Charles Kiefer nasceu em Três de Maio (RS) em 5 de
novembro de 1958. Estreou em 1982 com a novela de temática adolescente Caminhando na Chuva, que vendeu mais de 100 mil exemplares. OBS: na verdade ele produziu outros três antes, mas que ignora por considerar que eram muito ruins, escritos sem nenhuma técnica. Os títulos são O Lírio do Vale (1977) Caminhantes Malditos e Vozes Negras (ambos de 1978). Valsa para Bruno Stein, um romance, foi lançado em 1986. O autor
Kiefer ganhou projeção nacional em 1985, quando a
novela O Pêndulo do Relógio recebeu o Prêmio Jabuti. Recebeu o mesmo prêmio em 1993, com o livro de contos Um Outro Olhar, e em 1996, com Antologia Pessoal. Entre as conquistas também está o Prêmio Afonso Arinos, recebido em 1993 por Um Outro Olhar. Kiefer tem mais de 30 livros publicados no Brasil, na França e em Portugal. Publica principalmente pelas editoras Ática (Porto Alegre), Record (Rio de Janeiro/ São Paulo) e Leya (São Paulo). Principais personagens
Bruno Stein, dono de uma olaria
Esposa Olga Filho Luis e a esposa dele, Valéria Verônica: a mais velha de quatro netas Erandi e Mario: trabalhadores da olaria de Bruno Gabriel: rapaz analfabeto que pede emprego na propriedade de Bruno Stein A obra
Livro publicado originalmente em 1986.
Em 2006, é publicada uma edição revista.
Em entrevista ao jornal Zero Hora em 2013, Kiefer
argumenta que reescreveu algumas partes, mas sem descaracterizar a história. A trama
O livro é dividido em três partes.
A primeira e maior parte, de 169 páginas, é chamada de “Figura Angelical” e é subdividida em 29 capítulos. Bruno Stein é um oleiro de quase 70 anos. É muito conservador e odeia a televisão, por entender que ela é responsável por “desvirtuar” os jovens. Sofre de reumatismo e de problemas nos rins e no coração. Fuma, apesar de ter sido proibido pelo médico. Aprendeu a fazer estatuetas de barro. É casado com Olga, com quem tem o filho Luis. É avô de quatro netas. Durante a campanha de nacionalização, no governo Getúlio Vargas (que coibiu o uso de línguas estrangeiras, manifestações culturais e posse de materiais que lembrassem os países de origem dos imigrantes), Bruno acaba preso. Como eram descendentes de alemães, ele e a família falavam algumas expressões na língua alemã. Um desafeto que sabia da descendência dos Stein vai até a casa, acompanhado de um sargento getulista. Eles ouvem a conversa da família. Bruno dá emprego a Gabriel, um jovem catarinense que vagava em busca de trabalhos por empreitada. O filho Luis quer modernizar a fábrica de tijolos, mas Bruno não aceita. O filho passava muito tempo viajando, fazia fretes de Pau-d’Arco ao porto de Rio Grande.
No decorrer da história, Bruno começa a se sentir atraído
pela nora, Valéria, que ainda não tinha completado 45 anos de idade. Ela também começa a se interessar por ele. Um dia, por acidente, Bruno vê Valéria no banho.
A neta mais velha, Verônica, implica com a teimosia do
avô, que não aceita nada de novo. A segunda parte é chamada de “Luzes da Cidade” e tem sete capítulos.
