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Doutrina Social da Igreja

Prof. André Marcelo M. Soares, Ph.D., AFR


Identidade e método
Sentido e finalidade
Doutrina Social da Igreja (DSI) é o conjunto dos ensinamentos contidos na doutrina da
Igreja Católica, presente nas numerosas encíclicas e pronunciamentos dos papas inseridos
na tradição secular e que tem suas origens nos primórdios do Cristianismo.

Tem por finalidade fixar princípios, critérios e diretrizes gerais a respeito da organização
social e política dos povos e das nações. É um convite a ação. A finalidade da Doutrina
Social da Igreja é “levar os homens a corresponderem, com o auxílio também da reflexão
racional e das ciências humanas, à sua vocação de construtores responsáveis da sociedade
terrena” (Sollicitudo rei socialis, 1).
O Evangelho e a sociedade industrial
“A Doutrina Social da Igreja se desenvolveu no século XIX por ocasião do encontro do
Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção
de bens de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas
novas formas de trabalho e de propriedade” (Catechismum Catholicae Ecclesiae , 2420).

“O ensino e a difusão da Doutrina Social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja. E,


tratando-se de uma doutrina destinada a orientar o comportamento das pessoas, há de levar
cada uma delas, como consequência, ao “empenhamento pela justiça” segundo o papel, a
vocação e as circunstâncias pessoais” (Sollicitudo rei socialis, 41).
Temas principais
A DSI considera que a “a norma fundamental do Estado deve ser a prossecução da justiça e
que a finalidade de uma justa ordem social é garantir a cada um, no respeito ao princípio da
subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns” (Deus caritas est, 26-27).

A DSI aborda vários temas fundamentais, como a pessoa humana, sua dignidade, direitos e
suas liberdades; a família, sua vocação e seus direitos; inserção e participação responsável
de cada homem na vida social; a promoção da paz; o sistema econômico e a iniciativa
privada; o papel do Estado; o trabalho humano; a comunidade política; o bem comum e sua
promoção, no respeito dos princípios da solidariedade e subsidiariedade; o destino universal
dos bens da natureza e cuidado com a sua preservação e defesa do ambiente; o
desenvolvimento integral de cada pessoa e dos povos e o primado da justiça e da caridade.
Contexto histórico
Nos finais do século XIX, com o surgimento da sociedade industrial modificou-se o
contexto social de modo a determinar uma reavaliação do que seria a justa ordem da
coletividade. Antigas estruturas sociais foram desmontadas e o surgimento da massa de
proletários assalariados determinou fortes mudanças na organização social, fazendo com
que a relação capital e trabalho se tornasse uma questão decisiva de um modo até então
desconhecido.

Lentamente os representantes da Igreja se aperceberam que das novas formas


socioeconômicas surgiam problemas com reflexos na questão da justa estrutura social.
Muitas iniciativas pioneiras surgiram nesta época entre leigos e religiosos voltadas para os
problemas de pobreza, doenças e carências de serviços de saúde e educação. Entre os
pioneiros destacou-se o Bispo de Mongúcia, Wilhelm Emmanuel Freiherr von Ketteler.
Princípios
São princípios básicos em que se condensa a Doutrina Social da Igreja: 1) A dignidade da
pessoa humana, como criatura à imagem de Deus e a igual dignidade de todas as pessoas; 2)
respeito à vida humana, 3) princípio de associação, 4) princípio da participação, 5) opção
preferencial pelos pobres, 6) princípio da solidariedade, 7)princípio da subsidiariedade, 8)
princípio do bem comum, 9) princípio da destinação universal dos bens.

Os princípios da dignidade da pessoa humana do bem comum, da subsidiariedade e o


da solidariedade a DSI os considera de caráter geral e fundamental, permanentes e
universais. Esta doutrina indica, ainda, valores fundamentais que devem presidir a vida
social. Estes valores são: verdade, liberdade e justiça.
Valores fundamentais
Verdade: “o homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a aderir à verdade
conhecida e a ordenar toda a vida segundo as exigências da verdade” (CCE 2467). A vida
social exige transparência e honestidade e sem a confiança recíproca a vida em comunidade
torna-se insuportável.
Liberdade: “toda pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser
reconhecida como ser livre e responsável. Todos devem a cada um esta obrigação de
respeito. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da
pessoa humana, sobretudo em matéria moral e religiosa. Este direito deve ser reconhecido
civilmente e protegido nos limites do bem comum e da ordem pública”.
Justiça: A justiça não é uma simples convenção humana, porque o que é justo não é
originalmente determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano. Aqui
reafirma o direito natural como sinônimo de respeito à dignidade da pessoa humana, sob
uma ótica cristã de valores, como fundamento do direito positivo.
Importância
Práxis de Jesus
“Uma das mais visíveis fraquezas da civilização atual está em uma inadequada visão do
homem” (João Paulo II, na abertura da III Conferência Geral do Episcopado Latino-
americano, reunida em Puebla). Por isso, torna-se imperioso confiar na DSI, estudá-la com
seriedade, procurar aplicá-la e ensiná-la. Afinal, ser fiel a ela é, em um filho da Igreja,
garantia da autenticidade de seu compromisso nas delicadas e exigentes tarefas sociais, e de
seus esforços em favor da liberação ou da promoção de seus irmãos.

A DSI nasce das palavras e da práxis de Jesus e de seu anúncio pascal de liberação do pecado
e da morte. Jesus revela-nos que “Deus é amor” (1 Jo 4, 8) e nos ensina que “a lei
fundamental da perfeição humana, e portanto da transformação do mundo, é o
mandamento novo do amor. Destarte, aos que creem no amor divino dá-lhes a certeza de
que abrir o caminho do amor a todos os homens e instaurar a fraternidade universal não são
coisas vãs” (Gaudium et spes, 38).
Importância interdisciplinar
A Doutrina Social tem uma importante dimensão interdisciplinar. “Para encarnar melhor
nos diversos contextos sociais, econômicos e políticos em contínua mutação, essa doutrina
entra em diálogo com diversas disciplinas que se ocupam do homem, assumindo em se os
contributos que delas provêm” (Centesimus annus, 59).

Essencial é, em primeiro lugar, o contributo da Filosofia. Ela é, efetivamente, instrumento


apto e indispensável para uma correta compreensão de conceitos basilares da Doutrina
Social, tais como pessoa, sociedade, liberdade, consciência, ética, direito, justiça, bem
comum, solidariedade, subsidiariedade e Estado. Um significativo contributo à DSI provém
das Ciências Humanas e Sociais. A abertura atenta e constante às ciências faz com que a DSI
adquira competência, concretude e atualidade.
Critérios hermenêuticos
Fontes da DSI
A DSI tem duas fontes: a fé e a razão, que são complementares e que implicam um
caminhar pela história, enriquecendo seus conhecimentos e conteúdos. A fé como fonte se
refere à Sagrada Escritura, como palavra revelada de Deus e à experiência de fé da própria
Igreja que, através da Tradição, se apresenta como resposta à revelação.

A razão como fonte se refere às experiências e conhecimentos dos seres humanos que
percebem o social ainda sem o auxílio da fé.
Antigo e Novo Testamentos
No Antigo Testamento, os judeus, outrora escravos no Egito, deveriam cuidar dos pobres,
órfãos, viúvas e estrangeiros (Ex 22, 20-22; Dt 10, 18; 14, 28-29; 26, 12). Também a pregação
profética se mostra incisiva quando aborda a injustiça praticada contra os desvalidos da
sociedade; um bom exemplo é Amós, que critica os defraudadores e os exploradores do
povo (Am 8, 4-8).

