You are on page 1of 53

Capítulo 1.

A pré-história da
criança
Livro: Nove meses na vida da mulher:
uma abordagem psicanalítica da
gravidez e do nascimento
Autores: Szejer e Stewart
• 1) História do homem, da mulher e do
casal, desde do encontro até o projeto
comum – ou não – da gravidez.
• 2) Significados e implicações do projeto
de gravidez e de ser pais.
• 3) Para que uma criança nasça,é preciso,
no mínimo, ser três, às vezes quatro.
• 4) A criança nasce de um certo “banho de
linguagem” – precede o ser humano
dando-lhe vida e forma.
• Toda a criança vem ao mundo precedida
por um banho de linguagem.

• História no seio da qual sua existência


começou e se inscreve, inicialmente,
através de palavras que presidiram o
encontro mais ou menos bem-sucedido de
duas linhagens e que chega, um dia, a
essa fecundação.
• Banho de linguagem: todas as palavras
que preexistem à vida humana e que
concernem a ela de uma maneira ou de
outra.
• Não se limita às palavras ouvidas pela
criança no momento em que aprende a
falar.

• Existe no seio da família e se constitui


pelo encontro de duas linhagens.
• Cada linhagem tem a sua história com os
ditos e os não-ditos que fazem sua
especificidade.
• Cada membro da família tem sua versão
da história.
• É a partir de todas essas palavras mais ou
menos convergentes e de todos esses
não-ditos, que se criam as bases das
formações inconscientes, que se tornam
depois conscientes, a partir das quais toda
nova vida pode ser pensada.
• Assim forma-se o psiquismo da criança.

• Inconsciente – consciente.

• O conteúdo do consciente se constrói a


partir desse banho de linguagem
específico que faz parte dessa família,
preexiste à criança e a ela será
transmitido.
• A existência da criança consistirá, em
parte, em negociar esse banho de
linguagem e estabelecer arranjos com seu
próprio talento.

• Em função dessa herança: determinará e


conduzirá sua própria vida.
• Pré-história da criança: todas as palavras
que a precedem e lhe concernem mais ou
menos diretamente. São aquelas que
fazem a história do casal e do projeto de
gravidez.
I. A história do casal

• História de antes do encontro + história do


encontro + história à qual esse encontro
deu lugar
• A história de antes do encontro: é a de
cada um (desta mulher e deste homem),
inscrita em sua própria família,
enriquecida pela de seus ascendentes e
colaterais, e que determina, em parte, o
lugar deste indivíduo nesta família e a
maneira como ele poderá, por sua vez,
criar (ou não) uma família.
• Numa família – cada um ocupa um lugar
preciso em relação aos outros!

• Exemplos: o primeiro, o segundo, o mais


inteligente, o atencioso, o caprichoso, o
serviçal, o irmão mais velho devotado, a
irmãzinha minada, etc.
• Este lugar é, em parte, determinado pelo
banho de linguagem.
• Pode ou não ocupar o lugar.

• Uma vez adquirido esse lugar, é preciso


perguntar: que lugar é esse e se permitirá
àquela ou àquele que o ocupa gerar filhos
e fundar, por sua vez, uma família.
• A história de cada um (conflitos resolvidos
e os não resolvidos) + o lugar que ocupa
em sua própria família: podem permitir a
realização de um encontro / determinar
encontro.

• A maneira como se forma o casal: faz


parte da pré-história da criança e vai influir
no seu futuro.
• Para cada membro do casal: o encontro adquire
sentido em sua própria história e vai fazer parte
do banho de linguagem do qual emergirá o filho.
• Exemplos:
• O filho que surge de um casal que não se
entende bem carregará o peso de uma missão
reparadora.
• Isto não significa que o peso o esmagará ou que
cumprirá essa missão.
• A missão fará parte de sua bagagem e terá um
impacto sobre seu comportamento.
• Exemplo: filhos do Édipo.
• Papéis atribuídos à criança pelo
inconsciente: são determinantes, mas
nem sempre tiram sua liberdade. A
pressão inconsciente poderá ter:

• 1) Um papel destrutivo;
• 2) Fornecerá uma energia construtiva e
criadora.
• Todas as mulheres e todos os homens
têm uma idéia precisa, enraizada em sua
história do que é um casal em geral e do
casal do qual fazem parte em particular.

• Idéia: demarcada por seus modelos


familiares e culturais e é dela que a
criança nascerá e dela será portadora.
• Mais tarde, a impressão que a criança terá
da vida conjugal será INFLUENCIADA por
essas idéias que lhe deram origem.

• Nem toda repetição é dramática.


