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Psicologia & Sociedade; 16 (3): 41-46; set/dez.

2004

O PAPEL DO PSICÓLOGO JURÍDICO


NA VIOLÊNCIA INTRAFAMILAR:
POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES
Taís Burin Cesca
Universidade Luterana do Brasil

RESUMO: Este artigo se propõe abordar a temática da violência intrafamiliar contra crianças, principal-
mente no que se refere às questões jurídicas, fazendo uma interseção entre Direito/Psicologia e demais
instâncias envolvidas, mostrando, dessa forma, a necessidade de um trabalho interdisciplinar no comba-
te aos maus-tratos. A partir disso, traz informações sobre essa nova área de atuação do Psicólogo que é a
Psicologia Jurídica, uma área ainda pouco conhecida, porém de extrema importância para a atuação do
profissional Psi.
PALAVRAS-CHAVE: maus-tratos, Psicologia Jurídica, Direito, interdisciplinaridade.

THE ROLE OF LEGAL PSYCHOLOGY ON INTRA-FAMILY VIOLENCE: POSSIBLE ARTICULATIONS

ABSTRACT: This article is proposed to approach the theme of intra-family violence against children,
mainly on the topic about Law questions, making an intersection between Law and Psychology and
further matters involved showing, this way, the need for an interdiscilpinary job against bad treating.
From then on it brings information on this new field of work of the Psychologist which is Law psychology,
still a little known field, however of extreme importance for the job of the Psy professional.
KEY-WORDS - bad treating, Legal Psychology, Law, interdisciplinarity

Dentre os diversos ramos que a psicologia rar qualquer tipo de relação de abuso praticado no
jurídica pode abordar, o presente artigo trata do contexto privado da família contra qualquer um
papel do psicólogo forense no que se refere à vio- de seus membros. Deve-se ainda ressaltar que o
lência intrafamiliar, bem como sua articulação com conceito de violência intrafamiliar não se refere
demais instâncias envolvidas. apenas ao espaço físico onde a violência ocorre,
O campo da violência doméstica é um “ter- mas também às relações em que se constrói e efe-
reno movediço”, como afirma Miranda (1998), em tua.
que se mesclam fantasia e realidade, cena que cau- No que se refere à Psicologia Jurídica seu
sa horror e curiosidade. Diante do número imenso surgimento é bastante recente. A participação do
de variáveis culturais e psíquicas, torna-se muito psicólogo nas questões judiciais começou em 1980,
complexa a tarefa de bem lidar com este problema. no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
O estudo da violência em suas causas, con- quando um grupo de psicólogos voluntários orien-
seqüências, objetivos, justificativas, ganhou atua- tava pessoas que lhes eram encaminhadas pelo
lidade, parecendo depender desta compreensão a Serviço Social, basicamente apoio a questões fami-
possibilidade de sobrevivência da humanidade e a liares, tendo como objetivo principal sua
construção de alternativas para um futuro melhor. reestruturação e manutenção da criança no lar.
Pode-se pensar na violência intrafamiliar Mais tarde, a Lei nº 500 do CPC instituiu a
como toda ação ou omissão que prejudique o bem- contratação do Psicólogo, a título precário, por um
estar, a integridade física, psicológica ou a liber- ano, podendo ser recontratado após esse período.
dade e o direito ao pleno desenvolvimento de ou- Em 1985, o presidente do Tribunal de Justiça apre-
tro membro da família. Pode ser cometida dentro sentou à Assembléia Legislativa um projeto crian-
ou fora de casa por algum membro da família, in- do o cargo de psicólogo judiciário, o que signifi-
cluindo pessoas que passam a assumir função cou a consolidação do posto de psicólogo no siste-
parental, ainda que sem laços de consangüinidade, ma judiciário.
e em relação de poder à outra. Portanto, quando A relação entre os saberes construídos pela
se fala de violência intrafamiliar deve-se conside- Psicologia, o Direito e as práticas judiciárias é
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Cesca, T.B. “O papel do psicológico jurídico na violência intrafamiliar: possíveis articulações”

