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HISTORIA CULTURAL E HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA + Ronaldo Vainfas * * Doutor pela USP e Pés Doutor pela Universidade de Lisboa. * Professor aposentado da UFF. Atualmente vinculado ao corpo docente da UFRN. + Coordenou EI ood Curricular da Graduagéo em Histéria do Brasil das principais Tuatha Ceter tke Coote INTRODUCGAO © artigo traga viséo panoramica da abordagem cultural na historiografia brasileira, com énfase na bibliografia produzida nos ultimos trinta anos nos Programas de Pés-Graduagao espalhados pelo Brasil. Analisa os debates conceituais acerca da histéria cultural no Brasil e suas relagGes com a historia das mentalidades francesa (Difundida no Brasil na década de 1970), a micro-histéria italiana (Carlo Ginzburg e Giovanni Levi), a Nova Histéria (Roger Chartier) e a Histéria Sociocultural Britanica (E. P. Thompson). Historia das Mentalidades LetsP 7] Analisando a crenca, bem difundida na Europa Cee mat lee Maa OMT tiem sal -me rts tinham o pader miraculoso de curar através do toque, esta obra classica inaugurou uma nova Casi le METS C Marc Bloch aponta que para estudar as Tialedar=Tis UTM ACMI eo Celts eRe LU na&o bastam os tratados sobre o bom governo, nem as teorias do direito divino e do absolutismo, mas se deve considerar também room RMU rossL Suan ete (Col ait eal colt o) mera crenga ou fabula. Historia das Mentalidades Or Oee Ly Present eect nagy tera © caminho que Lucien Febvre segue para ive ae Me IEMs) 1c Me eerie Relea tetas (LMM LT Co LMT} Peele (te mee Tee [eter Teele) complexa} razéo de que o século XVI desconhecia o conceito de descrenga. Lefranc teria confundido a viséo rabelaisiana do ogee nemmegl eRe To EM ae L aol cy to ide a MULL Cecte- Teele) Leia cee r-) dos milagres, com ateismo. A rigor, Rabelais é um cristao desiludido. Sua proposta é a volta Pred se eee eee MULE Be Da Historia das Mentalidades a Historia Cultural (1980) Hea EE rece c aa: agence Oca.” a Ha SN asta COUNTS Ay Rae A Nova Historia Cultural Pees SiC MGIC) core) =] Delage eee ee Cine Ruck ase i ont gin eC Mn Cele tCelcce een ites et] Peco ROU Levick Miele Ou late PWICOUIMCNMIRVE § ° 2°-Aclassica, entre 1800 e 1950 Ce eect meted ee Bane Ce selaal teem Tete FEET) See oC Relic Bas eet eee ener 1960 * 42- Nova Histdria Cultural, a partir da década de 1980 Multidisciplinar: etnologia, geografia, antropologia, ieee Reenter Contribuigdo a Nova Teoria da Cultura exe BovRoUy Ne) aaa ACurues Porsag eo MICHEL FOUCAULT , fo a reat) ENG RaiScvale y CIVILIZADOR O PODER SIMBOLICO Micro-Historia Italiana Histéria Sociocultural Britanica CARR eM etch ar Rime) E. P. Thompson as vertentes anteriores, aborda temas como a Costumes histéria do trabalho, motins, radicalismo, crime, ern COTTE costume, lei, sediggo e cultura populares sob o ponto de vista "histéria a partir de baixo’. Em constante dialogo com a antropologia, o direito e a economia, Thompson analisa habitos dos setores populares britanicos. Esses costumes e tradicgoes séo estudados aqui como defesas de direitos imemoriais ou estratégias de manipulagéo da lei numa sociedade que se defrontava com as novas imposigées do capitalismo. Folcloristas Século XIX — Cultura SILVIO ROMERO FESTAS ETRADIGOES Foire Brasiero POPULARES D0 BRASIL 99), f FILHO CONTOS, POPULARES DO BRASIL Mario de Andrade: Modernismo e Cultura