• Está presente em todas as famílias. Não
há história familiar sem repetição.
• Mas quando ela é dramática, torna-se
urgente rastreá-la para tentar impedi-la.
• Exemplos:

• Casos de abandono.
• Casos de maus-tratos.
• Caso da mãe solteira.
• Deve-se dizer às crianças que não se
sabe quem é seu pai, quando é o caso?

• O que lhes deve ser dito de sua história,


desta pré-história que a precede?

• Há elementos que convêm esconder delas


para poupar-lhes sofrimentos inúteis?
• Pais (boa-fé): dissimulam de seus filhos
informações sob o pretexto de poupá-los -
escondem:

• Um luto;
• Um suicídio;
• Uma viuvez;
• Um divórcio.
• Boa-fé: superficial. Os pais que filtram a
realidade protegem a si mesmos de
perguntas ou de reações das crianças.
• Não ousam enfrentar a dor da criança.
• Todos os eventos, quando são colocados
em palavras, formulados, podem
encontrar um lugar na história.
• Podem fazer sofrer: sofrimento terá uma
razão conhecida.
• Não-dito: faz um “buraco” – a criança sabe
que aconteceu alguma coisa importante,
já que ela viveu isso, mas ela não pode
colocar em palavras.
• “Buracos”: geram a repetição dramática.
• Tratamento: o “buraco” pode ser
preenchido. O acontecimento pode
retomar seu lugar, e a história, o seu
curso.
• Estas descobertas permitem afirmar que
toda a criança tem direito à sua história.

• O saber não é objetivo. Cada um tem sua


verdade. Todas as palavras permitirão à
criança que se determine e se estruture.

• Não-dito: impede estruturação - é


destrutivo.
II. O projeto de gravidez
• Um filho:

• Desejo de um homem + desejo de uma


mulher: do encontro nascerá um terceiro
desejo – desejo de vida que vai se
encarnar num corpo de filho.
• Para que um filho nasça, é preciso ser
três (o pai, a mãe e o filho).
• Encontro de dois desejos (do homem e da
mulher): nasce um PROJETO.

• Projeto (consciente ou não): faz parte da


pré-história do filho.

• Esta origem está inscrita no inconsciente


parental como uma verdade concernente
a esta criança.
• A questão da contracepção:

• O desejo não pertence apenas à ordem do


consciente!

• O desejo inconsciente é mais forte que todas as


decisões racionais.

• Atos falhos: discursos (do inconsciente) bem-


sucedidos.

• É ligando o evento ao contexto que a verdadeira


razão pode emergir.
• Desejar um filho: diferente para o homem
e para a mulher.

• Contexto: noção de tempo – há diferença


no modo de se relacionar com o tempo.

• Interfere no encontro e no projeto de ter


filhos.
• Mesmo o desejo sendo compartilhado,
podem surgir obstáculos ou mesmo
pressões impostos pela sociedade.
• Mulher – assegurar vida profissional.
• Garotas – aborto. São experiências
sempre dolorosas. O desejo fracassa e o
filho é deixado para mais tarde.
• O desejo sempre é AMBIVALENTE –
desejo de duas coisas contraditórias.
Implica em renúncias.
• Ambivalência nos casais: articulação entre
suas histórias respectivas que não lhes
permite um encontro comum sobre o
desejo de ter filhos.

• A censura inconsciente não funciona no


absoluto, mas articulada com uma
situação particular, num contexto histórico
dado.
• Desejo de ter filhos: não é igual para o
homem e para a mulher – tem significados
diferentes.
• O desejo de ter filhos não surge com a
capacidade biológica de reproduzir.
• Infância ou idade madura.
• O desejo é elaborado sempre em
referência aos modelos de cada um.
• Encontro e projeto de ter filhos: os desejos
se articulam.
• Desejo de ter filhos é DIFERENTE do
projeto de ser pais.

• Projeto de ser pais: implica a forma como


cada um se vê como futuro pai / mãe.

• Adoção: é questionado sobre o desejo de


ser pai ou mãe.
• Quando se deseja um filho, é o filho que
se projeta, imaginariamente, no futuro.

• Ter um projeto de ser pais é projetar a si


mesmos no futuro como pais desse filho.

• Projeção: relaciona-se com os pais que se


teve ou com outros modelos parentais.
• Cada um tem uma idéia de como seu
companheiro deveria se comportar como
pai ou mãe.

• Idéia pode fazer parte dos elementos


determinantes do encontro.
• Fazer o luto de um sonho para admitir a
realidade: pode ser causa de sofrimento.