No Novo Testamento, em Atos dos Apóstolos, os primeiros cristãos solidarizam-se entre si e


com as necessidades da comunidade (At 2, 42; 6, 1-6). Paulo organiza uma coleta em favor
dos cristãos de Jerusalém, por volta do ano 50, quando a comunidade passou por muitas
dificuldades em virtude das más colheitas (1 Cor 16 e 2 Cor 8-9). Em Tg 1, 27, lemos
claramente que, “com efeito, a religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai,
consiste nisto: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da
corrupção do mundo”.
Dignidade da pessoa humana
Da dignidade da pessoas deriva, antes de tudo, o princípio do bem comum, com o qual se
deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno sentido.

É necessário observar que a dignidade humana deve ser respeitada em qualquer etapa do
desenvolvimento biológico. Afinal, não é possível estabelecer, através de critérios
axiológicos, a etapa da vida humana que tem mais valor. Não se pode atribuir valor à vida
humana partindo de critérios exclusivamente acidentais. A vida, durante todas as etapas do
seu desenvolvimento, possui valor idêntico.
Destino universal dos bens
Os bens criados se destinam a todo os homens. A apropriação individual, o chamado direito
de propriedade, é uma forma eficaz de realizar melhor esta destinação.

A propriedade situada assim, à luz deste princípio, deve ser entendida como
responsabilidade social e não como privilégio excludente, como enfatiza João Paulo II,
recordando Leão XIII, “sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social”
(Laborem exercens, 14). Também compartilha dessa posição João XXIII, segundo o qual, “o
direito de propriedade privada sobre os bens possui intrinsecamente uma função social”
(Mater et magistra, 116)
Dever de solidariedade
Cada um cresce em valor e dignidade na medida em que investe as suas capacidades e o seu
dinamismo na promoção do outro. O princípio vale analogicamente para todas as relações
concretas: entre o homem e a mulher, os pais e os filhos, os grupos sociais, os níveis e
setores de poder, o capital e o trabalho, o mundo desenvolvido e subdesenvolvido.

Hoje se pode falar na descoberta de uma relação de solidariedade entre o homem e a


natureza: o homem se valoriza mais na medida em que preserva e promove a natureza, e
esta, protegida e preservada, garante melhor qualidade de vida para o homem.
Desenvolvimento integral do homem
A dignidade exclui qualquer discriminação racial, social, econômica, religiosa ou cultural. A
vida do homem é preocupação da Igreja. Nele está a síntese mais densa do compromisso da
Igreja.

Este é o principio que marca a distância entre a DSI e todos os sistemas e ideologias de
inspiração totalitária de direita ou esquerda; para as quais a pessoa só recebe sentido do
coletivo social, do qual ela é apenas uma parte descartável.
Subsidiariedade
Diversas circunstâncias podem recomendar ao Estado uma função de suplência. Por
exemplo, quando é necessário que o próprio Estado promova a economia, por causa da
impossibilidade de a sociedade civil assumir autonomamente a iniciativa. Também nas
realidades de grave desequilíbrio e injustiça social, em que só a intervenção pública pode
criar condições de maior igualdade, de justiça e de paz.

O bem comum, cujas exigências não deverão de modo algum estar em contraste com a
tutela e a promoção do primado da pessoa e das suas principais expressões sociais, deverá
continuar a ser o critério de discernimento no que diz respeito à aplicação do princípio da
subsidiariedade.
Trabalho, capital e justiça
O trabalho significa domínio do homem sobre a natureza, desde que orientado pela
solidariedade e não pela exploração dos outros. O trabalho tem uma prioridade intrínseca
em relação ao capital. Entre capital e trabalho deve haver complementaridade. Não pode
haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital.

O princípio da justiça regula as relações entre trabalho e capital mostrando que o valor da
pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos,
encontra-se acima dos critérios da utilidade.
Magistério social dos papas
1891-1961
Rerum novarum, Leão XIII (1891). Foi a primeira manifestação aberta da Igreja no sentido de
proteger os trabalhadores e suas organizações sindicais.

Quadragesimo anno, Pio XI (1931). O papa lamenta, quarenta anos mais tarde, a injusta
distribuição da riqueza produzida pelo industrialismo.

Mater et magistra, João XXIII (1961). O papa trata da questão do mercado.


1963-1967
Pacem in terris, João XXIII (1963). O Papa retoma a expressão usada pelo Concílio Vaticano
II – os sinais dos tempos – para mostrar os três fenômenos que caracterizam a nossa época:
a gradual ascensão econômico-social das classes trabalhadoras, ingresso da mulher na vida
pública, os povos já proclamaram ou estão para proclamar a sua independência.

Gaudium et spes (a Igreja no mundo de hoje), Vaticano II – Paulo VI (1965).

Populorum progressio (sobre o desenvolvimento dos povos), Paulo VI (1967).


1971-1987
Octogesima adveniens (por ocasião do 80º aniversário da Rerum novarum), Paulo VI (1971).
Aborda o fenômeno da urbanização.

Laborens exercens (sobre o trabalho humano, no 90º aniversário da Rerum novarum), João
Paulo II (1981). Trata da importância fundamental do trabalho.

Sollicitudo rei socialis (a solicitude social da Igreja), João Paulo II (1987). O papa alerta para
o arrefecimento das esperanças do desenvolvimento presente na Populorum progressio.
1991-1999
Centesimus annus (no centenário da Rerum novarum), João Paulo II (1991). Se refere aos
direitos dos pobres.

Ecclesia in America (exortação apostólica pós-sinodal), João Paulo II (1999). O papa reforça
a crítica ao neoliberalismo.
A pessoa humana na DSI
Sentido filosófico
A expressão dignidade da pessoa é a combinação de dois substantivos, na qual a dignidade
figura como termo valorativo aplicado a um sujeito que necessita se firmar como realidade
ontológica (pessoa). A origem etimológica da palavra pessoa encontra-se no termo grego
prosôpon, que, longe de possuir um sentido ontológico, se referia à máscara que os atores
utilizavam em suas representações teatrais.

Apesar de Platão (cerca de 427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) aplicarem os conceitos
de substância, natureza e essência, com seus respectivos matizes, ao homem, o pensamento
grego desconhecia a realidade de ser pessoa. É a perspectiva cosmológica grega que
possibilitará a primeira abordagem da dignidade do homem, que, segundo Aristóteles, é
mais evidente naqueles que desenvolvem de forma destacada a atividade intelectual própria
da alma humana, como é o caso dos filósofos e de outros bem-nascidos.
Sentido cristão
No cristianismo, o conceito de pessoa recebeu um sentido teológico, por se aplicar
primeiramente às pessoas divinas. A seguir, foi empregado para definir o ser humano, até
então concebido simplesmente como homem.

Na Idade Média destacam-se as reflexões de Boaventura de Bagnoregio (1217-1274), o Doctor


Seraphicus, e de Tomás de Aquino (1227-1274), o Doctor Angelicus, sobre o conceito de
pessoa.
Boaventura e Tomás de Aquino
Para Boaventura, era necessário ir além da definição do filósofo romano Boécio (480-525),
para o qual a pessoa é “uma substância individual de natureza racional”. De acordo com o
Doctor Seraphicus, o conceito de relação parece definir com mais profundidade a pessoa,
por se tratar de um elemento constitutivo essencial (cf. MTr., q. 2, a. 2, n. 9.). Em outras
palavras, na pessoa a relação não é simplesmente algo acidental, mas estrutural e, portanto,
inerente a sua própria natureza.

