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SAÚDE

ação autolimpante
Dietas de desintoxicação são inúteis para pessoas saudáveis;
equilibrar alimentação e ingestão de líquidos é suficiente para
recuperar o corpo

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A promessa de uma desintoxicação é nobre: ajudar a retirar do


organismo toxinas que poderiam prejudicá-lo. Mas o resultado é
fraco: "A palavra desintoxicar pressupõe que haja algum tipo de
tóxico no organismo. Se a pessoa é saudável, tem dieta balanceada
e ingere uma quantidade suficiente de água, não vai entrar em um
processo tóxico", diz o gastroenterologista Dan Waitzberg, professor
da faculdade de medicina da USP (Universidade de São Paulo) e
diretor do Ganep-Nutrição Humana. Pior é a idéia de que os
excessos de fim de ano estão permitidos sob alegação de que uma
dieta desintoxicante logo após as festas minimizaria os estragos.
Os especialistas são unânimes em dizer que passar um dia à base
de água e chás é inútil. "O fígado é o maior órgão desintoxicante,
tem uma capacidade monumental de desintoxação e, com os rins,
limpa o organismo", afirma Waitzberg. Esses órgãos, quando estão
saudáveis, trabalham para retirar todas as impurezas do corpo -não
precisam de ajuda extra nem são favorecidos com a ingestão
demasiada de algumas substâncias.
Pelo contrário: beber líquidos em excesso pode sobrecarregar os
rins e diminuir os níveis de sais minerais do organismo, o que pode
causar confusão mental, levar ao coma e até a morte, em casos
graves.
Mas não que o líquido não seja importante para ajudar o organismo
a se recuperar. Se a noite foi boa e ingeriu-se mais bebida e
comidas pesadas do que deveria, passar o dia seguinte em
repouso, tomar água e fazer refeições balanceadas contribuem para
o trabalho dos órgãos. "A água ajuda na filtração do rim, mas não é
preciso ser algo fora dos padrões normais. Dois ou três litros por dia
são suficientes", diz o endocrinologista Márcio Mancini, presidente
do Departamento de Obesidade da Sbem (Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia).
Ficar sem comer por períodos prolongados, diz Waitzberg, não traz
nenhum efeito desintoxicante. "O jejum pode ocorrer por motivos
espirituais, mas não vai ter uma ação de desintoxicação." A falta de
alimentação ainda propicia dores de cabeça, tontura, mal-estar e
favorece quadros de hiperglicemia. "É mais importante a pessoa
voltar a se alimentar de maneira equilibrada do que ficar em jejum,
porque, depois de uma intoxicação alcoólica, por exemplo, há risco
maior de ter hipoglicemia e estará mais exposta a isso se ficar sem
comer", alerta Mancini.

Limpeza intestinal
Outro mito comumente divulgado é a necessidade do uso de
laxantes ou de uma lavagem intestinal para depurar o corpo. Na
verdade, o procedimento causa muito mais desconforto do que
benefício ao organismo. "Isso vem de um pressuposto errado de
que o conteúdo intestinal acaba passando para a corrente
sangüínea e levando toxinas para o sangue, algo que a medicina
moderna não aceita. Se fosse verdadeiro, deveríamos fazer isso
diariamente", alega Mancini.
Os laxantes podem viciar o intestino, o que torna cada vez mais
difícil a evacuação ocorrer por um processo natural. "O uso de
laxantes é totalmente antifisiológico. Ao longo do tempo, reduz a
capacidade de o intestino responder a estímulos normais de
evacuação, o torna preguiçoso", diz Waitzberg, da USP.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0412200807.htm

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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel

De cama
[...] Se você não se sente
bem, é porque seu cérebro
está recebendo sinais dos
órgãos do corpo de que
algo está errado

Sabe aquelas semanas em que há tanto a fazer que você quase


torce por um resfriadozinho, uma razão para passar dois dias de
cama, zerando os contadores? Na quinta-feira passada eu estava
com um desânimo de dar dó, querendo muito alguma razão para
não ir ao trabalho (mas fui). Na sexta, meus desejos se realizaram:
estava legitimamente de cama. Ah, como é bom ficar levemente
doente de vez em quando e poder curtir um travesseiro, um livro
bobinho e botar o sono em dia sem culpa.
Minha suspeita, no entanto, é que minha torcida por uma doencinha
passageira era, de fato, a primeira manifestação de uma virose se
instalando já na quinta-feira.
A razão? A doença nos sobe à cabeça e não é apenas por causa do
mal-estar.
É verdade que o mal-estar é um aliado poderoso. Se você não se
sente bem, é porque seu cérebro está recebendo sinais dos órgãos
do corpo de que algo está errado e precisa da sua atenção. Às
vezes, a alteração corporal é causada pelo próprio cérebro em
resposta ao estresse, por exemplo na forma de suor frio, e isso
serve de ajuda para você tomar consciência da situação e resolvê-
la.
Mas, outras vezes, o mal-estar vem de alterações que escapam ao
controle do cérebro, como a invasão do corpo por vírus e bactérias.
No processo, várias interleucinas, substâncias produzidas pelo
sistema imunitário em resposta à presença de invasores, entram no
cérebro e atingem o hipotálamo, que, por sua vez, abafa os
sistemas de alerta e motivação.
Assim, enquanto as interleucinas estiverem elevadas no sangue,
ficaremos letárgicos, indispostos, desatentos e preguiçosos e
seremos forçados pelo próprio cérebro a parar de gastar energia em
atividades temporariamente supérfluas e dar chances ao corpo de
se recuperar. O que, em casos de teimosia como o meu, é a única
coisa que me faz sossegar.
Foi assim que há algum tempo, depois de uma maratona (acidental,
devo dizer em minha defesa) de palestras e viagens, descobri-me
com pneumonia, na emergência de um hospital e aliviada. Ligada a
monitores por uma dezena de fios, virei para meu marido,
preocupado, e anunciei, sorrindo, o pensamento feliz que me
ocorreu: eu seria obrigada a cancelar todas as aulas e palestras
daquele mês. Não era maravilhoso? Ficar seriamente de cama me
ensinou a não aceitar tudo o que me propõem, para não voltar a
adoecer de exaustão. E desde então tento respeitar meu
hipotálamo.
Quando ele me manda voltar para a cama, eu obedeço...
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ
e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do
site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzanahh@folhasp.com.br

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0412200809.htm

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OUTRAS IDÉIAS

Wilson Jacob Filho

Claro ou escuro
[...] OS OBSCURANTISTAS
NÃO ACEITAM A
POSSIBILIDADE DO
ENVELHECIMENTO
SAUDÁVEL

Recentemente, deparei-me com uma frase que perseguiu-me até


que eu conseguisse fazer uma reflexão mais profunda: "Mamãe,
para onde vai o escuro quando você acende a luz?' Proferida pelo
pequeno Max Grinberg há quase seis décadas, consta do livro do
médico e dramaturgo Pedro Bloch ("Criança Diz Cada Uma!", 1963)
e também do memorial acadêmico de seu autor, hoje professor de
medicina.
Tentei obter sua opinião atual sobre a questão formulada na
infância, mas a situação em que nos encontrávamos não permitiu
maiores divagações.
Não consegui esperar outra oportunidade. Ampliei o sentido dos
dois termos principais da frase a fim de entender as entrelinhas
dessa oposição.
O escuro esconde o perigo, a ameaça, aquilo que pode fazer mal
sem boa possibilidade de defesa. No escuro, nos tornamos
inseguros, dependentes.
Como sinônimo, há o obscuro, que também significa desconhecido,
sombrio. Natural, portanto, que o obscurantismo seja a doutrina que
se opõe à divulgação do conhecimento.
A luz, por sua vez, além das suas definições físicas, é usada como
sinônimo de inteligência ou cultura, mais especificamente à
divulgação de informações de interesse popular.
Compreensível, portanto, que tenha sido denominado de iluminismo
o movimento francês do século 18 que propôs maior esclarecimento
do ser humano.
Não foi difícil transferir essa condição de desconhecimento, muitas
vezes proposital, para a necessidade de uma sistematização do
saber nos conceitos e preconceitos que se relacionam ao
envelhecimento.
Inacreditável como esse fenômeno natural, comum a praticamente
todos os seres vivos, seja ainda tão desconhecido e estigmatizado,
uma vez que essa evolução está sendo vivenciada por um número
cada vez maior de pessoas e por tempo cada vez mais prolongado.
Não há nenhum motivo para que o idoso continue sendo
considerado, fundamentalmente, um grande acumulador de
doenças e fadado obrigatoriamente à decrepitude.
Os obscurantistas propõem a inexorabilidade da perda funcional
com o avançar da idade e não aceitam a possibilidade do
envelhecimento saudável. Criticam, com isso, a importância dos
modernos conhecimentos e ações geriátricas e gerontológicas.
Curiosamente, divulgam essas idéias mesmo quando em idade
mais avançada e demonstrando plenas capacidades funcionais. Em
verdade, acreditam que "velhos são os outros".
Mesmo assim, não há por que temer o escuro. Haveremos de ter a
curiosidade e a persistência do pequeno Max e entender que, na
obscuridade por vezes intencional que cerca o envelhecer, muitas
luzes já se acenderam e outras tantas estão por fazê-lo cada vez
mais rápido.
Nem por isso, porém, o escuro vai acabar. Simplesmente mudará
de lugar, à espera que o conhecimento lá chegue para afastá-lo um
pouco mais.
Felizmente, cada vez mais gente está acendendo suas luzes e
iluminando suas expectativas de uma crescente longevidade
funcional.
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e
diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de
"Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)

wiljac@usp.br

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0412200803.htm

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