – Que bom que a senhora gostou.

BEATRIZ – Depois do café eu quero conversar com você e a

Yêda pra passar algumas coisas, mostrar pra você a rotina da

casa, os horários de cada um, e principalmente os gostos de cada

um. Aqui cada um gosta das coisas de um jeito. É uma loucura.

JANETE (SORRINDO) – Pode ficar tranqüila que eu vou fazer

tudo funcionar como vocês gostam.

BEATRIZ – Ótimo.

Yêda entra trazendo o bolo.

YÊDA – Bom-dia dona Beatriz.

BEATRIZ – Bom-dia Yêda. Esse bolo está com um cheiro

delicioso.

Yêda coloca o bolo na mesa e sai. Marcelo entra, vindo da sala.

BEATRIZ – Marcelo, esta é a Janete. Ela vai trabalhar como

governanta aqui em casa. Você se lembra, não é?

MARCELO – Claro. Como vai, Janete?

JANETE – Bem, obrigada.

Marcelo se senta para tomar café.

MARCELO – Espero que você goste de trabalhar aqui. As

pessoas são meio esquisitas, mas ninguém morde...muito.

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BEATRIZ (RINDO) – Assim você vai espantar a Janete no

primeiro dia.

JANETE (SORRINDO) – Pode ficar tranqüila que isso não vai

acontecer. Com licença, eu vou até a cozinha. Se precisarem de

alguma coisa, é só chamar. Com licença.

MARCELO – Toda.

Janete sai em direção á cozinha.

MARCELO – Muito educada. Simpática.

BEATRIZ – E sim. Parece ser uma boa moça. Eu acho que vai ser

ótimo tê-la aqui em casa.

MARCELO – E a filha dela? O que o Nestor resolveu?

BEATRIZ – Ela vai hoje na fábrica conversar com ele. Ele quer

conhecer a moça, ver como ela é. Mas tenho certeza de que não

vai haver problema.

MARCELO – Melhor assim. Meu amor, me passe o bolo, por

favor.

BEATRIZ – Claro.

CORTA Pra

Cena 15 – CASA DE GIOCONDA/SALA/DIA

Gioconda está na sala passando roupa e Tchesca entra. Está desanimada, usando uma

roupa discreta.

TCHESCA – Essa roupa mesmo?

GIOCONDA (SORRINDO) – Tá linda!

TCHESCA – Roupa sem graça. Não tem um brilho, um paetê,

nada.

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GIOCONDA – Tchesca, você vai trabalhar numa fábrica de

sapatos, não de madrinha de bateria de escola de samba.

TCHESCA – Deixa eu dar um abraço na Cabrizela pra ela me dar

sorte.

GIOCONDA (BRAVA) – Você não é nem louca de chegar perto

dessa cabrita!

TCHESCA – Mas por quê, vó?

GIICONDA – Porque você vai ficar cheirando a bosta de cabrita.

Vai, vai indo. Vai acabar se atrasando.

TCHESCA – Tá bom. Tô indo.

CORTA Pra

Cena 16 – Tomada da fábrica de sapatos de manhã.

CORTA Pra

Cena 17 – FÁBRICA/ANTE-SALA/INT/DIA

Tchesca entra olhando para tudo como se estivesse deslumbrada. Lívia a observa com

cara de poucos amigos.

LÍVIA – Você é a garota que a dona Beatriz mandou, não é?

TCHESCA – Sou eu sim.

LÍVIA – Eu vou avisar o Dr. Nestor que você está aqui.

TCHESCA – Obrigada.

Lívia liga para a sala de Nestor. Tchesca continua observando tudo.

CORTA Pra

Cena 18 – FÁBRICA/SALA DE NESTOR/INT/DIA

Nestor está sentado à sua mesa e Tchesca está sentada na sua frente.

NESTOR (SIMPÁTICO) – Então você é a Francisca?

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TCHESCA – É. Mas eu não gosto muito desse nome.

NESTOR – Não?

TCHESCA – Não. As pessoas me chamam de Tchesca.

NESTOR – Tchesca? Interessante. Bom...Tchesca, no que

exatamente você já trabalhou?

TCHESCA – Já fiz de tudo. Trabalhei em academia, escola,

locadora. Trabalhei em escola de computação também.

NESTOR – Então você sabe usar o computador?

TCHESCA – Claro.

NESTOR – Ótimo. A dona Beatriz me pediu pra encaixar você

aqui num cargo de secretária.

TCHESCA – Eu ia adorar.

