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de Linguagem
Eletrônica
Antes do cinema falado, os filmes mudos é que são o ponto de partida material.
O ator disse: "Estou sendo filmado. Assim sendo penso... pelo menos, penso no
fato de que estou sendo filmado. É porque eu existo, que penso". Após o cinema
falado, houve um New Deal entre o assunto filmado, o ator e o pensamento. O
ator começou dizendo: "Penso que sou um ator. Por isso sou filmado. É porque eu
penso, que existo. Penso, logo existo".
(Diálogo de Jean-Luc Godard & Jean-Pierre Gorin em Carta para Jane).
Espectros da Forma
Acontece que não foram tão simples as tentativas de se fazer com que a forma
do belo se fizesse presente como categoria de análise. Ainda que o senso comum
mais simples diga que o que definimos como belo vem de uma representação
anterior até a própria representação, prefiro não seguir com este. Penso que
seria como tentar criar uma forma da forma, uma concepção que se ligaria a
desconexas argumentações sobre gosto, rechaço, inclusão, olhar, natureza, entre
outras, que nos fariam desviar por muitos caminhos.
O que formalmente foi se pensando sobre a própria problemática das formas foi
sendo discutido num plano essencialmente político. E o que não a torna menos
interessante, mas ao contrário, faz com que essa categorização venha entrar na
pauta da análise das implicações que tento trazer ao escrever esse texto.
Resumindo: a forma, o belo, a representação e o sublime foram sentenciados por
servirem a uma categorização de si mesmos, a uma brutalização de suas
definições. O que seria a mesma coisa que dizer que, por motivos políticos,
proibiu-se de pensar no que seria uma forma e no que ela representaria, tendo
em mente que se alguém assim procedesse estaria se colocando numa posição
autoritária, autóctone e, digamos assim, rígida em relação às mais variadas
expressões do que quer que seja.
Querendo obviamente fugir desse lugar que tanto incomodou a muitos, fomos
sendo levados até os dias de hoje a um maior afastamento do olhar sobre as
coisas em si. Se pensarmos que há um "em si" da coisa, é claro. Para constatar
isso, basta observar como foram sendo deslocadas as referências das
materialidades das formas da arte contemporânea, da música e da filosofia, por
exemplo.
Esse projeto político ideológico funcionou bem até o início do século XX, quando
muitas de suas funções começaram a ser questionadas pelas formas de
representação que surgiram e reivindicaram um espaço dentro dessas
categorizações kantianas. O belo então poderia também começar a fazer parte
do desejo dos que politicamente teriam sido colocados de lado pela esfera
política que os neutralizara anteriormente num espaço no qual tudo o que
fizessem ou dissessem estaria desde já condenado por sua própria condição. Se
existissem como forma representacional, seria só por pouco tempo. Seria quase
como perguntar sobre a mesma metáfora que hoje é extensamente utilizada
sobre a classificação do mundo: Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo são
classificações impostas pelo próprio Primeiro Mundo. Não são criações dos que
vivem no Segundo nem no Terceiro, e mesmo assim, as pessoas que vivem
nesses espaços continuam utilizando essas referências. Fechado os longos
parênteses, o que se começou a analisar em relação ao fracasso, para utilizar
uma palavra forte, da representação como instância da criação do belo e do
sublime, foi o fato de que seria difícil que pudesse haver algo que fosse, em
termos simples, representado por essas categorias, e que essa representação
adquirisse uma universalidade, como poderia ser pensado que teria sido até o
que denominamos modernidade. No entanto, muitos se colocaram diante de um
emblema ao se posicionarem pelo viés político, esquecendo do viés da forma.
Esqueceram que de certa maneira, falar da forma é também falar de política, e
que raramente há como saber exatamente em qual área, restrita ou não, elas
atuam.
Contudo, nos dias de hoje, quando algumas das técnicas eletrônicas começam a
fazer parte de um cotidiano mais e mais ligado àquilo que conhecemos como
campo da estética e da arte, algumas questões ainda estão, e esta é minha
hipótese neste texto, em aberto no campo da forma. O que significa a expressão
"em aberto" nesta frase? Significa que em função da proliferação de vários meios
de expressão, como a internet, ficou muito difícil alguém ficar de fora da esfera
da representação e da apresentação de seu nome próprio e de seus trabalhos.
