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Evangelho segundo João

Introdução Geral

Introdução
Iniciemos este nosso estudo do Evangelho de João fazendo
uma pergunta: Como deverá ser nosso estudo do IV Evangelho?
É preciso lembrar que, na leitura dos evangelhos, o ponto de par-
tida fundamental é o texto e é de onde se deve partir para ir
avançando em direção a uma compreensão mais profunda de sua
mensagem.
Em que consistiria essa desordem?
Vejamos antes de tudo os fatos, seguindo passo a passo o
Evangelho:
- no Prólogo encontramos inserido no hino ao Logos duas referências
em prosa a João Batista que interrompe o hino (1,6-8.15);
Em 2,23 Jesus realiza muitos sinais em Jerusalém e em 4,54 o
sinal realizado ali parece ser o segundo.
Em que consistiria essa desordem?

O melhor lugar para o capitulo 5 depois do capitulo 6,


porque Jesus se encontra em Jerusalém e depois, sem referência,
ao capitulo 6 Jesus se encontra na Galiléia no mar de Tiberíades.
Se o capítulo 5 seguisse, haveria uma seqüência lógica com os
capítulos 7-12, que falam da atividade de Jesus em Jerusalém.
Em 12,36 Jesus retirou-se e se escondeu, mas em 12,44-
50 continua a falar solenemente, tanto que qualquer exegeta
propõe mudar esta passagem do discurso de Jesus e colocá-la
antes de 12,36.
Em 14,31 Jesus convida seus discípulos: “Levantai-vos!
Partamos daqui!” Mas depois permanece pronunciando um outro
discurso mais longo do que o de antes (15-16).
Se nós buscamos uma ordem segundo as nossas as nossas
categorias, o Evangelho de João nos reserva grandes surpresas.
Em que consistiria essa desordem?
Dodd, responde esta questão de uma maneira muito plausível e digna de
credibilidade: “Naturalmente é impossível negar que a obra possa ter sofrido
transposições, e podem-se alegar motivos plausíveis para tirar certas passagens
do seu contexto, onde na prima facie parece haver solução de continuidade.
Infelizmente, uma vez dividido o evangelho em pedaços, sua
recomposição está sujeita a ficar afetada por preferências individuais, idéias
preconcebidas ou mesmo preconceitos.
Enquanto isso a obra está diante de nós numa ordem que (fora alguns
detalhes insignificantes) não varia na tradição textual, que se pode acompanhar
até um período bem primitivo.
Para mim, é dever do intérprete pelo menos de ver o que pode ser feito
com o documento tal qual ele chegou até nós, antes de tentar melhorá-lo. [...].
Vou admitir como uma hipótese provisória de trabalho que a presente
ordem não é casual mas deliberadamente planejada por alguém – mesmo que ele
fosse apenas um escriba que procurasse agir do melhor modo possível – e que a
pessoa em questão (seja o autor, seja outro) tinha em mente algum objetivo, e
não necessariamente alguém sem responsabilidade nem inteligência.
Em que consistiria essa desordem?

Se a tentativa de descobrir alguma linha inteligível quanto ao


tema fracassar, então podemos ser forçados a confessar que
ignoramos como originalmente, na intenção do autor, a obra devia
estar estruturada.
Se, pelo contrario, tudo indicasse que a estrutura do
evangelho, tal qual o temos, foi formada, na maioria dos seus
detalhes, pelas idéias que parecem dominar a mente do autor, então
pareceria não improvável que tenhamos sua obra diante de nós
substancialmente na forma que ele idealizou”
Portanto, segundo Dodd, a posição mais lógica para o estudo
de um texto, é aquela de procurar explicá-lo onde se encontra, ou
seja, no corpo do Evangelho, aceitar o texto como é e buscar ver o
que deseja o Evangelista com esta ordem concreta. Esta é a nossa
intenção no estudo do IV Evangelho.
Em que consistiria essa desordem?

A este propósito, Segalla apresenta uma questão


que, a meu ver, é bastante interessante analisá-la antes de
prosseguir no nosso estudo:

“Se lemos o IV evangelho com nossas exigências de


ordem histórico-literário, nos encontramos um pouco em
desvantagem porque descobrimos uma certa desordem,
tanto que Bultmann pretende dar a este evangelho uma
reconstrução mais ordenada (segundo ele) e diversos
autores de origem germânica cedem à tentação de
deslocar, ao menos, alguns capítulos (assim, Wikenhauser e
Schenackenburg)
I. Algumas peculiaridades do quarto evangelho

Em que consistiria essa desordem?


Vejamos antes de tudo os fatos, seguindo passo a passo o
Evangelho:
no Prólogo encontramos inserido no hino ao Logos duas
referências em prosa a João Batista que interrompe o hino (1,6-8.15);
Em 2,23 Jesus realiza muitos sinais em Jerusalém e em 4,54 o
sinal realizado ali parece ser o segundo.
O melhor lugar para o capitulo 5 depois do capitulo 6, porque
Jesus se encontra em Jerusalém e depois, sem referência, ao capitulo
6 Jesus se encontra na Galiléia no mar de Tiberíades. Se o capítulo 5
seguisse, haveria uma seqüência lógica com os capítulos 7-12, que
falam da atividade de Jesus em Jerusalém.
Em que consistiria essa desordem?

Em 12,36 Jesus retirou-se e se escondeu, mas em 12,44-50


continua a falar solenemente, tanto que qualquer exegeta propõe
mudar esta passagem do discurso de Jesus e colocá-la antes de
12,36.
Em 14,31 Jesus convida seus discípulos: “Levantai-vos!
Partamos daqui!” Mas depois permanece pronunciando um outro
discurso mais longo do que o de antes (15-16).
Se nós buscamos uma ordem segundo as nossas as nossas
categorias, o Evangelho de João nos reserva grandes surpresas.
Dodd, responde esta questão de uma maneira muito
plausível e digna de credibilidade: “Naturalmente é impossível negar
que a obra possa ter sofrido transposições, e podem-se alegar
motivos plausíveis para tirar certas passagens do seu contexto, onde
na prima facie parece haver solução de continuidade.
Em que consistiria essa desordem?
Infelizmente, uma vez dividido o evangelho em pedaços, sua
recomposição está sujeita a ficar afetada por preferências
individuais, idéias preconcebidas ou mesmo preconceitos.
Enquanto isso a obra está diante de nós numa ordem que (fora
alguns detalhes insignificantes) não varia na tradição textual, que se
pode acompanhar até um período bem primitivo.
Para mim, é dever do intérprete pelo menos de ver o que
pode ser feito com o documento tal qual ele chegou até nós, antes
de tentar melhorá-lo. [...].
Vou admitir como uma hipótese provisória de trabalho que
a presente ordem não é casual mas deliberadamente planejada por
alguém – mesmo que ele fosse apenas um escriba que procurasse
agir do melhor modo possível – e que a pessoa em questão (seja o
autor, seja outro) tinha em mente algum objetivo, e não
necessariamente alguém sem responsabilidade nem inteligência.
Em que consistiria essa desordem?
Se a tentativa de descobrir alguma linha inteligível quanto ao
tema fracassar, então podemos ser forçados a confessar que
ignoramos como originalmente, na intenção do autor, a obra devia
estar estruturada.
Se, pelo contrario, tudo indicasse que a estrutura do
evangelho, tal qual o temos, foi formada, na maioria dos seus
detalhes, pelas idéias que parecem dominar a mente do autor,
então pareceria não improvável que tenhamos sua obra diante de
nós substancialmente na forma que ele idealizou” Cf. C.H. DODD, A
interpretação do quarto evangelho, São Paulo 1977, p. 386.
Portanto, segundo Dodd, a posição mais lógica para o estudo
de um texto, é aquela de procurar explicá-lo onde se encontra, ou
seja, no corpo do Evangelho, aceitar o texto como é e buscar ver o
que deseja o Evangelista com esta ordem concreta. Esta é a nossa
intenção no estudo do IV Evangelho.
Algumas peculiaridades do quarto evangelho
I.1. Autor, texto, datação, lugar e destinatário

