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A boa-fé nas relações de consumo, ao mais atraentes se usarmos este xampu

A CULTURA DO CONSUMO DE MAS-


ser guindada como um dos princípios ou aquele desodorante. O consumismo
SAS E O ESTADO DEMOCRÁTICO
norteadores do CDC, não o foi somente e a pressão pelo sucesso estão crian-
DE DIREITO
objetivando aquelas relações. Signifi- do uma epidemia de infelicidade para
Vitor Guglinski1 cando dizer, então, que não só o forne- pessoas que não conseguem alcançar
cedor está obrigado a observá-la, mas as metas colocadas à sua frente” (Revis-
também os consumidores são destinatá- ta Vida Simples / março de 2005, ed. nº
A massificação do consumo tem de- rios desse princípio não só em relação 26, pág. 54).
monstrado ser um dos grandes proble- àqueles, mas também à coletividade. Se
Não se pode proibir o consumo, até
mas a ser enfrentado pela sociedade o dever de cooperação tem sido a tônica
mesmo em face do art. 5º, II da Carta
contemporânea. Importantes debates nas relações jurídicas, por que não
Magna dispõe que “ninguém será obri-
têm sido promovidos em diversas reuni- haveria de ser nas sociais? O consumo,
gado a fazer ou deixar de fazer alguma
ões de cúpula ao redor do mundo, sali- em regra tido como uma relação obri-
coisa senão em virtude de lei”, mas há
entando a importância da defesa do gacional importa em direitos e deveres.
que se atentar para suas conseqüên-
consumidor contra os abusos cometi- Se por um lado o consumidor é ampara-
cias, sendo certo que o Estado detém
dos pelos fornecedores nas relações do pelo Estado em relação aos abusos
legitimidade para disciplinar determi-
de consumo, dada a vulnerabilidade cometidos pelos fornecedores, por ser
nadas condutas que atentem contra os
que àqueles atinge. medida de justiça, aquele, há de cum-
direitos difusos, coletivos e individuais
prir, também, lado outro, o dever de
Nota-se, com pesar, que o repertório homogêneos.
observar a mais extrema ética ao con-
jurídico ainda é singelo ao abordar os
sumir, ou seja, cuidar para que tal ato Lado outro, a grande dificuldade em
aspectos éticos do consumo, devendo
não venha a gerar conseqüências tutelar todos os aspectos da relação de
se depreender, daí, a relação entre o
nocivas à sociedade e ao planeta. consumo reside no fato de existirem, aí,
consumidor e a sociedade, sendo raras
fatores legais e morais. De um lado, o
as obras jurídicas explanando sobre o A globalização, como não poderia
diploma consumerista agasalha a prote-
tema, talvez por se tratar de aspectos deixar de ser, ao mesmo tempo em que
ção do consumidor frente ao fornecedor;
essencialmente sociológicos, reser- promoveu indubitáveis avanços nos
de outro há o dever de colaboração
vados à disciplina própria, mas não diversos setores da sociedade, também
cidadã para a consecução de uma soci-
menos importantes, porém escassos na semeou problemas globais, com reflexos
edade onde as liberdades individuais
bibliografia consumerista. distintos em cada corpo social. No caso
hão de ser mitigadas a fim de que se
do Brasil, além do desemprego e outras
Muito embora venham sendo cobrados estabeleça um denominador comum de
mazelas, pode-se dizer que o mal-estar
programas de responsabilidade social convívio sadio.
social também está ligado ao acirramen-
das empresas, que a sociedade civil
to do consumismo, salientando, ainda, Sobre o tema, Fabio Konder Comparato
venha se organizando crescentemente,
que as insatisfações e incertezas gera- assinala, com rara felicidade:
e que o Judiciário esteja se colocando a
das por este recente fenômeno ainda
favor do consumidor, a preocupação “O combate decisivo será travado não
estão longe de contarem com uma solu-
com a ética nas relações de consumo por meios militares, nem mesmo, como
ção, mas necessitam, pelo menos, de
ainda se encontra em fase embrionária, vulgarmente se pensa, no campo eco-
um paliativo, uma vez que a cultura
carente no que se refere à medidas nômico, mas no terreno das idéias, dos
imposta pelo modelo capitalista coloca
eficazes para conter o consumo desen- valores e das justificações éticas. Domi-
em xeque a liberdade do indivíduo no
freado e imprimir-lhe sustentabilidade. nador nenhum, em nenhum momento da
que se refere à suas preferências. Tal-
história, sobreviveu sem alimentar nos
Para se demonstrar a gravidade do vez, Oliver Wendell Holmes, no início do
súditos o sentimento da legitimidade do
problema, e afastar o argumento de que séc. XIX, já vaticinasse os acontecimen-
seu mando ou, pelo menos, da inutilida-
grande parte da população carece de tos de hoje ao proferir: “Dêem-nos o
de da revolta. ´O forte´, disse lucidamen-
informação, pelo fato da maioria perten- supérfluo da vida, que dispensaremos o
te Rousseau, ´não é nunca bastante
cer às classes menos privilegiadas da necessário” (Citado por Ives Gandra da
forte para estar sempre no poder se não
sociedade, não raro assiste-se a pesso- Silva Martins Filho, em artigo intitulado:
faz de sua força um direito e, da obedi-
as pertencentes à chamada “elite” come- Reflexões sobre a Liberdade, publicado
ência, um dever´”.
terem atos bárbaros como: jogar lixo na pela Revista de Direito Público / ano 1 –
via pública, abster-se de praticar a cole- nº 4 - abr, maio, jun/2004), pois é a Diante de tais considerações, urge uma
ta seletiva, utilizar o automóvel para expressão real do que ocorre na socie- profunda reflexão acerca do comporta-
percorrer distâncias ínfimas, desperdiçar dade consumista. mento do consumidor perante o mundo,
recursos naturais, entre outros hábitos e é exatamente este um dos desafios do
Nessa toada, um dos maiores expoentes
de consumo desregrados. Ou seja, a novo modelo de Estado Democrático de
no assunto na atualidade, o educador
questão não se resume propriamente na Direito.
britânico John Lane, em crítica ao mer-
falta de educação, pois, hodiernamen-
cado do lucro, assevera:
te, o acesso à informação é ampla-
mente franqueado, ocorrendo, sim, uma “As pessoas estão ligadas a metas de
falta de assimilação de informações. vida inalcançáveis. Os anúncios estão
sempre nos dizendo que seremos mais
1Assessor de Juiz em Juiz de Fora-MG. Especialista felizes se escolhermos esse carro, essa Texto retirado do site:
em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio nova cozinha. Dizem até que ficaremos
de Sá de Juiz de Fora - MG. www.jusnavigandi.com.br

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