NESTOR – É claro que você seria mais uma espécie de assistente

de secretária. A nossa secretária é muito eficiente, trabalha na

fábrica há muitos anos e você a auxiliaria.

TCHESCA – Pode deixar que eu aprendo muito rápido.

NESTOR (SORRINDO) – Eu tenho certeza que sim.

Nestor apanha o interfone e faz uma ligação.

NESTOR – Dona Lívia, venha até aqui, por favor.

Nestor desliga o interfone.

NESTOR – Eu vou falar para a dona Lívia encaminhar você ao

nosso departamento pessoal pra eles lhe passarem a lista de

documentos que vão precisar pra fazer o seu contrato de

experiência.

TCHESCA – Então...Eu estou contratada?

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NESTOR (SORRINDO) – Está sim.

Lívia entra.

LÍVIA – Pois não, Dr. Nestor?

NESTOR – Dona Lívia, essa aqui é a Fran...a Tchesca.

TCHESCA – Isso.

NESTOR – Ela vai trabalhar conosco. Vai ser sua assistente.

Lívia olha friamente para Tchesca e esboça um sorriso.

NESTOR – Eu quero que você a acompanhe até o departamento

pessoal, pra acertar a contratação.

LÍVIA – Pois não. Mais alguma coisa?

NESTOR – Sim. Tchesca, você pode nos dar licença?

TCHESCA – Claro.

Tchesca se levanta.

NESTOR – Dona Lívia já vai encontrar com você na ante-sala.

TCHESCA – Sim senhor. Muito obrigada.

NESTOIR – De nada.

Tchesca sai.

LÍVIA (BRAVA) – Eu vou ter mesmo que aturar essa garota em

cima de mim?

NESTOR – Amiga da patroa. Não tem como não contratar.

LÍVIA – Ela pode nos atrapalhar, Nestor.

NESTOR – Eu achava isso também, antes de conhecer essa

menina. A garota é uma idiota. Uma completa retardada. Não vai

nos atrapalhar em nada.

LÍVIA – Tem certeza?

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NESTOR – Ela pode até nos ser útil.

LÍVIA – Como?

NESTOR – Eu ainda não sei, mas mais pra frente eu vou pensar

numa forma.

LÍVIA – Deixa eu levar a mocinha no RH.

NESTOR – Ensina o trabalho pra ela direitinho.

LÍVIA (IRRITADA) – Era só o que me faltava.

Lívia sai e Nestor fica rindo.

CORTA Pra

Cena 19 – FÁBRICA/ANTE-SALA/INT/DIA

Tchesca está de pé na ante-sala. Está muito contente.

TCHESCA – Nem acredito que eu vou trabalhar aqui!

Lívia entra.

LÍVIA (SECA) – Me acompanhe.

TCHESCA – Sim senhora.

Lívia vai saindo e Tchesca a acompanha.

CORTA Pra

Cena 20 – Tomada do Rio de Janeiro de manhã ao som da música “Fico Sem Você” de

Adriana Calcanhoto, que continua na cena 21.

CORTA Pra

Cena 21 – Tomada da vila no Rio de Janeiro, de manhã.

CORTA Pra

Cena 22 – CASA DE EDUARDO/SALA/INT/DIA

Fátima está varrendo a sala. Natália entra vinda do quarto.

FÁTIMA – Você não foi com a mamãe?

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NATÁLIA – Não. Eu precisava pegar um documento na casa de

um cliente então primeiro eu passo lá e depois vou pro escritório.

FÁTIMA – Que bom isso de você estar trabalhando lá.

NATÁLIA – A mamãe não acha.

FÁTIMA – Por quê?

NATÁLIA – Você sabe que ela implica com tudo que eu faço. Só

tô lá porque o Dr. Viriato chamou, porque por ela eu não estava

não.

FÁTIMA – Imagina, Natália.

NATÁLIA – Você fala isso porque sempre foi a preferida dela.

FÁTIMA – Não sou nada preferida. É que o meu temperamento e

o dela são mais parecidos. A mamãe gosta de nós três da mesma

forma.

NATÁLIA – Tá bom. Vai acreditando.

FÁTIMA – Esqueci de te falar. Sabe quem veio aqui ontem?

NATÁLIA – Quem?

FÁTIMA – O Mário.

NATÁLIA – O amigo do Murilo?

FÁTIMA – Isso.

NATÁLIA (INTERESSADA) – O que ele veio fazer aqui?

FÁTIMA – Veio ver como eu estava e se despedir.

NATÁLIA – Sei. Não perguntou por mim?

