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TRINCHEIRA-VIADUTO DA T-63 COM 85

PROVOCA DESCONSTRUÇÕES

Obra iniciada há quatro meses tem provocado prejuízos para


comerciantes, desgosto em moradores e preocupa especialistas

Nádia Junqueira* - Goiânia, setembro de 2008.

Quinta-feira, manhã de 8 de maio, avenida T-63, próximo ao antigo


chafariz. O comerciante Romero de Castro, 41 anos, que trabalha na loja
“Vidrão” de vidros e acessórios para automóveis, viu sua loja cercada por
tapumes para iniciar uma obra, sem que lhe fizessem nenhuma consulta. Seus
15 anos no ponto perderam autoridade diante da obra do viaduto-trincheira
entre a Avenida 85 e T-63 de mais de 20 milhões de orçamento. Desde então,
sua loja está repleta de poeira, de dívidas com uma decaída de 80% nas vendas,
demissão de funcionários e nome sujo na praça. A situação para o comerciante
Rui de Oliveira, da relojoaria Tempos, que fica ao lado da “Vidrão”, não foi
diferente, bem como para a comerciante Kênia Teles, da Papelaria
Comunicação, do outro lado da rua.

Para os comerciantes Romero de Castro e Rui de Oliveira, não era


necessário uma obra de tal porte para resolver o problema do congestionamento
naquele ponto. “Só de tirar a praça, diminuiria o problema e gastaria muito
menos dinheiro”, palpita Rui. “Com 20 milhões daria para matar fome de muita
gente”, complementa Romero. Para os dois, a obra teve mais interesses políticos
do que benefícios para o transporte. No entanto, o secretário de obras Alfredo
Soubihe Neto nega interesses políticos: “Eu entreguei o viaduto não foi para
fazer política, foi para melhorar o pouquinho que eu tinha piorado”, diz o
secretário.

Para os comerciantes Rui e Romero, a prefeitura deveria ter procedido melhor


com os comerciantes.
Segundo Romero, houve uma organização dos comerciantes no início,
mas foi superficial e logo se desintegrou por medo de retaliações e fiscalizações
intensas. “Deviam ter conversado com a gente, proposto o melhor, como
indenizar os custos e diminuir impostos”, diz o comerciante. Contudo, o
secretário de obras diz que os comerciantes inicialmente foram contra porque
teriam prejuízos durante a obra, mas desde que viram a “coisa acontecer”, eles
não se manifestaram mais. “Eles não me apedrejaram até agora porque sabem
que depois das obras terão muito mais lucro que antes, eles têm garantia de que
vai melhorar”, consola Alfredo Souhibe Neto. Não é o que sente a comerciante
Kênia, que crê no fato de que a T-63 ter se tornado trânsito de via rápida e por
ter seu comércio no início do viaduto, perderá clientes. “Ninguém vai prestar
atenção na minha loja, mas no viaduto, pois é perigoso não ser cuidadoso em via
de trânsito rápido”, reclama a comerciante.

A comerciante Kênia não está otimista com o fim da obra.

Alguns quilômetros abaixo dali, no viaduto Latiff Sebba, na Avenida 85,


obra recente, Hélio Costa Netto, dono da Eletrocon, passou pela mesma situação
que Rui, Romero e Kênia e até hoje sofre as conseqüências da obra. Por cinco
meses esteve cercado de tapumes, suas vendas caíram 80%, perdendo
funcionários, capital de giro e apoio. Depois da obra a situação não melhorou
para o comerciante. Hélio, que está no ponto desde 1974, perdeu de 75% a 80%
de seus clientes com a nova estrutura. “Perdi o fluxo da Avenida 85 e quem vai
para avenida D, que passa em frente à loja, vem por um beco, que provoca
congestionamento e é difícil de estacionar”. O comerciante lamenta a prefeitura
não ter procedido devidamente com os comerciantes. “Deveriam ter feito como
algumas obras em São Paulo: constar no edital o ressarcimento do custo
operacional da firma feito pela construtora”. Hélio diz que os comerciantes,
mesmo organizados, não conseguiram impedir a obra por se tratar de um bem
público. No entanto, para ele, a obra não resolveu o problema efetivamente.
“Com certeza deveria haver mudanças nesse ponto, mas não da forma que foi
feita e com o alto custo. Daqui a três anos vai ter que mudar tudo isso de novo”.
Enquanto isso, Hélio continua a arcar com a perda de clientes e com a
desvalorização do terreno.