Ao analisar a definição boeciana, Tomás de Aquino esclarece a relação existente entre


substância e subsistência, para identificar na pessoa um modo próprio, que a torna uma
realidade independente (in se), que subsiste em si e para si, de forma única e irrepetível (cf.
I Sent., d. 23, q. 1, a. 1 sol). Em resumo, para o Aquinate o que determina a natureza da
pessoa humana é o subsistir, o raciocinar e ser individual (cf. II Sent., d. 3 q. 1, a. 2 sol).
Imago Dei
A definição de Boécio tem como núcleo o conceito aristotélico de ousia (ou substantia),
utilizado fundamentalmente para definir as coisas naturais. Nesta concepção, a pessoa, tal
como as demais coisas, é concebida como hypóstasis (ou suppositum), embora mais digna
por ser dotada de razão. Para Boaventura, quando se trata das pessoas divinas, esta noção
pode parecer estranha. Afinal, de forma alguma é possível interpretar as pessoas divinas
como coisa. É por este motivo que ele utiliza o conceito de relação para referir-se, por
analogia, à pessoa humana (cf. Gaudium et spes, 12).

Para Boaventura, o fato de o homem ser concebido como imago Dei significa que, além de
ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, está, desde a sua criação, relacionado com o
seu criadora (cf. CCE, 356, 358). Cada homem, em particular, foi criado por Deus não
seguindo o modelo da natureza, mas unicamente o modelo da própria realidade divina. É
neste fato que repousa a dignidade humana.
Racionalismo e pragmatismo
A partir do século XVIII, sobretudo com a contribuição de Immanuel Kant (1724-1804),
surgem novas perspectivas para fundamentar eticamente o conceito de dignidade. Segundo
Kant, a dignidade humana encontra-se na capacidade de autonomia, ou seja, no fato de ser
o homem a única criatura capaz de se submeter livremente as leis morais que são
reconhecidas como procedentes da razão prática.

Para o neopragmatismo de Richard Rorty (1931-2007), nem as qualidades intelectuais (a


razão), nem os pressupostos metafísicos (o ser) e nem a capacidade moral (a autonomia)
fundamentam a dignidade humana. Ela resulta de uma ação institucional segundo a qual
determinadas sociedades, através do processo democrático, decidiriam de forma
contingente e convencional (o único modo possível) o grau de sua utilidade ou eficácia para
resolver conflitos sociais.
Fundamentação condicionada e incondicionada
Pode-se afirmar que o modelo grego e o moderno foram elaborados a partir de um tipo de
reflexão denominada de fundamentação condicionada, considerando que a afirmação da
dignidade humana depende do desenvolvimento e execução de determinadas qualidades
intelectuais e morais da pessoa. No caso do neopragmatismo contemporâneo, os critérios
escolhidos são os de utilidade social, conveniência e capacidade.

A perspectiva ontológica, própria da tradição cristã e do jusnaturalismo, oferece uma


fundamentação incondicionada, na qual a dignidade não depende de fatores externos ao ser
humano, nem sequer do exercício de faculdades intelectuais ou morais, mais desenvolvidas
nos adultos. Neste aspecto, a dignidade humana não está condicionada por não se sujeitar às
convenções jurídico-sociais.
Duas dimensões
A pessoa não pode jamais ser pensada unicamente como absoluta individualidade, edificada
por si mesma ou sobre si mesma, como se as suas características próprias não dependessem
senão de si mesmas. Nem pode ser pensada como pura célula de um organismo disposto a
reconhecer-lhe, quando muito, um papel funcional no interior de um sistema.

O homem, portanto, tem duas diferentes características: é um ser material, ligado a este
mundo mediante o seu corpo, e um ser espiritual, aberto à transcendência e à descoberta de
“uma verdade mais profunda”, em razão de sua inteligência, com a qual “participa da luz da
inteligência divina” (Gaudium et spes, 15).
Transformação interior e social
A transformação interior da pessoa humana, na sua progressiva conformação a Cristo, é
pressuposto essencial de uma real renovação das suas relações com as outras pessoas. “Não
é possível amar o próximo como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem a firme e
constante determinação de empenhar-se em prol do bem de todos e de cada um, porque
todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos” (Sollicitudo rei socialis, 38).

A transformação do mundo se apresenta como uma instância fundamental também do


nosso tempo. A esta exigência o Magistério social da Igreja entende oferecer as respostas
que os sinais dos tempos invocam, indicando primeiramente no amor recíproco entre os
homens, sob o olhar de Deus, o instrumento mais potente de mudança, no plano pessoal
assim como no social.
Homem e mulher
O homem e a mulher têm a mesma dignidade e são de igual nível e valor (cf. CCE, 2334).
não só porque ambos, na sua diversidade, são imagem de Deus, mas ainda mais
profundamente porque é imagem de Deus o dinamismo de reciprocidade que anima o nós
do casal humano (CCE, 317).

O homem e a mulher estão em relação com os outros antes de tudo como guardiães de sua
vida (cf. Evangelium vitae, 19). Com esta particular vocação para a vida, o homem e a
mulher se encontram também diante de todas as outras criaturas. Eles podem e devem
submetê-los ao próprio serviço e usufruir delas, mas o seu senhorio sobre o mundo exige o
exercício da responsabilidade, não é uma liberdade de desfrute arbitrário e egoístico.
Igualdade e diferenças
O masculino e o feminino diferenciam dois indivíduos de igual dignidade, que porém não
refletem uma igualdade estática, porque o específico feminino é diferente do específico
masculino e esta diversidade na igualdade é enriquecedora e indispensável para uma
harmoniosa convivência humana. A mulher é o complemento do homem, como o homem é
o complemento da mulher: mulher e homem se completam mutuamente, não somente do
ponto de vista físico e psíquico, mas também ontológico. É somente graças a essa dualidade
do masculino e do feminino que o humano se realiza plenamente (cf. Mulieris dignitatem,
11).

As pessoas deficientes são sujeitos plenamente humanos, titulares de direitos e deveres:


“apesar das limitações e dos sofrimentos inscritos no seu corpo e nas suas faculdades, põem
mais em relevo a dignidade e a grandeza do homem” (Laborem exercens, 22).
Pecado individual e social
Na raiz das lacerações pessoais e sociais, que ofendem em vária medida o valor e a dignidade
da pessoa humana, encontra-se uma ferida no íntimo do homem: “à luz da fé chamamos-
lhe pecado, começando pelo pecado original, que cada um traz consigo desde o nascimento,
como uma herança recebida dos primeiros pais, até aos pecados que cada um comete,
abusando da própria liberdade” (Reconciliatio et paenitentia, 2).

