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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

PSIQUIATRIA – ABP

II Jornada Nacional de Emergências


Psiquiátricas

Mesa redonda 02

Emergências psiquiátricas na
infância e adolescência e primeiro
surto psicótico
Dependências de drogas na infância
e adolescência - abordagens na
emergência psiquiátrica

Evelyn Kuczynski (SP/SP)


ekuczynski@uol.com.br
Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária
para aceitar as coisas que não podemos
modificar, Coragem para modificar aquelas que
podemos, e Sabedoria para distinguir umas das
outras.

“Oração da Serenidade”, popularizada nas paredes das salas de reunião dos


AAs (Alcoólicos Anônimos, irmandade de voluntários surgida em 1935 a
partir do encontro de um corretor de Nova Iorque e de um cirurgião de Ohio
rumo à sobriedade). Um dos seus princípios afirma que “...para ser membro
(dos A.A.), o único requisito é o desejo de parar de beber...”. Simboliza a
percepção da impotência diante do álcool, somada à intenção de seguir um
caminho diferente do predestinado.
“[Este livro] não vai ser engraçado.
Não posso contar piadas porque
nunca as entendo.”
(Haddon, 2006)
PRA COMEÇAR A CONVERSA...
O abuso é o uso associado a
consequências sociais
negativas e reincidentes
relacionadas ao seu uso
(p.e., problemas pessoais,
profissionais, familiares,
escolares e legais).
Já a dependência implica em
sintomas comportamentais
e fisiológicos relacionados
ao uso, além do dispêndio
de muito do tempo do
indivíduo relacionado ao
uso.
PRA COMEÇAR A CONVERSA...
A dependência corresponde ao
impulso para usar uma SPA
contínua ou periodicamente
(na busca de prazer). Também
pode ocorrer o uso constante
(para evitar o desprazer?), o
que desemboca na perda do
controle do consumo. A
dependência física (associada à
síndrome de abstinência) gera
sintomas e sinais quando da
suspensão. Por outro lado, a
dependência psicológica se
caracteriza por um mal-estar ou
desconforto, quando da
suspensão.
Na prática...
O consumo de SPA só faz aumentar em todo o mundo.
Tanto o abuso quanto a dependência contribuem para
gastos crescentes com os resultados danosos de seu
consumo (intoxicações, atos violentos, acidentes...).
O principal grupo de risco para tal são os adolescentes
e (jovens) adultos. Para um país tão “jovem” como o
Brasil, esta perspectiva gera grande preocupação. Além
disso, hoje é frequente (principalmente entre as
gerações mais novas) o uso associado de diversas SPA
(poliuso), com variados graus de abuso e dependência.
A fase da adolescência é
considerada por muitos o
período do desenvolvimento
mais vulnerável para o contato
com drogas.

Segundo o IBGE*, mais de 70%


dos estudantes entre 12 e 17
anos já consumiram bebida
alcoólica (24,2%, tabaco)!
Cerca de 22% do grupo
avaliado se embriagou, e 3%
fumaram. Com relação às
drogas ilícitas, 8,7% já usaram.
(*) em 2009.
SENHORAS E SENHORES, NÃO SE DEIXEM ILUDIR!

Estatísticas nacionais inexistentes (ou melhor seria, pois os


poucos dados são pífios...): nenhum(a) mãe/pai no Mundo vai a
uma emergência atrás de um(a) psiquiatra ao se deparar com
seu filho sob efeito de SPA, mas ao clínico ou pediatra! O
acobertamento do problema é maior que o de (tentativa) de
suicídio!

Álcool e nicotina também são SPA (apesar da expressão “álcool,


tabaco e outras SPA” gerar a falsa ideia de que álcool e tabaco
não pertencem ao grupo)!
SENHORAS E SENHORES, NÃO SE DEIXEM ILUDIR!

Vários quadros de uso/abuso/dependência de SPA podem vir no


bojo das mais variadas manifestações psiquiátricas (mas também
neurológicas e clínicas):

# episódios de agitação psicomotora;


# ideação e tentativa de suicídio (e/ou homicídio);
# síndromes psiquiátricas (psicóticas, maníacas, depressivas e
ansiosas);
# convulsões e coma;
# eventos cardiovasculares (cocaína e congêneres).
TIPOS (SEGUNDO A AÇÃO SOBRE A ATIVIDADE MENTAL)

PSICOLÉPTICAS (DEPRESSORAS):
álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, opioides, solventes etc.

PSICOANALÉPTICAS (ESTIMULANTES):
cocaína, anfetamina, nicotina, cafeína etc.

PSICODISLÉPTICAS (ALUCINÓGENOS OU DESPERSONALIZANTES):


cannabis, LSD*, cogumelos alucinógenos, anticolinérgicos etc.