Nacional Macunaima é uma obra inserida nas propostas da Semana foe Nae Mele Re etree + Falta de definiggéo de um carater nacional, a cultura submissa e dividida do Brasil, a descaso para com as nossas tradicdes, a importagao de modelos socioculturais €a discriminag&o linguistica. + Busca de uma identidade cultural brasileira distinta das eer OR ele neler el Ce hls) No campo da historiografia propriamente dita, impossivel ndo lembrar as pistas abertas pelo alemao Karl von Martius que, nos anos 1840, ganhou o concurso promovido pelo IHGB com seu texto sobre “Como escrever a historia do Brasil”. E verdade que von Martius Solr eee Ree Ne REL cle a CO SLO TLL TAC} TAOS MOLT eLU Ce: eMmerela tel (ttm Ee tea Tiree UateLt Século XIX —Varnhagen * Obra Lusofila; * Historiografia Oficial; * Valorizagao do elemento indigena; * Busca das nossas originalidades em face da heranca felelaav re Ut * O préprio Varnhagen, alias, apesar de considerar que os indios do Brasil nao tinham histéria e sé eram passiveis de estudos etnoldgicos, dedicou capitulos preciosos, y em termos de informac&o etnografica, 4 cultura dos r indios tupi na sua Histéria Geral do Brasil (1854-1857). Século XX — Laura de Mello e Souza + Perspectiva Genealdgica. Cay Nolo ReC Mace eli Re RGU te) sobre o Brasil Colonial’: Artigo publicado em 1998, no qual a autora esboga uma periodizagdo dos estudos sobre o que chama de historia da cultura no Brasil. “Aspectos da Historiografia da Cultura sobre o Brasil Colonial” — 18 Fase (1907-1936). “Aspectos da Historiografia da Cultura sobre o — 28 Fase (1945-1959). lv Brasil Colonia “Aspectos da Historiografia da Cultura sobre o Brasil Colonial” — 34 Fase (1967-1986) Transicdo entre a Historia da Cultura e A Histdria das Mentalidades. ORE m rN DE MELLO 48) A Historiografia da Década de 1990. G Gaoudte Ecol) Mle a iia CI Interpretacao ja Cultura no Brasil se consolidou enquanto IEC) das das Culturas Ayal eee * Nogdo de Cultura: *Jaula Flexivel (Carlo Ginburg) *Teia de Significades (Clifford Geertz. *Histéria da Cultura na perspectiva de uma Historia Antropoldgica. Clifford Geertz Aspectos da Historia Cultural Na obra de Capistrano de Abreu: (eve toRe(M a ikela RMI) ¢ Historia da Cultura Material; * Territério Fragmentado; Sea tel fol-calareel nea te Oe alana lem Te elit: 1H * Divisdo: Pecuaria Sulina, Pecuaria Sertaneja, Litoral Agrario, Regiao Pe rcer cewek Aspectos da Historia Cultural Na obra de Paulo Prado: (Retrato do Brasil) + Ronaldo Vainfas discorda da viséo de Laura de Mello sobre Retrato do Brasil: “obra hibrida de tradigdo inovadora”. * O autor aponta o desconhecimento de Paulo Prado em relagéo as Col oferee Miceli orate Moll Uk + Segundo Vainfas, Paulo Prado deplora a contribuigao dos brancos, negros e indios na formagao brasileira. Sabre lee MOM elie mem L ole eli meet rome ley ferro Medel e-PMLere RA ele inon Aspectos da Historia Cultural Na obra de Alcantara Machado (QdteE Rem ilolacekoloN=Tlaellic lie) + Livro mais descritivo do que analitico; * Descortina a rudeza dos habitos; pobreza das moradias, utensilios Ceo eH ce ele eeu k ea CULM aaa ce eH + Reconstruiu a Historia dos Bandeirantes longe da epopeia. Aspectos da Historia Cultural Na obra de Sérgio Buarque de Holanda: (Raizes do Brasil) * Laura de Mello considera Sérgio Buarque um dos precursores da Histéria das Mentalidades no Brasil, mas Ronaldo Vainfas