FÁTIMA (SORRINDO) – Você se interessou por ele?

NATÁLIA (IRRITADA) – Deixa de ser boba, Fátima. Claro que

não. Tô só perguntando.

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FÁTIMA – Não ia ter problema nenhum. Você não tem

namorado. Ele é bonito.

NATÁLIA – Eu vou trabalhar que eu ganho mais.

Natália sai e deixa Fátima sorrindo.

CORTA Pra

Cena 23 – VILA NO RIO/INT/DIA

Natália sai de casa e pára no portão.

NATÁLIA – Quer dizer que ele veio aqui ver se a coitadinha da

Fátima estava bem? Sempre a Fátima! Coisa irritante.

Ariadne se aproxima.

ARIADNE – Tá falando sozinha?

NATÁLIA (IRRITADA) – Não me enche! Vai cuidar da sua vida.

Natália vai embora muito brava.

ARIADNE (SURPRESA) – O que foi que eu fiz? Que menina

maluca!

CORTA Pra

Cena 24 – Tomada do prédio do escritório de Viriato.

CORTA Pra

Cena 25 – ESCRITÓRIO DE VIRIATO/ANTE-SALA/INT/DIA

Luciana está conversando com Hélio.

HÉLIO – Não queria vir incomodar a senhora, mãe, mas eu

quando eu saí o pai não tava mais e eu preciso pagar a inscrição

do concurso hoje.

LUCIANA – Não tem problema filho. Eu esqueci de deixar o

dinheiro. Saí de casa correndo. Vou pegar pra você.

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O interfone toca e Luciana atende.

LUCIANA – Pois não, Dr. Viriato? (pausa) Já estou indo.

Luciana desliga o interfone.

LUCIANA – Espera um pouco que o Dr. Viriato quer falar

comigo. Já volto.

Luciana vai para a sala de Viriato. Hélio fica lá. Nelo e Vivi entram.

HÉLIO – Oi.

NELO – Você é...O filho da Luciana, não é?

HÉLIO – Isso. Hélio. O senhor é o seu Nelo.

NELO – Sem isso de senhor. Só Nelo.

HÉLIO (SORRINDO) – Tudo bem. Nelo.

NELO – Essa aqui é a Vivi, minha irmã.

HELIO – Tudo bem?

VIVI – Tudo.

NELO – A Luciana e a Natália não estão?

HÉLIO – Minha mãe tá na sala do seu avô e a Natália não está

não.

NELO – Vivi, é melhor você esperar então. Vovô deve estar

ocupado. Se você quiser vem pra minha sala.

VIVI – Vou sim. Tchau.

HÉLIO – Tchau.

Nelo e Vivi saem para a sala de Nelo. Luciana entra, vinda da sala de Viriato.

LUCIANA – Pronto. Deixa eu pegar o dinheiro.

HÉLIO – A neta do Dr. Viriato é bonita, né?

LUCIANA (ESTRANHANDO) – Onde você viu a Vivi?

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HÉLIO – Ela acabou de entrar com o Nelo.

LUCIANA – É. Ela é muito bonita.

Luciana tira o dinheiro da bolsa e o entrega a Hélio.

LUCIANA – Toma. Vai lá fazer a inscrição.

HÉLIO – Obrigado, mãe.

Hélio dá um beijo na mãe.

HÉLIO – Tô indo. A gente se vê em casa.

LUCIANA – Vai com Deus.

Hélio sai e Luciana volta ao trabalho.

CORTA Pra

Cena 26 – Tomada de Belo Horizonte de manhã ao som da música “Pra Rua Me Levar”

de Maria Bethânia, que continua na cena 27.

CORTA Pra

Cena 27 – Tomada da livraria de manhã.

CORTA Pra

Cena 28 – LIVRARIA/ESCRITÓRIO/INT/DIA

Cibele está falando ao celular.

CIBELE – Então tá combinado.

Irene entra.

CIBELE – De noite a gente se vê. Um beijo.

Cibele desliga o telefone.

IRENE – Me atrasei. Perdi a hora.

CIBELE – Você deveria perder a hora mais vezes.

IRENE – Por quê?

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CIBELE – Você é muito certinha, Irene. Sempre faz tudo certo,

sempre chega na hora marcada. Você precisa enlouquecer um

pouco.

IRENE – Deus me livre. Se certinha assim eu já sou toda

enrolada, imagina se eu fosse uma desvairada. Não encontrava

nem a porta de casa.

Irene se senta no sofá.

