Professional Documents
Culture Documents
ÍNDICE
Prefácio,
Introdução
Unidade 1. Um desastre muito mais que monetário
Unidade 2. O “X” da questão, multiplicar a geração de bolhas e colapsos
Unidade 3. A consolidação de um modelo
Unidade 4. Interlúdio filosófico
Unidade 5. O realinhamento da aldeia global
Unidade 6. Diferentes políticas diferentes economias
Unidade 7. Velhos e novos imperialismos
Unidade 8. Paradoxos do liberalismo
Unidade 9. Novas possibilidades de vida
PREFÁCIO
Em Outubro de 2007, ao preparar uma apresentação que iria ser feita para o
“board” do Banco pelo qual tenho trabalhado ao longo dos últimos 28 anos, a
respeito das perspectivas de negócios em 2008 nos diversos segmentos da
economia no qual participavam nossos principais clientes - grandes grupos
Brasileiros e estrangeiros que tinham crescido, sobremaneira, nos últimos sete
anos, percebera que alguma coisa não ia bem no “Reino da Dinamarca”. Ao
comparar a quantidade de ativos financeiros em circulação ao redor do globo
com a quantidade de dólares gerados pelo PIB global, vi que o “capital
fictício” era aproximadamente 3,5 vezes maior do que tudo que era produzido
em Main Street. Chegara, finalmente, a conclusão de que o nível da
“alavancagem” mundial não era sustentável. Tínhamos tido a oportunidade
de participar de diversas “operações financeiras” envolvendo algumas das
principais empresas brasileiras no auge da liquidez mundial. As “ofertas
hostis” para compra de empresas estrangeiras se multiplicavam, e algumas
delas lograram êxito. A maior delas até aqueles dias tinha sido a aquisição da
mineradora Canadense Inco, no final de 2006, pela Cia Vale do Rio Doce, por
US$ 18 bilhões, que aquela época ainda não tinha alterado seu nome para
Vale. Concluída a aquisição, no início de 2008 a Vale iria anunciar o interesse
de adquirir uma outra grande mineradora global, dessa vez a Anglo-Africana
Xtrata, pela “bagatela” de US$ 50 bilhões. Já tinha obtido da maioria dos
bancos que participaram da operação da Inco o “compromisso” para uma nova
“Aquisiton Facility”, “empréstimo” ponte utilizado para financiar as
aquisições de empresas, geralmente com vencimento em dois anos, cujo
pagamento é efetuado a partir da emissão de nova dívida por parte da
empresa adquirente, por intermédio de ações, debêntures, “bonds” e demais
operações de crédito de longo prazo que visavam alongar o perfil do seu
endividamento. Tais operações se multiplicavam no mercado face a fartura de
liquidez dos bancos e a necessidade de aplicar esses recursos em novos ativos.
Como a empresa Brasileira figurava entre as mais cobiçadas pelos bancos
internacionais e domésticos, dado o seu vigoroso crescimento e ao fato ter se
tornado a maior produtora de minério de ferro mundial e a segunda maior
mineradora diversificada do mundo, não faltariam recursos para mais essa
empreitada. Como forma de levantar parte dos recursos para aquisição a Vale
anuncia então uma oferta pública de ações. Em Agosto de 2008 a empresa
concluiu o processo, levantando R$ 19,43 bilhões, resultado abaixo da
expectativa inicial, uma vez que um “crise financeira” de proporções
indeterminadas já se anunciava. Na sequência os acionistas da Xtrata
conseguem inviabilizar a “oferta hostil” da empresa brasileira e o negócio não
se concretiza. Aí veio crise. Conversei depois diversas vezes com os executivos
da maior mineradora do mundo sobre os desdobramentos desse processo e de
como tinha “respirado aliviado” pelo seu insucesso. Assumir ou financiar uma
dívida daquela proporção naquele momento poderia ter sido por demais
arriscado, uma vez que “take-out” do novo empréstimo ponte” poderia não
ter sido tão tranquilo como foi o da Inco. Além disso, comemorava o fato da
Cia. ter entrado na crise como um caixa robusto depois do IPO, o que muito
contribuiu para a forma como a empresa passou pelos dois anos que se
seguiram a “quebra” do Lehman Brothers, em 15 de Setembro de 2008, marco
divisório de duas eras.
Nas páginas a seguir tentaremos mapear esse processo a partir dos rastro
deixado pelos eventos que marcaram a consolidação do modelo de produção
que se afirmou como hegemônico numa era que ficou conhecida como
“modernidade”, a partir da constatação de que estamos vivendo em um limiar
entre duas eras. A falta do distanciamento histórico dificulta a leitura dos
eventos quando no exato instante do seu curso. Daí ser arriscado prever
qualquer desdobramento sem incorrer em reduções, antecipações temerárias
ou mesmo errôneas considerações. Contudo a certeza de que estamos
experimentando um reordenamento do centro de gravidade da economia
mundial nos direcionou no passeio pelos eventos responsáveis pela ascensão
de um grupo de países que passaram a gerir o sistema econômico global,
ditando as regras que deveriam ser aceitas e seguidas pelos demais “agentes”,
que em última instância se limitavam a figurar como coadjuvantes desse
processo. A emergência de uma nova ordem, portanto, conta um pouco da
história do alinhamento da formação do corpo da sociedade moderna, a partir
de um olhar que privilegia o novo papel das economias que sofreram, ao longo
dos últimos seis séculos, as consequências da empreitada dos países do bloco
central, responsáveis por ditar o ritmo das transformações que se espalharam
pelo mundo durante esse período. “Ex-colônias”, “países pobres” e
“subdesenvolvidos”, “países da periferia”, “países emergentes” – as
expressões se multiplicaram para tentar definir um grupo de agentes vistos
através do olhar etnocêntrico dos criadores e gestores do modelo de
civilização que se afirmou a partir do século XV. Agentes que no máximo eram
tidos como fundamentais para atender os interesses dos países que se
alinharam em torno de um projeto de construção de um novo mundo, que
expandiu suas fronteiras ao mais remoto canto do planeta e transmitiu suas
práticas econômicas, cultura, ciência, tecnologia e sistema político ao resto
da população mundial de forma irresistível. Esse processo, porém, não se deu
de forma tranquila e indolor e sim através da uma longa história de
sofrimento e dominação de grande parte do mundo civilizado e deixou uma
“alta conta” no que diz respeito ao exclusão de uma parcela majoritária dos
habitantes do planeta aos benefícios produzidos por esse modelo de
desenvolvimento.