D IS SIDEN T E E O ES PAÇ O PE RF O RM AT IVO DA 7ª Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do ED IÇ ÃO DA FE S TA DA CA STAN HA NA CO M U NI DAD E Norte IN DÍG ENA DO AMAR EL ÃO E M J OÃO CÂ MARA- R N Lore Fortes – Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte RESUMO O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma cartografia do espaço performativo da 7ª edição da Festa da Castanha que aconteceu na comunidade indígena do Amarelão na cidade de João Câmara, interior do Rio Grande do Norte, no dia 25 de agosto de 2018. Para tanto, leva-se em consideração a noção de cartografias queer de Preciado (2017) diante da percepção dos usos desviados dos espaços normativos na produção de uma geografia dissidente e o pensamento de Žižek (2017) sobre o acontecimento como a própria subjetividade. 1. DA CASTANHA, SUBJETIVIDADES - A comunidade é uma da região que situa o povo Mendonça entre o Assentamento Santa Terezinha, Serrote de São Bento e Nova Descoberta. - Localizada em João Câmara, interior do Rio Grande do Norte. - A principal fonte de renda dos moradores da comunidade é a castanha beneficiada pelas famílias da comunidade. - O Amarelão conta com a presença de 295 famílias, totalizando ao todo 374 famílias nas três áreas do povo Mendonça. Mais da metade dessas famílias, cerca de 59,5%, dependem do benefício da castanha para sobreviver. - Segundo Jussara Guerra (2010), o povo Mendonça, descendentes de indígenas Tapuia, habitantes do interior norte-rio-grandense, representa a maior comunidade indígena do Rio Grande do Norte. 1. SELECIONAR, CORTAR, QUEBRAR E DESPELAR - Toda família participa do processo de benefício da castanha, homens beneficiam em pé, mulheres beneficiam sentadas. O trabalho ocorre em casa, geralmente no quintal. - Entende-se que além dos mecanismos de trabalho envolvidos na produção, existe a noção de transmissão de saberes pelo benefício da castanha. - O corpo e o plano possuem uma espessura processual no benefício da castanha. - 7ª edição da Festa da Castanha como divulgação do trabalho. CARTOGRAFIAS QUEER OU TRANSVIADAS - Surge a necessidade de perceber os espaços de subjetivação como antes de tudo, espaços performativos, uma vez que, a cartografia queer pretende compreender os espaços e suas divisões públicas ou privadas no desenho de geografias dissidentes. - Se para Preciado (2017) a circulação dos corpos atravessa os espaços como teatros de subjetivação, pode-se ressaltar o reflexo de uma cartografia queer, o sentido de analisar a produção de subjetividade em termos de movimento, ao invés de posição. - Pois existem processos envolvidos no plano de agenciamento. - “A espacialização da sexualidade, da visibilidade e da circulação dos corpos, e a transformação dos espaços públicos e privados como atos performativos capazes de construir e desconstruir a CARTOGRAFIAS QUEER NO AMARELÃO - Evidencia-se a dimensão performativa da tradicional Festa da Castanha, não no sentido de desenhar um plano dominante das representações sociais, mas sim um plano de singularidades dos acontecimentos tateados pela reatividade das forças envolvidas nos processos de subjetivação. - A partir dessa noção performativa dos espaços é possível traçar um percurso até o pensamento de Žižek (2017) sobre o acontecimento como a própria subjetividade. - Acompanhar os processos da Festa da Castanha e as relações outras com os espaços. ME LEVE PARA DANÇAR, ME CHAME PARA NAMORAR Programação: - Das 9 horas às 17 horas, houve a exposição e comercialização dos produtos da comunidade que se derivam no artesanato indígena, na castanha do caju e nas comidas típicas de castanha. - Até às 16h esteve aberta uma exposição fotográfica sobre os Mendonça do Amarelão. - Às 10h, houve uma trilha ecológica com alunos da rede pública municipal de João Câmara e docentes e discentes do curso de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) de Natal até a Pedra das Letras e a Pedra do Sino. - A abertura oficial da 7ª edição da festa ocorreu às 12 horas com a apresentação da dança indígena potiguara do Toré. - Às 13 horas jogos e brincadeiras da Castanha foram realizadas, sorteando prêmios para crianças e adultos da comunidade. - “A história, a cultura e a economia dos Mendonça do Amarelão” foi apresentada às 14 horas por Ismael Souza. ME LEVE PARA DANÇAR, ME CHAME PARA NAMORAR - Às 16h O Boi de Calemba Pintadinho, derivação dos Reisados do Maranhão, fez uma apresentação em cortejo cênico no pátio. - DJ Caroço: 19-22h. - Shows: 22h. - De acordo com a segurança do evento, foram contabilizadas 500 pessoas no espaço da associação até às 23 horas e 46 minutos. GEOGRAFIAS DO ESPAÇO PERFORMATIVO Geografia dominante: No meio, pessoas, em sua maioria solteiras, bebem cervejas, cachaças e conhaque em mesas plásticas sem cadeiras; nas