O mistério do pecado se compõe de uma dúplice ferida, que o pecador abre no seu próprio
flanco e na relação com o próximo. Por isso se pode falar de pecado pessoal e pecado social:
todo o pecado é pessoal sob um aspecto; sob um outro aspecto, todo o pecado é social,
enquanto e porque tem também consequências sociais.
Universalidade do pecado e da salvação
A doutrina do pecado original, que ensina a universalidade do pecado, tem uma
importância fundamental: “se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós
mesmos, e a verdade não está em nós” (1 Jo 1, 8). Esta doutrina induz o homem a não
permanecer na culpa e a não tomá-la com leviandade, buscando continuamente bodes
expiatórios nos outros homens e justificações no ambiente, na hereditariedade, nas
instituições, nas estruturas e nas relações. Trata-se de um ensinamento que desmascara tais
engodos.

A doutrina da universalidade do pecado, todavia, não deve ser desligada da consciência da


universalidade da salvação em Jesus Cristo. Se dela isolada, gera uma falsa angústia do
pecado e uma consideração pessimista do mundo e da vida, que induz a desprezar as
realizações culturais e civis dos homens.
A família na DSI
Família, sociedade e Estado
É no âmbito da família que o homem recebe as primeiras noções do bem e da verdade,
aprende a amar e ser amado e o significado de ser pessoa. Sem famílias fortes na comunhão e
estáveis no seu compromisso, os povos se debilitam e é no seu âmbito que se dá a
aprendizagem das responsabilidade sociais e da solidariedade (cf. CCE, 2224). Na sua função
procriadora a família é condição de existência da própria sociedade.

A legitimação da família está fundada na própria natureza humana e não no reconhecimento da


lei civil. Ela antecede ao próprio Estado, por isto ela não existe em função do Estado. A sociedade e
o Estado é que existem para a família. Nas suas relações com a família o Estado tem o dever de
ater-se ao princípio da subsidiariedade, não lhe subtraindo as tarefas que pode realizar sozinha ou
associada a outras famílias e tem o dever de apoiá-la garantindo-lhe os auxílios necessários para
que possa bem cumprir as suas responsabilidades (cf. Familiaris consortio, 472).
Dignidade da família
O matrimônio é entendido como o fundamento da família. Não decorre de uma convenção
humana e se fundamenta na natureza própria do ser humano. É dotado de características
próprias e permanentes e exige um compromisso público e irrevogável do qual decorre
direitos e deveres recíprocos entre os cônjuges. Tem como características a totalidade da
doação recíproca definitiva, a indissolubilidade e a fidelidade e abertura à fecundidade.

A DSI rejeita, portanto, o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a poligamia e
o adultério. Está ordenado à ajuda mútua e à procriação e educação dos filhos, o que
constitui um bem para toda a sociedade, e não tem diminuído o seu valor se eles não chegam
a vir, embora muito desejados. Foi elevado à condição de Sacramento e deve a sua
estabilidade à lei divina positiva (cf. CCE, 2379). O divórcio é verdadeira praga social, o
adultério, a poligamia e a união livre representam graves ofensas à dignidade do casamento
(cf. CCE, 2385-2400; Familiaris consortio, 84).
Paternidade e maternidade responsáveis
Paternidade e maternidade exercidas de modo responsável não significa ter filhos de modo
desordenado e nem limitar-lhes o nascimento por motivos egoísticos e de comodidade pura.

Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e sociais, a paternidade e a


maternidade responsável exercem-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer
crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com
respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado,
um novo nascimento (cf. Humanae vitae, 10; Gaudium et spes, 50-51).
Interferência do Estado
Aos esposos cabe, com exclusividade, o juízo de valor acerca do intervalo entre os
nascimentos e não é lícito ao Estado interferir de forma direta ou indireta nesta decisão. São
considerados inaceitáveis e moralmente condenáveis os programas de ajuda econômica
destinados a financiar campanhas de esterilização e de contracepção ou que estejam
condicionados a aceitação de tais campanhas.

A família tem um papel insubstituível na educação dos filhos por direito natural originário e
primário, os pais são os primeiros e principais educadores dos filhos. As autoridades
públicas têm o dever de assegurar e proteger este direito. Os pais têm o direito e a obrigação
de verificar o modo como se realiza a educação sexual nas instituições educacionais que
estão a seu serviço, de modo a garantir que a abordagem deste tema se faça de modo
adequado e de conformidade com as suas convicções morais.
Técnicas contrárias à reprodução
Não são aceitas todas as técnicas reprodutivas: doação de esperma ou de ovócitos,
maternidade de substituição e a fecundação artificial e formas de procriação assistida, por
dissociarem o ato procriador do ato unitivo ou por considerar que é lesado o direito do filho
de ter na mesma pessoa o pai biológico e o pai jurídico, ofendendo assim a dignidade
integral da pessoa.

A clonagem é rejeitada por se realizar em ausência total do ato de amor pessoal entre os
esposos, é igualmente grave a clonagem com fins de reprodução de embriões para deles
retirar células com fins terapêuticos por implicar na morte do embrião.
O trabalho e os bens
O trabalho doméstico, em especial o da mãe de família, deve ser valorizado e deve merecer
do Estado e da sociedade uma remuneração pelo menos igual à dos outros, com os auxílios e
benefícios sociais e previdenciários respectivos, devem ser eliminados os obstáculos que
constrangem a mulher a não realizar plenamente as suas funções maternas.

A família tem direito a um salário para que possa viver dignamente. Tal salário deve permitir
a realização de uma poupança que favoreça a aquisição de uma certa propriedade, como
garantia da liberdade.
O trabalho humano na DSI
O sentido do trabalho humano
O trabalho pertence à condição originária própria do homem, é anterior à queda do pecado
original, não pode por isto ser entendido nem como punição e nem como sendo uma
maldição ou castigo. É um instrumento eficaz contra a pobreza e deve ser sempre honrado,
é essencial, mas não é o fim último da razão de ser da existência do homem.

O trabalho representa uma dimensão fundamental do homem como participante da criação e da


redenção. O trabalho é meio de santificação. Ninguém pode se sentir no direito de não trabalhar
e de viver à custa dos outros. O trabalho é também uma obrigação, vale dizer, um dever do
homem. Constitui uma obrigação para consigo, para com a família, a sociedade e a nação. A
pessoa é o parâmetro da dignidade do trabalho. O valor do trabalho está não no que é feito, mas
está em quem o faz: a pessoa humana.
Dimensão social
O trabalho humano tem também a sua dimensão social: o trabalho é para o homem e não o
homem para o trabalho. O trabalho é um direito fundamental, tem um valor de dignidade e
é também uma necessidade para o homem e para este formar e manter uma família, para ter
direito à propriedade e para contribuir para o bem comum.

“Se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às
necessidades da vida, quer ele se exerça num terreno próprio, quer em alguma arte lucrativa
cuja remuneração, apenas, sai dos produtos múltiplos da terra” (Rerum novarum, 11-13).
Direito fundamental
Por ser um direito fundamental, toda ordem econômica, que se queira voltada para a justiça
e para o bem comum, deve estar orientada com vistas a alcançar o pleno emprego. O dever
do Estado neste campo há de estar voltado preferencialmente para as políticas que criem
condições e garantam ocasiões de trabalho, estimulando a atividade das empresas onde for
insuficiente e apoiando-as nos momentos de crise (cf. Centesimus annus, 48).

Para a promoção do direito ao trabalho é relevante permitir e incentivar o processo de livre


auto-organização dos diversos setores produtivos da sociedade, empresariais e sociais, a
cooperação e a autogestão e outras formas de atividade solidária.
Trabalho e capital
Pelo seu caráter pessoal de ato humano e em razão da dignidade da pessoa, o trabalho é
superior e precede em importância a qualquer outro fator de produção, este princípio vale,
de modo especial e particular, em relação ao capital. Entretanto, entre um e outro há uma
complementariedade:

“De nada vale o capital sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital” (Rerum novarum, 11).