O DESGOSTO DOS MORADORES

Subindo alguns quilômetros pela Avenida 85, de volta à região do


viaduto-trincheira, o estudante e empresário de 20 anos, Mateus Vasconcellos,
mora a um quarteirão da obra, na T-64, desde que nasceu. O morador do Alto
do Bueno diz também não ter sido consultado por ninguém antes de
procederem com a obra. “Ninguém da minha família foi consultado, nem do
meu prédio, nem vizinhos, e conheço muita gente da vizinhança”. Porém, o
secretário de obras alega que uma jornalista fez uma “pequena pesquisa”, e 80%
apoiava a obra. Foi essa a consulta feita, além do estudo de impacto de
vizinhança, segundo o secretário, contudo não houve nenhuma reunião com os
moradores na região. Durante esses quatro meses, Mateus teve de sair bem mais
cedo de casa para ir trabalhar e estudar, além dele e sua família terem sofrido
com a poeira, com o congestionamento e com a poluição sonora. “Nem no
domingo eu conseguia dormir com o trânsito na rua da minha casa”, reclama
Mateus. Para ele, a obra vai resolver o problema do trânsito na região a curto
prazo e o dinheiro poderia ter sido investido de outra forma. “Se investissem 20
milhões em transporte público, diminuiria a quantidade de carros. As pessoas
andam de carro porque o transporte não é de qualidade, a maioria anda sozinha
no carro”. Ele, como morador, não se diz beneficiado e acredita ter mais
interesseS políticos do que públicos na obra.

Marianne Mota, estudante, 22 anos, também acredita ser uma obra mais
política e não acredita, como Mateus, que resolverá o problema da região. “Foi
apenas uma substituição de uma rótula por um viaduto, nem pistas a mais
fizeram. Foi uma obra que só deixou a região mais bonita, nada mais.” Marianne
também acredita que o problema é mais complexo e poderia ter sido resolvido
de outra forma. “A população de Goiânia aumentou, mais pessoas foram morar
em nossa região e não houve adaptações e essa não resolve. Metrôs ou rodízios
poderiam funcionar melhor”. A moradora, como pedestre, também reclama da
falta de faixa de pedestres no trecho do viaduto. “Essa obra privilegiou somente
os carros”.

O administrador Flávio Henrique Veiga, 35, também morador da região,


pensa como Marianne. “Trata-se de uma obra desconectada com um plano de
mobilidade urbana para todo o município e privilegia apenas o automóvel. O
ciclista, por exemplo, é impedido de trafegar no viaduto”, diz o morador. Além
disso, para ele o viaduto não resolve o problema, uma vez que continuam a
permitir a construção de empreendimentos na região, aumentando fluxo de
veículos. O morador diz que a obra é oportunista e deveria ter sido impedida por
não condizer com o plano diretor da cidade. Para ele, os 20 milhões dispensados
na obra poderiam ter sido investidos em outras opções de transporte como
ônibus, metrôs e bicicletas. “Fica claro que não existe um planejamento urbano
para Goiânia que pense na qualidade de vida da população”, diz o morador.
Mateus, Marianne e Flávio também acreditam que a obra trará impactos
ambientais para região. Mateus e Marianne afirmam que haverá problemas de
enchentes com as chuvas. Flávio pensa além, que o viaduto também trará maior
poluição sonora e aumentará o microclima da região.