Mesmo com os riscos a correr, que é ser acusado de formalista, o simples fato de
se tratar do âmbito da estética pela perspectiva da técnica é um risco tolo, e
porque não dizer, primário em relação aos movimentos de entendimento da
imagem enquanto processo de compreensão da própria representação. O que
também equivaleria a dizer, tendo em mente o conto de Machado de Assis, que
essa forma de arte hoje conhecida como arte e tecnologia não precisa se vender
barato à técnica para depois morrer pobre e indigna.
O Outro, em outras palavras, é isso que chamamos de língua, é aquilo que forma
a escrita, e que se apresenta geralmente num idioma. Ao pensar que há um
idioma que funciona e que produz alguma sensação que movimenta algum tipo
de "produção" simbólica, voltamos ao problema da representação da forma. E
também ao problema da forma em si, já que se consideramos a forma como
esquecida, surge a necessidade de se pensar a ideologia da forma para se tentar
conhecer a função gramatical da sua própria linguagem e funcionamento.
Não querendo ficar preso aos ingredientes que formam a maquinaria do olhar, o
que se tem em mente quando vamos falar de imagem passa, em algum
momento da cadeia associativa, pelo olho, pelo olhar e pela sensação de que
estamos vendo, enxergando o mundo em todas as suas configurações possíveis.
Além disso, para tornar mais complexa toda essa cadeia associativa, há o fato de
que é impossível duas pessoas verem a mesma coisa com as mesmas
perspectivas, no sentido de que é impossível saber o que e de que forma o outro
vê, pois a experiência da visão é particular. Podemos estender essa afirmação
para o ouvir, e também não seria inimaginável estender para todos os órgãos do
sentido esse problema que se pauta na idéia de uma subjetividade que subjuga
toda as sensações e as transforma em experiências e depois em vivências.
Ao se perpetuar uma concepção rígida de um olhar que se manteve ao longo dos
anos preso a uma determinada forma e a uma série de compreensões
construídas e pautadas na idealização de um espectador comum, passivo em sua
atuação diante daquilo que via, geralmente garantido pela noção de natureza e,
portanto, imutável do ponto de vista daquilo que é humano, a generalização que
hoje em dia se faz em torno do ver é assustadora e nos lança alguns problemas
no campo da subjetividade. A ebulição de alguns anos atrás em torno das idéias
de uma função do ver foi jogada como sendo presa aos ditames de um extremo e
excessivo descaso para com o físico. E o que, aliás, continua servindo de
subterfúgio para aqueles que creditam ao aparato mecanicista a totalidade da
percepção.
Quase como sendo uma fuga dos problemas que ficam em aberto quando se fala
da percepção através do campo escópico, a idéia de que o ato de ver é
comandado por um mecanismo que aciona determinados pontos e os compila
em dados até parece brincadeira de mau gosto para meninos presos aos piores
contos de ficção científica. Para sair dessa ratoeira, que é falar de uma questão
conceitual sem se solidificar em nenhum aparato, com medo de ser datado ou
mesmo ingênuo, a pretensa possibilidade de existir um além do objeto também
para o olhar tem sido uma constante ameaça e ao mesmo tempo um desafio
para aqueles que entendem a imagem para além de sua materialidade, e que
preferem não mais ignorar que o homem, diante da técnica, é sujeito de si e da
máquina, e que depois que a máquina tão bem o retratou e fez com que ele
acreditasse cegamente que aquilo que essa pequena câmera lhe mostrou
realmente é aquilo que pode ser dele mesmo, dificilmente conseguiremos dobrar
as esperanças daqueles que ainda imaginam que uma visão desalojada poderá
nos dar uma concepção de nós mesmos para além de uma turva e simples
realidade com a qual há muito já não lidamos.
O mundo, conceito como conhecíamos até então, quando Deleuze pensava nas
desterritorializações e nos agenciamentos, vai a cada dia desaparecendo. As
técnicas já se moldaram no olhar da forma, na formatação da razão e
deslumbram um universo pouco visto. Retornamos talvez para o momento no
qual se desdobram as poucas subjetividades que ainda se encarregam de pensar
as formas e de retê-las, pelo instante do olhar que cada vez torna mais complexa
as capacidades de entendimento do homem sobre si, da máquina sobre si, e do
olho sobre si.