Quanto ao autor:
tese tradicional do século II (cf. Irineu, Clemente de Alexandria, e
outros) retém como autor do IV Evangelho o apóstolo João, filho de
Zebedeu, proveniente da Galiléia.
Ele teria escrito nos últimos anos de sua vida no I século em Éfeso,
onde é venerada a sua tumba. Recorrendo ao conceito de geral de
paternidade literária presente na Bíblia (cf. a escola de isaiana e paulina),
podemos falar do apostolo João como autor do IV Evangelho e atribuir ao
trabalho escrito a duas personalidades diferentes da escola jovanea.
A primeira redação do IV Evangelho seria um cristão anônimo, um
judeu-cristão de língua aramaica e grega, sacerdote convertido que viveu
num ambiente helenístico, teólogo e místico simples e profundo.
Ao invés, o redator-editor final de João poderia ser um responsável
da comunidade cristã jovanea que, na dificuldade da vida eclesial do final
do século I, insiste sobre a vida litúrgica e da ordem institucional.
Quanto à datação
Quanto à datação
o texto de João possui nobre ascendência de manuscritos.
Antes de tudo, o papiro Ryland (P52) (ver slide seguinte) descoberto no
médio Egito, Ossirinco, contém os capítulos 18,31-33 e 18,37-38 do ano
125. É o testemunho mais antigo que possuímos do NT.

O texto de João, nos códices do século IV e V permanece


invariável a respeito aos testemunhos do século II.

Permanece em discussão a perícope da mulher adúltera (Jo 7,53 –


8,11) que em muitos manuscritos antigos vem omitida. Esta qualificada
documentação textual sobre o uso de João desde o inicio do século II, e já
no Egito, obriga atribuir o texto definitivo a uma data não posterior ao ano
100.
o papiro Ryland (P52)
Quanto ao lugar de composição
na Ásia Menor, tradicionalmente na cidade de Èfeso.

Quanto aos destinatários

podem ser identificados os judeus-cristão de língua grega,


expostos a uma crise de fé, social e pessoal. O autor recorda a eles
a centralidade da figura de Jesus-Filho e da experiência cristã
(20,30-31) e os encoraja ao testemunho confiante no mundo
(1,7.19; 19,35; 21,24).
João parece um texto mais catequético que missionário, ou
seja, a serviço de uma comunidade de crentes que vivem num
ambiente difícil. João se difundiu na grande Igreja na metade do
século II nos escritos de Inácio de Antioquia e de Policarpo de
Esmirna.
A linguagem e o estilo
Estamos acostumados a nos aproximar do Evangelho de João com
a convicção de que se trata de uma obra de um cunho teológico
incomum. Contudo a linguagem de João é sumamente simples e
inclusive, sob o ponto de vista literário, pobre.
O grego em que o Evangelho de João foi escrito – pois é um
fato que o Evangelho foi escrito em grego – é extremamente simples.
Pertence à koiné, isto é, à linguagem única e comum, que na
época do Novo Testamento era herdeira de uma grande diversidade dos
diálogos gregos anteriores. Era uma espécie de língua franca utilizada na
área mediterrânea como veículo de comunicação.
Pois bem, o grego de João representa mais a koiné falada e
popular do que a koiné literária. Estamos mais perto da linguagem de
uma criança do que de um adulto instruído.
O grego do Evangelho de João é correto, mas bastante pobre sob
o ponto de vista literário: em todo o Evangelho encontramos cerca de
1.000 palavras diferentes e a frase mais longa do Evangelho é 13,1
(comparada ao cuidadoso prólogo de Lc 1,1-4).
A linguagem e o estilo
O Evangelho de João tem um estilo direto e uma sintaxe bastante
elementar. As frases se ligam muitas vezes através da conjunção (kai.) “e”.
Em outras ocasiões as frases simplesmente se justapõem sem
partícula alguma que as enlace. Não existe períodos longos. Os verbos
compostos com preposições são menos freqüentes do que os verbos
simples.
Apesar destas limitações, a linguagem e o estilo do evangelho têm
o encanto de uma obra madura, do objeto longamente contemplado e
amado.
No fundo trata-se de uma obra – falando sob o ponto de vista
literário – de uma profunda intensidade: nele as frases e os movimentos
naquilo que se chamou: “uma monotonia grandiosa", que vai aos poucos
se aproximando do centro — Jesus — com fé e reverência.
Por isso a linguagem, muitas vezes abstrata e repetitiva, perfaz a
vida e a intensidade daquilo que se considera o mais profundo da
realidade.
O mundo conceitual do Evangelho de João

Afirmamos anteriormente que o vocabulário do Evangelho de


João é bastante limitado. É preciso acrescentar, que é muito unitário.
Não existem diferentes estilos de acordo com os personagens.
Ainda mais, não há distinção clara entre a linguagem do
narrador ou do evangelista e a linguagem de Jesus.
No Evangelho, inclusive Jesus fala exatamente do mesmo modo
que o autor. De modo que em alguns fragmentos torna-se difícil saber
se é Jesus que fala ou se é o evangelista ou inclusive outros
personagens. Isto pode ser comprovado, por exemplo, com uma leitura
atenta de Jo c. 3.
Neste sentido, como teremos ocasião de constar, o Evangelho
de João ressoa a forma de falar de Jesus conforme os Evangelhos
Sinóticos. Nós nos achamos num mundo conceitual não somente
muito unitário, mas também bastante diverso daquele que refletem os
Evangelhos Sinóticos.
O mundo conceitual do Evangelho de João

A peculiaridade do Evangelho de João é tão notável, que


podemos afirmar que os vocábulos de especial significação
teológica que caracterizam a mensagem desta obra não costumam
ter preeminência alguma nas apresentações sinóticas.

Vejamos alguns conceitos, especialmente os mais


importantes de João, e comparemos com a sua utilização nos
Sinóticos:
Vocábulos de especial significação Mt Mc Lc Jo
teológica de João
aletheia, aletbes, alethinos 2 4 4 46
(verdade)
ginôskein (conhecer) 20 13 28 57
zoê (vida) 7 4 5 35
loudaloi (judeus) 5 6 5 67
kosmos (mundo) 8 2 3 78
martyrein, martyria (testemunhar) 4 6 5 47
patêr (de Deus) 45 4 17 118
pempein (enviar, ser enviado) 4 1 10 32
terein (observar) 6 1 0 18
phaneroun (manifestar) 0 1 0 9
phos (luz) 7 1 7 27
O mundo conceitual do Evangelho de João

Se esta pequena amostragem já se torna significativa,


é todavia de maior significado constatar que os termos mais
característicos da apresentação Sinótica estão praticamente
ausentes em João.