muito antiga, mas ainda pouco conhecida no Bra- sar que eles ainda são muito escassos. A maior
sil. A partir da complexidade com que foram se parte das famílias não recebe apoio adequado para
constituindo as regras de convivência humana, as enfrentar a situação e ter possibilidades de revertê-
bases da lei foram se complexificando e absorven- la. Para verificar esta realidade basta observar os
do cada vez mais contribuições dos diversos cam- casos acompanhados pelos Conselhos Tutelares,
pos do saber. onde o que se observa é o pouco empenho dedica-
Brito (1999) nos fala que a idéia de que todo do aos mesmos, uma vez que de nada adianta en-
o Direito, ou grande parte dele, está impregnado caminhar para tratamento e programas se não é
de componentes psicológicos justifica a colabora- dada uma atenção especial a estas famílias, um
ção da Psicologia com o propósito de obtenção de “empurrãozinho” para que as coisas aconteçam.
eficácia jurídica. Essa falta de amparo se dá tanto em relação ao
Em se tratando de violência perpetrada no núcleo familiar quanto à criança afastada. Como
lar estamos adentrando na Psicologia Jurídica apli- conseqüência, percebe-se, muitas vezes, que crian-
cada à área Civil. Dessa forma podemos pensar que: ças afastadas da família por maus-tratos não
A função do profissional psi consiste retornam aos lares de origem.
em interpretar a comunicação incons- Para enfrentar a violência doméstica são ne-
ciente que ocorre na dinâmica famili- cessárias, além de medidas punitivas, ações que
ar e pessoal [...] Seu objetivo é desta- estejam voltadas para a prevenção, e, ainda, medi-
car e analisar os aspectos psicológi- das de apoio que permitam, por um lado, à vítima
cos das pessoas envolvidas, que digam e à sua família ter assistência social, psicológica e
respeito a questões afetivo-com- jurídica necessárias à recomposição após a violên-
portamentais da dinâmica familiar, cia sofrida e, por outro lado, que proporcionem a
ocultas por trás das relações proces- possibilidade de reabilitação dos agressores.
suais, e que garantam os direitos e o Apesar da necessidade que as famílias nes-
bem-estar da criança e/ou adolescen- tas situações têm de auxílio psicológico, há entra-
te, a fim de auxiliar o juiz na tomada ves para a consolidação da prática psi na institui-
de uma decisão que melhor atenda às ção judiciária. Porém, hoje se sabe também que é
necessidades dessas pessoas. (SILVA, pouco provável que haja benefícios na ação que se
2003, p.39) contenta em localizar agressores e vítimas, punir
Como afirma Miranda (1998), constituiu-se os primeiros e proteger os segundos. A violência,
a partir de então uma nova área de prática dos produto da cultura que explode em relações
psicólogos: a psicologia jurídica. O lugar ocupado interpessoais, deve ser vista de modo mais
por esta ainda é pouco definido. A relação entre a abrangente.
psicologia e as práticas jurídicas ainda se dá de Se a ótica é de proteção à família, a transfe-
forma estremecida e o lugar do psicólogo nesta área rência da pena exclui o argumento, na medida em
ainda está por se configurar. que a vítima e demais membros do grupo familiar
No que se refere à violência doméstica, in- do agente criminalizado serão, por extensão, tam-
tervir na família para proteger a criança representa bém penalizados tendo, muitas vezes, que sair de
um dilema: qual é o limite entre a proteção aos seus lares para que sejam protegidos. Estas são ain-
direitos da criança e o respeito à convivência fami- da as medidas mais comuns: ou se tira o agressor,
liar? Que nível de violência intrafamiliar justifica ou se afasta as crianças, colocando-as em institui-
a intervenção? Em que circunstâncias afastar uma ções por período indeterminado. O tratamento fica
criança de seus pais biológicos pode representar para segundo plano.
um benefício? As instituições que prestam serviços - jurídi-
Pensando nesta família como doente – sus- cos, policiais, de saúde e educação - ainda não
tento a idéia de que famílias que maltratam têm contam, em sua maioria, com sistemas de diag-
como característica básica o sofrimento psíquico, nósticos e registros apropriados. A ciência avan-
ou ainda são portadoras de transtornos mentais – çou tremendamente, os modelos diagnósticos evo-
evidencia-se a necessidade de auxílio, independente luíram significativamente e os juristas brasileiros
da decisão que vai ser tomada a posteriori. Talvez se debatem numa questão primitiva - a questão da
a única alternativa em algumas situações seja o materialidade nos casos de maus-tratos contra cri-
afastamento, mas nunca sem antes usar de todos anças e adolescentes sem lesões orgânicas compa-
os recursos possíveis para a reestruturação famili- tíveis. Os diagnósticos psicológicos não falam da
ar. “materialidade” esperada, tanto que os laudos de
Quando se fala em recursos tem que se pen- avaliação psicológica costumam ser desprezados