• Há muitas formas, igualmente boas, de


assumir o próprio papel de pai ou de mãe.
• Projeto de ser pais: concerne a toda a
família.
• Será que as idéias dessas linhagens
concernentes ao projeto parental deste
casal concordam ou entram em
dissonância?
• Inclusão de parâmetros culturais e sociais.
• Ao longo da vida conjugal, cada membro
evolui , mas nem sempre na mesma
direção.
• Cada filho pode se inscrever em uma
determinada linhagem.
• Por que cada filho e não todos?
• Porque cada gravidez é diferente e tem o
seu próprio significado, o qual depende de
vários fatores.
• Cada gravidez surge e evolui em um
determinado momento da vida do casal.
• Cada gravidez evoca, para o pai e para a
mãe, sua própria história e os remete a
ela.

• O lugar singular de cada filho fará eco aos


diferentes lugares ocupados por seus pais
entre os próprios irmãos.
• A posição ocupada entre os irmãos: toca
os pais / pode remontar a várias gerações.

• Exemplos: crianças mortas.

• Lutar contra as imagens que os mortos


deixaram, contra as marcas que ficaram
nos sobreviventes, é uma das tarefas
mais difíceis.
• Cadáveres impregnam o banho de
linguagem.

• Um casal que se prepara para ter um filho:


não pode prever coisa alguma – cada um
negocia a seu modo a própria história
familiar.

• Criança – engordar.
• Colocar em palavras – o fato retoma o
lugar que lhe compete na história passada
e a criança presente pode tomar seu
próprio lugar.
• O projeto, consciente ou inconsciente,
feito para o filho, também faz parte do
significado da gravidez.
• Exemplos: projeto sexuado / reparador.
• Criança: portadora do nome do
desaparecido.
• Cada um vai lidar com o projeto
conforme sua criatividade, seus dotes,
seu talento.
• Projetos mais constrangedores: crianças
que antes de serem concebidas tem um
função precisa.

• Exemplo: transplante de medula.

• A palavra tem importância primordial. No


nascimento da criança, a função de sujeito
(ativo e desejante) deve ser reconhecida.
• Na pré-história do filho, é preciso incluir a
sexualidade dos pais, a forma como ela é
vivida e como funciona para o casal,
podendo impregnar a gravidez.

• As palavras dos pais concernentes à


origem do filho encaixam-se na forma
como eles vivem a sexualidade.
• As mulheres grávidas têm, algumas vezes, uma
idéia das circunstâncias em que foram
concebidas.
• Lembranças: alimentam fantasias mais ou
menos felizes.
• Fantasias dos bebês de proveta, daqueles que
foram concebidos por doação de esperma ou
óvulo ou dos superprogramados?
• Qualquer generalização será falsa.
• Fantasias: não são necessariamente negativas.
• Esterilidade e seus desdobramentos –
procriação medicamente assistida.

• Evoca o leque de possibilidades possíveis


e as diversas situações que levam as
pessoas a se engajarem em tais
aventuras.
• Casal estéril: primeiro movimento é
atribuir à mulher.

• Mais de 90% dos casos é a mulher que


consulta primeiro.

• Mulheres: existem duas categorias de


esterilidade:
• 1) Explicáveis – razões orgânicas;
• 2) Inexplicáveis - psicogências.
• Esterilidades orgânicas: técnica de
procriação medicamente assistida.

• Procedimentos habituais: inseminação


artificial, estimulação ovariana ou uma
fecundação in vitro.

• Trajetória difícil e penosa, cheia de


angústia e decepções, assim como de
expectativa e esperança.
• Filho: esperado e desejado demasiadamente –
virá ao mundo marcado por esse selo.

• Técnicas: perturbam as estruturas


inconscientes.

• Aspectos típicos que afetam essa situação:

• Casal pode se sentir incompetente.


• O filho precisará se estruturar a partir de ditos e
não-ditos.

• O que leva um determinado casal a se lançar


nessas tentativas?
• Vencer a esterilidade ou ter um filho?

• Casais que pedem a interrupção da gravidez


depois de obterem uma fecundação com auxílio
médico – conflito inconsciente que ignoram.
• Alguns casais: não podem funcionar
harmoniosamente a menos que estejam a
dois. O terceiro é excluído ou inviável.
• Para que um filho nasça, é preciso que
dois desejos se articulem para dar origem
a um terceiro desejo que virá se encarnar
no corpo do filho.
• Articulação não pode ser feita: técnica
impotente.
• Esterilidade no homem:

• Esperma pobre – variações.


• Pré-história da criança.
• Um silêncio diante de uma pergunta
marca mais do que uma resposta.
• A criança identifica o silêncio, mesmo que
não possa colocar em palavras, como o
lugar que há alguma coisa para se dizer.
• Pré-história que emerge aos pedaços.
• Palavras – BANHO DE LINGUAGEM do
qual o filho emerge – estruturação.

You might also like