“É inteiramente falso atribuir ou só ao capital ou só ao trabalho o produto do concurso de


ambos; e é deveras injusto que um deles, negando a eficácia do outro, se arrogue a si todos
os frutos” (Quadragesimo anno, 195).
Propriedade privada e função social
Na relação entre capital e trabalho há de se ter em conta, também a participação, de alguma
forma, dos trabalhadores na propriedade, na gestão e nos seus frutos. Há também que se
respeitar o repouso festivo, este é um direito do trabalhador e da sua família.

A DSI sustenta que o direito à propriedade privada está subordinado ao princípio da


destinação universal dos bens e não deve constituir um impedimento ao trabalho. Não é
lícito possuir por possuir, ou possuir contra o trabalho.
Propriedade privada e reforma agrária
A propriedade, que se adquire com o fruto do trabalho, tem por dever servir ao trabalho. De
tudo resulta que a propriedade particular é plenamente conforme a natureza, porque o seu
fundamento está no trabalho humano ela é o fruto do trabalho (Rerum novarum, 20).

Esta doutrina considera indispensável uma reforma agrária justa e eficiente. Condena tanto
o latifúndio, por ser expressão de um uso socialmente irresponsável do direito de
propriedade, como a propriedade estatal da terra, porque leva a uma despersonalização da
sociedade civil.
Trabalho infantil e da mulher
Sobre o se edifica a vida familiar, que é um direito fundamental e uma vocação do homem
(Laborem exercens, 10). É preciso que o Estado e os setores responsáveis pela vida social
promovam políticas do trabalho que não penalizem e não sacrifiquem as famílias.

A verdadeira promoção dos direitos da mulher “exige que o trabalho seja estruturado de tal
maneira que ela não se veja obrigada a pagar a própria promoção com o ter de abandonar a
sua especificidade e com detrimento da sua família, na qual ela como mãe, tem um papel
insubstituível” (Laborem exercens, 19). Quanto ao trabalho do menor este “não deve entrar
na oficina senão quando a sua idade tenha suficientemente desenvolvido nele as forças
físicas, intelectuais e morais: do contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar
com um trabalho demasiado precoce, e dar-se-á cabo da sua educação” (Rerum novarum,
60).
Direitos do trabalhador
1. Justa remuneração e local de trabalho apropriado;
2. Direito ao repouso;
3. Respeito à sua consciência e à integridade moral;
4. Auxílios aos desempregados e suas famílias;
5. Direito a aposentadoria e pensão nos casos de doença;
6. Direito a auxílios e benefícios sociais no caso da maternidade;
7. Direito de reunião e associação.
Remuneração
O acordo entre patrão e empregado não é suficiente para legitimar o quantum da
remuneração, ela deve ser suficiente para um sustento digno do trabalhador e da sua
família. As leis de mercado não são suficientes para atender a esta condição de justiça, o
direito natural antecede ao direito de contratar.

Se for necessário, cabe ao Estado fixar um valor mínimo para as diversas circunstâncias em
que a remuneração do trabalho é devida.
Greve
A greve é reconhecida pela Doutrina Social como instrumento legítimo, como último
recurso inevitável e até necessário em vista de um benefício proporcionado, desde que todos
os outros recursos se tenham levado a efeito para evitar o conflito.

A greve legítima, como justo instrumento de pressão contra os empregadores, contra o


Estado e até como meio de pressionar a opinião pública, há de ser sempre pacífica, e perde a
sua legitimidade se a ela é associada a violência ou quando lhe é atribuído outro fim que não
as condições de trabalho ou contrários ao bem comum.
Sindicatos
Os sindicatos devem ser instrumentos de solidariedade entre os trabalhadores e são um
fator construtivo da ordem social. A ação sindical deve ser voltada para o bem comum.

Não se admite o ódio de classes e luta para a eliminação de outrem. Trabalho e capital são
indispensáveis para o processo de produção. A Doutrina Social não pensa que os sindicatos
sejam somente o reflexo de uma estrutura de classe da sociedade, como não pensa que eles
sejam o expoente de uma luta de classe, que inevitavelmente governe a vida social.
Solidariedade
O papel específico do sindicato é o de garantir os justos direitos dos homens no quadro do
bem comum de toda a sociedade. Não deve, por isso, se vincular a partidos políticos e nem
se envolver na luta pelo poder político, para não se transformar em instrumento para outros
fins.

Novas formas de solidariedade devem ser criadas de modo a amparar os trabalhadores que
se encontram em novas situações de trabalho, decorrentes dos problemas e possibilidades
dos tempos atuais, distintas das formas tradicionais de emprego.
Globalização e evolução técnica
As novidades e as oportunidades que surgem com a globalização não podem implicar em
violações dos direitos inalienáveis do homem que trabalha.

A dignidade do trabalho deve ser tutelada sempre. A globalização tem aspectos positivos
que devem ser valorados e resulta da natural tendência do homem de se relacionar com o
outro homem. Com a globalização e a evolução da técnica surge a oportunidade para todos
de dar expressão a um humanismo do trabalho em âmbito planetário.
A vida econômica na DSI
Solidariedade e justiça
À luz da revelação a atividade econômica deve ser vista como uma forma de coparticipação
do homem na criação. É uma questão de justiça consigo mesmo e como próximo a
adequada administração dos próprios dons e bens materiais.

O progresso material e a atividade econômica devem ser colocadas a serviço dos demais e da
sociedade. As riquezas existem para serem partilhadas com os demais. Dar a quem tem
necessidade significa pagar um débito.
Moral e economia
As chamadas estruturas de pecado são construídas com muitos atos concretos e individuais
de egoísmo humano. Na encíclica Quadragesimo anno, Pio XI afirma que é um erro
considerar que a atividade econômica está desvinculada dos princípios morais que regem a
atividade humana.

A riqueza não é um fim em si mesmo e nem razão de ser da existência, ela se destina à
produção, distribuição e consumo de bens e serviços, com vistas ao bem do homem e de
toda a sociedade para a promoção de um desenvolvimento solidário da humanidade.
Caridade e economia
A virtude da caridade é a base da concórdia entre os homens. A Doutrina Social admite uma
economia de mercado ou economia livre numa perspectiva de desenvolvimento integral e
solidário, mas se por capitalismo se entende que a liberdade na economia não está balizada
por um sólido sistema jurídico, que a coloque a serviço da liberdade humana integral, a
resposta é negativa.

A atividade econômica está submetida não só às suas próprias regras mas também as da
moral.
Liberdade e responsabilidade
A Doutrina Social considera que liberdade da pessoa humana no campo econômico é um
valor fundamental e um direito inalienável a ser promovido e tutelado.

Por outro lado, de acordo com João Paulo II, a empresa não pode ser considerada apenas
como uma “sociedade de capitais”; ela é simultaneamente uma “sociedade de pessoas”, da
qual fazem parte, de modo diverso e com específicas responsabilidades, quer aqueles que
fornecem o capital necessário para a sua atividade, quer aqueles que colaboram com o seu
trabalho (cf. Centesimus annus, 43).
Lucro e injustiça
A Doutrina Social reconhece a justa função do lucro, mas o lucro por si só não indica que a
empresa esteja servindo adequadamente à sociedade. Não é lícito obter o lucro à custa da
dignidade do trabalhador, da sua humilhação e da violação dos seus direitos.