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nos tribunais. Estes falam de marcas que não são para o abusador. O objetivo de tais propostas é
visíveis de forma concreta, mas que nem por isso restabelecer (ou estabelecer) um equilíbrio justo
representam menor dano ao desenvolvimento do entre vítima e autor, prescindindo do processo pe-
sujeito, muito pelo contrário, são danos que, dife- nal (quando isto é possível). Assim, evitar-se-ia a
rente de um machucado provocado por uma agres- estigmatização de ambos (vítima e autor), possibi-
são física, podem ficar impressos para o resto da litando-se uma resposta mais eficiente aos anseios
vida. das partes envolvidas, principalmente das vítimas.
A lei no Brasil ainda exige exame de corpo Diante desse fato, constata-se no exercício
de delito. No Rio Grande do Sul, os Institutos Mé- da “Lei” a forte presença da punição e a pouca
dico-legais (IMLs) não possuem sequer uma sala importância que se dá à reabilitação ou, ainda mais
reservada ou cama ginecológica para os exames. longe, à atenção primária, à qualidade de vida das
Conforme afirma Caminha (2000, p.18): pessoas.
“Não podemos esperar, também, que Compete às equipes de Saúde da Família co-
um sujeito que está com as câmaras nhecer, discutir e buscar a identificação dos fato-
frigoríficas cheias de cadáveres a se- res de risco na população adscrita, para facilitar a
rem analisados, além dos costumei- definição de ações a serem desenvolvidas, com a
ros acidentes de trânsito, brigas e etc., finalidade de intervir preventivamente ou confir-
goze de grandes talentos e delicade- mar um diagnóstico, visando a adoção das medi-
zas para atender crianças e adolescen- das adequadas às diversas situações de violência
tes maltratados”. intrafamiliar.
O perito, neste caso, é um pouco vítima, já É necessário considerar a complexidade da
que o Estado não lhe fornece nem condições mate- sociedade brasileira organizada em distintos seto-
riais nem formação técnica compatível para o aten- res que devem ser envolvidos, de forma articulada,
dimento destes casos. Como produto de tais exa- na luta contra a violência: ONGs, mídia, partidos
mes temos um segundo abuso igualmente traumá- políticos, associações de classe, associações de
tico. base, Igreja, empresariado, movimentos sociais,
Todos estes fatores, somados ao desconhe- escolas e universidades, dentre outros.
cimento e temor da sociedade frente à dinâmica A instrumentalização de instâncias alternativas
das relações intrafamiliares violentas, levam as com tal envergadura de envolvimento sócio-comu-
pessoas (tanto vítimas quanto agentes sociais) a nitário é o caminho mais propício para a
evitar olhar para ela. Entretanto, é preciso assina- concretização desse objetivo. Tanto mais que o sis-
lar que, a cada dia que passa, esses aspectos vêm tema judiciário representa uma opção cruel e in-
sendo superados, haja visto o número cada vez congruente não apenas para o agressor, mas tam-
maior de denúncias realizadas. bém para a própria vítima. Este tem se mostrado
Com isso pode-se questionar: que tipo de incapacitado para cumprir qualquer função preven-
auxílio e proteção é oferecido pelo Estado nos ca- tiva e/ou reparatória nos casos de violência do-
sos de violência doméstica? A resposta encontrada méstica.
é que o sistema penal, confirmando uma tendên- Este fato vem corroborar com a idéia de
cia que não é nova, acaba por jogar na vala co- Cervini (1990) quando argumenta que, na gradação
mum todos os conflitos domésticos, sem que se de opções de controle, o procedimento jurídico for-
possa diferenciar os casos e com isso constatar que, mal é tão-somente uma das soluções possíveis, sem
em muitos deles, a ocorrência de transtornos men- dúvida a mais impessoal e onerosa, mas não ne-
tais e culturas familiares que se propagam estão cessariamente a mais eficaz, para a solução de lo-
presentes. dosos conflitos.
Na maior parte dos casos, o trabalho do Estado Quanto ao papel do psicólogo, constata-se a
encerra-se na constatação da violência sofrida e necessidade de um olhar mais amplo, que contem-
na busca da preservação da criança de outros abu- ple, além das demandas particulares de cada su-
sos. O acompanhamento tanto do abusado como jeito (tratamento do abusador e do abusado), um
do abusador não são contemplados pelo sistema. envolvimento maior com o social, pois não se pode
Resta desatendida a recomendação mais importan- descolar a violência do contexto social em que ela
te, ou seja, a que sugere que os Estados introdu- está inserida.
zam em suas legislações nacionais processos alter- Benevides (2002) nos fala sobre a articula-
nativos de compensação e de consolidação para a ção entre saúde mental, direitos humanos e profis-
solução dos conflitos. Estes incluiriam a possibili- sionais psi, mostrando que as situações sociais,
dade de tratamento tanto para as vítimas quanto aquelas em que se compartilham deveres e direi-
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tos, são geralmente percebidas como pertinentes cidos.