IRENE – Você nem imagina a preguiça que eu tô hoje. Não estou

com vontade de fazer nada.

CIBELE – Mas eu tenho muito que fazer.

IRENE – É?

CIBELE – É. Sabe quem era no telefone?

IRENE – Não.

CIBELE – Renan.

IRENE (IRÔNICA) – O casado?

CIBELE – O próprio.

IRENE – E o que ele queria?

CIBELE – A gente vai se ver hoje à noite.

IRENE – Aonde vocês vão?

CIBELE – Jantar. Mas eu tenho outros planos.

IRENE – O que você vai aprontar?

CIBELE – Você me conhece. Sabe muito bem pra que eu quero

um homem desses.

IRENE – Cibele, Cibele. Eu não sei o que eu faço com você.

CIBELE (RINDO) – Mas eu sei o que eu faço com ele.

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Cibele se levanta.

CIBELE – Vou descer. Tem um monte de coisa na loja pra eu

fazer. Beijinho.

Cibele sai.

IRENE – Eu também. Levanta Irene! Força, que tem um monte

de coisa te esperando naquela mesa.

Irene olha desanimada para a mesa.

CORTA Pra

Cena 29 – Tomada da casa de Renan de manhã.

CORTA Pra

Cena 30 – CASA DE RENAN/PISCINA/EXT/DIA

Berta está deitada na espreguiçadeira à beira da piscina. Renan se aproxima carregando

sua pasta de trabalho.

RENAN – Já está tomando sol?

BERTA – Essa é a melhor hora. Depois fica muito forte.

RENAN – Meu amor, já estou indo pra empresa.

BERTA – Renan, você leu o jornal hoje?

RENAN – Ainda não.

BERTA – Estão falando novamente sobre o caso da explosão do

avião.

RENAN – E o que eles falam?

BERTA – Que o resultado da perícia deve sair em dois meses.

RENAN – Pensei que fosse demorar mais. De qualquer jeito, é

bom. Quanto mais cedo nós soubermos o que aconteceu, melhor.

Renan dá um beijo em Berta.

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RENAN – Não me espere. Tenho um jantar com um grupo da

China.

BERTA – Mais um?

RENAN – Pois é. Você sabe que eu preferia vir pra casa e ficar

com o você e o Caio, mas negócios são negócios. Tchau, meu

amor.

Renan vai embora e Berta fica olhando com raiva enquanto ele se afasta.

CORTA Pra

Cena 31 – Tomada do cursinho de Janaína de manhã.

CORTA Pra

Cena 32 – CURSINHO DE JANAÍNA/EXT/DIA

Caio está encostado no muro. Janaína vem chegando.

JANAÍNA (SURPRESA) – Caio!

Janaína dá um beijo no rosto do rapaz.

JANAÍNA – Tá fazendo o que aqui?

CAIO – Vim ver você.

JANAÍNA – Me ver?

CAIO – É. Já sei que a sua mãe me proibiu de entrar na sua casa.

O seu irmão eu ainda vejo lá na livraria, ou ele vai na minha casa.

Mas ver você é mais difícil.

JANAÍNA – Você podia me ligar. A gente combinava alguma

coisa.

CAIO – É?

JANAÍNA – Claro. Vai começar um festival de teatro amador.

Não sei se você curte.

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CAIO – Me amarro.

JANAÍNA – A gente podia ir. Acho que começa na sexta e vai até

domingo.

CAIO – Vamos sim. Sabe que eu fiz teatro na escola?

JANAÍNA – Verdade?

CAIO (SORRINDO) – É. Mas eu era muito tímido. Achei melhor

deixar quieto.

JANAÍNA – Eu nunca tentei.

CAIO – Você ia dar uma Julieta linda.

Janaína começa a rir.

CAIO – O que foi? Falei alguma coisa errada?

JANAÍNA (RINDO) – Não. Me desculpa. É que a minha irmã

esses dias me disse uma coisa que tinha a ver com a Julieta. Só

isso.

CAIO – Ah tá. Bom, tô indo. Não quero atrapalhar a sua aula.

JANAÍNA – É. Eu preciso mesmo entrar.

Caio dá um beijo no rosto de Janaína.

CAIO – Tchau.

JANAÍNA – Tchau.

Caio vai indo embora e Janaína fica olhando.

JANAÍNA (CHAMANDO) – Caio!

Caio se vira para Janaína.

JANAÍNA – Gostei de você ter vindo.

Caio sorri para Janaína, que entra no cursinho. Caio vai embora feliz.