(*) dietilamina do ácido lisérgico


Diferenças adultos X crianças/adolescentes
com uso/abuso/dependência na Emergência

Muitos pais/responsáveis o(a) trazem para avaliação


(não necessariamente sob efeito do uso)*, mas não
com o psiquiatra (e sim na emergência pediátrica /
clínica a partir dos 13 anos) devido a:

# abuso;
# overdose;
# complicações clínicas associadas ao uso da
substância.
(*) CUIDADO! Muitos dos menores não são habitués, apenas “deram azar” de haver sido
flagrados num episódio de experimentação e a Emergência NÃO DEVE SE TORNAR UM
TRIBUNAL (médicos não são juízes nem causídicos)!
Diferenças adultos X crianças/adolescentes
com uso/abuso/dependência na Emergência

Altas taxas de subnotificação, decorrente de


diversos fatores, que vão desde o “pedido”
(ameaça) da família para que o diagnóstico seja
suprimido do prontuário até pressão do(a)
“gerente da biqueira” (nos recursos de saúde
mais periféricos)!
Ainda que venha a ser avaliada com
parcimônia, a informação obtida de
colaterais (transeunte que o(a)
encontrou em mal estado, mãe,
parceiro, vizinha fofoqueira, etc.) é de
grande valor e deve ser
documentada no prontuário tão logo
seja possível!

Screening toxicológico e o popular


bafômetro podem ser de grande
utilidade (SE O “PROJETO DE GENTE”
SE DISPUSER A COLABORAR - caso se
encontre consciente - e/ou OS PAIS
DEIXAREM TAL TIPO DE CRIME
CONTRA OS DIREITOS DE SEU
“GENIOZINHO” SER PERPETRADO)!

ZELO EXCESSIVO OU
TOLERÂNCIA PATOLÓGICA???
Relato de caso:

JMMA nasce no morro (RJ), filho de um mulato pintor de paredes e de


uma lavadeira (branca). Vive no terreno da patroa da mãe (com os
pais). A irmã gêmea morre aos 4. Inicia seus estudos numa escola
pública da região, mas não se mostra interessado. Aos 10, perde a
mãe, e o pai incontinenti se casa. Logo depois, morre o pai, passando a
viver com a madrasta, para quem vende doces pelas ruas. Apaixona-se
pela irmã de um amigo (cinco anos mais velha que ele). Os outros
irmãos (seu amigo já havia morrido, por consequências de uma doença
psiquiátrica) não concordam que ela se envolva com um mulato (mas
por fim se casam). De saúde muito frágil, é epiléptico e gago desde
muito jovem. As crises epilépticas se iniciaram na infância, com
remissão na adolescência e recidiva na terceira década, tornando-se
mais frequentes nos últimos anos de vida. Desenvolve, com a idade,
cegueira e depressão.
1839-1908
“…Choose your future. Choose life. But why would I want to do a
thing like that? I chose not to choose life: I chose something else. And
the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you've
got heroin?...”

[...Escolha seu futuro. Escolha viver. Mas porque eu iria querer fazer
uma coisa dessas? Eu escolho não escolher viver: eu escolho algo
mais. E as razões? Não há razões. Quem precisa de razões quando se
tem heroína?...

Welsh I (1996). Trainspotting. New York, NY: W.W. Norton & Co.
Referências

De Boni R, Saibro P, Pechansky F (2008). Emergências associadas ao álcool e a drogas de


abuso. In: Quevedo J, Schmitt R, Kapczinski F (e cols.). Emergências Psiquiátricas – 2ª
Edição. Porto Alegre: Artmed, p. 143-68.
Gilman AG et al (1991). As bases farmacológicas da terapêutica. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan.
Haddon M (2006). O estranho caso do cachorro morto – 7ª Edição (trad. Marisa Reis Sobral
e Luiz Antonio Aguiar). Rio de Janeiro: Record.
IBGE (2009). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2009. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/
Kuczynski E (2015). Dependência a substâncias psicoativas. Viver na infância e adolescência:
Revista multidisciplinar de inclusão social;5(1):6-11.
Ribeiro PL, Andrade AG (2007). Transtornos mentais relacionados ao uso de substâncias
psicoativas. In: Louzã Neto MR, Elkis H e cols (2007). Psiquiatria Básica (2ª Ed.). Porto
Alegre: Artmed, p. 195-210.
Schmitt R, Tramontina S (2008). Emergências psiquiátricas em crianças e adolescentes. In:
Quevedo J, Schmitt R, Kapczinski F (e cols.). Emergências Psiquiátricas – 2ª Edição. Porto
Alegre: Artmed, p. 265-78.
Scivoletto S, Morihisa RS (2012). Drogas e álcool. In: Assumpção Jr. FB, Kuczynski E (Org.).
Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência - 2ª ed. São Paulo: Atheneu, p. 603-31.
“Este é o mal que há em
tudo quanto se faz
debaixo do Sol: que a
todos sucede o mesmo.
Também o coração dos
filhos dos homens está
cheio de maldade; há
desvarios no seu coração
durante a sua vida, e
depois se vão aos
mortos.”

“Everywhere there is evil under the Sun...”


(Eclesiastes 9;3)
(1982)

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