ao campo das ciências jurídicas, das ciências soci- Uma das opções que poderia ser adaptada à reali-
ais. Ressaltando que esta clara dicotomia - de um dade brasileira e especificamente aos casos de con-
lado o indivíduo, de outro a sociedade - não se flito doméstico é o “Serviço de mediação comuni-
instala sem conseqüências. tária”, que administra a interveniência de media-
O caminho que pode conduzir a uma res- dores sociais, os quais sugerem caminhos para a
posta coerente deve ser trilhado de dentro para composição extrajudicial.
fora do judiciário. Abri-lo passa pela valorização A estrutura da instância alternativa deve
da vontade das vítimas, que pretendem, na verda- contar com o trabalho de mediadores leigos, co-
de, ao aportar neste sistema, encontrar aí uma ins- munitariamente próximos dos protagonistas do
tância mediadora capaz de deter a escalada da conflito, mas previamente preparados para a fun-
violência e de assessorá-las na empreitada de ção por técnicos especializados, de preferência por
repactuação de sua convivência doméstica. equipe multidisciplinar (psicólogo, assistente soci-
Analisando formas de intervir nesta proble- al, advogado). Essa preparação é relevante, na
mática, Hermam (2000) nos apresenta o exemplo medida em que os mediadores comunitários de-
do Canadá. Este país propôs soluções vem estar conscientes de estar lidando com um
extraprocessuais para delitos ocorridos no seio fa- conflito delicado, bem como atentos a uma even-
miliar ou no meio social que o circunda, visando tual escalada desse conflito, que possa porventura
resolver a interação vítima-autor através de ins- desaguar em conseqüências mais sérias (um homi-
tâncias de compensação. Em tais instâncias infor- cídio, por exemplo).
mais buscam-se soluções através da atuação de É importante, ainda, que os mediadores pos-
equipe multidisciplinar em serviços comunitários sam contar com supervisão periódica por parte da
visando o aconselhamento, cuidado e tratamento equipe multidisciplinar. Para tanto, deve ser-lhes
familiar. Fazendo com que muitos casos possam oportunizado trazer, ao menos a cada trinta dias,
ser resolvidos sem que precisem chegar ao sistema os casos sob seu atendimento à discussão grupal
judiciário. com outros mediadores, sob a coordenação de pro-
Num segundo momento, em 1985, o Cana- fissional habilitado.
dá formou a Rede Pró-Justiça Comunitária e Solu- A política de prevenção deve atingir, sensi-
ção de Conflitos com o propósito de viabilizar a bilizando e capacitando, todos os atores que te-
troca de informações, a capacitação de intermedi- nham contato com pessoas vítimas de violência
ários sociais e a instrumentalização de novas ins- nas diferentes etapas do processo. Isto inclui os
tâncias de justiça informal. profissionais de saúde, os agentes policiais, mem-
Através da rede interagem mediadores, psi- bros do Poder Judiciário, psicólogos e assistentes
cólogos, advogados, docentes, investigadores so- sociais.
ciais, administradores, pessoal da justiça penal e A abordagem deve ser multidisciplinar, sen-
os que são partes no conflito, sendo dessa forma do que a assistência ambulatorial ou hospitalar
atacados vários núcleos, tais como rixas de vizi- precisa ser criteriosamente decidida pela equipe,
nhos, reconciliação delinqüente/vítima, conflitos particularizando cada caso. O trabalho junto à fa-