A falta de faixa põe a vida de pedestres em risco

A PREOCUPAÇÃO DOS ESPECIALISTAS

O arquiteto, ambientalista e professor da Escola de Arquitetura da


Universidade Católica de Goiás (UCG), Everaldo Pastore afirma que o viaduto
trará problemas ambientais. Para ele, foi um grave erro iniciarem a obra às
pressas como foi feito, sem nenhum estudo de impacto ambiental. “Inventaram
às pressas um projeto para drenarem a água do subsolo quando já tinham
iniciado a obra, o que aumentou consideravelmente o custo”, diz o professor.
Além disso, o professor se preocupa com a questão das águas da chuva que
provêm da trincheira serem transportadas para o Vaca Brava. Sobre a pressa em
que foi iniciada e construída a obra, o secretário de obras se explica. “Íris quis
fazer logo porque disse já ter prometido, ele quer o bem da população e eu
também quero, então fiz o que ele achava melhor”. Além disso, ele disse ter
alertado o prefeito sobre a possibilidade de cair sua popularidade com essa obra
e com a pressa em fazê-la. “Não tinha necessidade. Para quem estava ganhando
de quatro a zero, não precisava se arriscar”.

O secretário acredita também que o problema não é ambiental. “Não


acho que tem a ver com meio ambiente, o tempo vai ridicularizar quem falou
mal. Eu estou super tranqüilo, tudo que foi falado é maldade”. Além disso, o
secretário de obras explica que o viaduto-trincheira não causará danos ao meio
ambiente. “‘Não vai chover mais nem menos do que já chovia, vamos apenas
pegar água que vem da chuva, colocar num tubo e jogá-la sem lixo no mesmo
lugar, no Vaca Brava. A água da trincheira é água a mais do que havia antes,
mas na proporção da água que viria da metade do telhado do Carrefour
(supermercado).” Para o secretário, essa quantidade de água não vai fazer
diferença ao ser jogada no Vaca Brava, pois será água sem rato e sem garrafa.
Além do problema ambiental, Everaldo vê outros graves erros, como não ter
discutido a obra com a comunidade e não observar uma questão maior, como do
transporte coletivo. Para ele essa é uma obra feita por políticos e não por
especialistas, pois deveria condizer com um planejamento para cidade. “São
custos limitados para beneficiar poucos, os que utilizam transporte individual.
Esse tipo de obra apenas protela soluções alternativas importantes”. O professor
de arquitetura e urbanismo da Universidade Católica de Goiás, Dirceu Trindade,
também acredita que deveria haver outros tipos de obras visando o transporte
em seu âmbito maior.

Ciclistas também não têm vez no viaduto-trincheira

O professor Everaldo Pastore sugere projetar caminhos protegidos,


arborizados, fazer campanhas incentivando as pessoas a caminhar. Ele também
fala na criação de ciclovias para desafogar o trânsito e diz que a criação dessas é
absolutamente viável, sendo uma questão de interesse. Contudo, o secretário de
obras diz ser tão impossível ciclovias serem construídas quanto a existência de
Papai Noel. “Não temos dinheiro para resolver todos os problemas, se
tivéssemos faríamos mais por pedestres e ciclistas, temos que focar no tráfego,
no trânsito”, explica o secretário, que também diz que as mortes de ciclistas se
dão mais pela cultura de tender a fazer o proibido. O professor de arquitetura e
urbanismo Dirceu Trindade, não crê que ciclovia seja uma solução para Goiânia
como meio de transporte, mas apenas para esporte e lazer. “Nosso clima não
permite isso. Um professor, estudante, engenheiro ou médico não pode chegar
suado em seu trabalho”. Contudo, ele compartilha da opinião de Everaldo
Pastore que deveria priorizar-se o transporte coletivo. “A cidade não é só do
automóvel”, diz o professor.