CORTA Pra

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Cena 33 – Tomada de São Paulo de manhã ao som da música “Eu Gosto de Mulher” do

Ultraje a Rigor, que continua na cena 34.

CORTA Pra

Cena 34 – Tomada do prédio de Mário de manhã.

CORTA Pra

Cena 35 – APARTAMENTO DE MÁRIO/SALA/INT/DIA

Mário entra com uma expressão satisfeita. Ele se deita no sofá e fica olhando para o

teto. Margarida entra, vinda da cozinha.

MARGARIDA – Olha só a cara dele.

MÁRIO – Tô com cara de bobo?

MARGARIDA – Eu não posso chamar o senhor de bobo. O

senhor é meu patrão. Mas que tá, tá.

MÁRIO – Margarida, Margarida. Você nem imagina a mulher

que eu conheci.

MARGARIDA – Se seguir o mesmo estilo da dona Vanessa, eu

imagino o que vem por aí.

MÁRIO – Não. Ela não tem nada a ver com a Vanessa. É uma

mulher mais velha, mais vivida.

MARGARIDA (RINDO) – Ôche, seu Mário! O senhor tá

pegando uma coroa?

MÁRIO – Também não é assim. Ela é mais velha, mas é bonita,

charmosa. Sabe o que ela fez comigo?

MARGARIDA – Seu Mário, o senhor me respeite! Deixa o

Edimílson ficar sabendo que o senhor fica querendo me contar

suas intimidades. Ele não vai gostar. Isso não está certo.

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MÁRIO – Não é nada disso! Eu quero dizer que ela me pegou

aqui ontem, me levou pro Guarujá, alugou um iate só pra gente

ficar junto, vendo as estrelas no mar.

MARGARIDA – Então ela deve ter é dinheiro.

MÁRIO – Deve ter.

MARGARIDA – É, mas esse negócio de ver estrela, na minha

época tinha outro nome.

MÁRIO – Depois o sem vergonha sou eu.

MARGARIDA – E não é?

MÁRIO – Eu vou tomar um banho que preciso resolver umas

coisas hoje de manhã.

Mário se levanta.

MÁRIO – Se alguém me ligar você diz que eu tô no banho e que

já ligo.

MARGARIDA – Menos a falecida.

MÁRIO – Isso. Menos a Vanessa.

MARGARIDA – Pra ela eu falo que o senhor tá vendo estrela

com a coroa.

MÁRIO – Margarida.

MARGARIDA – Brincadeirinha.

Mário vai em direção ao banheiro para tomar banho.

MARGARIDA – Vê estrela. Sei. Pra mim isso é sem vergonhice.

CORTA Pra

Cena 36 – Tomada do shopping à tarde.

CORTA Pra

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Cena 37 – LOJAS MUNDO/INT/TARDE

Rogério, Henrique e Lêda caminham pelo setor de roupas.

ROGÉRIO – Realmente Lêda, você deixou o setor de moda da

melhor forma possível.

LÊDA – É. Foi um pouco difícil pelos motivos que nós já

conversamos, mas eu acho que o resultado é bom mesmo,

modéstia a parte.

HENRIQUE – Agora nós precisamos pensar na coleção popular.

Acho que vai ser muito importante pras lojas Mundo. Nós

poderíamos pensar em um grande lançamento.

LÊDA – Eu já estou pensando nisso. Nós vamos ter uma modelo

exclusiva, não só pra essa coleção, mas para todas que nós vamos

fazer.

HENRIQUE – Quem é a modelo?

LÊDA – Ela não é conhecida. Achei que seria bom nós

apostarmos em um rosto novo. Ela ainda não aceitou, mas duvido

que deixe passar uma chance dessas.

HENRIQUE – Ela precisa resolver logo. Não podemos esperar

muito.

ROGÉRIO – E as fotos de lançamento?

HENRIQUE – Já falei com a fotógrafa. Parece que ela não

gostou muito. Ela me pareceu um pouco geniosa.

LÊDA (SORRINDO) – A Vanessa tem um temperamento forte,

mas é uma excelente profissional. Ela vai fazer fotos

maravilhosas.

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ROGÉRIO – Foi ela quem fotografou os últimos catálogos?

LÊDA – Foi.

ROGÉRIO – Gostei muito. Ela tem muito talento. Bom, o que

vocês acham de nós almoçarmos?

HENRIQUE – Eu infelizmente não posso. Vou aproveitar o

horário de almoço pra resolver algumas coisas.

ROGÉRIO – E você, Lêda? Me acompanha?

LÊDA (SURPRESA) – Eu?