familiares e ambientais, violência contra a criança mília é imprescindível e não deve ser apenas pon-
e o adolescente, enfim, alternativas de tratamento tual. Essa família dever ser acompanhada durante
que evitem o processo penal e priorizem a proteção um período que permita avaliar suas demandas,
das vítimas em geral. propondo-se a partir de então intervenções ade-
A experiência canadense, como um todo, em- quadas.
bora ainda minoritária, apresenta soluções que re- Pensando ainda no contexto brasileiro, al-
presentam uma proposta concreta de retomada, por gumas propostas neste sentido já estão sendo exe-
parte da sociedade, de conflitos que lhe dizem res- cutadas. Estados como São Paulo, Ceará,
peito diretamente, abrindo uma trilha que reinsere Pernambuco, Minas Gerais, possuem algumas lo-
autor e vítima. É muito menos onerosa que o pro- calidades onde estão sendo produzidos trabalhos
cesso formal e o encarceramento: enquanto opção inovadores no que diz respeito ao tratamento pres-
alternativa, representa um dispêndio anual de dois tado à saúde mental e saúde da família como um
dólares por habitante, os encargos inerentes à todo, fazendo com que muitas questões possam
operacionalização do sistema penal oficial chegam ser resolvidas de forma mais humana, priorizando
a atingir mais de cem dólares por habitante/ano. a saúde ao invés das punições.
Entretanto, é preciso frisar que a atuação da rede Estes exemplos nos mostram tentativas de
só atinge oito a dez por cento dos conflitos conhe- resolução de problemas que ficam mais centradas
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nas comunidades e muitas vezes não necessitam fortalecidas. Os profissionais devem estar mais fle-
passar pelo sistema judiciário. É um caminho pro- xíveis, dispostos a traçar novos percursos, criar no-
missor, que trabalha com sistemas mais vas alternativas que possam contemplar as deman-
compartimentalizados, prestando uma atenção fo- das trazidas de forma mais saudável possível.
calizada nas necessidades de cada população. A violência intrafamiliar deve ser tratada e não
Dessa forma, conclui-se que a articulação punida. Deve-se investigar as causas, usar as pes-
entre os profissionais que trabalham com a violên- quisas para, a partir de um trabalho em equipe,
cia intrafamiliar ainda precisa ser bastante traba- tornar viável a reestruturação familiar. O que se
lhada, embora já existam alguns movimentos nes- percebe é que as instâncias envolvidas nestes ca-
te sentido. Segundo Silva (2003), desde 1980 os sos pouco fazem porque pouco acreditam em re-
juízes vêm sendo sensibilizados, através de um tra- sultados positivos, tendo em vista a complexidade
balho de esclarecimento, sobre a importância do desta problemática. É preciso uma maior qualifi-
aspecto dinâmico e emocional e sobre a compreen- cação como profissional e como pessoa para que
são do que é subjetividade, uma vez que esta visão possamos trabalhar nesta área (tanto o conselhei-
começa a fazer parte da formação dos juízes na ro tutelar, como o psi, o assistente social, o juiz....).
Escola Superior de Magistratura. Um dos pontos Pensando no psicólogo como facilitador da
de entrave para este processo é o fato da promoção da saúde, ele deve procurar garantir os
rotatividade de juízes na Vara ser muito grande, direitos fundamentais dos indivíduos, visando sua