discorda. * Sérgio Buarque pensou o Brasil a partir de tipos weberianos. * Influéncia de Leopold von Ranke. "Pouca influéncia dos historiadores franceses dos comeces dos Paar) oe Aspectos da Historia Cultural Na obra de Sérgio Buarque de Holanda: (Mitts MMleiceEtels) * Influéncia de Ernst Curtius (Literatura europeia e Idade Média Latina— 1948). Pe Nadcae oR Meexe Mt elmer acre ilele- laces meoli ne Maisie [Tele aT yee) geo * Influéncia de Jacob Burckhardt (A civilizagéo da Renascenga Italiana — tly * Dialogo com obra de Arturo Graf (Mitos, Legendas e Supertigdes na Idade Média — 1886). * Dificuldade de definir a influéncia da Histéria das Mentalidades na obra, exceto pelos temas relacionados ao imaginario. Aspectos da Historia Cultural Na obra de Gilberto Freyre: (Casa Grande & Senzala) * Ronaldo Vainfas acredita que a obra de Gilberto Freyre ¢ um pouco mais precursora da Histéria das Mentalidades do que as demais. * Precursor na linguagem, tratamento de temas tabus, sexualidades, Pee Sem CEM elecieC smceelt arCMke eee Moe TUS casa grande, da culinaria e das afetividades. * Fuséo de brancos, indios e negros também no plano das culturas em Ceol kon *Influéncia de Frans Boas e antecipagaéo da problematica da mestigagem. Historiografia de 1950/1960/1970 FORAACAO DO BRASIL, Estudos sobre o Periodo Republicano * Carlos Fico e Ronald Polito fizeram interessante levantamento a este respeito, mostrando que, ja na década de 1980, os estudos sobre o Brasil Republicano alcangavam 60% das teses contra menos de 20% dedicados ao Brasil Colonial. + Na década de 1970, esta tendéncia se esbogou principalmente a partir dos estudos sobre o movimento operario desenvolvidos na UNICAMP, um pouco na USP, que se irradiaram pelo Rio de Janeiro. Pode-se mesmo dizer que o movimento operario se ternou um “modismo” no meio académica dos historiadores, de resto sintonizado com a reorganizacao do sindicalismo independente que a fundagao do PT, em 1980, sé faria confirmar. A rivalizar com os estudos sobre 0 movimento operdrio, diversas pesquisas sobre militares, politica e Estado, em geral produzidas por cientistas politicos, mas ae RCN ee eed Mc e- i Estudos sobre o Periodo Colonial + Debate sobre a escravidao e sisterna colonial. Fernando Novais pés em xeque o modelo de sistema colonial Celeron terol eae ema Ken) tese de doutorado. *Modelo que priorizava o sentido externo da acumulagéo gerada pela exploragdo colonial e pensava a escravidéo como determinada pela logica do sistema mercantil. Jacob Gorender *Um modelo que buscava pensar a originalidade de nossas estruturas coloniais em fungado da ldégica interna dos modos de produgdo aqui geradas, fretfecl oA telomere lat laa emee [01 néo se reduziam do capital comercial, embira dele dependessem. + Histéria engajada e ancorada teoricamente no viés marxista. iReLdte MoM mI Cinelaleve lee Vile) Queda do Muro de Berlim (1989) Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) 1960/1970/1980 — Herdeiros dos Annales. * Robert Mandrou (Magistrados e feiticeiros na Franga do século XVII)/1979. + Philippe Ariés (Infancia e Morte). + Jean-Louis Flandrin (Sexualidade na Idade Média e Epoca Moderna). * Georges Duby {Imaginario e Feudalismo). * Jacques Le Goff (O Nascimento do Purgatorio). * Le Roy Landurie (Montaillou). * Jean Delumeau (O medo no Ocidente). * Michel Foucault (Loucura, Sexualidade, Prisées). Historiografia