Essa parte começa a mostrar a virada dos personagens,
como a decisão de Verônica de ir embora para Porto Alegre e a de Valéria de lutar pelo amor de Bruno. A terceira e última parte é batizada de “Incêndio”, e tem também sete capítulos – é quando ocorre o desenrolar final. Bruno começa a refletir sobre as mudanças, como os jovens deixando o campo atraídos por melhores condições de estudo e trabalho, o que ele chama de diáspora (2006, p. 209). Valéria encontra as esculturas que Bruno fez da família: uma das imagens é ela nua, no banho, como o sogro a vira. Bruno e Valéria ficam juntos. Pela primeira vez, o oleiro se rende e liga a televisão. Ambientação/ regionalidade
A trama se passa na fictícia cidade de Pau-d’Arco, mas
Kiefer cita lugares reais e elementos que remetem ao Rio Grande do Sul: Porto de Rio Grande Itaqui Porto Alegre Rádio Guaíba Fogão a lenha Crissiumal Ambientação/ regionalidade
Sport Club Internacional (time para o qual Gabriel torcia)
Chimarrão Alpargatas
A paisagem também é mostrada: ao longo do texto, o
autor cita açude com lambaris e carpas, aguapés, piaçava, guajuvira, cinamomo, guanxuma... Contexto histórico O presidente da república era João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979 – 1985). Último governante da ditadura militar. A partir da década de 1980, o debate em torno da reforma agrária ganhava força no país. A obra cita a distribuição de terras pelo governo na Encruzilhada Natalino, região em um entroncamento rodoviário próximo às cidades de Passo Fundo, Sarandi, Carazinho e Ronda Alta, na região Norte do Rio Grande do Sul. A televisão era a diversão das mulheres da casa, que não perdiam as novelas. Também é citado o Jornal Nacional, que havia sido criado em 1969. Curiosidades
Para Bruno Stein, todas as coisas perdiam a qualidade:
“[...] o plástico substituía o couro; a tinta seca, a molhada; o desregramento, a virtude (KIEFER, 2006, p. 26)”. O oleiro ainda tentava usar o tinteiro e o mata-borrão (papel que era utilizado para absorver a tinta fresca; essa nomenclatura era muito comum no Sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul).
Personagens citam o Ministério do Trabalho, criado na
década de 1930 por Getúlio Vargas (na época a pasta era chamada de Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio). Curiosidades
A neta Verônica gostava de ler a revista Capricho, criada
em 1952. Foi a primeira revista feminina do Brasil e, nos primeiros 30 anos, foi uma publicação de fotonovelas. Mario, um dos funcionários de Bruno escutava a Rádio Guaíba, que havia sido criada em 1957. Obra cita o Golpe Militar (1964): anos depois do golpe Bruno seguiu aumentar a propriedade, graças a empréstimos. A obra virou filme em 2007. Racismo Pensamento de Bruno a respeito dos funcionários: “Um pouco antes do ranger dos gonzos, Bruno fizera algumas anotações nos livros de contabilidade, somara os adiantamentos de Erandi e Mário. O mulato, em apenas três semanas, consumira já o salário, precisava cortar-lhe o vale ou reduzi-lo ao mínimo. Questão de raça, concluía. Já Mário tinha no sangue o espírito de economia, pensava Bruno, o controle sobre si mesmo. Erandi, por sua vez, era desregrado, impertinente e arrogante. Não o despedia porque havia dez anos trabalhava na fábrica sem carteira assinada e, com frequência, entre uma frase e outra, o mulato fazia questão de lhe lembrar a existência do Ministério do Trabalho” (2006, p. 25). Racismo
Também se nota em um pensamento de Valéria, quando
refletia sobre sua atração pelo sogro: “Fosse por um empregado, um estranho, ou até mesmo um negro. Mas, o pai de seu marido? Um absurdo, uma loucura” (2006, p. 134). Racismo
Gabriel, quando pensava em comprar uma bicicleta e os
cuidados que teria com ela:
“Passaria uma tinta branca na banda dos pneus, e, se
pudesse, compraria ainda uma capa para o assento, do Sport Club Internacional, com a figura do negrinho sorridente” (2006, p. 199). Mulher Bruno critica o filho por não ter lhe dado um neto homem. Valéria sente como não mais do que uma propriedade do marido. Bruno detesta que a mulher se meta na conversa dos homens. Verônica é uma mulher que começa a andar na contramão disso tudo. “Transformar-se naquilo, pensou ao olhar na direção de Valéria, transformar-se naquela massa de carne envelhecida precocemente? Jamais” (2006, p.180). Ela é quem tem a iniciativa de terminar o namoro com Carlos, grávida, e de ir morar em Porto Alegre para fazer faculdade. Não se trata de literatura regionalista: não há discurso laudatório. Literatura regional: para Barcia (2004), “literatura regional é a que nos situa, por suas alusões, em uma região determinada. Pode ser escrita na região ou não [...]” (p. 39). Referências
BARCIA, Pedro Luis. Hacia un concepto de la literatura
regional. In: CASTELLINO, Marta Elena; RIVERO, Gloria Videla de (Orgs.). Literatura de las regiones argentinas. Mendoza: Universidad Nacional Del Cuyo, 2004.
KIEFER, Charles. Valsa para Bruno Stein. Rio de Janeiro: