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A Avaliação dos Professores explicada às crianças

(O Simplex anunciado saiu Durex furado)

1 – Avaliação dos alunos como avaliação dos professores

Para que primeiro se entenda o que se quer significar com a 
imparcialidade no acto de avaliar, referindo­se à circunstância em 
que o professor avalia o aluno sem qualquer constrangimento que 
resulte numa deturpação dessa tarefa, utiliza­se um exemplo que se 
julga explícito:

Considere­se um árbitro que, para progredir na sua carreira (e ver o  
seu salário aumentar), depende, não das suas justas arbitragens,  
mas da vitória da equipa que envergue camisolas com a cor branca.

À partida parece uma condição ridícula, pois isso escapa à sua 
intervenção, assim como no caso dos professores, e no que diz 
respeito aos seus alunos, os factores de ordem social, familiar e até 
determinados factores escolares, escapam ao seu controle, mas, 
mesmo assim, passam a interferir na sua avaliação. Continuemos 
com o exemplo:

Mesmo dependendo da vitória das equipas que envergam camisolas  
com a cor branca este árbitro é obrigado a arbitrar jogos dessas  
equipas. Logo, se em campo se defrontarem duas equipas e uma  
delas envergar camisolas com a cor branca, esse árbitro é obrigado  
a “julgar em causa própria”.

A incompatibilidade torna­se evidente.
Será que o árbitro vai ser justo quando a sua vida profissional (e  
pessoal) dependem da vitória dessa equipa? Se a equipa que  
enverga camisolas com a cor branca ganhar, a sua vitória será  
insuspeita? Ou seja, será que essa equipa pode acreditar que  
venceu porque merecia?

Será então justo, no contexto escolar, não deixar bem claro ao aluno 
que este obteve bons resultados como fruto do seu mérito próprio, 
deixando subsistir a terrível dúvida que, para além do seu esforço, 
pode ter prevalecido uma necessidade alheia? A incontestável mais 
valia da componente formativa da avaliação cairá assim por terra 
quando o aluno não tiver a certeza absoluta que os resultados do 
seu trabalho se devem, exclusivamente, ao seu estudo e empenho. 
Se a avaliação não serve para formar o aluno, mas apenas para o 
classificar (ou antes, para o transitar de ano), então a própria 
avaliação perde a sua razão de ser.

Depois de explicar em que consiste este erro de “julgar em causa 
própria” e prevendo uma consequência fatal para o ensino – o aluno 
não compreender o valor do seu trabalho –, passemos ao remédio 
anunciado pelo Ministério da Educação: aplicar esse procedimento 
logo que sejam superadas as “dificuldades técnicas e de 
concretização”.

Será que quando se apurar quantas equipas envergam camisolas  
com a cor branca e qual a quantidade de branco presente nessas  
camisolas, já será então razoável que o mesmo árbitro julgue em  
causa própria?

Se os factores que se alteram não modificam os resultados então o 
problema (e o erro) persistem. Mas, para melhor se explicar a 
incongruência, imaginemos o seguinte diálogo:

­ Sra. Professora posso atirar com ovos à Sra. Ministra da  
Educação?

­ Claro que não Zézinho, claro que não! Isso não se faz, está errado!

­ E amanhã Sra. Professora, amanhã posso?

­ Sim Zézinho, amanhã podes!

­ Mas amanhã não é errado?

­ Sim Zézinho. Continua a ser errado, mas amanhã a Sra. Ministra  
vem cá à escola e aí já não terás “dificuldades técnicas e de  
concretização”!

Assim, como na anterior circunstância, o erro continua a ser um erro 
e também ninguém espera, certamente, que estas circunstâncias se 
alterem de tal maneira que as proposições erradas se tornem 
verdadeiras. Ou seja, não se espera que a avaliação perca a sua 
qualidade formativa para que não haja qualquer incompatibilidade se 
a avaliação do aluno vier a ser um critério da avaliação do professor, 
assim como não se espera que a Sra. Ministra proceda de tal forma 
que se torne correcto atirar­lhe com ovos.

2 – Menos papeis na avaliação dos professores

Na anunciada questão de desburocratização de todo o processo, 
esquecendo­se que as medidas que provocaram a acumulação de 
resmas de papel partiu de quem agora imputa às escolas a 
complexificação do sistema, espera­se, como panaceia para todos os 
males, que menos suportes de registo do “erro” tornem o erro menos 
errado, ou até, na melhor das hipóteses, tornem o erro certo!

Tratando­se então de uma questão de percepção (o certo e o 
errado), ocorre a imagem das sombras enganadoras, assim como as 
descreveu Platão, na “Alegoria da Caverna”. Mas, se este conteúdo 
não for acessível às crianças (a quem se pretende explicar), pode 
cruzar­se, numa perspectiva de interdisciplinaridade, com um outro 
conteúdo, análogo nestes termos, o do Sistema de projecções 
ortogonais, vulgo Método Europeu (esse sim explicado às crianças 
no Ensino Básico):

Uma resma de papel tem como projecção frontal um rectângulo  
idêntico ao que projectaria uma única folha. Assim se explica que  
alguém acorrentado de modo a ter um único ponto de vista, como na  
alegoria de Platão, apenas vê a sombra frontal da resma de papel e  
poderá pensar que se trata de uma única folha.

Será então difícil de dirimir esta questão quando uma das partes 
apenas quer ver uma única folha e a outra parte se vê obrigada a 
lidar com a realidade das resmas. Como não estamos acorrentados 
às paredes de uma caverna e podemos ver tudo, conclui­se: “O pior 
cego é aquele que não quer ver”.

3 – O regime do “facultativo obrigatório”
Apresentam­se como medidas de subtracção da sobrecarga de 
trabalho, derivada deste processo de avaliação, novas possibilidades 
de opção (e “simplificação”). Nesse sentido determina­se que os 
professores podem escolher um avaliador da sua área disciplinar e 
também que a observação das aulas, por parte do avaliador, se torna 
facultativa. Aparentemente resolve­se dois grandes problemas que 
incomodavam os professores, mas será que assim é? Imaginem 
então a seguinte situação no contexto escolar:

­ Meninos, a partir de agora será possível que os vossos  
Encarregados de Educação participem na atribuição das vossas  
classificações.

­ Serão os nossos pais a dar as notas?

­ Não, serão só as vossas mães!

­ Mas Sra. Professora o meu Encarregado de Educação é o meu pai!

­ Sra. Professora a minha mãe já morreu!

­ Tenho muita pena, mas as regras são estas!

­ Sra. Professora isso quer dizer que mesmo depois de ter atirado  
ovos à Sra. Ministra posso vir a ter positiva?

­ Sim Zézinho, as regras são estas!

Alguém entenderia como justa uma avaliação em que, por 
circunstancias não imputáveis ao avaliado, se procedesse de forma 
tão desigual? Seria justo que o Zézinho (que neste exemplo é o pior 
aluno), por reunir as condições referidas, fosse beneficiado face aos 
restantes alunos? Se ainda houver dúvidas voltemos a um exemplo 
anterior:

Dá­se então duas hipóteses ao árbitro que dependia da vitória das  
equipas que envergassem camisolas com a cor branca para  
progredir na sua carreira: a primeira é a possibilidade de escolher  
não arbitrar equipas que enverguem camisolas com a cor branca e a  
segunda é a possibilidade de escolher outra liga para arbitrar. Na  
primeira hipótese o árbitro vê­se num impasse ao constatar que na  
sua liga todas as equipas envergam camisolas com a cor branca  
(afinal não tinha hipótese de escolha!).

O mesmo vale para as inúmeras circunstâncias em que o professor 
não tem de facto ao seu alcance um avaliador da sua área disciplinar 
para o avaliar. Pergunta­se então, de que serve saber que nos 
podem dar algo que nunca poderemos receber? Será de facto um 
direito aquele que não se pode usufruir?

Na segunda hipótese o árbitro vê­se num outro impasse ao constatar  
que qualquer liga é inferior à sua e se escolher outra, porque nela  
não existem equipas que enverguem camisolas com a cor branca,  
estará a desistir da progressão na sua carreira, com perdas no seu  
vencimento (afinal, também aqui, a escolha é entre a “espada e a  
parede”!).

Voltando à escola percebe­se que, relativamente às aulas assistidas, 
não ter possibilidade de escolha (o que é ”mau”) e a escolha ser 
entre “mau” e “péssimo”, não será certamente uma solução. Com isto 
um único parâmetro da avaliação docente sobrepõe­se, de forma 
despropositada, a todos os outros, mesmo aqueles que poderão ter 
mais impacto no desempenho pedagógico do professor e no sucesso 
escolar (supostamente a razão última da Avaliação de Desempenho 
dos Docentes). Facilmente se chega então às seguintes conclusões:

1– Julgar em causa própria: se as notas dos alunos contarem para 
a avaliação dos professores será a mesma coisa que acabar com a 
avaliação dos alunos! Será o fim do nosso ensino!

2 – Pior cego é aquele que não quer ver: só não vê quem não quer 
que este modelo de avaliação é mau para todos (e mesmo assim há 
quem não queira ver!).

3 – Primeiro “mau” depois a escolha entre “mau” e “péssimo”: 
de nada serve poder escolher um avaliador da mesma área se não 
houver um! De nada serve poder escolher não ter aulas assistidas se 
isso torna impossível avançar na carreira! As “soluções” 
apresentadas são novos problemas!

Assim, para concluir, pode exemplificar­se, de forma ainda mais 
simples e definitiva, as novas iniciativas ministeriais que configuram 
as intenções de sempre:

­ Srs. Professores como querem morrer, as opções são: por tiro ou  
por enforcamento?

­ Mas nós não queremos morrer!

­ Isso não é uma opção, a morte é certa!

 
O que se apresenta não são soluções para o ensino, mas sim mais 
problemas. Estes problemas foram explicados a uma criança de 10 
anos que compreendeu e agora sabe o que se passa.

E você? Sabe tanto como um miúdo de 10 anos?

Ou vai na conversa da Ministra da Educação?

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