Britanica dedicada a Historia Cultural. Critica: “Nova Historia” Jacob Gorender publicou, em 1990, 9 seu polémico A escravidao reabilitada, voltada para um balango da historiografia produzida na década de 1980 sobre o tema, sobretudo a propdsito do Centenario da Aboligao. Condenou eon Mee Mee MO MCL) See Uo Colt coe) Tide coe OER Lee) CRONE ella Alma) fragmentario, 0 eee Com Tne} Cela oT) verdade o anti- Delos PRE eM aE) ao constatar que “o que vinha de Paris” coincidia com © que “irrompeu em Londres”, isto é, o culturalismo de Thompson. Ciro Flamarion Cardoso (aRO FL AMIAKION CARDOSO Ciro Cardoso foi, de todo modo, enfatico, quando escreveu que “a histéria nova, dividida em (eolaa)-1ae latin) co- a1 e101 [OL despolitizada pela negacgdo da efetividade das revolugées sociais e pelo deslocamento do interesse 0c) Ly inédcuos e foditate Tanta desmobilizadores”, a exemplo das mobilizagées feministas, ecologistas ou do movimento gay, incomodam muito menos do que as manifestagdes e lutas que ponham em jogo a esséncia do poder politico, o capital, a propriedade privada. “Trata-se de uma tendéncia - afirma o autor — basicamente eral Novas Tendéncias: Historia do Brasil Colénia. Novas Tendéncias: Historia do Brasil Colénia. Piece miele} Sexualidade fal eieol iter atk Pera Balanco Historiografico Qs criticos da “Nova Histéria” se referiam a micro-historia como o exemplo mais completo do pior que se podia fazer em histéria: + Pulverizacdo do objeto; * Narrativa descompromissada; + Micro-histéria nao estava baseada em pesquisa; *Negagdo da influéncia da micro-histéria sobre os historiadores identificados como sendo da “Nova Histéria’; Balanco Historiografico Um total desacerto, um debate de surdos. O mais curioso, embora patético, é que a imensa maioria dos debatedores — historiadores, orc me CeCe Ke eich R CCC MICC NC UMMC meet histéria. das mentalidades como sindnimos, desconhecendo Clete arcuate Me (Ue Ree enrol Maron MAI AKe Lae Lee Ae ele CRC TS modulagées, era um caminho cada vez mais trilhado nos anos 1980 para superar as imprecisSes e ambiguidades teoricas da historia das mentalidades francesa. Balanco Historiografico A segunda confusado era entre mentalidades, histéria cultural e micro- histéria. Neste caso, a confuséo era alimentada pelos adversdrios da chamada Nova Histéria, empenhados em condenar os “novos temas”, a sexualidade, a feiticaria, o cotidiano, inspirados num paradigma marxista de tipo economicista. E os argumentos eram os que ja mencionei, desde a alegagéo de que os estudiosos destes assuntos se refugiavam em “modismos” até a acusacao de que faziam o “jogo da direita”. Balanco Historiografico Consideragdes Finais Embora nao aposte nesta linha de continuidade que Laura de Mello traga entre certas obras antigas e a histéria cultural hoje praticada nas universidades, néo tenho duvida de que o eco da chamada “Nova Histéria” no Brasil s6 fez sentido porque parte de nossa bibliografia classica deu muitas pistas para Editora UFPR o estudo de nosso passado colonial. Deixou indmeros caminhos a serem percorridos, abriu tematicas, reinventou linguagens, superando o modelo Varnhagen de Sf P eT tossed Ye (OE LeeLee (og M Coicd ponto, nao seria impréprio lembrar o sonho de Capistrano que, apesar de melancélico, desejava de coragdo conhecer o Brasil por dentro.

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