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Cristianismo ou

cristianismos?
Os bispos; A autoridade episcopal; Ortodoxia e
Heterodoxia; Sínodos e Concílios; A relação dos bispos
com a Casa Imperial; O arianismo; Concílio de Niceia;
Arianismo Pós-Constantino; Constâncio II; Teodósio I;
Atuação dos bispos nas áreas rurais.
Introdução

• O desenvolvimento do cristianismo está intimamente


ligado com a compreensão do contexto histórico no
qual está inserido.
•Somente através de uma análise dos acontecimentos
que se poderá entender a afirmação e/ou reafirmação
do discurso cristão em quaisquer sociedades.
•Isso ocorre porque as práticas religiosas são parte
integrante da explicação político-cultural de vários
acontecimentos.
▪ Na Antiguidade Tardia, o político e o religioso estavam
intrinsecamente relacionados, o que nos permite analisar os
cargos episcopais sob a óptica político-religiosa.

▪ Os membros do episcopado intervinham na vida política e


social dos habitantes das cidades que viviam.

▪ Através dos seus discursos podemos perceber como as


representações de suas ações se manifestaram na sociedade em
que viveram.
Os Bispos
 Em finais do século I e início do século II, percebemos um gradual
desaparecimento, nas comunidades cristãs, dos profetas e apóstolos.
 A liderança das comunidades é transferida para os bispos e presbíteros
eleitos pelo povo.
 Segundo Ubiña (2003), a autoridade do bispo – episcopus –, cuja a
concentração de poder já era uma tendência irreversível no século III, se
aproximava mais da autoridade de um pater familias do que a de um magistrado
imperial.
 Os textos dos séculos II e III – dentre eles os de Hipólito de Roma,
Tertuliano e Cipriano – ilustram amplamente a natureza dessa autoridade,
julgada sempre de origem divina.
 A autoridade do bispo se estende a todos os domínios da vida eclesial.
o bispo é livre para administrar sua congregação como lhe convém, prestando
contas de seus atos somente para Deus, muito embora se reconheça uma
competência superior aos bispos reunidos em concílio.
 O bispo constituía o elo entre a comunidade local e o universo mais amplo da
cristandade. Por meio de correspondência ou através de sua presença nas
reuniões provinciais, levava ao conhecimento de outros as decisões de sua
comunidade.
 A autoridade do bispo é exercida sob
forma de prescrições orais de
diretrizes práticas e regulamentos
visando ao bem-estar da comunidade.

 A diversidade dos assuntos


tratados atesta a amplitude da
capacidade de intervenção na vida Formulação das leis
cotidiana das comunidades conferidas
aos bispos.

Pronunciavam-se sobre questões de Exercício da justiça


moral, direito canônico, ordenamento
social, tarefas educativas, serviços
sociais, dentre outras questões.

Na condição de líder inconteste da


Punição dos erros
comunidade, o bispo julgava com
pleno direito em matéria religiosa a
fim de reprimir os desvios doutrinais
(heresias).
 A influência dos bispos na sociedade do Império Romano tardio está
relacionada a vários fatores referentes à política religiosa dos
imperadores cristãos.

The Emperor Theodosius is


forbidden by Saint Ambrose
to enter Milan Cathedral –
by Anthony van Dyck - about
1619-20.
A formação dos Bispos
A influência do bispo também é reflexo da formação cultural, do
status social e da riqueza familiar, enfim, da paideia dessas
pessoas que ascenderam o episcopado.

 Inicialmente recebiam da própria família, a educação e doutrina


cristãs, e, posteriormente, peregrinavam por diversas escolas
filosóficas.

 A partir dessa relação entre formação cultural e status social é


que entendemos por paideia a educação obtida por cidadãos da elite
romana a fim de se prepararem para ocupar altos cargos político-
administrativos na esfera governamental e religiosa.
Como de fato era exercida a autoridade
episcopal?
 O bispo de Roma começa a intervir em matéria disciplinar a partir do século III, mas não se
pode determinar com exatidão a zona geográfica na qual são aplicadas suas disposições (talvez
fossem reconhecidas na Itália Central, Meridional e nas Ilhas.

 As igrejas locais desenvolveram, cada uma ao seu modo, uma configuração disciplinar,
litúrgica, literária e artística de acordo com as peculiaridades da região.