laterais, pessoas solteiras e, em geral casais, dançam e bebem também em mesas, porém com algumas cadeiras; no final, mulheres e meninas comem, sentam, conversam e utilizam smartphones e homens e meninos ficam em pé, comem, conversam e também utilizam aparelhos eletrônicos; no começo, crianças se aglomeram em multidão na frente do palco, dançam e reproduzem atos dos adultos, sendo os mesmos dos seus pais ou não, os meninos chegam a segurar bebidas e até beber, meninas dançam umas com as outras, meninos não. OS PONTOS CARTOGRÁFICOS - É possível perceber que na fila para comprar bebidas existem, em grande maioria ou até exclusivamente, homens. - Camada mais estratificada da espessura processual (BARROS; KASTRUP, 2009) do plano performativo. - Após 0 horas, o banheiro masculino, nos termos de Augé (1992), desempenha uma função de não lugar do lugar que é o banheiro. - Tanto as mulheres heterossexuais como os homens homossexuais consideram o boné usado, geralmente, por homens heterossexuais, um elemento importante na paquera da festa. - Homossexuais começam a frequentar a festa com mais presença depois da meia noite = 20 bichas - Após às 2 horas, homens casados tidos como heterossexuais começam a socializar com o público, chegando até desenvolver paquera ou “dar o bote”. PERCURSOS E ROTAS - Homens heterossexuais testam homossexuais em pequenas disputadas de quem bebe mais, tanto no sentido de se auto afirmarem diante das companheiras, como explica Trotta (2014) sobre a safadeza no forró. - Quando as “bichas” começam a dançar entre si, o desconforto por parte das mulheres sentadas no final do espaço e a contemplação. - Durante o show de “Vivi Brito e a Farra da Ruivinha”, LGBTTs+ sobem no palco e dançam, podendo desenvolver estratégias de formação de desejo no âmbito das micropolíticas do campo social. - Pode-se ressaltar o corpo vibrátil (ROLNIK, 1989) para captar a singularidade da situação e reatividade da emergência de intensidades no plano cartográfico. CONSIDERAÇÕES FINAIS - Faz-se necessário para acompanhar os processos envolvidos na dimensão performativa do espaço, podendo delinear movimentos nas relações de gênero e poder entre os indivíduos envolvidos no acontecimento do evento. - Perceber a embriaguez dos homens e os ritos de virilidade na autoafirmação do espaço, a movimento da mulher em dançar com LGBTT+, a criança como artefato gestual do adulto e a vibração do próprio corpo dissidente no palco da festa após determinado horário. - Considera-se o corpo da bicha indígena do Amarelão no plano cartográfico, como potente, principalmente, por delinear a performance que ganha “existência no espaço relacional que estabelece entre o corpo e suas técnicas de publicação CONSIDERAÇÕES FINAIS - Ao mesmo tempo, avalia-se a mesma capacidade da bicha indígena atuar como flâneur perverso (PRECIADO, 2017) ao poder ocultar as relações mais interpessoais das lésbicas, como por exemplo. - Por isso, ressalta-se a mudança de posição da mulher ao dançar com uma pessoa LGBTT+ como além de potente, emergente no plano cartográfico por reposicionar relações de poder e enunciados performativos na desestabilização do corpo marginal, logo, sujeito a vigilância e controle. - O importante nessa prática cartográfica é não produzir novos silêncios, mas apontar “os usos desviados dos espaços normativos e a produção de geografias dissidentes” (PRECIADO, 2017, p. 5). A cartografia queer permite desenvolver um “trabalho de desconstrução dos códigos normativos de representação do gênero, do sexo e da sexualidade e da transgressão dos limites dos espaços públicos e privados nos quais os diferentes corpos ganham visibilidade e reconhecimento” (PRECIADO, 2017, p. 29). REFERÊNCIAS AUGÉ, Marc. Não-lugares. Papirus Editora, 1994. BARROS, L. P. & KASTRUP, V.(2009). Cartografar é acompanhar processos. Pistas do método da cartografia: Pesquisaintervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.1. São Paulo: Ed. 34, 1995. GUERRA, Jussara Galhardo Aguirres. Os mendonça do amarelão: identidade, memória e história oral. Mneme-Revista de Humanidades, v. 4, n. 08, 2010. PRECIADO, Paul B. “Cartografias ‘Queer’: O ‘Flâneur’ Perverso, A Lésbica Topofóbica e A Puta Multicartográfica, Ou Como Fazer uma Cartografia ‘Zorra’ com Annie Sprinkle”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 5, n. 17, jan. 2017. ISSN: 2316-8102 ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental, Transformações contemporâneas do desejo. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989. TROTTA, Felipe. No Ceará não tem disso não: nordestinidade e macheza no forró contemporâneo. Letra e Imagem Editora e Produções LTDA, 2014. ŽIŽEK, Slavoj. Acontecimento: uma viagem filosófica através de um conceito. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. 192p.