Para o professor Dirceu Trindade, a obra teve dois erros graves do ponto
de vista urbano: não está dentro do processo de planejamento da cidade e a
presença do viaduto-trincheira contraria o plano diretor. “Como consta na lei,
em uma cidade acima de 500 mil habitantes, qualquer obra para transporte
deve priorizar o transporte coletivo. Não está no plano diretor, não pode ser
feito”, contesta Dirceu Trindade. No entanto, o secretário de obras diz que
houve várias reuniões de todas as secretarias com o prefeito e se não houve
nenhuma objeção, é porque não havia problemas. Para o professor Dirceu,
qualquer obra deve ser feita visando o trânsito em um âmbito maior. “Um
viaduto apenas passa para frente o engarrafamento”, diz o professor. O
professor também explica que ao fazer obras deve-se manter o ambiente urbano
mais próximo ao natural e o pavimento prejudica o calor, devendo haver
elementos de contrapartida. Como urbanista, Dirceu Trindade vê que a obra do
viaduto-trincheira retirou a pouca vegetação que havia, bem como o chafariz
que melhorava a umidade da região, o que significa uma perda de qualidade
urbana. Para o secretário Alfredo a retirada do chafariz significou uma solução
para o problema dos transtornos que a água trazia em épocas de chuva.

Para o professor de urbanismo Dirceu Trindade,


a obra não poderia ter se realizado por não condizer com Plano Diretor da cidade

O professor Dirceu também diz que o problema do trânsito naquele ponto


poderia ter sido resolvido criando vias alternativas para as pessoas não
utilizarem somente a T-63 e tumultuá-la. Além disso, ele enxerga a obra como
solução por pouco tempo, pois são 200 novos carros por dia na capital, e o
trânsito vai piorar cada vez mais, e construção de viadutos não é solução para
isso. O secretário de obras também pensa que o viaduto-trincheira não é
solução, dizendo que alertou Íris que viaduto não era solução, bem como
trincheira, mas os dois juntos talvez fosse melhor, mas não melhoraria
completamente. “Goiânia já está com problema máximo de trânsito. São
problemas profundos, que não dá pra resolver. Mas também se a gente não fizer
nada, não saímos do lugar. Nossa intenção era ajudar e acho que ajudamos de
alguma maneira”, diz o secretário.

Em uma audiência pública no dia 16 de maio com a promotora Marta


Moriya Loyola, o professor Dirceu Trindade esteve presente, assim como
Clarismino Pereira Júnior, presidente da Agência Municipal de Meio Ambiente
(AMMA), a vereadora Marina Sant’anna, além de representante do Conselho
Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), Fernanda Antônia Mendonça.
Houve uma tentativa de embargar a obra por alegarem não ter um estudo de
impacto ambiental e por não condizer com o plano diretor da cidade. O
professor alega que essa audiência não surtiu efeito porque não entenderam o
que eles queriam: um estudo do impacto ambiental que a obra causaria e não a
sua construção. Sobre isso o secretário Alfredo diz que a ação pública não foi
para frente porque não tinham provas suficientes e alfineta. “Os arquitetos que
tentaram impedir a obra, apesar de professores, têm menos conhecimentos que
eu.” Ele complementa ainda ao tratar da “oposição”. “Eles são contra porque
não os contratei para obra”. Contudo, o professor Dirceu diz que o problema
dessa audiência foi que o Ministério Público não compreendeu o que eles
queriam. “Nós queríamos um estudo de impacto ambiental da obra, do viaduto-
trincheira, e não um estudo do impacto da construção, esse eles tinham”. O
secretário de obras diz que sempre esteve aberto para ouvir e receber a todos
para discutir sobre a obra e conclui. “Estamos abertos para ouvir sempre, mas
quem decide somos nós do poder público”. E assim consuma-se a obra do
viaduto-trincheira entre 85 e T-63, que até o final do ano estará pronta.

* Estudante de Jornalismo.

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