 Inexistência de uma liturgia unificada no Império: a Igreja está mais para um mosaico que
rompe com a estrutura monolítica.

Ocidente: apesar de Roma se sentir a herdeira da cátedra de Pedro, existiam inúmeras


congregações que seguiam sua própria liturgia: Norte da África, Milão, Gálias, Hispânia.

Somente no século III que a unidade doutrinal e de culto começa a ser construída, logo, a Igreja
no Império Romano emerge como uma entidade marcada pelo pluralismo.
Definição de Ortodoxia
 A palavra ortodoxia que significa “opinião correta” (doxa
orthe), designou, no cristianismo antigo, a doutrina e o viver
do cristão conforme a verdade original de Jesus de Nazaré e de
seus ensinamentos. Por isso, opunha-se à heterodoxia, cujo o
erro era manifesto, no significado sinônimo de pseudodoxia
(falsa opinião).

 Há um afastamento do significado filosófico clássico de


heterodoxia (quem tem opinião diferente) e que se opõe àqueles
que possuem a mesma opinião (homodoxoi).

Percebemos que o termo heterodoxia recebeu um significado pejorativo em


Eusébio, onde indica as igrejas quartodecimanas, excomungadas pelo Papa
Vitor, como heterodoxas, e os falsos mestres na igreja como heterodidaskaloi,
Sínodos e Concílios
 Importância dos Sínodos e Concílios para a consolidação de uma ortodoxia cristã.

 Discussões realizadas em reuniões eclesiásticas.

 Essas reuniões poderiam acontecer em proporções regionais, denominadas sínodos,


reunindo bispos, sacerdotes e diáconos de jurisdição próximas à cidade sede do
encontro.

 Já os concílios reuniam religiosos de várias partes do Império para discutir


temas de maior magnitude.

 Nos sínodos e concílios eram discutidos desde assuntos mais simples como, por
exemplo: calendário litúrgico, dias de festas, jejum, regras monásticas; como
também questões teológicas, nas quais procurava-se constituir uma legitimidade de
pensamento, interpretações bíblicas e concepções litúrgicas, na tentativa de
buscar uma ortodoxia cristã.
A relação dos bispos com a casa imperial

 Século IV: crescente e estratégica política administrativa dos


imperadores ao intervirem nos assuntos político-religiosos.

 Os concílios passaram a ter uma ligação cada vez maior com o poder
central, principalmente com o imperador Constantino e,
posteriormente, com os seus sucessores.

 Preocupação com a unidade territorial do Império: esta unidade foi


pretendida nos termos político-religiosos através de um cristianismo
unificado, sob o título de ortodoxo, em um território unificado.

 Por outro lado, o grupo dos episcopais era hierarquicamente


constituído, dinâmico, que competia entre si os favores de
funcionários da esfera administrativa e do próprio poder central: o
imperador.
 Ao buscarem apoio e favores do poder central, esses episcopais do
século IV d.C. tinham conhecimento dos benefícios que a sua doutrina
teria ao ser adotada por determinado imperador.

 Durante todo o século IV d.C., os eclesiásticos buscaram a


legitimação do imperador nas decisões conciliares e sinodais a fim
de fortalecerem a crença em suas correntes, ou seja, em seus ideais
político-religiosos.

 Observa-se as constantes intervenções do imperador ou de sua


esfera administrativa.

 Assim, a afirmação da ortodoxia encontrava-se em uma fronteira


tênue com a heterodoxia, já que dependia, muitas vezes, da fé
imposta pelos imperadores. Tal fé mudava conforme o ideal político-
administrativo de cada imperador e, o que deveria ser considerado
verdade, também mudava.

 Não há uma ortodoxia institucionalizada, porém podemos perceber a


tentativa de instaurar uma verdade a partir do Concílio de Niceia.
O(s) arianismo(s)

 O arianismo é um tipo de cristianismo dentre muitos outros


tipos de pensamento que foram considerados heterodoxos.

 Dentro do próprio arianismo, podemos perceber uma subdivisão


de grupos a partir do desenrolar da controvérsia ariana.

 Os arianos (homoianos), que compartilhavam das ideias de Ário,


também ficaram conhecidos na historiografia como os homeus, ou
seja, aqueles que acreditavam que a substância do filho era
semelhante à substância do pai.

 Os semi-arianos eram aqueles cujo o pensamento variavam entre


os homoianos e os nicenos.