Mesmo nas relações internacionais, a prática da usura permanece condenada e merecem


reprovação os sistemas financeiros abusivos e usurários tanto no âmbito das economias
nacionais como internacionais.
Dignidade do trabalhador
“Os trabalhadores que atuam na empresa constituem o seu patrimônio mais precioso”
(Centesimus annus, 35), nas grandes decisões estratégicas e financeiras da empresa, de
compra e venda, abertura e fechamento de filiais não é lícito decidir tendo por base apenas
os interesses do capital sem olhar a dignidade dos que nela trabalham.

Devem organizar a atividade na empresa de modo a favorecer e promover a família do


trabalhador, especialmente as mães de família.
Livre mercado e concorrência
Sendo os recursos existentes na natureza finitos devem ser empregados de forma racional e
econômica. A Doutrina Social considera que o livre mercado é socialmente importante pela
capacidade que possui de permitir uma eficiente produção de bens e serviços.

A concorrência é eficaz para alcançar objetivos importantes como moderar os excessos de


lucros, atender às exigências de consumidores, por exemplo, e incentivar a criatividade e
inovação na economia.
O papel do Estado e da sociedade civil
Cabe ao Estado estabelecer limites de modo que a parte mais fraca não seja prejudicada
pelos economicamente mais fortes. Deve haver uma complementaridade entre o Estado e o
mercado, de modo que aqueles bens necessários que o mercado, por sua atuação natural,
não forneça sejam providos pela ação estatal. A intervenção pública, quando necessária,
deve ater-se aos critérios de equidade, racionalidade e eficiência e não deve suprimir a
liberdade de iniciativa dos indivíduos.

As atividades de voluntariado e as entidades sem fins lucrativos devem ter um espaço


específico na sua área de atuação. A sociedade civil, ao lado do mercado e do Estado, é
capaz de prestar a sua colaboração de modo eficaz pelos seus corpos intermédios. Neste
contexto, a intervenção do Estado deve ser feita no respeito e na promoção da dignidade e
da autonomia destes corpos intermédios.
O fenômeno do consumismo
O consumo deve ser exercido sem esquecer o dever da caridade. Há a obrigação de eliminar
o supérfluo para garantir a vida ao pobre com o indispensável a uma vida digna. Os
consumidores devem eleger os produtos das empresas não só pelo preço e qualidade, mas
levando em conta também a existência de adequadas condições de trabalho nesses
estabelecimentos. Devem evitar o consumismo e as necessidades artificialmente criadas,
que dificultam e impedem a formação de uma personalidade amadurecida.

Uma economia financeira, cujo fim é ela própria, está destinada a contradizer as suas
finalidades, pois que se priva das próprias raízes e da própria razão constitutiva, ou seja, do
seu papel originário e essencial de serviço à economia real e, ao fim e ao cabo, de
desenvolvimento das pessoas e das comunidades humanas.
Política e DSI
Legitimidade do poder político
A submissão, não passiva, mas por razões de consciência (Rm 13, 5) ao poder constituído
corresponde à ordem estabelecida por Deus. São Paulo define as relações e os deveres dos
cristãos para com as autoridades (cf. Rm 13, 1-7). Insiste no dever cívico de pagar os tributos:
“Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem
deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito” (Rm 13, 7).

O Apóstolo certamente não pretende legitimar todo poder, pretende antes ajudar os
cristãos a “fazer o bem diante de todos os homens” (Rm 12, 7), também nas relações com a
autoridade, na medida em que esta está ao serviço de Deus para o bem da pessoa (cf. Rm 13,
4; 1 Tm 2, 1-1; Tt 3, 1) e “para fazer justiça e exercer a ira contra aquele que pratica o mal”
(Rm 13, 4).
Fundamento do poder político
A oração pelos governantes, recomendada por São Paulo durante as perseguições, indica
explicitamente o que a autoridade política deve garantir: uma vida calma e tranquila a
transcorrer com toda a piedade e dignidade (cf. 1 Tm 2, 1-2).

A mensagem bíblica inspira incessantemente o pensamento cristão sobre o poder político,


recordando que esse tem sua origem em Deus e, como tal, é parte integrante da ordem por
Ele criada. Tal ordem é percebida pelas consciências e se realiza na vida social mediante a
verdade, a justiça e a solidariedade, que conduzem à paz.
Objetivo da comunidade política
Considerar a pessoa humana como fundamento e fim da comunidade política significa
esforçar-se, antes de mais, pelo reconhecimento e pelo respeito da sua dignidade mediante
a tutela e a promoção dos direitos fundamentais e inalienáveis do homem: “no tempo
moderno, a atuação do bem comum encontra a sua indicação de fundo nos direitos e nos
deveres da pessoa” (Pacem in terris, 273).

A comunidade política persegue o bem comum atuando com vista à criação de um


ambiente humano em que aos cidadãos seja oferecida a possibilidade de um real exercício
dos direitos humanos e de um pleno cumprimento dos respectivos deveres,
Solidariedade objetiva e subjetiva
Os direitos fundamentais, enquanto criação humana, jamais poderão divergir da natureza
do seu criador. Sendo assim, não é possível conceber e estabelecer direitos fundamentais
contrários à natureza e à dignidade humanas.

Os direitos fundamentais existem solidariamente. Em outras palavras, a negação de um


determinado direito fundamental acarreta a negação de todos os demais (solidariedade
objetiva). A universalidade através dos direitos fundamentais constitui a possibilidade de
realização de uma ética universal (solidariedade subjetiva).
Políticas públicas
As políticas públicas, definidas legislativamente em uma democracia participativa, devem:

1. Otimizar os mandamentos constitucionais fundamentais, favorecendo a sua


aplicabilidade imediata;
2. Impor aos poderes públicos a impossibilidade de retrocesso social em termos daquilo
que já foi alcançado;
3. Impor o dever de progresso para alcançar novas possibilidades de concretização.
Direitos fundamentais
As políticas públicas (constitucionais e infraconstitucionais) exercem função essencial no
sistema de proteção aos direitos fundamentais. É necessário, porém, não confundir política
pública com política de governo.

Do ponto de vista político, o respeito à dignidade humana se materializa nos direitos


fundamentais decorrentes de políticas públicas que ofereçam proteção adequada e eficiente,
orientadas pelos princípios democráticos estabelecidos nas constituições de diversos países.
Objeção de consciência
O cidadão não está obrigado em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis se
forem contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou
aos ensinamentos do Evangelho (CCE, 2242). As leis injustas põem os homens moralmente
retos frente a dramáticos problemas de consciência: “quanto são chamados a colaborar em
ações moralmente más, têm a obrigação de recusar-se” (Evangelium vitae, 73).

A omissão do poder público na garantia de direitos fundamentais (liberdade, segurança,


saúde, moradia, educação, lazer etc.) possibilita o recurso das ações civis públicas, que
constituem o principal instrumento de controle das omissões constitucionais. As políticas
públicas passam por controle de constitucionalidade em virtude de sua: inexistência,
deficiência e extinção.
Direito de resistir
A Doutrina Social indica os critérios para o exercício da resistência: “a resistência à opressão
do poder político não recorrerá legitimamente às armas, salvo quando se ocorrerem
conjuntamente as seguintes condições: 1. em caso de violações certas, graves e prolongadas
dos direitos fundamentais; 2. depois de ter esgotado todos os outros recursos; 3. sem
provocar desordens piores; 4. que haja uma esperança fundada de êxito; 5. se for impossível
prever razoavelmente soluções melhores” (CCE, 2243).