ROGÉRIO (SORRINDO) – A não ser que você ache a minha

companhia muito chata.

LÊDA – De jeito nenhum. Vou adorar.

ROGÉRIO – Ótimo. Eu vi um restaurante bem simpático aqui no

shopping mesmo, mas se você preferir nós podemos ir a outro

lugar.

LÊDA – Não. Aqui está ótimo.

Rogério e Lêda sorriem um para o outro.

CORTA Pra

Cena 38 – Tomada de Mirassol à tarde.

CORTA Pra

Cena 39 – CASA DE CLOTILDE/SALA/INT/TARDE

Rafaela entra na casa, vinda da rua. Teodorico ouve o barulho e entra na sala, vindo do

quarto.

TEODORICO – Oi minha filha. Pensei que fosse sua mãe.

RAFAELA – Sou eu. Vim pegar umas coisas.

TEODORICO – Coisas? Que coisas?

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RAFAELA – A mamãe mandou eu pegar as roupas dela, colocar

nas malas e levar lá pro sítio.

TEODORICO – Por quê?

RAFAELA (IRRITADA) – Por que, pai? O senhor ainda tem a

cara de pau de perguntar?

TEODORICO – Minha filha, eu não sei o que a sua mãe lhe

contou, mas...

RAFAELA (INTERROMPENDO) – Ela me contou tudo.

TEODORICO – Tudo? Que tudo?

RAFAELA – Tudo. Me falou que o senhor tem um caso com

aquela mulher há mais de vinte anos.

TEODORICO (SEM GRAÇA) – Ah, esse tudo.

RAFAELA – Pai, como o senhor pode fazer uma coisa dessas

com a mamãe?

TEODORICO – Eu errei, minha filha. Eu sei disso. Sua mãe não

merecia isso, e agora eu sei. Eu juro que eu nunca mais vou fazer.

Nunca mais vou ver a espanhola. Sua mãe precisa me dar uma

chance.

RAFAELA – Acho difícil. Ela não quer ver o senhor nem pintado

de ouro.

TEODORICO – Ela ainda está com muita raiva?

RAFAELA – Disse que se o senhor aparecer lá no sítio ela capa o

senhor.

TEODORICO (ASSUSTADO) – Capa?!

RAFAELA – É.

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TEODORICO – Então é melhor eu não aparecer por lá.

RAFAELA – Se eu fosse o senhor eu mantinha distância.

Teodorico senta entristecido no sofá. Rafaela sente pena do pai e se senta ao seu lado.

RAFAELA – Pai, ela está muito magoada com o senhor. Também

não é pra menos. Se coloca no lugar dela.

TEODORICO – Eu sei. Mas eu amo a sua mãe. Não sei viver

sem ela.

RAFAELA – Por que o senhor não espera o tempo passar? Quem

sabe daqui a pouco a raiva não passa?

TEODORICO – Você acha que passa?

RAFAELA – Não.

TEODORICO (DECEPCIONADO) – Minha filha, você falando

isso, acaba comigo.

RAFAELA – Eu tô sendo sincera com o senhor. Nunca vi a mãe

tão brava.

TEODORICO – Acho que nem eu. Quando ela mirou aquela

espingarda pra mim e começou a atirar, eu pensei que ela queria

me acertar mesmo, mas ela só fez aquilo pra me assustar. Só

atirou perto.

RAFAELA – É que ela errou.

TEODORICO – O que?

RAFAELA – Ela passou a noite inteira se lamentado de não ter

aprendido a atirar direito. Sorte sua que ela não aprendeu!

TEODORICO – Ela... não errou de propósito?

RAFAELA – Não.

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Teodorico faz cara de assustado.

CORTA Pra

Cena 40 – CASA DE CARMENCITA/SALA/INT/TARDE

Carmencita anda impaciente pela sala. Está nervosa.

CARMENCITA – Não acredito que aquele safado fugiu daqui e

não voltou mais. Ele não pode fazer isso. Eu mereço uma

satisfação. Ele sempre disse que tava com a outra por causa dos

filhos, mas agora que ela descobriu, ele não tem mais porque

ficar com ela. Mas então, por que ele não está aqui? Carmencita,

Carmencita, abre o olho. Você não pode deixar essa oportunidade

passar. Se essa fulana aceita ele de volta, você tá perdida. Ele

nunca mais vai sair de casa. Eu preciso fazer alguma coisa.

Carmencita pensa um pouco, e depois parece ter uma idéia.