dificultando o trabalho. Há diversidade de opini- saúde mental e a busca da cidadania. Do contrá-
ões que passam pela instituição, de pessoas com rio, será mais um agente repressor.
diferentes orientações, desde aquele juiz que acre-
dita na importância das questões emocionais, da REFERÊNCIAS
doença mental e que faz cursos de aperfeiçoamen- BENEVIDES, R. B. Saúde Mental: a importância
to na área psi para melhor servir a população, até de se assegurarem direitos. IN: RAUTER, C; PAS-
aquele que vê a psicologia como uma área avessa SOS, E; BENEVIDES, R. (Org.). Clínica e Política:
ao Direito e que este tem que se valer única e ex- Subjetividade e Violação dos Direitos Humanos.
clusivamente das normas. Rio de Janeiro: TeCorá, 2002.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA, 2002) fala sobre a importância de o juiz ser BRITO, L. M. T. (Org.) Temas de Psicologia Jurídi-
dotado de sensibilidade, a fim de poder julgar na ca. Rio de Janeiro: Dumara,1999.
área da infância e da juventude. E, mais do que
possuir esta sensibilidade, tem o dever de agir em CAMINHA, R. M. Maus-Tratos: o Flagelo da Infân-
fina sintonia com ela em prol do bem-estar do as- cia. Cadernos de Extensão Unisinos. São Leopoldo:
sistido. Editora Unisinos, p.18, 2000.
Quanto aos Psicólogos que optam por tra-
balhar com questões jurídicas acabam, muitas ve- CERVINI, R. Os Processos de Descriminalização.São
zes, formando uma pele de proteção que os torna Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995.
rígidos, deslocando mais para questões que dizem
respeito a leis fixas, deixando de lado o olhar sin- ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
gular às questões trazidas por cada sujeito. Talvez (ECA). São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
pelo fato de que trabalhar com violência domésti-
ca é trabalhar com frustrações constantes, com si- HERMANN, L. Violência Doméstica: a dor que a
tuações que remetem a sentimentos diversos e con- lei esqueceu. São Paulo: CEL-LEX, p.388, 2000.
fusos em alguns momentos, onde o profissional que
não está preparado acaba deixando-se levar por MIRANDA, H. C. J. Psicologia e Justiça: a Psicolo-
atravessamentos pessoais que o impedem de ter gia e as Práticas Judiciárias na Construção do Ide-
uma visão clara da situação apresentada. al de Justiça. Revista Ciência e Profissão, São Pau-
Um novo olhar se faz necessário no entendi- lo, n.18, p. 28-37, 1998.
mento desta prática, onde somente os testes psico-
lógicos e as leis jurídicas não podem dar conta da SILVA, D. M. P. Psicologia Jurídica no Processo
imensidão existente na configuração familiar, uma Civil Brasileiro. São Paulo: Casa do Psicólogo, p.39,
vez que esta traz situações e sentimentos que não 2003.
podem ser mensurados unicamente pelo objetivo,
isto é, pela mensuração e aplicação de normas.
Para isto, parcerias devem ser efetivadas e
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Taís Burin Cesca é Psicóloga CRP –


07/12738. Pós-graduanda do Curso de Especiali-
zação em Psicologia Jurídica da Ulbra.
O endereço eletrônico da autora é:
tcesca@terra.com.br.

Taís Burin Cesca


O papel do psicólogo jurídico na violência
intrafamiliar: possíveis articulações.
Recebido: 12/05/2004
1ª revisão: 22/10/2004
Aceite final: 20/12/2004

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