A gravidade dos perigos que o recurso à violência hoje comporta leva a considerar preferível
o caminho da resistência passiva, “mais conforme aos princípios morais e não menos
prometedor do êxito” (Libertatis conscientia, 79).
Igreja e Estado
Independência e autonomia
A visão das relações entre os Estados e as organizações religiosas, promovida pelo Concílio
Vaticano II, corresponde às exigências do Estado de direito e às normas do direito
internacional. A Igreja é bem consciente de que tal visão não é aceite por todos: o direito à
liberdade religiosa, infelizmente, “é violado por numerosos Estados, até ao ponto que dar,
ou fazer dar, ou receber a catequese passa a ser um delito passível de sanção” (Catechesi
tradendae, 14).

A Igreja e a comunidade política, embora exprimindo-se ambas com estruturas


organizativas visíveis, são de natureza diversa quer pela sua configuração, quer pela
finalidade que perseguem. “No terreno que lhe é próprio, a comunidade política e a Igreja
são independentes e autônomas” (Gaudium et spes, 76).
Competências e direitos
O dever de respeitar a liberdade religiosa impõe à comunidade política garantir à Igreja o
espaço de ação necessário. A Igreja, por outro lado, não tem um campo de competência
específica no que respeita à estrutura da comunidade política: “a Igreja respeita a legítima
autonomia da ordem democrática, mas não é sua atribuição manifestar preferência por uma
ou outra solução institucional ou constitucional” (Centesimus annus,47) e tampouco é
tarefa da Igreja entrar no mérito dos programas políticos, a não ser por eventuais
consequências religiosas ou morais.

A autonomia recíproca da Igreja e da comunidade política não comporta uma separação tal
que exclua a colaboração entre elas. Sendo assim, a Igreja tem o direito ao reconhecimento
jurídico da própria identidade e a liberdade de exercer sua missão evangelizadora e seu
papel social, que comporta atividades educacionais, sanitárias e associativas.
Soberania das nações
O Magistério reconhece a importância da soberania nacional, concebida antes de tudo
como expressão da liberdade que deve regular as relações entre os Estados (Pacem in terris,
289-290). A soberania representa a subjetividade (Sollicitudo rei socialis, 15) de uma nação
sob o aspecto político, econômico e também cultural.

A dimensão cultural adquire um valor particular como ponto de força para a resistência aos
atos de agressão ou às formas de domínio que condicionam a liberdade de um País: a
cultura constitui a garantia de conservação da identidade de um povo, exprime e promove a
sua soberania espiritual.
A Santa Sé
Santa Sé – ou Sé Apostólica (CIC, cânon 361) – goza de plena subjetividade internacional
enquanto autoridade soberana que realiza atos juridicamente próprios. Ela exerce uma
soberania externa, reconhecida no quadro da comunidade internacional, que reflete a
soberania exercida no seio da Igreja e que se caracteriza pela unidade organizativa e pela
independência. A Igreja vale-se das modalidades jurídicas que se mostrarem necessárias ou
úteis para o cumprimento da sua missão.

A atividade internacional da Santa Sé manifesta-se objetivamente sob diversos aspectos,


entre os quais: o direito ativo e passivo de legação; o exercício do ius contrahendi, com a
estipulação de tratados; a participação em organizações intergovernamentais, como por
exemplo as pertencentes ao sistema das Nações Unidas; as iniciativas de mediação em caso
de conflitos.
Ciência e meio ambiente
Os resultados da ciência e da técnica são, em si mesmos, positivos: os cristãos “longe de
oporem as conquistas do engenho e do esforço humano ao poder de Deus, e de
considerarem a criatura racional como uma espécie de rival do Criador, (...) estão, ao
contrário, bem persuadidos de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza
divina e uma consequência dos Seus desígnios inefáveis” (Gaudium et spes, 34).

A natureza aparece como um instrumento nas mãos do homem, uma realidade que ele deve
constantemente manipular, especialmente mediante a tecnologia. Tal postura não deriva da
pesquisa científica e tecnológica, mas de uma ideologia cientificista e tecnocrática que
tende a condicioná-la. A ciência e a técnica, com o seu progresso, não eliminam a
necessidade de transcendência e não são de per si causa da secularização exasperada que
conduz ao niilismo.
Tutela do meio ambiente
A tutela do ambiente constitui um desafio para toda a humanidade: trata-se do dever,
comum e universal, de respeitar um bem coletivo (Centesimus annus, 40). A
responsabilidade em relação o ao ambiente, patrimônio comum do gênero humano, se
estende não apenas às exigências do presente, mas também às do futuro. “Trata-se de uma
responsabilidade que as gerações presentes têm em relação às futuras” (Centesimus annus,
37).

As autoridades chamadas a tomar decisões para afrontar riscos sanitários e ambientais, às


vezes, se encontram diante de situações nas quais os dados científicos disponíveis são
contraditórios ou quantitativamente escassos: em tal caso pode ser oportuna uma avaliação
inspirada pelo princípio de precaução, que não comporta a aplicação de uma regra, mas
uma orientação ordenada a administrar situações de incerteza.
Desarmamento e terrorismo
Todo e qualquer acúmulo excessivo de armas ou o seu comércio generalizado não podem ser
justificados moralmente; tais fenômenos devem ser avaliados também à luz da normativa
internacional em matéria de não-proliferação, produção, comércio e uso dos diferentes
tipos de armamentos.

O terrorismo deve ser condenado do modo mais absoluto. Este manifesta o desprezo total
da vida humana e nenhuma motivação pode justificá-lo, pois que o homem é sempre fim e
nunca meio.
Pensamento social da Igreja
no Brasil e na América Latina
Fraternidade e política: CNBB
O pensamento político da Igreja no Brasil encontra-se refletido no texto-base da Campanha
da fraternidade de 1996 da CNBB, sobre o tema Fraternidade e política. Nesse documento, é
reafirmada e aplicada ao contexto contemporâneo do Brasil a Doutrina Social da Igreja
sobre a política.

Essa atividade é definida como “uma mediação social necessária para promover o bem
comum”. Partindo da concepção aristotélica de que a pessoa humana é, por natureza, um
ser político, a CNBB afirma que toda ação ou omissão é uma atitude política e que dela
depende a vida dos cidadãos.
Ação política e política partidária
O texto distingue os conceitos de ação política (“que é o conjunto de atos humanos que
possui dimensão pública e que se relaciona com as estruturas de poder de uma sociedade”)
e de política partidária (“um tipo de ação política específica mediante a qual pessoas e
grupos sociais, organizadas em partidos políticos, constroem e defendem projetos para a
gestão do Estado e para a organização da sociedade, propondo-se, também, a representar o
interesse de diversos grupos e classes, candidatando-se a ser eleitos, pelo voto, para funções
legislativas e executivas”).

A dimensão político-partidária da ação política é considerada imprescindível, embora tenha


limitações e deva ser complementada por outras dimensões sociais, sobretudo as relativas à
sociedade civil.
Cultura política brasileira
A Igreja conceitua também cultura política como o “conjunto de convicções e atitudes, normas
éticas e opções referentes ao fenômeno político, compartilhadas pelos membros de uma
determinada sociedade”. A cultura política brasileira é caracterizada pelo desconhecimento do
dever cívico de participar da política; pela falta de informação adequada sobre o objeto da
política e sobre os aspectos básicos do processo político; distingue, também, entre a cultura
política das elites econômicas e políticas, da classe média e das classes empobrecidas.

A primeira é definida como cínico-realista; a segunda é marcada pelo não comprometimento


pessoal, pela ânsia de copiar padrões de consumo das elites e pelo temor obsessivo do
empobrecimento, assim como pelo voto majoritário nos partidos da ordem. A terceira inclui
três subconjuntos: setores politicamente engajados, setores populares de tradição religiosa e
setores desorganizados.
Desequilíbrio
A política brasileira caracteriza-se, também, pelo clientelismo, fisiologismo, paternalismo e
nepotismo, que expressam as relações entre a elite e a massa. Fundamental é a distinção
entre a Política como organização da sociedade e a política partidária. É essencial submeter
a política e a economia à ética e essa ética deve ser a da solidariedade. A dissociação entre
ética e política causa um forte impacto na consciência da população e pode abalar os
fundamentos da sociedade.

A Igreja identifica três situações que considera preocupantes: o desequilíbrio fiscal, o déficit
da conta corrente e da balança de pagamentos e o desemprego em função do desequilíbrio
macroeconômico. Destaca que a falta de um projeto nacional (com o qual a estabilidade
econômica não pode ser confundida) agrava essa situação. A desigualdade social e sua
cristalização representam o problema mais grave do país.
CELAM
A origem mais remota do CELAM está ligada a uma iniciativa de Leão XIII, que convocou
com a Carta Apostólica Cum diuturnum, de 25 de dezembro de 1898, um Concílio Plenário
da América Latina. Este Concílio foi realizado em Roma, no período de 28 de maio a 9 de
julho de 1899. Essa iniciativa inaugurou ações que permitiriam ao episcopado latino-
americano alcançar maior integração e organização colegial.

Foi o Concilio Vaticano II que possibilitou uma nova eclesiologia e que, portanto, deu às
Conferências Episcopais uma nova importância e um novo papel. Mas já antes dele, o
CELAM havia realizado sua primeira conferência geral.
A conferência do Rio de Janeiro
A I Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, foi realizada no Rio de Janeiro, no
período de 25 de julho a 4 de agosto de 1955. O período que seguiu à Segunda Guerra
Mundial foi bastante conturbado e marcou profundamente o mundo e a Igreja. Para fazer
frente a essas transformações, especialmente em ambiente latino-americano, a ideia dessa
assembleia dos bispos foi aprovada e incentivada por Pio XII.

De sua parte Pio XII tinha consciência das transformações do mundo e de como isso afetava a
Igreja da América Latina e seu grande potencial de crescimento. Por isso enviou uma carta
apostólica, Ad Ecclesiam Christi, que elencava alguns pontos que deveriam ser considerados
pela Conferência do Rio. Os principais problemas considerados foram: a falta de clero e a sua
distribuição irregular, a consequente perda de valores religiosos, da influência da Igreja e o
avanço das religiões não católicas.
A conferência de Medellín
A II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano foi convocada por Paulo VI, para
aplicar na América Latina aquilo que foi pensado no Concílio Vaticano II. Ocorrida no
período de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968, o tema proposto para essa Conferência foi:
“a Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”.

O que a Medellín propõe é uma nova forma de ser Igreja, conforme o Vaticano II. Dessa
nova forma de ser Igreja nasce a exigência da renovação do ministério ordenado. Mas os
bispos também apontam riscos que ameaçam a renovação desse ministério: o
enfraquecimento da espiritualidade, a crescente valorização do papel do leigo no
desenvolvimento do mundo e da Igreja, a discussão moderna sobre o papel e a figura do
sacerdote na sociedade e a superficialidade com que se encara e vive o próprio sacerdócio,
em serviços religiosos de rotina e em forma de vida aburguesada.
A conferência de Puebla
A III Conferência geral do Episcopado Latino-americano, convocada por Paulo VI em 1977,
foi realizada em Puebla de los Angeles, no México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979,
durante o papado de João Paulo II. Seguindo o método de Medellín (o ver-julgar-agir),
aprofunda a leitura da realidade do continente e conclui que a situação de injustiça social é
um pecado a combater e aponta caminhos, com base na opção pelos pobres, para que isso
se faça. Inspirada na Evangelii nuntiandi, publicada alguns anos antes, Puebla reconhece
que o caminho da evangelização passa pela promoção da dignidade humana e, portanto, o
engajamento pela libertação dos pobres é um dos compromissos que se esperam da Igreja.

A opção pelos pobres não deve ser reduzida a uma afirmação ideológica. Trata-se, pois, de
uma questão teológica, tanto que, mais tarde, receberá, sobretudo nas afirmações do
Magistério, a qualificação de evangélica, para que sua característica teológica não seja
esquecida.
A conferência de Santo Domingo
A IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo Domingo,
na República Dominicana, no período de 12 a 28 de outubro de 1992. João Paulo II a
convocou oficialmente no dia 12 de dezembro de 1990, estabelecendo como tema: “nova
evangelização, promoção humana, cultura cristã”.

Seu contexto é o da celebração dos 500 anos da evangelização no Novo Mundo. Seus
objetivos são: celebrar a fé e a mensagem do Senhor crucificado e ressuscitado, prosseguir e
aprofundar as orientações de Medellín e Puebla, definir uma nova estratégia de
evangelização para os próximos anos, respondendo aos desafios do tempo. Em seu discurso
inaugural, João Paulo II enfatizava que o chamado à nova evangelização é antes de tudo um
chamado à conversão. Santo Domingo cita entre os desafios a serem enfrentados pela
inculturação do Evangelho a corrupção, a má distribuição de renda, as campanhas anti-
natalistas, a deterioração da dignidade humana e o desrespeito à lei natural.
A conferência de Aparecida
Sob o tema “discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham
vida”, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, foi inaugurada
pelo Papa Bento XVI, em Aparecida, no dia 13 de maio e encerrou no dia 31 de maio de 2007.

Com um tom evangélico e pastoral, Aparecida utiliza uma linguagem direta e propositiva,
um espírito interpelante e alentador, um entusiasmo missionário e esperançado, uma busca
criativa e realista. O documento quer renovar em todos os membros da Igreja, convocados a
ser discípulos missionários de Cristo, “a doce e confortadora alegria de evangelizar”
(Evangelii nuntiandi, 80). Assim, tematiza como prioridades a vida de nossos povos, a vida
de Jesus Cristo nos discípulos missionários e, por fim, a vida de Jesus Cristo para nossos
povos.
Bibliografia
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CELAM. Conclusões das conferências do Rio de Janeiro, de Medellín, Puebla e Santo Domingo.
São Paulo: Paulus, 2004.
CNBB. Projeto Nacional de Evangelização. Temas da doutrina social da igreja. Cadernos 1-3. São
Paulo: Paulinas/ Paulus, 2004/2006.
CONCÍLIO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos e declarações.
Petrópolis: Vozes, 2000.
GUTIERREZ, E.R. De Leão XIII a João Paulo II: cem anos de doutrina social da igreja. São Paulo:
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PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da doutrina social da igreja. Tradução:
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