CARMENCITA – É isso o que eu vou fazer. Me aguarde,

Teodorico Barroso. Me aguarde.

Carmencita apanha sua bolsa e sai.

CORTA Pra

Cena 41 – Tomada do sítio à tarde.

CORTA Pra

Cena 42 – SÍTIO/SALA/INT/TARDE

Clotilde está parada diante da janela, pensativa. Da porta da cozinha, Aldeíde e

Odeneide a observam.

ALDEÍDE – Ela disse alguma coisa?

ODENEIDE – Nada. Tá só parada, olhando pra essa janela.

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ALDEÍDE – Eu não estou gostando disso. A Clotilde tem um

gênio esquentado. Era pra estar gritando e quebrando tudo, e não

ficar parada aí.

ODENEIDE – É, mas ontem ela já botou pra quebrar. Esqueceu o

que ela fez com o Teodorico?

ALDEÍDE – Não. Pensei que ela ia acabar com ele.

ODENEIDE – Devia ter acabado.

ALDEÍDE – Não fala uma coisa dessas nem brincando.

ODENEIDE – Mas ele merecia. Coitada da Clotilde. Ser

enganada por tanto tempo.

ALDEÍDE – Ainda bem que eu não me casei. Deus me livre

passar por isso.

Clotilde sai da janela e vai até o meio da sala.

ODENEIDE – Olha lá. Ela está se mexendo.

ALDEÍDE – Eu vou falar com ela.

Aldeíde se aproxima de Clotilde. Odeneide vem logo atrás.

ALDEÍDE – Você quer alguma coisa Clotilde?

Clotilde faz um gesto negativo com a cabeça.

ODENEIDE – Não quer um cafezinho? Eu faço num minuto.

Mais uma vez ela faz um gesto negativo com a cabeça. As duas irmãs ficam sem saber o

que fazer.

ODENEIDE (SUSSURRANDO) – E agora? O que a gente faz?

ALDEÍDE (SUSSURRANDO) – E eu é que sei?

Clotilde começa a andar na direção do quarto.

ALDEÍDE – Aonde você vai?

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CLOTILDE (PENSATIVA) – Vou pro quarto. Eu preciso pensar.

Eu tenho que tomar uma decisão muito importante, então eu

preciso pensar muito.

Clotilde vai para o quarto deixando as duas irmãs sozinhas na sala.

ALDEÍDE – Será que ela tá ficando doida?

ODENEIDE – Imagina, Aldeíde!

ALDEÍDE – Imagina por quê? Eu já ouvi falar de um monte de

casos assim. A mulher descobre que o marido tinha outra e

pronto. Fica maluca.

ODENEIDE (INCRÉDULA) – É?

ALDEÍDE – Dizem que têm um monte delas nesses hospitais pra

loucos.

Odeneide fica olhando assustada para Aldeíde.

CORTA Pra

Cena 43 – Tomada de São Paulo à tarde ao som da música “Encontros” de Pedro

Mariano, que continua na cena 44.

CORTA Pra

Cena 44 – Tomada do shopping à tarde.

CORTA Pra

Cena 45 – UM RESTAURANTE NO SHOPPING/INT/TARDE

Rogério e Lêda estão em uma mesa almoçando.

ROGÉRIO – Você já tinha vindo aqui antes?

LÊDA – Não. Na verdade eu quase nunca tenho tempo de

almoçar. Eu costumo pedir um sanduíche ou uma salada e como

lá no escritório mesmo.

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ROGÉRIO – Eu já fiz muito isso também. Eu comecei bem de

baixo. Trabalhava como Office-boy numa construtora. Eu era

muito pobre, mas muito esforçado. Sempre soube o que quis e

sempre lutei pra conseguir o que queria.

LÊDA – Quem olha não imagina que você já foi pobre.

ROGÉRIO – Mas fui. E muito. Por isso eu lutei tanto. Jurei pra

mim que nunca mais ia passar pelo que passei.

LÊDA – E conseguiu.

ROGÉRIO – Consegui. Tive vários problemas no meio do

caminho, mas isso não me deteve. Eu posso dizer que sou um

homem de sucesso. Que conseguiu tudo o que quis. Claro que

tive minhas tristezas também.

Rogério fica um pouco pensativo.

LÊDA – Pelo jeito essas tristezas marcaram muito você.

ROGÉRIO – Por quê?

LÊDA – Você ficou em silêncio, pensativo. Como se isso te

incomodasse ainda.

ROGÉRIO – Existem fatos e pessoas que não são fáceis de

esquecer. Como você deve saber, eu sou viúvo.