Escolhemos alguns textos significativos dos textos


Sinóticos:
O mundo conceitual do Evangelho de João

Termos mais característicos da Mt Mc Lc Jo


apresentação Sinótica
euaggelisasthai, euaggelion 5 7 10 0
(evangelho)
basileia (reino, reinado) 57 20 46 5

dynamis (força) 13 10 15 0

kakein (chamar) 26 4 43 0

Katharein (purificar, limpar) 7 4 7 0


Keryssein (proclamar) 9 12 9 0
metanoein, metanoia (conversão) 7 3 14 0

parsbole (parábola) 17 13 18 0
O mundo conceitual do Evangelho de João
É evidente que estamos diante de uma informação de suma
importância, que tem conseqüências de grande envergadura para a nossa
introdução. Digamos, em primeiro lugar, que os aspectos teológicos foram
claramente modificados.
Os temas que mais interessam a João não correspondem aqueles
que foram salientados pelos Sinóticos. Mas, é preciso ser mais concreto: os
temas que escolhemos na segunda lista correspondem todos, direta ou
indiretamente, ao tema central da pregação de Jesus segundo os sinóticos:
o tema do reino.
Jesus proclama que o reino está próximo, e convida (kalein) a todos
se converterem para fazer parte dele. Jesus ilustra a realidade, por sua vez
presente e iminente do reino mediante parábolas (parabloai), e suas ações
extraordinárias (dynamis) em favor dos oprimidos pelas forças sobre-
humanas do demônio são sinais da presença do reino (se expulso os
demônios com a força de Deus, então é que chegou até vós o reino de
Deus: Mt 12,28; cf. Lc 11,20).
Por isso, o reino é objeto da boa notícia (euagelion) que Jesus veio
proclamar (keryssein).
O mundo conceitual do Evangelho de João
Torna-se surpreendentemente que João parece não saber
nada disso tudo. Jesus neste Evangelho não anuncia o reino,
nem o proclama presente, nem o ilustra mediante parábolas.

Os gestos extraordinários de Jesus não são atos cheios


de poder que ilustram a chegada do reino, são antes sinais da
glória de Deus que se manifesta resplandecente.

Os homens, portanto, não são chamados à conversão,


não são convidados a fazer parte do reino: simplesmente são
exortados a acreditarem em Jesus.

Por isso o autor não se detém em dar conselhos práticos


nem em recomendar uma determinada práxis.
Estrutura básica do IV Evangelho

o IV Evangelho apresenta uma estrutura básica composta


de duas pastes: Passagens Narrativas e Diálogos e Controvérsias
(discussões).
Passagens Narrativas
Nas Passagens Narrativas são apresentados os sinais de
Jesus.
O que o quarto evangelho quer dizer quando se refere
aos gestos de Jesus e os chama de "sinais"?
A quantidade dos “Sinais”
É surpreendente a constatar que no quarto evangelho existem
muitos menos “gestos extraordinários" de Jesus do que nos evangelhos
"Sinóticos".
João conservou sete feitos prodigiosos de Jesus, em quanto que um
terço do evangelho de Marcos dedica-se à narração de "milagres" de Jesus.
No conjunto João torna-se, muito menos taumaturgo.
É preciso observar, Além disso, que esta redução de João é cons-
ciente e tem uma finalidade bem definida, tal como nos é indicado o final
da obra: "Jesus fez, diante de seus discípulos, muitos outros sinais que não
estão escritos neste livro" (20,30).
O autor do capitulo 21, consciente também desta redução, observa:
“Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma,
creio que o mundo inteiro não poderia conter os livros que se escreveriam
(21,25).
Se levarmos em conta apenas o ministério de Jesus antes da sua
entrada em Jerusalém, Mc dedica quase a metade das narrações aos
milagres (uns 200 versículos dos 425 que formam o núcleo Mc l—10).
Classificação dos Sinais

O tipo de relatos de "milagres" do quarto evangelho, coincide


fundamentalmente com os sinóticos.
De fato, três dos sinais do Jesus joanino se encontram também nos
Sinóticos:
-a cura do filho do funcionário real (Jo 4,46-54; cf. Lc 7,1-10 e Mt
8,5-13);
- a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15; cf. Mc 6,32-44par.)
-Jesus caminhando sobre as águas (Jo 6,16-21; cf. Mc 6,45-52 e Mt
14,22-23).
Existem mais três atos que são muito semelhantes aos Sinóticos:
a cura de um paralítico (Jo 5,1-18; cf. Mc 2,l-12par.),
a cura de um cego (Jo 9,1-7; cf. Mc 8,22-26 e Mc 10,46-52par.)
-a ressurreição de um morto (Jo 11,1-46; cf. Lc 7,11-17 e Mc 5,21-
43p).
Classificação dos Sinais

Qual permanece sem paralelismo?


a transformação da água em vinho do capítulo 2.

Mas o ciclo de Elias e Eliseu dos Livros dos Reis é o ponto de


referência importante para entender o sentido e o alcance dos feitos
prodigiosos de Jesus (a multiplicação dos pães está tipificada em 2Rs
4,42-44; a ressurreição da filha de Jairo em IRs 17,17-24 e 2Rs 4,18-37; a
cura de Naamã prefigurará as curas dos leprosos por Jesus, cf. 2Rs 5,1-
14).
Dentro destes ciclos temos o milagre de Elias do óleo e da
farinha que não acabam (I Rs 17,1-16) e, sobretudo o de Eliseu que faz
com que a viúva encha as vasilhas vazias de todos os vizinhos com o
pouco azeite que tinha para se ungir (2Rs 4,1-7).
Os “Sinais” no Evangelho de João
Ainda resta-nos ver, o sentido dos "sinais" joaninos.
Não é suficiente saber que estes relatos começaram como breves
narrações de atos extraordinários de Jesus que tinham um "princípio"
cristológica: "Quem é este?" (Mc 4,41; cf. Jo 8,25).
Convém averiguar o sentido concreto que o autor atribuiu a
estes “gestos” e por que os chamou precisamente de "sinais".
O Evangelho de João nunca utiliza nunca a palavra dynamls para
se referir-se aos gestos de Jesus de Nazaré.
Nem tampouco narra exorcismo algum de Jesus.
Por outro lado, fala dos fatos portentosos de Jesus como sinais.
Será preciso ver se com a palavra sinal o quarto evangelho quer
designar o que os sinóticos nos apresentam quando falam de atos
poderosos de Jesus.
O que pretendemos é encontrar o sentido exato e
específico dos sinais joaninos.
Ausência dos “atos poderosos”
Para os sinóticos os dynameis de Jesus são os atos po-
derosos que acompanham a presença ativa do reino entre os
homens.
Mas, o IV evangelho não fala do reino, nem descreve o
processo de implantação do reino entre os homens mediante a
expulsão dos demônios e a cura dos enfermos.
É lógico que João não fale de dynameis de Jesus, porque os
atos prodigiosos de Jesus não estão essencialmente relacionados
com a destruição do poder do demônio.
Isto não quer dizer que não haja neste evangelho uma
profunda hostilidade entre Jesus e Satanás (cf. 8,44; 12,31; 14,30 e
16,33), nem que a ação salvadora de Jesus não comporte uma vitória
sobre o demônio.
Mas a vitória se dará em outro nível (cf. 1Jo 5,4).
Os Sinais nos Sinóticos

A palavra semeion (sinal) é utilizada pelos evangelhos Sinó-


ticos em três sentidos diferentes:
- Num contexto escatológico
fazendo referência aos sinais dos últimos tempos e aos quais se
seguirá acompa a parusia (Mt 24,3.24.30).
Como prova apologética
que legitima as pretensões de Jesus (Mt 12,38-39; 16,1-4; Lc 23,8).
Nos sinóticos, este sentido é claramente pejorativo: são os
fariseus que pedem uma prova. Jesus não a dará.
-No livro dos Atos a palavra semeion
se une à palavra teras, formando uma expressão técnica que
designa os "milagres" de Jesus e dos apóstolos: sinais e prodígios.
Provavelmente é utilizada por Lucas em dependência da versão dos
LXX.
Caracterização dos Sinais joaninos
O mais característico do evangelho de João é a relação entre os
sinais e a fé. É suficiente apresentar uma breve vista de olhos nos lugares
principais do Evangelho para perceber quais são os sinais que estão ligados
à fé:
- 2,11: primeiro sinal de Caná e fé dos discípulos.
- 2,23: em Jerusalém muitos creem em Jesus por causa dos sinais
que realiza.
-3,2: Nicodemos vai até Jesus, de noite, movido pelos sinais que
faz.
-4,54: o funcionário real e sua família crêem por causa do sinal.
-7,31: o Messias, quando vier, não haverá maior sinal do que ele.
-9,16: um homem pecador não pode fazer estes sinais.
-10,41: João Batista não fez nenhum sinal.
-11,47: este homem faz muitos sinais... todos crerão nele.
-12,37: apesar de ter feito tantos sinais... não creram nele.
-20,30: fez muitos sinais... para que creiais.
Caracterização dos Sinais joaninos
À primeira vista, poderíamos dizer que o sinal joanino é aquele gesto
feito por Jesus que, uma vez visto pelos homens, conduz à fé.
Mas devemos sublinhar que a terminologia do sinal não é unívoca. A
palavra sinal tem diversos sentidos:
- anteriormente, vimos que o sinal como prova apologética, não é
aceito por Jesus: 2,18 e 6,30;
-mas, além disso, a fé que vem dos sinais não é uma fé na qual Jesus
confie: 2,23; 3,2; 6,26;
-na realidade, os sinais nem sempre conduzem à fé: 6,26 e 12,37.
Os Sinais, portanto, são recusados como prova apologética.
Além disso, Jesus desconfia dos sinais como meio único para crer:
"Se não virdes sinais e prodígios, não acreditais" (4,48; cf. 2,23).
Por isso, o ensinamento do evangelho é de que o sinal não é
imprescindível para a fé: “bem-aventurados os que não viram e
acreditaram" (20,29). Não é necessário "ver" para crer. Contrariamente, o
verdadeiro acreditar levará a um ver mais profundo: “Não te disse, se creres,
verás a glória de Deus?" (11,40).
Caracterização dos Sinais joaninos
Por isso os sinais são uma manifestação da glória para aqueles
que estão dispostos a penetrar no mistério de Jesus: “Assim em Caná
da Galiléia, Jesus deu inicio aos seus Sinais. E manifestou a sua glória
e os seus discípulos creram nele" (2,11).
Para eles os sinais são um meio que os leva à verdadeira fé:
contemplar a glória em Jesus, a glória do filho único (1,14; cf. 20,30-
31).
Este conceito de glória foi tomado do AT pelo quarto
evangelho. Ali esta palavra era utilizada para apresentar dois aspectos
importantes da revelação:
-a manifestação visível da majestade de Deus em atos
extraordinários e o fato do Deus invisível se manifesta aos homens em
atos extraordinários.
Nisto é a glória de Deus (cf. Ex 16,7-10; 24,17, etc.).
-Os sinais Joaninos têm, portanto, um antecedente claro e
definitivo no AT: os sinais que Deus realiza para seu povo no êxodo rumo à
liberdade (cf. Ex 10,1; Nm 14,11-22; Dt 7,19; 29,1-3).
O sentido dos Sinais joaninos
Os Sinais não são no quarto Evangelho uma prova que demonstre
a verdade da pretensão de Jesus. Tão pouco são um meio insubstituível
para chegar à fé.
Os Sinais são instrumento de manifestação da glória para aqueles
que estão dispostos a seguir a dinâmica da fé. Talvez, por isso, o Evangelho
de João sublinhe muito mais do que os Sinóticos, o elemento
extraordinário que envolve as ações de Jesus:
-Lázaro estava já morto há quatro dias,
-o cego o era cego desde o nascimento,
-o enfermo da piscina estava doente há trinta e oito anos, etc.
O sentido dos atos extraordinários de Jesus segundo, conforme
São João, é duplo:
-por um lado, como gesto prodigioso de Jesus, convida o homem a
uma penetração do mistério de Jesus que se aproxima dos homens. É aqui
que João se une aos sinais maravilhosos de Javé ao seu povo no momento
da saída do Egito.
Os gestos extraordinários mostram a presença da mão poderosa
de Deus no meio dos homens.
O sentido dos Sinais joaninos

Más há um outro sentido, o mais específico do evangelho de


João:
-em que Jesus já se realiza a plenitude da salvação.
Jesus é a plenitude da salvação de Deus. Jesus é a plenitude
da revelação salvadora de Deus.
Por isso, um ato de aprofundamento na realidade de Jesus
leva a entender que nele está a presença da realidade poderosa do
Deus distante e invisível, a presença da glória.
Somente a força poderosa de Deus pode explicar a
magnitude das atuações de Jesus.
O sentido dos Sinais joaninos

Por isso, os sinais são, sobretudo, como um raio desta glória


que se dá na sarx.
O IV Evangelho, convencido de que em Jesus já chegou a
salvação final, penetra na realidade de Jesus e percebe que em seus
gestos, em sua atuação, existe uma aproximação do Deus invisível e
distante.
Não uma aproximação provisória e à maneira de exemplo,
mas uma presença total e definitiva.
A salvação, pois, não poderá vir por outra forma. É em Jesus
que se deve encontrar o Deus misterioso e em quem podemos
contemplar a "glória".
Esta é razão mais profunda pela qual o autor do quarto
evangelho está mais interessado na estrutura interna do sinal:
-quer penetrar na articulação interna destes atos
maravilhosos e ver aonde conduzem estes gestos.
O sentido dos Sinais joaninos

O que interesse a João é a estrutura essencial do sinal. E ali


descobre que conduzem muito longe, à fonte e origem da atividade
de Jesus:
-os sinais são uma manifestação da glória.
O mais característico dos sinais Joaninos, ainda que pareça
paradoxal, é que são realizados por Jesus. Por isso, o autor dirá que
João Batista não realizou sinais (10,41).
É que João não pode realizar nenhum, porque os sinais são
próprios do filho, que somente faz e diz o que vê e escuta do Pai
(5,19.30).
O interesse do autor não se apóia, efetivamente, nos gestos
de Jesus, mas à sua origem e fundamento. Por isso, podemos
afirmar que o que caracteriza os Sinais joaninos é o seu sentido
revelador.
O sentido dos Sinais joaninos
Os Sinais dão a conhecer a fonte e a origem da atividade de
Jesus, o que valoriza o seu agir, a razão mais profunda de sua
presença entre os homens. E aqui está, também, a sua maior
diferença em relação aos Sinóticos:
-nos sinóticos o interesse centraliza-se melhor no sentido
do processo da implantação do Reino mediante do reino mediante a
luta contra o poder do mal (cf. At 10,38; Mt 12,28).

Por isso, é importante para eles a ligação entre "milagre" e


exorcismo (sobretudo em Lucas).

João foi por outro caminho, um caminho de maior


aprofundamento da realidade de Jesus, em seu ser de enviado do
Pai.
Diálogos e Controvérsias
Uma palavra sobre o gênero literário
O diálogo é muito conhecido como gênero literário. So-
bretudo, era usado como veículo de uma apresentação mais ou
menos elaborada de aspectos doutrinais que deviam ser
aprofundados ou entendidos aos poucos.

Basta lembrar os diálogos de Platão, ou os de Luciano de


Samosata e de Cícero para entender o papel e o sentido deste
gênero literário:

- meio de ensinamento, de apresentação e aprofundamento


de um ou de vários pontos doutrinais que, são objeto de um
tratamento mais lento e com mais possibilidades de penetrar pouco
a ponto no mundo central que se quer iluminar.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

Nos primeiros doze capítulos do evangelho encontramos


muitos diálogos de Jesus.
Não obstante, existe uma série de características que fazem
com que distingamos duas classes de diálogos segundo os
interlocutores, o lugar, o tempo, os temas e as consequências.
Devemos ver estes dois tipos de diálogos separadamente,
porque correspondem as diversas finalidades:
1. Controvérsias
As controvérsias se encontram em 2,13-22; 5,16-47; 7,14-
24; 7,25-31; 7,32-39; 8,12-20; 8,21-30; 8,31-59; 10,22-39.
Em primeiro lugar faremos uma descrição das características
que especificam estes encontros de Jesus e depois deduziremos
algumas consequências.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

a) Tempo
E interessante observar que estas controvérsias sempre
ocorrem em que ocasião?
por ocasião de uma festa judaica:
2,13, Estava próxima a páscoa dos judeus.
5,1, Em seguida celebrava-se uma festa dos judeus.
7,2, Estava perto a festa dos judeus, chamada dos Tabernáculos.
7,14, Já estando a festa pelo meio.
7,37, No ultimo dia, o mais importante da festa.
10,22, Celebrava-se em Jerusalém a festa da dedicação do templo.
Existem algumas controvérsias que não estão delimitadas quanto ao
tempo (por exemplo: 7,25-31; 8,12-20; 8,21-30; 8,31-59),
mas, de fato, estão encaixadas de tal forma nos diálogos que Jesus
manteve no templo de Jerusalém, que podemos pensar terem acontecido
durante as festas.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

b) Interlocutores
Quem são?
Em todas as controvérsias, sem exceção, os interlocutores de Jesus
são os judeus de Jerusalém, ou, mais concretamente, os fariseus:
2,18, Os judeus tomaram a palavra.
5,10, Os judeus diziam.
7,15, Os judeus admiravam-se.
7,25, Diziam algumas pessoas de Jerusalém.
7,32, Ouvindo tais comentários, os fariseus...
8,13, Os fariseus lhe retrucaram.
8,22, Perguntavam os judeus.
8,31, Jesus dizia aos judeus que acreditaram.
8,52, Disseram-lhe os judeus.
10,24, Os judeus o rodearam e lhe perguntaram
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João
Com a matiz de 7,25 "algumas de Jerusalém diziam" (cf.
1,24), que indica que entre os judeus existe também divisão de
opiniões (cf. 7,43; 9,16 e 10,19), os interlocutores de Jesus são os
judeus que se encontram ao redor do templo e do culto.
Os fariseus, por outra parte, são os responsáveis diretos pela
repressão contra Jesus (7,47-48; 9,13-16.24-29.40; 11,46; 12,19.42).
Neste sentido, eles são uma especificação dos "judeus", os
oponentes de Jesus.
O autor sabe que os fariseus sozinhos não podiam tomar
medidas contra Jesus, por isso em algumas ocasiões ele coloca junto
com os fariseus os archiereis, que não devem ser identificados com
os "sumos pontífices" e sim com os oficiais do templo encarregados
de manter a ordem no templo.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João
C) Lugar - (Onde?)
As controvérsias com os judeus e os fariseus se dão sempre
em Jerusalém, e mais concretamente, no templo. Isto Já ficou claro
pelo fato de que pelo motivo das festas judaicas Jesus sobe a
Jerusalém, como vimos anteriormente.
Mas parece importante para o Evangelho de João assinalar
que as controvérsias ocorrem sempre no templo:
2,14, Subiu a Jerusalém e encontrou no templo vendedores.
5,1, Jesus subiu a Jerusalém.
5,14, e encontrou no templo.
7,10, Jesus também foi à festa (em Jerusalém).
7,14, Jesus subiu ao templo.
7,25, Diziam algumas pessoas de Jerusalém. 7,28, Ensinando no templo. 7,37, No
último dia da festa... Jesus fio (ao templo). 8,20, Estas palavras Jesus as proferiu
no tesouro do templo. 8,59, Jesus se escondeu e saiu do templo.
10,23 Jesus passeava no templo, sob pórtico de Salomão.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

d) Temas de discussão
Apesar da tonalidade de ensinamento que caracteriza as
intervenções de Jesus, não deixa de ser interessante constatar que
as controvérsias de Jesus com os judeus de Jerusalém se centralizam
em temas doutrinais de certa importância para o judaísmo e com um
aprofundamento que não se encontra nas tradições Sinóticas.
Eis os principais temas:
-O templo: 2,13-22; cf. 4,20-24. -O sábado: 5,16-19; 7,14-24; cf.
9,14-16.
-A legitimidade do testemunho de Jesus: 5,30-40; 8,14-20.
-Moisés e Jesus: 5,41-47; 7,18-24; cf. 1,17; 6,32; 9,28-29.
-A Escritura: 5,39-40; cf. 1,45. -A lei: 7,19; 7,51. -A circuncisão: 7,22-
24. -A origem do Messias: 7,25-31; 7,40-44; 7,45-52; cf. 12,34.
-A filiação de Abraão: 8,3-59.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

-Jesus e Abraão: 8,48-59.


-A liberdade: 8,31-36;
-A filiação divina: 8,41b-47;
-Jesus-Messias: 10,22-29.
-Jesus-Filho de Deus: 10,30-39.
No fundo, as discussões de Jesus com os judeus centralizam-
se numa pergunta fundamental:
-o que fica do judaísmo depois de Jesus?
Ou, querendo-se formular de outra maneira: -o que
representa a vinda de Jesus frente às pretensões judias?
Porque os pontos discutidos não são aspectos acidentais ou
periféricos, são as convicções judias mais centrais que são
questionadas. É o judaísmo como tal que fica solapado até as
raízes.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João
d) Forma de progredir nas discussões
Todas estas controvérsias avançam, pouco a pouco, para um
ensinamento cada vez mais profundo, com uma técnica literária
muito clara:
Qual?
o mal-entendido. Jesus faz uma declaração e os interlocutores
a entendem mal. Estes mal-entendidos tornam-se motivo para um
esclarecimento posterior de Jesus. Nestas controvérsias o mal-
entendido é, às vezes, grosseiro e tem claras conotações de ironia que
caracterizam tantos fragmentos deste evangelho.
Vejamos alguns exemplos:
-Quarenta e seis anos foram necessários para a construir este
templo e tu o reedificarás em três dias? (2,20).
-
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

Para onde irá ele que nós não podemos ir? Irá por acaso, aos
dispersos entre os gregos para ensinar gregos? (7,35).
-Tu dás testemunho de ti mesmo: o teu testemunho não é
verdadeiro (8,13).
-Por acaso irá ele matar-se; pois diz: parra onde eu vou, vós
não podeis ir? (8,22).
-Nunca fomos escravos de alguém, como podes tu dizes:
tornar-vos-eis livres? (8,33).
-Não dizíamos, com razão, que és samaritano e tens demô-
nio? (8,48).
-És, porventura, maior do que o nosso pai Abraão, que
morreu? (8,53).
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

e) O ápice das discussões


Em quase todas estas controvérsias o tema se inicia com uma
discussão sobre alguns dos pontos aludidos por ele, mas sempre
finaliza com uma relação a Jesus.
Primeiro se indica um tema, depois o “princípio” ou ápice do
diálogo:
- o templo: 2,21 - o templo do corpo de Jesus;
- o sábado: 5,17-18 - Jesus está acima do sábado;
- Moisés e Jesus: 5,46 - Moisés escreveu respeito de mim;
- a Escritura: 5,38 - a Escritura dá testemunho de mim;
- a origem do Messias: 7,28-29 - vós me conheceis e sabeis de onde
eu venho
- a liberdade: 8,36 - o Filho vos libertará
- Jesus-Messias: 10,25 - eu vo-lo digo, mas não me credes.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

A centralidade de Jesus se torna evidente justamente pelo


fato de que o que sobressai das discussões não são frases de Jesus,
que depois se converterão em afirmações lapidares do mesmo Jesus,
como encontramos frequentemente nos Evangelhos Sinóticos. Pelo
contrário, temos antes aqui temas judaicos que se contrapõem a
Jesus.
Todos os temas judaicos convergem para Jesus e é Jesus
quem lhes dá sentido e os ilumina: a lei, a Escritura, o templo, o
Messias, Abraão e Moisés, todos estes pontos capitais do judaísmo
são somente indicadores que apontam para Jesus.

Encontramos aqui um cristocentrismo que não se encontra


nos Sinóticos.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

Conclusão
Todas estas características procuram centralizar as
controvérsias no templo de Jerusalém, por motivo das festas
judaicas.
Se as festas são mencionadas é, portanto, para dar uma razão
ao tom de oposição radical que Jesus encontrou, e que, com toda a
segurança o levou à morte.
As festas são importantes na articulação destas
controvérsias, porque é através das festas que nos colocamos em
contato com os judeus de Jerusalém e, mais concretamente, com os
fariseus e os oficiais do templo que levaram a termo a sua
perseguição conseguindo a condenação de Jesus.
Por outro lado, é preciso ter presente que as festas judaicas
são “locus theologicus” por excelência da teologia judaica.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João
Por isso, o marco das festas é também um marco teológico
onde se pode discutir e questionar a teologia dos judeus. Em
particular, as festas da Páscoa e das Tendas-Tabernáculos têm um
lugar especialmente importante neste sentido.
E talvez, sob o ponto de vista doutrinal, ainda mais a festa
das Tendas do que a festa da Páscoa.
A festa das Tendas era a festa messiânica por excelência, era
a festa mais carregada de sentido escatológico, a festa da esperança
judaica. A Páscoa podia ser o centro da fé judaica, mas a festa das
Tendas o ponto doutrinal mais profundo.
Não nos deve causar estranheza, portanto, que tenhamos a maioria das
discussões de Jesus com os judeus situada na festa das Tendas (Jo 7-9); de fato, a
festa da Dedicação (10,22) era chamada também a festa das Tendas de inverno.
No fundo, sob o ponto de vista teológico, existe em João uma forte
concentração das discussões entre Jesus e os judeus no contexto da festa das
Tendas.
As Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de João

2. Diálogos
Referimo-nos, sobretudo, aos diálogos com
- Nicodemos (2,23—3,21),

-com a samaritana (4,742),


-com a multidão em Cafarnaum (6,24-59)
-e com as irmãs de Lázaro (11,17-44).
Estabelecemos um paralelo a fim de que possamos constatar
a diferença entre os dois tipos de diálogos do quarto evangelho.
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo

a) Tempo

Em contraste com o grupo das controvérsias, as indicações


sobre o tempo são pouco importantes no caso dos diálogos.
Na realidade, não sabemos quando aconteceram (a visita de
Nicodemos é a noite sem nenhuma outra indicação).
Em nenhum destes diálogos se encontram indicações
temporais;
inclusive no caso do diálogo sobre o maná e o pão da vida, a
indicação de 6,4 se refere ao sinal da multiplicação dos pães e não
ao diálogo que, conforme o que diz no final (6,59), ocorreu na
sinagoga de Cafarnaum.
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo

b) Interlocutores
São bastante variados, mas claramente delimitados e defi-
nidos.
-Nicodemos, um dos fariseus, que debaterá a favor de Jesus
em (7,50) e que acompanhará José de Arimatéia à sepultura de Jesus
(19,39), é o único dos dirigentes aludidos por João, e que vai até
Jesus;
portanto, a sua apresentação é mais a de um crente do que a
de um descrente (cf. 12,42-43).
-A mulher de Samaria chegará à fé a partir de uma fé que
não é exatamente a dos judeus (4,9); dificilmente se poderá evitar a
impressão de que esta mulher representará o acesso a Jesus a partir da
fé samaritana.
Este fato parece também ter sido levado em conta por Lucas
nos Atos dos Apóstolos (cf. At 8).
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo
-O terceiro diálogo apresenta um público flutuante: em
primeiro lugar, se fala de uma multidão (6,2.5.22. 24), e em seguida
se passa a falar dos judeus (6,41-52).
Não deixa de nos surpreender que na Galileia os interlocutores
de Jesus sejam chamados de "judeus".
Pois bem, o diálogo de Jo 6 parece estar mais próximo dos
outros três do que os das controvérsias de Jesus com os judeus de
Jerusalém; recordamos, além disso, que no final do diálogo se nos diz
que este se realizou na sinagoga de Cafarnaum (6,59).
-Finalmente, o diálogo de Jesus com as irmãs de Lázaro,
que precede à ressurreição do amigo de Jesus, é o diálogo com os
crentes que explicitam a sua fé (11,27).
Aqui estamos diante dos que creem ou dos que no futuro
crerão.
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo
c) Lugar
Se as controvérsias se mantiveram em Jerusalém, temos a dizer
que os diálogos ocorrem se realizam em lugares diferentes, mas sempre
fora de Jerusalém:
-Nicodemos procura Jesus de noite, mas não sabemos onde.
Provavelmente em Jerusalém, mas o autor não o sublinha isto e não se
pode assumir como dado do autor.
-O diálogo com a mulher da Samaria acontece em Sicar, próximo
do monte Garizim.
-O terceiro diálogo parece que se realizou na sinagoga de
Cafarnaum.
-Finalmente, o quarto está situado em Betânia, próximo de
Jerusalém, mas não existe nada que nos faça pensar no templo ou nos
oficiais do templo. Estamos em outro contexto.
Aqui, Galiléia (Cafarnaum), Samaria (Sicar) e Judéia (Betânia) são
bastante eloqüentes como lugares geográficos. É preciso observar se estes
dados têm uma significação mais profunda.
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo

d) Temas dos diálogos


Se nas controvérsias as discussões tinham como finalidade de
esclarecimento doutrinal em relação aos temas centrais do judaísmo,
aqui nos situamos melhor com temas cristãos:
- o batismo (Nicodemos),
- o culto (samaritana),
- a eucaristia (Cafarnaum)
-e a ressurreição (irmãs de Lázaro). Isto não quer dizer que
estes temas não se esclareçam em contraste com o judaísmo ou com
a fé samaritana.
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo
e) Modo de progredir dos diálogos
Esta é uma característica estilística. Não devemos surpreender ao
perceber que a técnica, aqui, é a mesma que encontramos no caso das con-
trovérsias: (qual é a técnica?)
o mal-entendido.
No entanto, aqui o mal-entendido é menos grosseiro. Recordamos
alguns exemplos:
- “Como alguém pode nascer sendo velho? Pode acaso entrar
outra vez no seio de sua mãe renascer?” (3,4).
- “Não tens uma vasilha e o poço é profundo... de onde pois, tira
essa água viva?” (4,11); cf. “Senhor, dá-me dessa água, para que não
tenhas mais sede, nem tenha de vir aqui para tirá-la” (4,15).
- “Senhor, dá-nos sempre deste pão” (6,34); cf. “Esse não é Jesus,
o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como então pode dizer agora:
Eu desci do céu?” (6,42).
- “Eu sei, que ressuscitará na ressurreição, no último dia”
(11,24).
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo
f) O ápice dos diálogos
Os temas vão sendo aprofundados, pouco a pouco, no
transcorrer do diálogo, mediante o mal-entendido.
Por exemplo, no caso da mulher samaritana começamos pela
afirmação de que Jesus é um judeu (4,9), mas depois a mulher se
perguntará se Jesus é maior do que Jacó" (4,12), logo em seguida,
confessará Jesus como profeta (4,19) e finalmente perguntará se Jesus é
o Messias aquele que deve vir (4,25).
A esta trajetória Jesus responderá com uma manifestação direta:
"Sou eu, o que fala contigo" (4,26); por isso os samaritanos poderão
confessar no final que Jesus é o salvador do mundo (4,42).
Este tipo de aprofundamento encontramos em todos os diálogos,
de modo que não é por acaso que todos finalizem com uma plena
manifestação de Jesus:
- “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do
homem (...) assim é necessário que seja levantado o Filho do homem, a fim de
que todo aquele que crer tenha nele a vida eterna” (3,13-14).
Controvérsias e os Diálogos do Evangelho de Jo
- Eu sou o pão descido do céu (...) Eu sou o pão da vida decido
do céu (...). O pão que eu darei é a minha carne para a vida do
mundo (6,41.48.51).
- Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que
esteja morto, viverá; E quem vive e crê em mim, jamais morrerá
(11,25-26).
No fundo, pois, o "princípio" ou o “ápice” destes diálogos é
uma revelação de Jesus ("Eu Sou").
O contexto não é tão doutrinal como o aquele que tínhamos
nas controvérsias.
Por isso, a relação de Jesus com os temas tratados não
permanece no nível doutrinal: Moisés escreveu sobre mim respeito
(...), mas passa-se a uma revelação pessoal de Jesus aos seus
interlocutores. O aprofundamento é, pois, maior do que o que
tínhamos nas controvérsias, mas, além disso, o que mudou é também
o tom fundamental dos diálogos em relação às controvérsias.
III. Reflexão sobre os gestos e as palavras de Jesus

Jesus não fala de seus gestos como "obras" suas.


De fato, as obras que Jesus realiza são as obras do Pai (10,37)
e é o Pai quem as realiza mediante o Filho (14,10).
Ora, o Pai mostra as obras ao Filho (5,19-20), as dá ao Filho
(5,36; 17,4). E o Filho as realiza (5,36; 7,331; 10,25.32.33.37-38;
14,10-11; 15,24), leva-as a cumprimento e à perfeição (4,34; 5,36;
17,4).
Neste sentido, as obras que Jesus faz dão testemunho (5,36;
10,25). Os homens, por sua parte, as vêem (7,3; 15,24) e se
maravilham (5,20). E as obras conduzem os homens à fé (6,28-29;
10,38; 14,11; cf. 15,24).
Uma fé que os leva ao conhecimento do Pai que enviou Jesus
(6,29; 10,38).
III. Reflexão sobre os gestos e as palavras de Jesus

A importância do tema das obras é também assinalado pelo


fato de que Jesus poder se referir-se a toda a sua atuação
empregando a palavra "obra":
"Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e
levar cumprimento a sua obra" (4,34);
e também: "Eu te glorifiquei na terra, concluí a obra que
me encarregaste de realizar" (17,4).
Toda a atividade de Jesus é, pois, uma "obra" que o Pai lhe
encomendou, fim de que a cumpra e a levar à perfeição:
"Tudo está consumado" (19,30).
Consequentemente os gestos e as palavras de Jesus são a
mesma coisa: são a obra que o Pai lhe encomendou.
As obras e as palavras não são duas realidades diferentes,
são a mesma coisa.
III. Reflexão sobre os gestos e as palavras de Jesus
Os gestos de Jesus, vistos pelos homens, são "sinais". Por
isso, quando é o evangelista quando nos fala dos gestos de Jesus, o
evangelho nos fala de "sinais".
Mas quando é Jesus que fala de seus gestos, os chama de
"obras".
Portanto, as "obras" são uma visão dos gestos de Jesus num
estágio de maior profundidade teológica.
A estrutura interna das palavras de Jesus é exatamente a mesma
que as obras.
Jesus fala e as palavras que pronuncia não são propriamente suas,
mas daquele que o enviou ao mundo (7,16; 14,24; cf. 14,10).
Jesus diz tão somente o que tem ouvido acerca do Pai (8,26; cf.
8,40; 12,49).
III. Reflexão sobre os gestos e as palavras de Jesus

Jesus recebeu do Pai as palavras que deve pronunciar (17,8).


Por isso, Jesus guarda a palavra que recebeu (8,55), a dá aos homens
(17,14).
E os homens têm de ouvi-la (5,24; 7,40; 14,24), têm de
guardá-la (8,31; 15,7; 17) têm de recebê-la (12,48).
Esta palavra os leva à fé (5,38; cf. 8,37), creem mediante esta
palavra (4,41; 5,24).
Observadas a partir do Pai que enviou Jesus, palavras e obras
são a missão que Jesus recebeu e há de levá-la a cumprimento.
E, neste sentido, palavras e obras são primordialmente uma
revelação daquele que enviou Jesus, porque são suas as palavras e
suas as obras.
É aqui onde o tema das obras (e das palavras) entrelaçam-se
plenamente.
III. Reflexão sobre os gestos e as palavras de Jesus

Para a comunidade que foi se aprofundando no sentido e no


alcance dos gestos de Jesus, os diálogos e as discussões são um meio
de explicitar o conteúdo da fé: é em Jesus que Deus se aproximou de
uma forma irrepetível.
Por isso a convicção de que Jesus é a palavra definitiva de
Deus, deu asas à reflexão teológica da comunidade joanina: é em
Jesus que a salvação se tornou real.
Por isso toda a apresentação da revelação está íntima e
essencialmente ligada à pessoa de Jesus.
Nele e somente nele se aproximou dos homens a salvação
definitiva.
Estamos diante de uma obra para crentes. O que o evangelho
de João quer é que aprofundemos nossa fé.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho

Qual é a mensagem teológica do IV Evangelho?

João apresenta a fé cristã no seu vértice mais


elevado e na sua especificidade mais cortante.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho

1. Alta cristologia e revelação do Pai


A teologia joanina é centralizada na cristologia. Jesus é
essencialmente o revelador do Pai por meio da sua pessoa e da sua
palavra; até mesmo por sua morte e ressurreição, lida como
“retorno ao Pai”.
Podemos sintetizar a alta cristologia de João, recorrendo a
quatro modelos interpretativos: o primeiro é um modelo
tradicional: Jesus é o Filho unigênito, enviado pelo Pai ao mundo
para salvá-lo (3,16-17).
Como Filho unigênito, somente ele o pode revelar (1,18),
“ele é no Pai e o Pai nele” (Jo 14,10-11). Esta mútua imanência é o
elemento específico do modelo joanino em relação aos sinóticos,
os quais, no máximo chega ao mútuo conhecimento entre o Pai e o
Filho (Mt 11,27; Lc 10,22).
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
O segundo modelo é apresentado no Prólogo: Jesus é o Verbo,
que no princípio estava com Deus e todas as coisas foram feitas por
ele. Encarnado, revela aos homens a glória do Pai e os conduz à graça e
à verdade. Ainda que pelos seus não seja acolhido, aos que crêem dá o
poder de serem feitos “filhos de Deus” (Jo 1,12-13). Neste modelo, é
afirmado explicitamente a preexistência eterna e divina de Jesus,
Verbo e Filho unigênito.
O terceiro modelo, unido ao título de “Filho do homem”, é lido
na perspectiva de escatologia presencial. O Filho do homem, descido
do céu (3,13; 6,38.42...) e portanto encarnado, se apresenta já (neste
momento) como juiz, que salva quem o acolhe na fé, mas
indiretamente condena quem o rejeita. Como Filho do homem, será
levantado da terra, atrairá todos a si (Jo 12,32); reinará na cruz (Jo 18-
19).
E portanto, irá com a ressurreição, “subir para o lugar onde
primeiro estava” (6,62; 20,17), aceno discreto à condição divina, na
preexistência.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
O quarto modelo cristológico aparece nos discursos de
revelação, típicos do Jesus joanino, em dupla forma: absoluta e
pronominal. A expressão absoluta “eu sou”, usada também para Jhwh
no AT (Deutero-Isaias, que reporta a Êxodo 3), coloca Jesus sobre o
mesmo nível de Deus.
Ali encontra-se três vezes (8,24.28; 13,19). O uso pronominal
encontra-se sete vezes: Jesus é o pão da vida (6,35.51), a luz do
mundo (8,12), a porta das ovelhas (10.7.9), o bom pastor (10,11.14), a
ressurreição e a vida (11,25), o caminho, a verdade e a vida, a videira
verdadeira (15,1.5); e revela aquilo que Jesus é para o homem e para
o mundo.
A mesma dupla orientação – para o Pai e para os homens – é
presente nas narrações dos milagres: enquanto obra do Pai revela a
unicidade de Jesus, Filho, com o Pai: “crede-me que estou no Pai, e o
Pai, em mim” (14,11; 15,24; cf. 5,21-23); enquanto “sinais”, revela a
sua ação salifica em relação ao homem, respondendo às suas
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho

Mas é no discurso da última ceia que Jesus comunica aos seus


amigos o mistério mais profundo da sua pessoa. No breve diálogo com
Filipe (14,8-11), Jesus lhe responde: “Quem me vê, vê o Pai... estou no Pai
e o Pai está em mim”. Jesus, portanto, é o único caminho que conduz ao
Pai, para alcançar a vida na sua fonte.
O Espírito-Paráclito, que ele enviará depois do seu retorno ao Pai,
continuarão junto de seus discípulos que continuará sua mesma missão: os
ajudará, os guiará, à compreensão da verdade por ele revelada e os assistirá
para testemunhá-la e defendê-la diante do mundo. Assim vem revelado o
mistério trinitário de Deus como mistério que se reflete na vida da
comunidade cristã: a unidade do Pai e do Filho revela também o envio do
Espírito, que reflete sua luz na comunidade de Jesus (17,20-23).
A alta cristologia de João depende do evento histórico, lido em
profundidade como os olhos da fé: o Verbo encarnado é a revelação e a
visualização do Pai invisível e transcendente. É uma revelação histórica
que, acolhida na fé, faz o homem entrar na vida de Deus.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho

2. Antropologia radical e vida eterna

O homem para João resulta imerso nas trevas, sob o domínio


do príncipe deste mundo, o diabo (8,44; 1Jo 2,9-11; 3,15). Se rejeitar
conscientemente crer, permanece nas trevas. O único modo de sair
das trevas e ir para a luz e possuir a vida é ir ao encontro de Jesus e
deixar-se iluminar por ele, “luz do mundo”.

Para João, a fé é aquilo que a conversão é para os sinóticos


(metanoeia).
Quem não quer crer, é porque não quer se converter, é porque
não quer ser incomodado nas suas más obras.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
Talvez nenhuma passagem do Evangelho exprima a sua
antropologia de modo tão claro e sintético como o comentário final do
diálogo de Jesus com Nicodemos: “Pois Deus amou tanto o mundo, que
entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo, para
julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (3,16-17).
A intenção do Pai ao enviar o Filho ao mundo é só aquela de
salvá-lo; se o mudo é condenado, é só por culpa do mundo, porque o
homem não crê. Eis como continua o discurso: “Quem nele crê não é
julgado; quem não crê, já está julgado, porque não creu no Nome do
Filho único de Deus.
Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens
preferiram as trevas à luz, porque as suas obras eram más. Pois quem faz
o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam
demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade, vem para a
luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus”. (3,18-21).
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
Neste trecho, se revela a concepção joanina de uma salvação
do homem já presente. Ao passo que nos sinóticos a vida eterna é
futura, para João ao contrário é já presente no crente e a morte, para
ele, não tem nenhuma importância (8,51-52). Mas ao mesmo tempo
também a condenação é já presente para quem rejeita acreditar e
permanece nas trevas: “morrereis em vossos pecados” (8,24), isto é,
a morte eterna.
A resposta de fé implica também a práxis, o “fazer a verdade”,
pôr em prática a palavra de Jesus (12,47), viver nela (17,17) e,
consequentemente, praticar a recíproca caridade fraterna. Aquele
que crê em Jesus é também aquele que ama e nada pode senão
amar; e possui portanto a vida e a doa. Quem, ao contrário, está
sob o poder das trevas e do maligno não pode senão odiar e querer a
morte do homem, como o diabo (8,44; 1Jo 3,8-15).
Divisão radical do homem, que chega até mesmo ao íntimo do
coração, onde ele decide a sua existência: escatologia presencial e
ética do amor.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
Eclesiologia, Sacramentos e Escatologia Futura
A eclesiologia de João aparece sobretudo no c. 21, isto é, na
segunda edição do Evangelho. Jesus confia as suas ovelhas a Pedro,
que continua visivelmente o ministério pastoral de Jesus (Jo 10) no
tempo da Igreja. É porém um ministério centrado na fé em Jesus, o
santo de Deus (6,68-69) e no amor a ele (21,15-17) de modo que as
ovelhas sejam conduzidas ao seu verdadeiro Pastor, Jesus.
O apascentar implica o ministério da palavra (17,20) e a guia
pastoral na vida prática. Ao invés não é claro a relação dos apóstolos
com os sacramentos senão em 20,21-23, onde, mediante o dom do
Espírito, é dado a eles o poder de perdoar e reter os pecados, sem
contudo precisar como.
Também quanto ao batismo (3,3-5; 19,34-35; 1Jo 5,6-8) e a
eucaristia (6,51-58) o evangelista sublinha mais a necessidades deles
e, para a eucaristia, o seu valor de inserção vital em Cristo, mais do
que o aspecto propriamente sacramental.
IV. Mensagem Teológica do IV Evangelho
Eclesiologia, Sacramentos e Escatologia Futura
Em suma, tudo vem orientado para o centro: a pessoa de
Jesus. João, mais que a autoridade eclesiástica e os sacramentos, que
parecem um dado pacífico na sua comunidade, está preocupado,
antes, em colocar em evidência o significado cristológico deles. É
preciso evitar a instituição em si mesma, nem se deve conceber os
sacramentos no sentido automático e mágico, destacado de Cristo.
Esta é a admoestação de João. Sob esta perspectiva, que
encarna a fé em uma comunidade estruturada e em sinais concretos
de salvação, anuncia-se sua aparição breve também a escatologia
futura, ligada estreitamente à pessoa de Jesus, como aquela
presencial: “E eu ressuscitarei no último dia” (6,39-40.44.54).
O cristão vive numa comunidade na qual encontra na palavra
de Jesus, a orientação, a vida e a esperança na ressurreição futura e
na volta do Senhor (21,22).

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