350 d.C. - > terceiro grupo de arianos. Estes defendiam a total


diferença entre Pai e Filho (neoarianos, arianos radicais,
eunomeanos – discípulos de Eunômio).
• Os nicenos, defensores da consubstancialidade, também são conhecidos como
homoosianos, sendo seus seguidores mais conhecidos o Bispo Atanásio de
Alexandria e os capadócios (Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório
Nazianzo).

Passagem de Basílio:
Os que forem abordados por uma confissão de fé diferente
e quem quer se unir à ortodoxia, ou mesmo os que agora,
pela primeira vez desejam estar à parte dos ensinamentos
da doutrina de verdade, devem ser instruídos com a
Profissão de Fé que foi escrita pelos bem-aventurados
Padres no concílio que se reuniu em Niceia [...] E os
heréticos que crêem que hipóstase e substância são a
mesma coisa, podem tirar seus pretextos de construir uma
blasfêmia, porque está escrito na mencionada profissão de
fé: “Se alguém disser que o Filho é de uma outra substância
ou de uma outra hipóstase, a Igreja católica e apostólica os
anatemiza” (Carta 125 escrita em 373 d.C. Enviada ao Bispo
Eustáquio de Sebástia. Grifo nosso).
O concílio de Niceia (325 d.C.)
 Visava encontrar uma solução para a perturbação na Igreja
ocasionada pelas pregações de Ário.

 Alguns bispos voltaram para questão da unidade da Igreja e outros


para a distorção do dogma e doutrina cristã.

 Três anos após o exílio, Ário foi reabilitado como ortodoxo.

 Constantino apoiou os nicenos até sua morte, mas foi batizado pelo
bispo ariano, Eusébio de Nicomédia.

 Marrou: “estrutura bipolar da sociedade cristã”


-> bispos e concílios: para apoiar uns e exilar outros;
-> poder central: que atua politicamente e religiosamente de acordo
com a opinião do imperador, afetando diretamente a vida da Igreja.
 A questão ariana não ficou resolvida após o concílio de
Niceia.

 Mesmo com a morte de Ário (335 d.C.) e de seus defensores, as


ideias arianas continuaram a se propagar, principalmente, na
parte oriental do Império.

 Oriente: marcado por inúmeras tentativas de substituição do


símbolo de Niceia.
Arianismo Pós-Constantino
 Preocupação com Ário levou os bispos a buscarem por uma fé
ortodoxa.

 Após a morte de Constantino em 337, seus filhos assumiram o


Império.

 Com a postura intervencionista de Constantino, os bispos


passaram a solicitar a intervenção do Estado, ao mesmo tempo
em que buscavam influenciar nas decisões do imperador.

 Buscavam legitimidade, pois na época não havia uma


autoridade eclesiástica capaz de corroborar as decisões de
determinado concílio.

 Inexistência de uma hierarquia legítima para que um deles


pudesse determinar o que seria aceito como verdade.
 A hierarquia estava baseada no prestígio concedido pela casa
imperial.

 Dessa forma quando os imperadores Constâncio II e Valente se


declararam arianos, tal grupo estava adotado de determinado apoio
imperial, carregando assim certa legitimidade.

A bust of the Roman Emperor Constantius II from Syria. This object is today located in the collection of the University of Pennsylvania's Museum of Archaeology.
Constantius II was the second of Constantine I's three sons and ruled the Roman Empire, sometimes in co-rulership with his 2 brothers, between 337 and 361 AD.
Governo de Constâncio II
 Constâncio II (337-361) e Valente (364-378): praticaram ações
benignas a favor dos arianos.

 Apoio e legitimação de Concílios que favoreciam a ascensão de


bispos arianos e deposição de bispos nicenos.

 Época de perseguição e exílio dos bispos nicenos (novo conflito


religioso).

 Concílio de Sirmio (357): Aprovação de uma profissão de fé


contendo as propostas de Ário -> Essa foi uma vitória estratégica
de Constâncio para o arianismo, pois tal concílio ocorreu no
ocidente.

 Concílio de Constantinopla (360): Constâncio II toma partido da


profissão de fé de Sirmio.
Governo de Teodósio I

 A doutrina ariana permaneceu atuante até o governo do


imperador Teodósio I (379-395).

 Imperador niceno e hostil ao arianismo.

 Édito de Tessalônica (Cunctos populos – De fide Catolica)


(380): Cristianismo se torna a religião oficial do Império, bem
como a doutrina nicena é imposta.

 Cassação dos direitos de reunião e direitos civis dos hereges.

 Expulsão dos bispos arianos dos territórios romanos.


 I Concílio ecumênico de
Constantinopla (381):

 Reafirmação da perseguição
aos arianos;

 Aumento da hostilidade ;

 Primazia da sede episcopal


de Roma e de Constantinopla
quanto às decisões
eclesiásticas;
The First Council of Constantinople, wall
painting at the church of Stavropoleos,
Bucharest, Romania.  Concílios reunidos sob a
jurisdição de Roma e
Constantinopla obtiveram
superioridade perante as
outras partes do Império.
Atuação dos bispos nas áreas rurais

 A expansão do cristianismo nas zonas rurais do Império Romano foi um processo mais
lento que a cristianização das cidades.

 A pregação cristã foi um discurso elaborado por membros das elites ilustradas (os
bispos) e dirigido exclusivamente aos integrantes destas mesmas elites urbanas ->
desprezo pelo estrato campesino.

 Os bispos não se preocupavam em fazer-se entender pelos camponeses rustici


(campesino iletrado de língua estrangeira).

Não poderiam entender os sermões pronunciados em grego ou latim com todos os


artifícios da retórica clássica.

 Autoridade episcopal se debilitava à medida que seus depositários se afastavam dos


núcleos urbanos.
 Graças as práticas caritativas (patronos dos pobres), os bispos adquiriram grande
autoridade local.

 Deveriam atuar em colaboração com o governo imperial para garantir a paz e a ordem
nas cidades.

Influência sobre as massas urbanas para forçar o imperador colaborar com eles (contra
os pagãos e hereges).

 Nas áreas rurais a população fugia do controle do bispo -> estava nas mãos dos
domini.

 Que se projetava também na área religiosa;


( O dominus poderia forçar a conversão dos seus dependentes ou simplesmente não
preocupar-se com as práticas religiosas)
 O governo era consciente de que precisava da colaboração dos
grandes proprietários de terra.

A linguagem coercitiva das leis e pregações persuasivas foram


instrumentos utilizados para tentar envolver os domini nesta
política (ameaça de sanções).

 Século IV e V -> Ascetismo cristão colaborou para expansão


do cristianismo entre os estratos campesinos

 Aristocratas se retiravam para seus domínios rurais com


objetivo de levar uma vida regida pelo Evangelho.

 Dedicaram-se à edificação de capelas ou igrejas em domínios


privados.

 Hierarquia eclesiástica -> descontentamento -> críticas à


autonomia religiosa dos aristocratas laicos convertidos e a
vontade de independência da Igreja Institucional.
 Regulamentação para acabar com esta crescente autarquia religiosa aristocrática.

 Papa Gelásio I (492-496) -> proibia a fundação de Igreja em domínios rurais privados sem
a autorização expressa do bispo de Roma -> apenas para a devoção privada -> veto da
celebração de missas públicas e à construção de batistérios anexos ao oratório.

 Desde o séc. IV já temos testemunhos da tensão entre a hierarquia eclesiástica e um


setor da aristocracia cristã cuja as práticas religiosas parecem querer escapar seu controle.
“Crise Priscilianista”

 Prisciliano (340-385);

 Pregação da importância da pobreza e do ascetismo -> choque com a ecclesia


dominante (se preocupava mais com a política imperial que em guardar os
princípios evangélicos da vida cristã).

 Enfrentamento com a Igreja oficial: condenação do luxo e poder secular dos


bispos.

 Conquista um bom número de praticantes de um ascetismo rigoroso, receosos


com a ortodoxia da Igreja, aliada ao trono imperial.

 Desenvolvimento de formas não organizacionais (não controladas pelos


bispos) -> condução de uma natureza similar à gerada pelo fenômeno na
oratoria in agro proprio impulsionada pelos domini.
 A acusação de heterodoxia religiosa vertida contra Prisciliano e seus adeptos, feita por
alguns bispos, colocou freio às práticas religiosas que pareciam questionar o monopólio
dos bispos quanto a mediação entre Deus e os fiéis .

 Esta medida afetou a muitos fieis cristãos, visto que se acusava, injustamente, de
heresia quem era rico, fisicamente marcado pela palidez (causada pelo jejum) e quem
usava roupas modestas.

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