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José Saramago

“Quando digo corrigir, corrigir a História, não é


no sentido de corrigir os factos da História,
pois essa nunca poderia ser tarefa de
romancista, mas sim de introduzir nela
pequenos cartuchos que façam explodir o que
até então parecia indiscutível: por outras
palavras, substituir o que foi pelo que poderia
ter sido”.
Como surgiu a obra
• Memorial do Convento foi concebido por José
Saramago no final dos anos setenta. Segundo o
autor, a primeira intenção de criar esta obra
surgiu quando ao olhar o mosteiro afirmou
“Gostava de meter um dia isto dentro de um
romance”. Seguidamente, ao ler uma passagem
de Camilo ficou bastante impressionado com a
referência aos cinquenta mil homens que
sofreram para erguer o convento de Mafra.
• Todavia, a maior das inspirações surgiu quando o
autor percebeu que havia uma coincidência
cronológica entre a construção do convento e as
experiências do Padre Bartolomeu Lourenço de
Gusmão.
Contextualização da obra
• Memorial do Convento evoca a História portuguesa do
reinado do século XVIII, procurando relaciona-la com as
situações políticas de meados do século XX. Nesta época
tenta-se seguir o fausto da corte francesa do Rei-Sol Luís
XIV.
• Em Portugal, D. João V deixa-se influenciar pelos
diplomatas que o cercam (intelectuais estrangeirados) e
pela riqueza vinda do Brasil. O facto de no Brasil surgirem
as grandes jazidas de ouro de aluvião permite a resolução
de alguns problemas financeiros e leva o rei a investir em
luxuosos palácios e igrejas. O rei português manda
construir o convento de Mafra na tentativa de ultrapassar a
magnificência do Escorial de Madrid e do palácio de
Versalhes, e também em acção de graças pelo nascimento
do seu filho. No convento foi incluído uma grandiosa
basílica e um extraordinário palácio.
Contextualização da obra
• Outra característica deste século é a Inquisição que atingiu
o seu auge nesta época. Esta ocupa-se com a ordem
religiosa e moral, estendendo a sua intervenção aos
campos sociais, culturais e políticos. Os perseguidos
deixaram de ser apenas cristãos novos e pessoas que
cometem delitos de feitiçaria, superstição, magia e crença
sebastianista, para passarem a ser também os intelectuais.
O que nos diz o título
• Por um lado, em relação à palavra memorial, podemos
considerar a definição monumento comemorativo. Mafra
comemora uma promessa e assiste a uma fé religiosa. O
romance não homenageia estas componentes, mas antes o
trabalho dos operários e artistas que construíram o
convento. Por contraste aos homenageados estão os
interesses mesquinhos e egoístas dos que mandaram
edificar este monumento.
• Por outro lado, o título faz também referência ao convento ,
sobrepondo-se a Basílica e Palácio (também estes
presentes no edifício em causa). Esta foi a palavra que o
povo elegeu para denominar as edificações de Mafra.
• Em suma, o título “Memorial do Convento” apresenta uma
carga simbólica quer enquanto sugere as memórias –
evocativas do passado – e pressuposições existenciais,
quer ao remeter para o mundo místico e misterioso.
A Notícia do Nobel
• "Estava no aeroporto prestes a embarcar quando chegou a
notícia de que tinha ganho o Prémio Nobel. Houve um
momento de alegria, os meus editores de Madrid, que
estavam comigo, abraçaram-me. Depois encaminhei-me na
direcção da saída e, a direcção da saída, por muito
estranho que pareça, era um corredor muito comprido. O
corredor estava deserto e eram pelo menos cinquenta
metros de corredor deserto. Eu com a minha malinha de
mão, com a minha gabardina no braço, passei de repente
da alegria enormíssima da notícia que tinha recebido, para
a solidão mais completa. Naquele momento a sensação que
tive, claro que eu dava por mim numa grande alegria, era
uma espécie de serenidade: pronto aconteceu."
In Público, A bagagem do viajante, 9 de Outubro, 1998
Reacções
• "A vitória é exclusivamente de José Saramago. A vitória de
um escritor é sempre um acto solitário. Acredito que
Saramago está, neste momento, mais sozinho do que
nunca. Que isto não é como a selecção de futebol."
António Mega Ferreira, presidente da administração da Parque Expo – 1998

• "Não suporto a escrita de José Saramago. É uma escrita de


moda, cheia de humor, mas de um humor baixo. Não
suporto essa escrita."
Czeslaw Milosz, poeta polaco, Nobel da Literatura de 1980
• "José Saramago é um autor de leitura difícil e muito
pesada, que insulta abertamente os sentimentos cristãos. O
Nobel podia ter sido melhor entregue. Duvido que os
membros do júri tenham lido os seus livros. O Nobel é, no
entanto, uma honra para a língua portuguesa."
D. Duarte Pio, pretendente à coroa portuguesa
Reacções
• "Este é o prémio mais justo dos últimos 15 anos. Durante
todos os anos em que foi atribuído o Nobel, nunca tinha
sido reconhecido este bloco linguístico de mais de 200
milhões de pessoas. Estávamos à espera há muito tempo
desta notícia, com aquela angústia de quem não vê chegar
as malas no aeroporto. Desta vez chegou. É justo.
Saramago merece o Nobel."
Luciana Stegagno Picchio, especialista italiana em literatura portuguesa
Vaticano hostil. Igreja portuguesa satisfeita

• «O órgão oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, inquietava-se na sua


edição de quinta-feira [8 de Outubro] com a atribuição, pela Academia
sueca de Estocolmo, do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago. É
uma "escolha política", Saramago "continua a ser um comunista
inveterado", afirmava aquele diário.
• As reacções da Igreja portuguesa foram, pelo contrário, de satisfação com
a escolha do Nobel da Literatura. O secretário da Conferência Episcopal
Portuguesa, D. Januário Torgal Ferreira, criticou mesmo as posições de L
´Osservatore Romano, considerando-as "demasiado redutoras". "Já não
estamos nos tempos do Índex. Que uma pessoa não partilhe ideologias
comunistas ou socialistas, como é o meu caso (...), é perfeitamente
legítimo. Acho que nestas, como noutras coisas, a arte é perfeitamente
autónoma", declarava aquele dignatário da Igreja Portuguesa.
• O bispo resignatário de Setúbal, D. Manuel Martins, foi mais longe e disse
à Rádio Renascença estar "extraordinariamente feliz com a atribuição de
um Prémio Nobel a um compatriota". E acrescentou que ficaria muito
contente se José Saramago, "que escreve lindamente, se deixasse
iluminar por ideais cristãos, já que, infelizmente, nessa linha deixa muito
a desejar."»
• I.B., Público, 10 de Dezembro, 1998

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