LÊDA – Sei. A sua esposa faleceu há pouco tempo.

ROGÉRIO – Foi.

LÊDA – Eu sinto muito.

ROGÉRIO – Obrigado. Ela era uma mulher maravilhosa. Bonita,

inteligente. Eu sinto muita falta dela.

LÊDA – Você devia amar muito a sua esposa.

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ROGÉRIO – Amava não, ainda amo. Eu fui casado três vezes,

Lêda. E fui apaixonado por essas três mulheres. Cada uma de um

jeito, mas eu as amei muito.

LÊDA – Eu imagino.

ROGÉRIO – Você me desculpe. Nós nem nos conhecemos e eu

fico aqui incomodando você com os meus problemas.

LÊDA – Não está incomodando. Nós só estamos conversando.

Rogério sorri para Lêda, que retribui o sorriso.

CORTA Pra

Cena 46 – Tomada de Mirassol à tarde.

CORTA Pra

Cena 47 – CASA DE CLOTILDE/EXT/TARDE

Carmencita vem andando pela rua. Ela vai na direção da casa de Clotilde. Ao ver a porta

se abrindo ela se esconde atrás de uma árvore. Rafaela coloca duas malas no jipe, sobe

no carro e vai embora.

CARMENCITA – Malas? Isso quer dizer que ela saiu de casa.

Então a hora é agora, Carmencita. Ou você fica com esse homem

dessa vez ou não fica nunca mais.

Carmencita vai até a casa e bate à porta.

CORTA Pra

Cena 48 – CASA DE CLOTILDE/SALA/INT/TARDE

Batem à porta. Teodorico vem da cozinha.

TEODORICO – Esqueceu alguma coisa, Rafaela?

Teodorico abre a porta e dá de cara com Carmencita. Ele se assusta.

TEODORICO – Carmencita?!

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CARMENCITA (IRÔNICA) – Lembra de mim? Que bom.

Carmencita entra. Teodorico olha para fora para ver se ninguém viu Carmencita

entrando e fecha a porta.

TEODORICO – Você tá doida, mulher? Aparecer aqui depois

daquela confusão toda.

CARMENCITA – Você sumiu. Queria que eu fizesse o que?

TEODORICO – Carmencita, agora não é hora pra isso.

CARMENCITA (BRAVA) – E quando vai ser a hora? Já estou

cheia de sempre ficar esperando. Teodorico, agora você não tem

mais desculpa pra ficar dividido entre eu e a aguada da sua

mulher.

TEODORICO – Ah, meu Deus do céu.

CARMENCITA – Chegou a hora de você decidir. Ou fica

comigo, ou fica com ela.

Teodorico olha para Carmencita com cara de desolado.

CORTA Pra

Cena 49 – Tomada do sítio à tarde.

CORTA Pra

Cena 50 – SÍTIO/SALA/INT/TARDE

Rafaela entra na sala carregando duas malas. Aldeíde e Odeneide vão ajudá-la.

RAFAELA – Gente, essas malas tão pesadas demais.

ODENEIDE – Deixa que eu ajudo.

Odeneide segura uma das malas.

ODENEIDE – O que tem aqui dentro? Chumbo?

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RAFAELA – Eu trouxe tudo. Minha mãe falou pra colocar todas

as nossas coisas nas malas e trazer. Foi o que eu fiz.

ALDEÍDE – Deixa essas malas aí. Depois nós levamos lá pra

dentro.

Rafaela, Aldeíde e Odeneide se sentam no sofá.

ALDEÍDE – Minha filha, nós estamos muito preocupadas com a

sua mãe.

RAFAELA – Por quê?

ODENEIDE – Ela está agindo de uma forma estranha. Quase não

fala.

ALDEÍDE – Nós achamos que ela está ficando biruta.

RAFAELA – Biruta? A minha mãe?

Clotilde entra na sala. Rafaela, Aldeíde e Odeneide se assustam. Clotilde fica olhando

para as três.

RAFAELA – Oi mãe.

ALDEÍDE – Você está melhor?

CLOTILDE – Eu tomei uma decisão muito importante.

ODENEIDE – Qual?

CLOTILDE – Rafaela, nós vamos embora de Mirassol.

RAFAELA (SURPRESA) – Como é?

CLOTILDE – Nós vamos para São Paulo. Vamos morar com o

seu irmão. Nós vamos morar na casa do Mário.

Rafaela, Aldeíde e Odeneide olham espantadas para Clotilde.

(FIM DO CAPÍTULO)

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